Contratualismo, Liberalismo
e Comunitarismo
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Contratualismo, Liberalismo e Comunitarismo
sário: Robert Nozick. Rawls é conhecido sustentar uma sociedade livre e justa.
por ter publicado em 1971 um dos “A jus�ça – escreve Rawls – é o primeiro
livros mais discu�dos – e mais influen- requisito das ins�tuições sociais, assim
tes – nos úl�mos tempos: Uma teoria como a verdade o é dos sistemas de
da jus�ça. Karl Popper definiu a obra de pensamento”. E logo acrescenta: “uma
John Rawls como “um livro importan�s- teoria, por mais simples e elegante que
simo sob muitos aspectos”, e apreciou seja, deve ser abandonada ou modifica-
muito a ideia de Rawls segundo o qual é da, se não for verdadeira”. Pois bem,
um projeto de vida “que caracteriza as “do mesmo modo as leis e as ins�tui-
intenções ou as finalidades que fazem ções, não importa o quanto sejam
de um homem ‘uma pessoa moral unifi- eficientes e bem urdidas, devem ser
cada, consciente’”. reformadas ou abolidas se forem injus-
tas”.
Por sua vez, justamente Robert Nozick
escreveu que Uma teoria da justiça “é Mas quando é que leis e ins�tuições são
uma fonte de ideias iluminadoras, fun- justas? Os u�litaristas – pensemos, jus-
didas em um conjunto agradável. Ora, tamente, em Bentham ou em Mill – per-
os filósofos devem trabalhar dentro da seguiram o ideal do maior bem-estar
teoria de Rawls, ou então explicar por para o maior número de pessoas; por
que não o fazem [...]. Também quem conseguinte, defenderam uma concep-
não es�ver convencido do desencontro ção tal que no fim, de fato, comportava
com a visão sistemá�ca de Rawls apren- a submissão do indivíduo a sociedade.
derá muito, estudando-o aprofundada- Rawls combate tal impostação, enquan-
mente”. Essas coisas, ditas por seu to, a seu ver, nenhum homem deve
adversário mais temível, cons�tuem o sofrer privações em vantagem de algum
melhor elogio da obra de Rawls. outro ou da “maior parte da socieda-
de”.
Desde os inícios de seu livro Uma teoria
da justiça, Rawls é claro sobre o fato de Rawls, na pesquisa de Uma teoria da
que sua teoria é de “natureza profunda- justiça, parte daquela que ele chama de
mente kan�ana”; e isso no sen�do de posição originária. Esta posição origina-
que ele põe sua obra na esteira do con- ria é o estado em que se encontram os
tratualismo (Locke, Rousseau, Kant), em indivíduos que devem determinar o
contraste com a tradição do u�litarismo contrato. Ela é um expediente heurís�-
(Hume, Bentham e Mill). O intento de co imaginado “de modo a obter a solu-
fundo da obra de Rawls está na propos- ção desejada”. Na posição originária, os
ta e no exame de princípios em grau de indivíduos par�culares se encontram
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jus�ça seria o obje�vo que dá sen�do à dade precisa mais que direitos e liber-
existência da norma jurídica. Do contrá- dades individuais: a solidariedade diz
rio, ela não seria uma norma legí�ma, e respeito ao fortalecimento dos vínculos
sim arbitrária. Daí a necessidade de que unem concidadãos, grupos, comu-
defender a desobediência civil, que é nidades. Um sindicato ou um Estado de
um “ato polí�co, não violento e cons- bem-estar social são expressões ins�tu-
ciente contra a lei, realizado com o fim cionais da solidariedade entre as pesso-
de provocar uma mudança nas leis ou as.
na polí�ca de governo. Ao agir assim,
quem o pra�ca se dirige ao senso de O primeiro promove a união entre os
jus�ça da maioria da comunidade e trabalhadores, permi�ndo-lhes melho-
declara que em sua opinião ponderada rar sua condição de emprego. O segun-
os princípios da cooperação social entre do simboliza a ideia de que os cidadãos
homens livres e iguais não estão sendo são parte de uma só comunidade e res-
respeitados”. A desobediência civil é ponsáveis uns pelos outros. Os comuni-
jus�ficada se: “i) a injus�ça é substan- taristas retomam a crí�ca que Hegel fez
cial e clara e se cons�tuir em obstáculo a Kant. Enquanto Kant aludia a existên-
para a remoção de outras injus�ças; ii) cia de certas obrigações universais que
se todos recursos normais tenham sido deviam prevalecer sobre aquelas mais
feitos, de boa-fé, à maioria polí�ca e con�ngentes derivadas de nosso per-
tenham sido recusados; iii) se não exis- tencimento a uma comunidade par�cu-
�rem muitos outros grupos minoritá- lar, Hegel inver�a aquela formulação
rios com queixas igualmente semelhan- para outorgar prioridade aos laços
tes válidas, porque desobediência civil comunitários. Na corrida da vida, os
generalizada pode desestruturar o con- comunitaristas visam fornecer oportu-
ceito cons�tucional”. nidades e não resultados iguais. A meta
é eliminar a injus�ça, não a desigualda-
1.2.3 O ideal comunitarista de. Numa pista de corrida, os corredo-
res nas raias mais externas se posicio-
O liberalismo enfa�za a importância da nam mais à frente, para que todos
escolha individual, vendo o Estado tenham chances iguais – mas nem
como uma ins�tuição que deve salva- todos vencerão.
guardar o direito de escolha e manter-
-se neutra com relação ao que cons�tui O comunitarismo é uma corrente teóri-
uma boa escolha. Essa visão é contesta- ca que emerge durante a década de
da pelos filósofos chamados comunita- 1980 e tem por obje�vo resgatar a
ristas. Para o comunitarista, a boa socie- importância da ideia de comunidade
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que já estão situadas radicalmente. Isto seja uma pessoa, ela extrai sua auto-
é, de pessoas que se autocompreen- compreensão de si mesma a par�r do-
dem como pessoas situadas no horizon- contexto cultural de orientações valora-
te de configurações de valores específi- �vas compar�lhadas intersubje�va-
cos e que julgam e agem no interior mente. Seria impossível conceber o self
dessas configurações. Dado que a confi- como um ser solipsista, pré-social.
guração de valores é somente adquirida Taylor (assim como Alasdair MacIntyre,
intersubje�vamente nos processos de Michael Walzer e Michael Sandel) está
socialização cultural e integração social associado a uma crí�ca comunitária ao
mediados comunica�vamente, o pres- entendimento liberal sobre o eu, ou o
suposto subjacente de sujeitos inde- “self”. Os comunitaristas enfa�zam a
pendentes que estão isolados uns dos importância das ins�tuições sociais no
outros seria insustentável em termos desenvolvimento do significado indivi-
teóricos. Por mais individualizada que dual e da iden�dade.