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Hanseníase: Diagnóstico
e Tratamento da Neuropatia
1
Projeto Diretrizes
Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina
OBJETIVOS:
1. Estas diretrizes destinam-se à abordagem prática e atualizada dos
estados reacionais da hanseníase.
2. Estabelecer terapêutica adequada ao paciente para minimizar os danos
decorrentes das reações hansênicas e os efeitos colaterais dos fármacos
empregados para o controle da reação.
CONFLITO DE INTERESSE:
Nenhum conflito de interesse declarado.
INTRODUÇÃO
DEFINIÇÃO
episódios reacionais envolvendo os nervos são conhecida como “neurite silenciosa”, se carac-
clinicamente conhecidos como neurites. Entre teriza por alteração da função sensitiva ou sen-
os outros mecanismos de lesão do sistema sitivo-motora na ausência de fenômenos álgicos.
nervoso periférico na hanseníase deve ser con-
siderado ainda um outro fator agravante, de O acometimento nervoso aumenta com a
natureza extrínseca, qual seja, a compressão e o evolução da doença, com a idade do paciente e é
aprisionamento do nervo edemaciado por maior nas formas multibacilares14(C).
estruturas anatômicas vizinhas.
A presença ou ausência de dor é outro as-
QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO pecto notável da neuropatia da hanseníase. A
dor da neuropatia (neuralgia) pode ocorrer du-
Na hanseníase, há o acometimento de fibras rante o processo inflamatório, associado ou não
autonômicas, sensitivas e motoras. Entre as ma- à compressão neural, ou então decorrer de se-
nifestações autonômicas, destaca-se a perda da qüela da neurite (dor neuropática)15(D). A dis-
sudorese, resultando em pele ressecada. O acome- tinção entre as duas situações é importante, pois
timento das fibras cutâneas resulta na perda da implica em tratamentos particularizados. A dor
sensibilidade à dor, ao frio, ao calor e, mais tardia- pode ainda ser espontânea ou ser desencadeada
mente, também ao tato8(C). Quando há lesão do pela palpação ou percussão do nervo (sinal de
tronco dos nervos periféricos, há acometimento Tinel). Sensações desagradáveis podem estar
sensitivo, autonômico e motor no território do(s) presentes na ausência do estímulo (parestesias)
nervo(s) afetado(s), resultando em perda de todas e, ocasionalmente, distúrbios na percepção das
as formas de sensibilidade (dor, frio, calor, tato, sensações (disestesias) são também encontrados.
parestesia e posição segmentar) e de paresia, para-
lisia e atrofia muscular9(C)10 (B). O exame físico destes pacientes deve incluir:
a. a palpação dos troncos nervosos, particular-
A neuropatia inflamatória (neurite) pode ser mente do nervo ulnar, no túnel epitrócleo-
aguda ou crônica11(D)12(B). As neurites agudas olecraniano; do mediano, na face anterior
se apresentam de forma abrupta, com quadro do punho, na entrada do túnel do carpo; do
objetivo de hipersensibilidade à palpação, dor tibial posterior, no túnel do tarso e do fibular,
intensa, espontânea ou desencadeada pela no joelho, abaixo da cabeça da fíbula até a
palpação13(B). Com freqüência, as estruturas fossa poplítea16(B). Avalia-se a forma, a con-
neurais desenvolvem edema, resultando em sistência, e o volume do espessamento do
espessamento dos nervos, com alterações da nervo17(D), e a mobilidade do nervo duran-
função sensitiva ou sensitivo-motora, que po- te o movimento articular;
dem ser reversíveis se houver controle do b. o mapeamento sensitivo do tato cutâneo, uti-
edema6(D). Já as neurites crônicas se caracteri- lizando-se o conjunto de monofilamentos de
zam por um início insidioso e lentamente pro- náilon de Semmes – Weinstein nos territó-
gressivo, apresentando, inicialmente, apenas rios específicos dos troncos nervosos das mãos
leves alterações sensitivas, progredindo com alte- e pés, recomendado para o programa de con-
rações sensitivo-motoras e com sintomatologia trole da hanseníase18,19(D). Estudos demons-
dolorosa variável. A neuropatia não-dolorosa, traram que este instrumento é útil para
reacionais e evitar as deficiências físicas controle do ENH com lesões de pele e arti-
decorrentes do dano neural. Os episódios culares e pode ser usada no comprometimen-
reacionais podem apresentar suas manifesta- to neurológico quando da diminuição das
ções cutâneas e sistêmicas acompanhadas de doses de corticosteróides 19(D).
neurite. O quadro reacional também pode
manifestar-se somente com alterações neurais, O diagnóstico e tratamento dos quadros
configurando um quadro de neurite(s) de neurites devem ser precoces, pois estes
isolada(s)25,26(C)27(D). constituem os principais fatores para a pre-
venção das deficiências e deformidades
A neurite silenciosa é um quadro sem em hanseníase. Existe estudo mostrando
sintomatologia dolorosa. Freqüentemente, o que neurites com menos de seis meses de
seu diagnóstico, pela própria característica de evolução respondem melhor à cortico-
quadro sem dor, é subavaliado. Recomenda-se, terapia 10 (B).Tem-se sugerido regimes de
portanto, o acompanhamento seqüencial e corticoterapia com doses mais altas em pe-
repetitivo da sensibilidade e função motora em ríodos mais curtos30(D).
todos os pacientes com hanseníase, a fim de se
detectar e tratar precocemente a neurite silen- Habitualmente, o uso do corticosteróides
ciosa, na tentativa de evitar as deficiências é feito por via oral. Pode-se, todavia, optar
físicas27(D). pelo uso intravenoso da metilprednisolona,
na dose de 1 g por dia, conhecida como
No tratamento das neurites, as drogas pulsoterapia, usada em outras neuropatias
preconizadas são os corticosteróides e a inflamatórias, como as vasculíticas 11(D).
prednisona é a mais usada, na dose de 1 a 2 Aconselha-se que este procedimento seja rea-
mg/kg/dia, de acordo com a avaliação clínica lizado em centros especializados, com o pa-
da sintomatologia e da gravidade do ciente hospitalizado ou em sistema de hospi-
quadro 19,28 (D) 29 (C). Esta dose deve ser tal-dia e monitorado. Está indicado para pa-
mantida até a regressão dos sinais e sinto- cientes com quadro neurológico de difícil con-
mas, quando então pode ser reduzida em 5 trole e/ou com sintomas muito intensos31(D).
mg a cada duas ou três semanas, até chegar a Em casos nos quais os pacientes estão em
20 mg. Essa dosagem pode ser mantida por uso crônico de corticosteróides orais, sem
alguns meses, enquanto ocorre a melhora melhora, adota-se aumento significativo
gradual, com recuperação da função neural. da dose oral ou a pulsoterapia com metil-
prednisolona. Esta estaria associada à respos-
Um número importante de deficiências ta mais rápida 32(B). Pode-se usar a dose de
pode se instalar nos pacientes com quadro de 1g/dia de metilprednisolona, durante três dias
ENH. Os profissionais de saúde devem ava- consecutivos, com reforços mensais de 1g/dia,
liar o acometimento neural nestes casos. em dia único. Em tais casos, visando a pre-
Todos os pacientes com reação tipo 2 devem venção dos efeitos colaterais, relativos à
ter seus nervos periféricos examinados e, parada abrupta do uso de altas doses de
se for o caso, prontamente tratados com corticosteróides, pode-se utilizar doses pro-
corticosteróides. A talidomida é indicada no gressivamente mais baixas de prednisona,
durante 9 a 12 dias (30 mg por via oral, movem a recuperação da função neural (sensi-
durante três dias;␣ após, 15 mg por mais três bilidade e motricidade). Em qualquer dos casos
dias; após, 5 mg por mais três dias; 2,5 mg mencionados é necessário monitorar a função
por mais três dias e interrupção). Entre o neural, pois pode haver piora da sensibilidade e/
12 0 e o 30 0 dia pós-pulsoterapia, conside- ou da força muscular42(D). Em tal situação ou
ra-se que essa continua sendo efetiva33(C). na ausência de melhora, o paciente deve ser
encaminhado aos centros de referência para
Paciente com dor não controlada e/ou avaliação de indicação cirúrgica.
crônica
O tratamento da neuropatia deve contem- Associado ao tratamento da neurite, deve-
plar o tratamento da dor neuropática34,35(D), se orientar repouso da articulação próxima ao
requerendo a identificação do seu mecanis- nervo comprometido e iniciar a prevenção de
mo gerador para definí-lo15(D). As prescrições complicações secundárias, por meio de inter-
devem ser adaptadas às necessidades de cada venções fisioterápicas.
caso e a administração realizada regular-
TRATAMENTO CIRÚRGICO
mente e não sob demanda. A preferência
deve ser dada aos medicamentos de fácil O tratamento cirúrgico de neurites é um
aquisição e prescritos em escala crescente de
componente coadjuvante na abordagem deste
potência36(C)37(D).
problema. Sabe-se que um dos fatores impor-
Nas dores persistentes, em pacientes tantes na produção da neuropatia é a compres-
com quadro sensitivo e motor normal ou são intra e extraneural. Desta forma, a finalida-
sem piora, o tratamento da dor é feito exclusi- de da cirurgia deve ser reduzir ou eliminar a
vamente com antidepressivos tricíclicos (ami- compressão42(D). O edema e a compressão
triptilina 38 (B), nortriptilina, imipramina, intraneural respondem bem ao tratamento com
clomipramina), neurolépticos (clorpromazina, corticóides, mas a presença de estruturas
levomepromazina), e ou anticonvulsivantes anatômicas constritivas próximas ao nervo
(carbamazepina 39(C), gabapentina 40,41 (A), sugere a necessidade de sua liberação para uma
topiramato, oxicarbamazepina) - (Quadros 1,2 melhor solução do problema de neurite que o
e 3)15(D). Tais medicamentos são exclusivamen- paciente apresenta. Esta é uma das principais
te analgésicos de ação central, ou seja, não pro- razões para que a atenção cirúrgica seja levada
Quadro 1
Antidepressivos Tricíclicos
Fármaco Dose habitual/dia Dose máxima/dia
Amitriptilina 10-150 mg 300 mg
Nortriptilina 10-50 mg (0,2-3 mg/kg) 150 mg
Imipramina 25-150 mg 300 mg
Clomipramina 25-150 mg 250 mg
Quadro 2
Fenotiazinicos
Fármaco Dose habitual/dia Dose máxima/dia
Clorpromazina 25-100 mg 100 mg
Levomepromazina 10-100 mg 100 mg
Quadro 3
Anticonvulsivantes
Fármaco Dose habitual/dia Dose máxima/dia
Carbamazepina 200-1200 mg 3000 mg
Oxicarbamazepina 300- 900 mg 3000 mg
Gabapentina 900- 2400 mg 3600 mg
Topiramato 25- 800 mg 1600 mg
trado que freqüentemente esta cirurgia auxilia como intervenção preventiva em casos que apre-
na prevenção da ocorrência de úlceras planta- sentem sinais e sintomas mínimos e iniciais de
res, assim como no próprio tratamento dessas lesão do nervo até como intervenção terapêu-
úlceras48,49(C). Por esta razão, sua indicação não tica nos casos com sinais e sintomas de lesão
segue critérios rígidos, podendo ser indicada plenamente estabelecida.
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