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Reforma do Estado

A reforma do Estado no período FHC e as propostas do Governo Lula

1. O contexto neoliberal 34

2. A reordenação estratégica do Estado


como suporte do mercado globalizado 37

3. A consolidação do Estado como suporte


à competitividade: o marco legal, a privatização
e as agências de regulação 39

4. As agências reguladoras 46

5. A administração gerencial do Estado 50

6. Perspectivas: continuidade ou mudança? 55

Referências 59
A reforma do Estado
no período FHC e as propostas
do Governo Lula
Vicente de Paula Faleiros
Assistente Social, Doutor em Sociologia,
professor da Universidade Católica de Brasília, pesquisador da UnB,
consultor e autor de livros de política social

O objetivo deste capítulo é o de contextualizar, nas relações de


mundialização capitalista, a reforma do Estado brasileiro nos dois
mandatos do Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e
1999-2002), considerando três olhares1 nessa “reordenação estratégica
do Estado”: o primeiro se refere ao contexto neoliberal, o segundo
à transformação do estado desenvolvimentista em estado de susten-
tação da competividade (incluindo a estabilização econômica), e o
terceiro diz respeito à reforma do aparelho do Estado. Não menos
importante é a mudança do papel do Estado na garantia da proteção
social, como foi feito na Reforma da Previdência (Emenda Cons-
titucional número 20), mas não foi possível abordar essa reforma
devido à limitação desse texto2.

1
Vejo a pesquisa como um desvelamento e um velamento através de grades de referência para dar
conta da realidade como totalidade na expressão multilateral de suas dimensões (FALEIROS, 2001)
2
Pode-se consultar a Revista Ser Social, n. 11, da Pós-Graduação em Políticas Sociais da UnB, e o
livro Previdência Social em questão, da Editora da UnB, onde temos um artigo sobre essa temática
Essas dimensões, embora presentes em várias das análises das
reformas, não têm sido apresentadas de forma assim articulada3. 3
DINIZ, Eli (1998)
considera importan-
Finalmente enumeramos, sem pretender uma análise mais profunda,
te não se reduzir a
as perspectivas do Governo Lula, empossado em primeiro de janeiro análise das reformas
de 2003. As pesquisas que levaram a este trabalho fazem parte de às dicotomias Estado/
mercado, centralização/
um projeto apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento descentralização, fatores
Científico e Tecnológico - CNPq. exógenos/ endógenos,
burocracia/ política ou
mesmo autoritarismo/
democracia, ou Estado
1. O contexto neoliberal soberano/Estado subor-
dinado, o que não será
No Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado - PDRE feito nesse trabalho..

(1995, p. 51), este é definido como:


“a organização burocrática que possui o poder de legislar
e tributar sobre a população de um determinado território,
sendo, portanto, a única estrutura organizacional que possui
o ‘poder extroverso’, ou seja, o poder de constituir unilateral-
mente obrigações para terceiros, com extravasamento dos
seus próprios limites”.

Trata-se de uma “descrição” (o estado é identificado como burocracia 4


Diz Gramsci: “Outra
com exercício da violência) e não de uma definição de Estado, pois afirmação de Marx é
que uma convicção
sequer considera suas relações com a sociedade e o mercado, com o
popular tem a cada
sistema político e, portanto, com a correlação de forças, permeada passo a mesma energia
de hegemonia e contra-hegemonia (FALEIROS, 2000). Por Estado que uma força material,
ou algo parecido;
ampliado, seguindo Gramsci, entendemos a profunda interação é uma afirmação muito
entre Estado e sociedade, ou seja, a superestrutura jurídico-política, significativa. Creio que a
análise dessa afirmação
articulada e em inter-relação com a sociedade. Essa superestrutura reforça o conceito de
é a própria sociedade e o mercado, na sua correlação de forças, ‘bloco histórico’, no qual
as forças materiais são
organizados em Estado4.
o conteúdo e as ideolo-
gias, a forma”
Como assinala Coutinho (1985, p. 59), “a esfera política ‘restrita’ (GRAMSCI, 1978, p.85)
que era própria dos estados elitistas - tanto autoritários como liberais-
cede progressivamente lugar a uma nova esfera pública ‘ampliada’,
caracterizada pelo protagonismo político de amplas e crescentes
organizações de massa”. Hoje, no entanto, essa ampliação vem sendo
restringida, na correlação de forças do capitalismo mundializado,
pois, apesar da democracia, o domínio do capital vem se acentuando
na determinação das ações dos Estados nacionais, permeando-os
de maneira muito forte.
35

Reforma do Estado
As reformas, nesse contexto, são processos complexos que envolvem
uma interação de atores, como salienta Sidicaro (2000, p.11):
“es evidente que la novedad no radica en la existencia
de países con limitada independencia de decisiones en
virtud de factores internacionales que no controlan. Lo
verdaderamente distinto que trajo la actual situación
de globaliazación reside en el hecho de que en todos
los estados-nación los gobiernos cuentan con menos
posibilidades de implementar políticas eficaces contrarias
a los intereses de actores privados poderosos que operan
internacionalmente”.

Apesar dessas limitações, o fundamental, na nossa análise, é a


interação entre política e economia e, nesse sentido, as decisões
que são tomadas na perspectiva histórica das transições vividas pelo
Estado–nação frente a seu enfraquecimento. Para isso, usamos a
expressão “reordenação estratégica”, por estar presente na própria
legislação brasileira e por se situar na guerra mundial dos mercados
e na disputa por competitividade e pelos recursos econômicos e
políticos do Estado e do próprio mercado. Petras (1999, p.31),
nessa mesma linha, enfatiza que não se pode entender o capital
numa lógica linear, devendo-se visualizar a relação entre o papel
da política, da ideologia e das políticas do Estado na fixação dos
parâmetros e das condições para a acumulação do capital, ao mesmo
tempo assinalando o papel do Estado nas economias nacionais e
no processo de globalização.

Ajuste e desmonte são dois focos marcantes na análise das reformas


(Borón (1994); Soares (2000); Petras (1999); Fiori (2001), com
Para Borón,
5 destaque para a “lógica do capital” 5 ou para o “desmonte da nação”,
(1994, p. 200)
nesse caso significando piora das condições de vida (LEBAUSPIN e
“a acumulação capitalista
se estatificou”. MINEIRO, 2002). Para Soares (2000), o neoliberalismo produziu um
“novo estado” sob o poder das grandes empresas que ditam as regras,
passando-se da minimização do Estado a sua reconstrução para um
novo papel no desenvolvimento. Há consenso de que a mudança do
papel do Estado na economia se articula ao processo de mundialização
do capital, tornando os Estados nacionais menos soberanos e com
políticas e propostas bastante semelhantes entre si.
De fato, a abertura comercial e aos investimentos estrangeiros, a
privatização, a terceirização, a implementação de parcerias com
organismos da sociedade, a desregulamentação e a desresponsabilização
do Estado fazem parte de um pacote de ações que foram sendo
implementadas como padrão pelo Fundo Monetário Internacional,
como bem assinala Stiglitz (2002, p. 16), ex-vice-presidente sênior
do Banco Mundial:
“as decisões eram tomadas com base no que parecia ser uma
curiosa mistura de ideologia e má economia, dogma que,
às vezes, mal encobria interesses específicos. Quando as
crises assomavam, o FMI prescrevia soluções antiquadas,
inadequadas, muito embora fossem ‘padrão’ (sic!), sem
considerar os efeitos que elas teriam sobre as populações
dos países orientados a seguir tais políticas”.

Padronizadas, desastrosas para população e antidemocráticas, essas


políticas serviam de encobrimento ou ocultação de grandes interesses
em jogo, os quais Stiglitz denomina de “interesses específicos”,
principalmente os da potência hegemônica mundial, os Estados
Unidos da América. Ou seja: ou o Estado se reduz e se reestrutura,
ou se reduz sem reestruturar-se, ou se reestrutura sem reduzir-se
(se resistir), mas num processo ou padrão de acumulação em que
se articula a lógica do capital às relações de força implicadas na
mundialização e no contexto nacional.

Disse o próprio FHC (1996, p. 42): “A globalização também tem


contribuído para alterar o papel do Estado: a ênfase da ação governa-
mental está agora dirigida para a criação e a sustentação de condições
estruturais de competitividade em escala global”, defendendo, pois,
que o Estado seja o suporte das condições do mercado globalizado.
Esse novo papel de sustentação da competividade em nível global
é o que passa a ser exercido pelo Estado no Governo Cardoso, em
substituição ao de promotor do desenvolvimento interno.
37

Reforma do Estado
2. A reordenação estratégica do Estado
como suporte do mercado globalizado
A reforma do Estado no Brasil está, pois, articulada às transformações
do capitalismo mundial. Às vezes, enfatiza-se a figura de FHC como
apenas “decorativa” Fiori (1997, p.105), o que lhe tiraria, de certa
forma, responsabilidades. Nossa hipótese, como já assinalamos, é
a de que as reformas do Estado no Governo Cardoso se inscrevem
na articulação do processo de mundialização com a mediação dos
interesses da elite econômico-financeira brasileira e do poder do
próprio Estado.

Em seu discurso de posse, em primeiro de janeiro de 1995, o presidente


Fernando Henrique Cardoso prometia estabilidade, crescimento,
geração de empregos, políticas sociais e ainda “fazer da solidariedade
a mola mestra de um grande mutirão nacional, unindo o governo
e a comunidade para varrer do mapa do Brasil a fome e a miséria”,
assinalando que o Brasil não era um país subdesenvolvido, mas um
país injusto. Esse discurso agradava aos ouvidos do público interno
que nele votou acreditando na estabilização da moeda pelo “Plano
Real”, conduzido por FHC em 1994, depois de um longo período
As relações sociais de alta inflação.
6

estão permeadas pelo


imaginário, como bem
assinala Karl Marx, ao
Para Delfim Netto (1998, p. 92), ex-ministro da Economia do governo
falar do “misticismo da militar, o Plano Real, no entanto, “foi uma coisa meio mística”6, pois
mercadoria”.
a população aceitou o congelamento dos salários pela média e, ao
No governo FHC,
7 mesmo tempo, a liberação dos preços, expressos na nova moeda, a
o Índice de Gini (utiliza Unidade Referencial de Valor - URV, ainda com a sobrevalorização
uma escala de 0 a 1,
em que o máximo
do câmbio. Para Delfim Netto (1998, p. 97), a armadilha desse
de igualdade na distri- plano foi a estagnação do crescimento, a queda das exportações e
buição da renda é igual
“a dissipação em juros do que antes era investimento”.
a zero e a desigualdade
corresponde a um)
se manteve acima
Assim, o discurso de posse já foi feito na contramão da reforma da
de 0,56. moeda do então Ministro da Fazenda, FHC. Esta reforma trouxe
menos perdas inflacionárias, mas não diminuiu a desigualdade
8
Para esses e outros
dados, como melhoria social7, embora tenha havido retração da percentagem de pobres de
nos indicadores de saúde 44% para 33% em 1995. A renda do trabalho, segundo o IBGE, caiu
e educação, ver
FALEIROS e PRANKE
de 40% em 1994 para 36% em 1998, enquanto a renda do capital
(Coords), 2001 subiu de 38% para 44%8.
No Governo FHC, constata-se um aumento nos gastos sociais da
ordem de 19,3%, em valores constantes, entre 1994 e 2001, segundo
9
A Previdência Social é
o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea (CASTRO et al., responsável por 45% dos
2003). Esse aumento, de 21,2% no primeiro mandato, se deveu à gastos sociais federais.

grande incorporação de trabalhadores rurais na Previdência Social9. A 10


Como no processo de
dívida pública, por sua vez, incrementou-se de 30% do PIB em 1995 substituição de importa-
para 63,9% do PIB em 2002, sendo o crescimento do PIB dos mais ções, exercido desde a
primeira guerra mundial
pífios nos últimos anos, com média de 1,88% entre 1995 e 2002. até o início dos anos 80.

A estabilização econômica criou as pré-condições para um ciclo 11


O próprio FHC (1996,
de garantia de um processo de acumulação capitalista com base p. 31) afirma que
“ intimamente vinculada
no atrelamento do valor do Real ao dólar e no arrocho dos salários à globalização econômica
para dar confiança ao capital internacional. é a mudança no papel do
Estado. A globalização
A segunda onda de reformas muda o papel do Estado, de pilar significa que as variáveis
externas passam a ter
do desenvolvimento interno10 para o de suporte da competividade influência acrescida nas
internacional. Fernando Henrique Cardoso11 (1996 – p. 42) se posicionou agendas domésticas,
reduzindo o espaço dis-
contrariamente à era desenvolvimentista, declarando que: ponível para as escolhas
“a missão do Estado de direcionar o desenvolvimento nacionais”
(steering capacity) passa a ser muito mais importante
do que a tentativa comprovadamente ineficaz (sic!) de
substituir a iniciativa privada na produção de bens e de
serviços que não têm natureza essencialmente pública”.

Para FHC, o combate à exclusão passa pela competividade, mesmo


após dizer que a globalização acentua a desigualdade. Ele propôs
deliberadamente diminuir o papel do Estado na economia para
transformá-lo em agente do mercado internacional, na lógica “market 12
Segundo Bresser
oriented”. O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado - Pereira, que foi ministro
PDRE (1995, p.14) rejeita a idéia de um “Estado mínimo”, mas não da Reforma do Estado
no Governo Cardoso, em
a orientação de “simplesmente dar ao mercado mais espaço”, pois palestra no Seminário de
“um mercado forte precisa de um Estado forte” 12. A competividade, Gestão do Ministério do
Planejamento, realizado
e não a solidariedade assinalada no discurso de posse, foi erigida em em 6 de agosto de 2002
valor central do Governo, na lógica de tornar o Estado o suporte
do capital internacional.
39

Reforma do Estado
Foi, no entanto, no Governo Collor (1990-1992) que se colocou em
marcha a internacionalização competitiva do país, com a quebra
das barreiras comerciais e com o primeiro leilão de privatização da
Usiminas, o que foi considerado por Bresser como “uma agenda
13
A Constituição de 1988 correta” Rodrigues (2000, p.152), que foi viabilizada, no Governo
previu uma revisão que FHC, através da aliança entre o Partido da Social Democracia
deveria ser efetuada
após 5 anos de sua
Brasileira - PSDB, o Partido da Frente Liberal – PFL, o Partido do
promulgação, conforme Movimento Democrático Brasileiro – PMDB - e vários partidos de
previsto no Ato das
direita, tendo então, a oposição do Partido dos Trabalhadores - PT.
Disposições Constitu-
cionais Transitórias, em
seu artigo 3°, pelo voto
da maioria absoluta dos 3. A consolidação do Estado como suporte
membros do Congresso
Nacional, em sessão
à competitividade: o marco legal, a privatização
unicameral. Embora e as agências de regulação
tenha havido facilidades
para reduzir o quorum A consolidação legal da abertura de barreiras ao capital se efetivou
e também tenham sido
preparadas várias pro- no marco legal, com a mudança de vários artigos da Constituição13.
postas de revisão, com Já em 1995 foi aprovada a Emenda Constitucional número 05, que
pareceres elaborados,
sistematizados em três
modificou o parágrafo 2º do artigo 25 da Constituição, abolindo a
volumes de “Relatoria da exclusividade dos Estados em explorar diretamente, ou mediante
Revisão Constitucional”,
concessão, o gás canalizado, abrindo-se espaço para a concorrência
publicados pelo Senado
Federal, poucas matérias e a privatização. A Emenda nº 06 revogou o artigo 171 da Consti-
foram votadas, em fun- tuição, que se referia à empresa brasileira, e também modificou o
ção da crise provocada
pelo impeachment do artigo 170, que dava tratamento favorecido às empresas de pequeno
presidente Collor e das porte, mantendo-se, para elas, o tratamento favorecido. Eliminou-se
disputas pelo poder.
o conceito de empresa brasileira. A mudança do artigo 176 também
abriu a pesquisa e a lavra de recursos naturais a empresas estran-
geiras, desde que fosse constituída sob as leis brasileiras. O artigo
anterior restringia esse setor à empresa brasileira de capital nacio-
nal. A Emenda nº 07 abriu o transporte aéreo, aquático e terrestre
à empresa estrangeira, devendo-se, contudo, observar os acordos
firmados pela União. Também ficou aberta às empresas estrangeiras
a cabotagem, a navegação interior, de acordo com a Lei, pois isso
era privativo de embarcações nacionais.
A Emenda Constitucional nº 08, das mais polêmicas, veio
desnacionalizar as telecomunicações, tornando o setor acessível à
exploração privada e estrangeira, rompendo-se o monopólio estatal
previsto no artigo 21 da Constituição de 1988. Assim também
ocorreu com os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens.
Na redação anterior, estava previsto o controle acionário estatal dos
serviços telefônicos, telegráficos de transmissão de dados e demais
serviços públicos de telecomunicações. Na votação dessa Emenda,
houve grande mobilização da sociedade para impedir a transferência
de um monopólio estatal a monopólios ou oligopólios privados.

Finalmente, nessa fase de reforma do marco constitucional, a Emenda


nº 09 aboliu o monopólio da exploração de petróleo, que era afeto
à Petrobrás, facultando à União o contrato com empresas estatais
ou privadas; a realização de atividades referentes à pesquisa e à
lavra de jazidas de petróleo e gás natural; a refinação; a importação
e a exportação de produtos e derivados; e o transporte marítimo,
que continuam sendo monopólios da União, mas eram restritos à
empresa estatal. Continuaram monopólio da União a pesquisa, a
lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o
comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados. Também
continuou prevista em lei a estrutura de um órgão regulador do
monopólio da União.

No primeiro ano de Governo FHC foi realizada a reordenação


estratégica do Estado no marco legal constitucional, abrindo-se
espaço para o capital estrangeiro e as empresas privadas nos setores
economicamente cruciais das telecomunicações, do petróleo, da
navegação e cabotagem, da canalização do gás e da própria definição
de empresa, terminando-se com o conceito de empresa brasileira,
implicando um fortalecimento do mercado, na preparação do terreno
para as privatizações, combinadas com a desnacionalização. Não
foi o Brasil que passou a competir mundialmente, mas o capital
mundial é que veio assumir monopólios do Estado pois, de fato,
transferiram-se monopólios estatais a empresas privadas, embora
com salvaguardas, realizando-se um dos maiores negócios do mundo
em matéria de privatização, no século XX.
41

Reforma do Estado
O Programa Nacional de Desestatização -PND, em 1990, já fôra
objeto da Lei 8.031/90. Em 1997, a Lei 9.491 mudou a lei anterior e
definiu os objetivos do PND como: reordenar a posição estratégica
do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades
indevidamente exploradas pelo setor público; contribuir para a
reestruturação econômica do setor público, especialmente através da
14
Em 1990, esse objetivo
melhoria do perfil e da redução da dívida pública líquida;14 permitir
estava definido como a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem a
contribuir para a redução
ser transferidas à iniciativa privada; contribuir para a reestruturação
da dívida pública, concor-
rendo para o saneamento econômica do setor privado, especialmente para a modernização
das finanças do setor da infra-estrutura e do parque industrial do país, ampliando sua
público.
competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos
15
Em 1990, esse objetivo setores da economia, inclusive através da concessão de crédito;15
estava definido como
permitir que a Administração Pública concentre seus esforços nas
contribuir para a moder-
nização do parque indus- atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a
trial do país, ampliando consecução das prioridades nacionais; contribuir para o fortalecimento
sua competitividade e
reforçando a capacidade do mercado de capitais, através do acréscimo da oferta de valores
empresarial nos diversos mobiliários e da democratização da propriedade do capital das
setores da economia.
empresas que integrarem o programa.

A privatização efetivou a transferência do patrimônio estatal para


empresas privadas, do público para o mercado e atingiu o coração
do Estado, ou seja, o provimento de serviços coletivos pelo Poder
Público passou para mãos privadas, a maioria para o patrimônio
das multinacionais. Essas empresas siderúrgicas e mineradoras,
geradoras de energia elétrica, além de prestadoras de serviços,
estradas e agências distribuidoras de água, energia e telefone, foram
o carro-chefe do desenvolvimento da era Vargas, da era Kubitschek
e da era da ditadura militar, contribuindo para a infra-estrutura do
próprio capitalismo nacional. Com a reforma, tornaram-se suporte
do desenvolvimento do capitalismo internacional.

Apesar de suporte capitalista, as empresas estatais se orientavam


também por critérios de demanda social, com decisões tomadas
no país. Com a privatização, a lucratividade veio a ser o critério
central dos investimentos.
Tanto as decisões estratégicas como o controle da gestão dessas
empresas passaram a ser tomados fora do território nacional,
provocando-se ainda o envio massivo de dividendos. O conceito e
a implementação da soberania nacional, enquanto capacidade do
Estado em definir seu próprio destino de acordo com os interesses
de seus cidadãos e através do processo de representação por estes
estabelecido, foi posto em segundo plano.

Aumentou-se a vulnerabilidade do país às turbulências dos mercados


internacionais, como aconteceu em 1998 e 2002 com as crises do
câmbio, sem que se tivessem condições de resolubilidade interna
dessas crises, devendo-se recorrer, então, ao Fundo Monetário
Internacional. A dívida líquida do setor público aumentou de R$
208 bilhões em 1995 para R$ 563 bilhões em 2000, e para cerca
de R$ 800 bilhões em 2002. A dívida externa subiu de US$ 159
bilhões para US$ 231 bilhões no período de 1995 a 2000. Em 2002,
os juros já absorviam 8% do PIB e o passivo externo chegou a US$
400 bilhões, com déficit operacional de 5% do PIB. A desestatização
foi realizada também com a transferência de créditos para que as
empresas financiassem a compra dos ativos nacionais.

Em 1997, a desestatização incluiu também as empresas de economia


mista, a transferência de ações do governo na Petrobrás, assim como
empresas controladas pelos estados e municípios. A desestatização pôde
ser feita por meio de leilão, o que não estava previsto em 1990.

Em 1997, a coordenação do processo por uma Comissão Diretora


indicada pelo Congresso Nacional foi substituída por outra, subordinada
diretamente ao presidente da República, tornando-se a venda menos
transparente e democrática, apesar de se prever o conhecimento
público da privatização, com dados das empresas. A alienação de
ações a pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras passou a atingir 100%
do capital votante, “salvo disposição legal ou manifestação expressa
do Poder Executivo”, sendo que, em 1990, não podia exceder a 40%
do capital votante, salvo autorização legislativa. A Lei de 1997 deu
maior flexibilidade de uso de várias moedas na venda das estatais
e na destinação dos recursos.
43

Reforma do Estado
Como pequena contrapartida, trouxe a obrigação de oferecer 10%
das ações aos empregados, para inserir os trabalhadores na lógica
da propriedade. Às vésperas da eleição de 1998, a nova Lei parecia
contemplar o objetivo de acelerar os investimentos estrangeiros,
tornando a conjuntura mais favorável à reeleição de FHC.

A mudança na Lei de Concessões também fez parte do processo


de reordenação estratégica do Estado. A Lei 8.987, de 13/2/95, de
Concessões do Serviço Público, permitiu a delegação da prestação
de serviços feita pelo poder concedente, mediante licitação, na
modalidade de concorrência, a pessoa jurídica ou consórcios de
empresas que demonstrem capacidade para seu desempenho, por
sua conta e risco e por prazo determinado, independente de ser
nacional ou não. A legislação deixou flexibilidade para a fixação de
tarifas nos contratos do Estado com as empresas, o que veio a ser
negociado com reajuste pelo maior índice de inflação ou atrelado
ao dólar. A fiscalização do público não foi estabelecida em lei,
dependendo do regulamento.

Se no Governo Collor e Itamar já haviam sido privatizados os setores


siderúrgico, petroquímico e de fertilizantes, no Governo Cardoso
foi privatizado o filé-mignon da economia: os setores de mineração,
de telecomunicações e de energia. Carvalho (2001) assinala três
fases no processo de privatização: a primeira, dos anos 80, esteve
marcada por reprivatizações de empresas que já haviam pertencido
ao setor privado e foram absorvidas pelo Estado, implicando 38
empresas de médio e pequeno portes, gerando uma receita de US$
726 milhões. A segunda fase iniciou-se com o Plano Nacional de
Desestatização - PND - e o Fundo Nacional de Desestatização,
de 1990 a 1994, com privatização prioritária do setor siderúrgico,
incluindo também petroquímica e fertilizantes. Na terceira fase,
inaugurada por Cardoso a partir de 1995, com a aprovação da Lei
de Concessões, destacam-se os setores de telecomunicações, energia
elétrica e transportes, substituindo-se os monopólios públicos por
empresas privadas. Em 1996, os estados são incluídos no processo de
privatização dos Programas Estaduais de Desestatização - PEDs.
A “maior eficiência”, defendida no PND, se efetivou em mais lu-
cratividade com a demissão de empregados, conforme Pinheiro
(1996): “com a privatização, ocorre uma melhoria (sic!) bastante
significativa, em termos estatísticos e econômicos, do desempenho das
empresas”, pois a média de empregados do conjunto de 16 empresas
privatizadas na década de 80 era de 1,64 e passou para 1,21 depois
da privatização, enquanto que na década de 90 a média era de 1,65
para 28 empresas e passou para 0,8516. 16
As mudanças nas
tarifações telefônicas
Do ponto de vista da redução da dívida e do déficit públicos, Carvalho fizeram os custos das
chamadas locais aumen-
(2001) considera que as privatizações foram benéficas, pois além da tarem significativamente
eficiência tiveram papel importante na redução do endividamento (80% só em 1995) e
com redução das tarifas
do país, apesar de todos os procedimentos para sanear as empresas
internacionais.
pré-privatização e do uso de moedas podres na privatização. Ele
considera a privatização do Sistema Telebrás, em 1998, o fato mais
importante desse programa. Carvalho (2001 – p.70) diz que, no
período de 1995 a 1999, a privatização “proporcionou uma redução
de 8,4% do PIB na dívida líquida do setor público no período, ao
abater o saldo de diversas dívidas, ao transferir dívidas para o setor
privado e ao reduzir o déficit nominal pelo menor pagamento de
juros nominais”.

Mas a dívida continuou subindo, pois em 1994 representava 28,6%


do PIB; em 1998, 43,4%; e em 2002, 60%. Além disso, o pagamento
de dividendos tem aumentado significativamente, já que as empresas
privatizadas ficaram na mão de estrangeiros, num processo de
desnacionalização, o que não confirma ser a privatização tão benéfica.
No período de 1991 a 2002, houve a entrada contábil de US$ 105.298
milhões, o que não significa um cash de igual valor para o Governo,
pois devem ser consideradas as moedas podres, os financiamentos,
o deságio (vide gráfico 1).

A participação do investidor estrangeiro nas privatizações, em


milhões de dólares, no período 1991/2002, foi de 48,3%, sendo
16,5% dos Estados Unidos (12,8% nas telecomunicações) e 14,9%
da Espanha, (dos quais 17,5% nas telecomunicações), segundo
dados do BNDES.
45

Reforma do Estado
A desnacionalização se manifestou também em relação ao capital
financeiro, pois a posição dos bancos estrangeiros no mercado
nacional passou de 21% dos ativos para 27%. Os bancos públicos
17
Bancos múltiplos
e comerciais. Os priva-
diminuíram a parte de seus ativos em operações de crédito de 48%
dos nacionais incluem da oferta do setor para 38%. Os bancos com controle estrangeiro
aqueles com participação
estrangeira. Os públicos
aumentaram a sua participação de 8,4% para 23,9%17 no conjunto das
incluem as Caixas Econô- operações. Até 1999, a receita das privatizações do setor financeiro
micas e o Banco do Brasil foi de US$ 1.240 bilhão (Andima, 2001), mas, em contrapartida,
e excluem o BNDES.
o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do
18
Resolução 2.208, Sistema Financeiro” - Proer18 - liberou recursos da ordem de R$
de 03/11/95.
21 bilhões. Foi considerado pela própria Associação Nacional das
. Instituições de Mercado Aberto - Andima como um programa de
“facilidades”, por dar assistência financeira, liberação de recursos
do recolhimento compulsório ao Banco Central, flexibilização do
atendimento dos limites operacionais e deferimento dos gastos
relativos aos custos, despesas e outros encargos. O setor bancário
ficou mais concentrado, passando as três principais instituições
bancárias do país a controlar 41,53% dos ativos.
Como se pode observar, a Reforma do Estado no Governo Cardoso
estruturou-se de acordo com os interesses internacionais e nacionais,
tanto das elites como do bloco no poder. Segundo Biondi (1999),
houve um “arrombamento” do BNDES pelas multinacionais,
decorrente da política de submissão do país às pressões internacionais.
Além disso, houve também um “arrombamento” do consumidor
pelas altas tarifas pagas. O aumento de tarifas de energia elétrica
para o consumidor residencial, a partir de 1995 até 2002, foi de
174,17%19, sendo que o IPCA acumulado no período foi de 101%. Ver Folha de São Paulo
19

Para implementar essa “reordenação estratégica”, o governo adotou de 17/02/03.

o modelo das agências reguladoras, visando substituir o Estado


desenvolvimentista por agências com poder de normatizar, fiscalizar,
autorizar e outorgar serviços.

4. As agências reguladoras
De 1996 a 2001, o Governo Federal criou nove agências
reguladoras, como autarquias especiais, algumas correspondentes
aos setores privatizados e outras estruturadas a partir de órgãos
governamentais já existentes. A Anvisa, a ANA, a Antaq e a ANTT
foram criadas a partir de órgãos já existentes no âmbito do Estado.
Nas legislações respectivas, aparece como missão das mesmas a
defesa da competitividade. A presença do consumidor se limita
a um processo consultivo, ao acesso à ouvidoria, à presença em
audiências públicas, quando previsto. As tarifas devem ser pagas
pelo consumidor final. Os dirigentes das agências são nomeados
pelo presidente da República após aprovação pelo Senado. Por sua
vez, as agências devem seguir também as políticas e diretrizes dos
respectivos Conselhos Nacionais da área, normatizar e fiscalizar
o respectivo setor, com exigências de controle de qualidade sobre
os produtos.
47

Reforma do Estado
TABELA 1
AGÊNCIAS REGULADORAS: LEIS, DISPOSITIVOS DE DEFESA DO CONSUMIDOR E SETOR DE INTERVENÇÃO

Aneel - Agência Nacional de Energia Elétrica Anatel - Agência Nacional de Telecomunicações


Lei 9.427, de 26/12/96 Lei 9.472, de 16/07/97
Ouvidoria Sim Ouvidoria Sim
Cons. Consultivo Sim Cons. Consultivo Sim
Aud. públicas Sim, quando afetar direitos Aud. públicas Sim
Intervenção Reestrutura o setor elétrico Intervenção • Desconstrói o monopólio
econômica após a privatização. Segue econômica estatal das telecomunicações,
e política políticas e diretrizes do e política sendo o serviço telefônico fixo
Governo Federal e as de regime público.
diretrizes do Conselho • Criação do Fundo de
Nacional de Recursos Telecomunicações – Fistel
Hídricos.

ANP - Agência Nacional de Petróleo Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária

Lei 9.478, de 06/08/97 Lei 9.782, de 29/01/99

Ouvidoria Não * (existe direito de Ouvidoria Sim


acesso a atas de reuniões) Cons. Consultivo Sim
Cons. Consultivo Não Aud. públicas Sim
Aud. públicas Sim Intervenção • Coordena e implementa a
Intervenção • Reestrutura o setor de econômica Política Nacional de Vigilância
econômica petróleo após o fim do e política Sanitária em atuação
e política monopólio. conjunta com os estados
• Implementa a Política e municípios no Sistema
Nacional de Petróleo Nacional de Vigilância
e Gás Natural. Sanitária.
• Tem o poder concedente • Monitora preços e autoriza
das áreas, e de fiscalização, a produção, concessão e
respeitando o Conselho proibição de produtos.
Nacional de Políticas • Tem Contrato de Gestão com
Energéticas. o Ministério da Saúde.
• Os direitos de exploração e
produção de petróleo e gás
natural pertencem à União.

* A Ouvidoria está prevista na Lei de recursos humanos das agências- Lei 9986/00
ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar ANA - Agência Nacional de Águas

Lei 9.961, de 28/01/00 Lei 9.984, de 17/02/00

Ouvidoria Sim Ouvidoria Não*


Cons. Consultivo Câmaras Técnicas Cons. Consultivo Comitês de Bacia
e de Saúde Suplementar Hidrográfica, com
representantes dos usuários.
Aud. públicas Não Aud. públicas Não
Intervenção • Normatização, controle e Intervenção • Execução da Política
econômica fiscalização das atividades econômica Nacional de Recursos Hídricos
e política de saúde suplementar com e política e Defesa do Meio Ambiente.
implementação da Política do • Cobrança pelo uso de
Conselho Nacional de Saúde recursos hídricos de Contrato
Suplementar - Consu. de Gestão com o Ministério do
Meio Ambiente.

* A Ouvidoria está prevista na Lei de recursos humanos das agências- Lei 9986/00

ANTT - Agência Nacional de Transportes Terrestres Ancine - Agência Nacional de Cinema

ANTAQ - Agência Nacional de Transportes MP 2.219, de 04/09/01


Aquaviários
Ouvidoria Sim
Lei 10.233, de 05/06/01
Cons. Consultivo Não
Ouvidoria Sim. Atas disponíveis para
conhecimento geral. Aud. públicas Não

Cons. Consultivo Não Intervenção Fiscaliza a atividade


econômica cinematográfica
Aud. públicas Não e política e videográfica e segue
Intervenção • Implementa políticas as diretrizes do Conselho
econômica do Conselho Nacional Nacional de Cinema,
e política de Integração de Políticas onde o presidente da Ancine
de Transporte - Conit - é secretário-executivo.
em atuação conjunta
com estados e municípios.
• Fiscaliza cláusulas
contratuais e controla os
concessionários
e permissionários.
• Atua com contratos de
concessão e permissão.

Fonte: FALEIROS, Vicente de Paula. Reforma do Estado e agências reguladoras:


relatório de pesquisa para o CNPq. Brasília, 2003
49

Reforma do Estado
As agências reguladoras da saúde se diferenciam daquelas referentes
aos setores econômicos de petróleo, energia e comunicações pois,
para Nogueira (2002 – p. 102), “não existe, na área de saúde, um
interesse público decorrente de uma exclusividade ou de uma situação
de monopólio por parte do estado”, no sentido de que a Constituição
(art. 199) permite a atividade privada no setor de saúde.

Essas autarquias especiais representariam o “novo Estado”, um


novo desenho institucional em que os agentes econômicos privados
seriam regulados. Na sua consideração pelas agências, o cidadão
não é reconhecido como um sujeito de direitos, com titularidades
e garantias, mas como um consumidor. Para exercer algum direito,
precisa pagar pelo serviço ou sofrer uma intercorrência da agência.
Pode reclamar, mas nem sequer influi nos preços que paga, nem
mesmo por aumento ou diminuição do consumo (mercado). Agências
e empresas negociam preços entre si, algumas abrindo consultas ao
público pela internet. Embora exista um programa de metas a ser
cumprido pelas empresas reguladas, em função da expansão e da
qualidade dos serviços, a elas não tem interessado atender os mais
20
Apesar de a Anatel pobres20. A legislação manteve, no coração das agências, o contrato
incluir no regulamento livre com as empresas, que por terem se tornado oligopólicas podem
o acesso da telefonia
à população pobre, as
impor condições às agências segundo seus interesses.
operadoras não “estão
interessadas nisso”, em O poder normativo desses organismos como autarquias especiais é
razão da inadimplência. objeto de grande polêmica jurídica, pois afastaria a atividade regulatória
A prioridade das operado-
ras é atender as empre- das formas tradicionais de representação política (SILVA, 2002 e
sas. (Folha de São Paulo, CUÉLLAR, 2001). Aragão (2002) considera que houve, com essa
11/08/02. Caderno B, p.8)
regulação, uma revisão de paradigmas do direito administrativo e
da própria teoria geral do direito como subdeterminação normativa,
instrumentalidade, flexibilidade, setorialização, individualização e
consensualização do Direito Público.

O reordenamento estratégico do Estado estabeleceu um novo marco


legal e jurídico para esse suporte à competitividade. O chefe do
Poder Executivo não tem ingerência direta nas agências sem o
poder de exonerar seus dirigentes ad nutum. O Poder Legislativo
se vê confrontado com outro poder normativo, mas pode interferir
na criação, manutenção, extinção de agências e na elaboração
de políticas para as áreas, assim como em certos mecanismos de
controle das mesmas, como as audiências públicas.
Melo (2000) assinala que as agências podem estar ligadas a um
déficit de legitimidade porque transferem poder a agentes não
eleitos. Edson Nunes (2001) afirma que o regime regulatório cria
um novo poder entre os poderes, com uma delegação legislativa
com contornos e mandato imprecisos. Por outro ângulo, Boschi
e Lima (2002) consideram que a criação de agências externas ao
aparelho do Executivo expressa a erosão do corporativismo estatal
como forma predominante de intermediação e representação de
interesses. Para os autores, Boschi e Lima (2002, p.196), na prática,
continua a persistir esse legado corporativo. Na pesquisa feita por
eles, as audiências públicas envolvendo a Anatel, a ANEEL e a
ANP, nas Comissões Permanentes do Senado, foram de apenas 11
entre 1999 e 2002.

A seguir, de forma sucinta, vamos abordar outra dimensão da Reforma


do Estado, não menos importante, que é a Reforma do Aparelho
do Estado, que também se articula ao “reordenamento estratégico”
do Estado, e se destina a derrubar a forma burocrática de gestão e
substituí-la por um modelo gerencial.

5. A administração gerencial do Estado


Na ótica do Governo Cardoso era preciso que o Estado não somente
sustentasse a competividade, mas também se reestruturasse, visando
implementar “uma administração pública gerencial que deveria se
orientar pela eficiência e qualidade dos serviços”. Isso pressupunha
uma ruptura com a administração burocrática anterior e que fosse
resposta ao novo papel proveniente “da globalização da economia e
do desenvolvimento tecnológico, para reduzir custos e melhor atender
o cidadão “como contribuinte e como cliente”.

O PDRE (BRASIL. Ministério da Administração, 1995, p. 21) considera


a Constituição de 1988 “um retrocesso burocrático sem precedentes”,
propondo abolir a estabilidade do servidor, reduzir gastos (principal-
mente com os chamados inativos), avaliar o desempenho e eliminar
a cultura burocrática. Em agosto de 2002, Bresser Pereira afirmava:
51

Reforma do Estado
“A Reforma do Aparelho do Estado voltada para a gestão
e busca de resultados, inclusive com indicadores, metas
e avaliação de desempenho, é um processo de mudanças
da instrumentalidade da ação do Estado, dos meios, da
governança, no manejo ou gerenciamento de seus recursos
econômicos e sociais, na busca da eficiência”.

É preciso notar que Bresser, também ex-diretor dos Supermercados


Pão de Açúcar, usa a mesma estratégia das chamadas reestruturações
produtivas do capitalismo, onde é fundamental a obediência dos
funcionários à consecução de um projeto, elaborado pela cúpula
dirigente e especificado com o menor custo possível, mas com satisfa-
ção do cliente. Busca-se fazer do Aparelho de Estado uma “garantia
da propriedade e dos contratos”, sendo seu papel “complementar ao
mercado” (BRASIL. Ministério da Administração. Op. cit. p.55). Essa
complementaridade ao mercado se efetivaria “na coordenação da
economia”, e paradoxalmente, na “redução das desigualdades”, como
se o mercado pudesse contribuir para mais igualdade. O Estado
deixa, assim, de ser fundamental, pois o fundamento é mesmo o
mercado. Cabe-lhe apenas um papel complementar.

O desenho dessa reforma se baseou na divisão das atividades do


Estado em:
1) exclusivas, compreendendo a regulamentação, a fiscalização, a
cobrança, a repressão e a atenção a certos serviços básicos como
“compra de serviços de saúde” e “subsídio à educação básica”;
2) serviços não exclusivos, correspondentes a atividades concorrenciais
entre o privado e o estatal, onde estão envolvidos alguns direitos e
atividades não lucrativas como hospitais, universidades, centro de
pesquisa e museus; e
3) setor de produção de bens e serviços para o mercado, correspondente
à atuação das empresas lucrativas que não deveriam estar nas mãos do
Estado, que as assume, apenas, porque faltou capital ao setor privado
para realizá-las ou porque são naturalmente monopolistas.
O marco legal da mudança foi a Emenda Constitucional da Reforma
Administrativa. Pode-se agregar a ela a Lei Complementar nº 101,
de 04/05/2000, denominada de Lei da Responsabilidade Fiscal21,
21
A Lei de Responsabi-
lidade Fiscal, ao limitar
e várias leis e medidas provisórias que disciplinam as carreiras do gastos e responsabilizar o
Estado. A Emenda nº 19, que tratou da Reforma Administrativa, gestor público, aumentou
a confiança do capital
alterou o sistema público de demissões, contratação e avaliação de internacional no país e
desempenho22. Em conseqüência, reduziu-se o número de servidores contribuiu para o controle
dos gastos públicos, exi-
do Executivo de 567.689 em 1995 para 459.821 em 2002 (agosto). Se
gência do FMI.
forem incluídas as estatais, a redução foi de 1.140.711 para 785.955.
Os gastos com pessoal da União ficaram em 3,15% do PIB em 2001, 22
Ver: Santos, 1997 e
2000, e Ministério do
muito próximo à média desses mesmos gastos entre 1988/94, que Planejamento, Orçamento
foi de 3,17% do PIB. Os gastos com inativos estão incluídos. e Gestão, 2002

De acordo com a valorização das “atividades exclusivas” (repressão,


fiscalização, arrecadação, diplomacia), o Governo aumentou as
gratificações de desempenho dos setores de informações, polícia,
23
Ver em especial as Leis
tributação, fiscalização, auditoria, advocacia, defensoria e procuradoria23.
9.953/00 e 10.033/00
Aos docentes do ensino superior foi concedida uma gratificação (Ministério Público
de produtividade após duras greves. Segundo dados do Governo, o da União); 9.962/00
(Regime de Emprego
aumento de servidores na área de fiscalização, entre 1998 e 2002, Público); 10.355/01
foi de 94%, enquanto que a grande maioria, no Plano de Cargos (INSS); 10.356/01 (TCU);
10.410/02 (Meio Ambien-
e Carreiras – PCC (67,7% dos servidores), esse número diminuiu te); 10.480/02 (AGU);
de 14% (BRASIL. Ministério da Administração. 0p.cit. p. 21). Os 10.483/02 (Seguridade
Social) e várias medidas
salários finais das carreiras dos auditores aumentaram, em média,
provisórias em 2002, que
156,25% de 1995 a 2002. Os salários dos delegados, censores e dispõem sobre outras
escrivãos da Polícia Federal cresceram 610,3%, em média, enquanto carreiras.

os cargos do PCC tiveram um reajuste médio de 70,6%. Foi também


criado o Sistema Integrado de Recursos Humanos - Siape, que
faz o gerenciamento de cada pagamento, com obrigatoriedade de
recadastramentos.

Embora previsto na própria Constituição, o controle social da


gestão não foi valorizado nem impulsionado, ficando os conselhos
paritários nacionais com atuações fracas ou mesmo não deliberativas,
como o mostra o estudo do Ipea sobre os Conselhos de Saúde,
de Assistência Social, de Previdência e do Fundo de Amparo ao
Trabalhador - FAT.
53

Reforma do Estado
Diz o estudo do Ipea (SATO et al., 2003, p. 124):
“os embates, ora explícitos, ora velados, entre a adminis-
tração governamental e os conselhos, são recorrentes. A
burocracia estatal, sobretudo no segundo governo de FHC,
assume uma posição restritiva apoiada na defesa de metas
de superávit fiscal, o que compromete a capacidade de
formulação de políticas via conselhos”.

Segundo documento do Seminário Avaliação (Brasil. Ministério


do Planejamento, 2002), a reforma consistiu numa modernização
gerencial com a introdução de contratos de gestão orientados por
resultados, a criação do regime de trabalho de emprego público e
de funções comissionadas técnicas e do governo eletrônico. Esta
modernização do Poder Executivo Federal contou com empréstimo
do Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID, tentando aliar,
segundo seus propositores, qualidade e desburocratização.

No segundo mandato do governo Cardoso, introduziu-se a “gestão


por programas” através do “Avança Brasil”, mas o próprio balanço
24
A criação do Fundo So-
feito pelo referido Ministério é de que há desníveis e diferenças
cial de Emergência fora quanto à implementação desta reforma gerencial. Firmaram contratos
feita na Revisão Consti-
de gestão apenas os Ministérios de Ciência e Tecnologia; Meio
tucional (Emenda nº 1 da
Revisão), o que propiciou Ambiente; Desenvolvimento, Indústria e Comércio; e Secretaria de
ao Estado desvincular Comunicação do Governo. Destaca o documento que as carreiras de
parte do orçamento para
fins de “saneamento Estado melhoraram a capacidade de ação, mas apenas o Ministério
financeiro da Fazenda da Defesa reduziu seus custos em logística, sendo apontado como
Pública e de estabilização
econômica”, o que veio
modelo. Nessa avaliação não se faz menção a qualquer melhoria
mascarado sob o nome no atendimento ao cidadão, mesmo contribuinte-cliente. A ênfase
de “social” e “emergên-
avaliativa é na redução de custos, alvo central da Reforma para se
cia”. A Emenda nº 27, de
2000, desvinculou, de equacionar a crise fiscal, eixo do acordo do Brasil com o Fundo
2000 a 2003, 20% da Monetário Internacional para saldar juros e dívidas.
arrecadação de impostos
e contribuições sociais
A Emenda nº 17, de 199724, repôs o Fundo Social de Emergência,
da União para, evidente-
mente, contribuir com o que se transformou na Desvinculação dos Recursos da União - DRU,
pagamento de juros da que vem drenando recursos, inclusive da Seguridade Social, para
dívida. Esta desvincula-
ção não afetou as bases financiar o pagamento dos juros. A Emenda nº 29 vinculou receitas
das transferências aos da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira - CPMF
municípios.
- à saúde nos âmbitos federal, estadual e municipal.
Estabeleceu uma progressividade na destinação de recursos para essa
área, numa clara manobra para apoiar o então ministro da Saúde,
José Serra, na disputa pela Presidência da República. O então mi-
nistro defendeu claramente essa vinculação, com o argumento de
que a saúde deveria estar imune às crises de orçamento25. A Emen- 25
Ver SERRA, José.
Ampliando o possível:
da nº 12, que instituiu a CPMF, no valor de 0,25%, aumentou as
a política de saúde no
receitas significativamente, chegando a arrecadação a 36% do PIB Brasil. São Paulo: HUCI-
em 2002. Mas diminuiu-se a margem de liberdade do Governo em TEC, 2000.

usar esse dinheiro com a meta de um superávit primário de 3,75%


do PIB no acordo com o FMI. A Emenda nº 21, de 1999, autorizou
a prorrogação da CPMF por 36 meses.

A Reforma do Estado no Governo FHC articulou medidas legislativas,


mudança regulatória e ações governamentais para uma reordenação
estratégica do papel do Estado, que passou de impulsionador do
desenvolvimento para o de impulsionador da competividade do
capital internacional. Para tanto, transferiu patrimônio público
para o mercado, mudou a relação do Estado com o mercado e a
sociedade, considerando o Estado como complementar ao mercado,
e instaurou um novo modelo de gestão pública gerencial.

O cidadão sujeito de direitos passou a contribuinte-cliente, com


pouca voz e nenhum voto nas agências reguladoras, e pouco poder
nos Conselhos. A defesa de competividade foi o eixo do discurso
oficial e da legislação aprovada. Não houve, entretanto, mais
concorrência no país26, fortalecendo-se o capital multinacional, que 26
Mário Covas, candida-
veio a ter suporte no Brasil para suas transações em nível mundial. to do PSDB à Presidência
da República, em 1989,
O contribuinte, entretanto, pagou as contas do aumento de tarifas, articulou sua campanha
do racionamento de energia em 2001, da falta de qualidade de em torno do lema: “pre-
cisamos de um choque
muitos serviços. Não se tornou sequer cidadão-cliente nas muitas de capitalismo”.
reclamações diferidas e na falta de acesso e qualidade dos serviços
públicos como educação e saúde. A promessa de se combater a
miséria não se realizou. Tampouco se implementou a governança
participativa (Calame, p.59) através do uso da lei como direito.
55

Reforma do Estado
Francisco de Oliveira (1999, p.78) considera que as reformas ab-
dicaram da moeda nacional, privatizaram o patrimônio público,
impuseram pagamentos escandalosos da dívida externa, obrigaram
a cortes orçamentários, reduziram as políticas sociais e que “é a isso
que o Estado, reformado desta maneira, estará condenado: a ser algoz
de seu próprio povo”. O Estado viu solapada sua soberania, mas não
foi um títere das multinacionais, e, na aliança PFL/PSDB, viveu
as contradições de impulsionador da mundialização e mantenedor
dos “caciquismos” regionais, no processo de compensações políticas
de interesses subnacionais, tudo resultando na erosão da defesa
e da efetivação do bem público (exceto repressão, arrecadação,
fiscalização e diplomacia) como eixo central de sua ação, por sua
substituição pelo eixo do privado e do mercado.

6. Perspectivas: continuidade ou mudança?


A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, em outubro de 2002, colocou
27
A bandeira política em questão a possibilidade27 de se romper com esse modelo de Estado
da campanha de Lula semi-soberano, complementar ao mercado, internacionalizado e
era: “a esperança ven-
ceu o medo”. mantenedor de um cidadão-consumidor ou cliente, através de
agências reguladoras e de serviços terceirizados. Os setores mais
conscientes do Partido dos Trabalhadores esperavam, ao menos,
a articulação de projetos que não viessem repor, como farsa, um
Estado ao mesmo tempo intervencionista, burocrático e clientelista
nos moldes do passado, e sim um Estado comprometido com a
cidadania universal e a democracia.

O que tem sido sinalizado e realizado pelo Governo Lula é a


continuidade essencial do modelo de Estado implementado no
governo anterior, inclusive com um novo acordo com o Fundo
Monetário Internacional, que aumentou o superávit primário de
3,75% do PIB para 4,25%, acarretando cortes substanciais nos gastos
públicos, inclusive na área social.
Além disso, o Governo Lula, em articulação com os governadores,
implementou uma reforma da Previdência Social do servidor
público que onerou em 11% os proventos dos atuais aposentados
que recebem acima de R$ 1.440 mil, e limitou a aposentadoria
dos futuros servidores a R$ 2.400 mil, favorecendo os fundos de
previdência privada (Faleiros, 2003). Conseguiu, por outro lado,
fixar em R$ 17.100 mil o teto para as aposentadorias atuais.

A Reforma Tributária, em tramitação no Senado e já votada na


Câmara Federal, não virá mudar substancialmente a distribuição
de renda no país, continuando a drenar recursos da Seguridade
Social para pagamento de juros da dívida através da Desvinculação
dos Recursos da União - DRU. A renda do trabalhador ficou 15%
menor em novembro de 2003, em comparação ao mesmo período
de 2002, e o desemprego se mantém elevado. Por outro lado, a bolsa
de valores teve um aumento significativo, os juros são sagradamente
pagos e a inflação foi contida apesar das empresas e dos bancos terem
aumentado seus lucros. A justificativa para essa continuidade tem
sido a da manutenção da credibilidade econômica do país.

Na política externa, o Governo tem manifestado resistências à Alca


rígida defendida pelos Estados Unidos e às normas mais duras da
Organização Mundial do Comércio - OMC, como em Cancun/
2003. Nesse sentido, o Governo vem buscando construir um projeto
de menos regras gerais e de mais acesso aos mercados, para obter
algumas vantagens comerciais, questionando e dialogando com a
potência hegemônica, como estratégia de redução das desigualdades
externas para uma investida na redução das desigualdades internas. 28
Ver, por exemplo, o
resultado do CONAD/
A Alca, por sua vez, vem sendo criticada e colocada em cheque
ANDES, de 31/10/2003.
por vários movimentos sociais como um neocolonialismo. Há, no Informe Andes, Brasília,
entanto, os que consideram o governo na mesma rota neoliberal n. 122, nov. 2003. Andes:
Sindicato Nacional dos
que o anterior, assinalando que o fundamental tem sido a política Docentes das Institui-
continuísta28 em relação a FHC. ções de Ensino Superior.
57

Reforma do Estado
Existe, entretanto, no interior do governo, a combinação de uma política
monetarista com iniciativas de caráter socioassistencial e de defesa
formal dos direitos do cidadão. Na perspectiva monetarista hegemônica,
com forte redução dos gastos, pretende-se reduzir a distância entre
ricos e pobres com a transferência de renda dos aposentados para os
29
Ver BRASIL Ministério mais pobres29. A Reforma da Previdência seguiu essa orientação do
da Fazenda. Gastos social Banco Mundial30, que não questiona a desigualdade entre capital e
do governo central: 2001
e 2002. Disponível em:. trabalho, que tenderá a se manter no atual governo.
<www.fazenda.gov.br>.
Acesso em: nov. 2003. A implementação do Programa Bolsa-família (Medida Provisória 132
de 20/10/2003) agrega os programas Fome Zero (Lei 10.689/2003),
30
Banco Mundial Informe
sobre el desarrollo mun- Bolsa-escola (Lei 10.219/2001), Auxílio-gás (Decreto 4.102/2002)
dial 2001/2002:. lucha e Bolsa-alimentação (Medida Provisória 2.206-1/2001), no sentido
contra la pobreza..
de assegurar um alívio à pobreza31, com cadastro geral dos pobres
31
A bolsa prevê um auxí- (Decreto3.877/2001), sem, contudo, criar uma nova agenda nas
lio de R$ 50,00 (em torno políticas sociais. O programa Fome Zero tinha se proposto a aglutinar
de US$ 17,00) para famí-
lias com renda per capita esforços das várias esferas de governo para integrar projetos locais de
de até R$50,00, até um alfabetização, renda familiar e melhorias nas condições de vida com
máximo de R$ 95,00,
dependendo do número
a distribuição de um cartão-alimentação de R$50,00 por família.
de filhos na escola, sendo Esses esforços esbarraram nos limites orçamentários32 e nos interesses
R$15,00 por criança. Em
políticos. Embora esteja previsto o controle social do programa, ainda
outubro de 2003, havia
1 bilhão e 200 milhões falta maior participação da população na sua implementação e sua
de famílias inscritas. articulação com uma política de direitos da cidadania.
32
Até novembro de 2003
O Governo Lula colocou em debate uma nova regulamentação
o Fome Zero havia gasto
R$ 288 milhões de um para as agências reguladoras. A proposta não rompe com o modelo
total de 1,8 bilhão de regulação já implementado, mas ampliam-se as obrigações de
previsto.
audiências públicas, a participação dos interessados em suas decisões,
a obrigação de transparência. E se propõe uma melhor articulação
entre as agências e as políticas governamentais. O contrato de gestão
deve ser submetido ao Conselho de Política Setorial da respectiva
área, para compatibilizá-lo com as políticas públicas e os programas
governamentais, possibilitando maior controle do Poder Executivo
sobre as decisões das agências. Prevê-se a existência de ouvidoria
em todas as agências, sendo o ouvidor nomeado pelo presidente da
República, aumentando seu poder para receber, apurar e solucionar
as reclamações dos usuários, seja contra a atuação da agência
reguladora, seja contra atuação dos entes regulados.
As agências devem zelar pela concorrência, mostrando os atos de con-
centração das empresas. Também se propõe maior integração entre
as agências e os órgãos de regulação estaduais e do Distrito Federal.

Existem pressões norte-americanas e das multinacionais para que


as modificações no modelo regulatório não venham prejudicar ou
impedir os investimentos capitalistas, o que faz estabelecer uma
relação entre o modelo de regulação e a implementação da Alca.
O Relatório do Grupo de Trabalho Interministerial33 (BRASIL.
Casa Civil, 2003, p. 4) sobre as mudanças nas agências reguladoras 33
BRASIL. Presidência
da República. Disponível
questiona a independência das agências, sua eficácia na defesa da em: <www.presidencia.g
concorrência e dos consumidores e conclui que ov.br>. Acesso em:
set. 2003.
“não obstante a clara necessidade de aprimoramentos do
quadro atual, o modelo de agências é essencial para o bom
funcionamento da maior parte dos setores encarregados
da provisão de serviços públicos, com reflexos positivos no
resto da economia”.

O relatório conclui ainda que


“o governo é responsável por criar um ambiente que favoreça
os investimentos públicos e privados em infra-estrutura, e
que a presença das agências reguladoras é indispensável
para o sucesso dos investimentos privados que são centrais
para suprir o déficit de investimentos em infra-estrutura
no Brasil”. (BRASIL. Casa Civil. Op. cit. p. 5).

Para isso, deve haver incentivo do governo para diminuição dos


custos de capital nesses setores e as agências não devem ser res-
ponsáveis pela formulação de política setoriais, mas por promover
a concorrência, sendo que
“o papel do governo não é eliminar os riscos para o inves-
tidor – mas sim evitar que se criem riscos desnecessários,
que excedam os riscos próprios do negócio; e que estes
riscos sejam conhecidos ex-ante, não se vendo alterados
por caprichos do regulador”. (BRASIL. Casa Civil.
Op. cit. p. 8).
59

Reforma do Estado
O papel do Estado proposto no Governo Lula é o de proteger os
investimentos capitalistas, mas atendendo melhor aos programas
governamentais e ao interesse público, com o desafio de que o Estado
34
Os articuladores polí-
possa vir a ter maior peso em relação ao mercado, propondo-se que
ticos do Governo estão o Estado não seja apenas uma apêndice do mercado. Esta proposta
costurando alianças se ajusta à correlação de forças em que o próprio governo se situa:
(PT-PMDB-PL-PTB-
PSB-PP) para as eleições dentro do capitalismo com uma inflexão para as demandas de maior
municipais de 2004 com transparência e controle público, assim como de favorecimento de
garantia de sustentação
do bloco parlamentar
algumas metas junto aos mais pobres, na tentativa de harmonizar
no Congresso Nacional. os interesses do capital e de socorro aos pobres na garantia da paz
Na oposição ficam o PFL
e o PSDB ainda com
social e do poder político34 para tranqüilidade dos investimentos.
alguns votos favoráveis
ao Governo.
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