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4- Sua reinterpretação de Aristóteles pode levar-nos a uma visão unificada de toda a filosofia
grega?
Sinceramente, espero que sim. Aristóteles estava muito consciente da sua posição no
quadro evolutivo da filosofia que o antecedeu, e todo o seu pensamento é não apenas uma reflexão
sobre essa evolução, mas quase a materialização dela sob a forma de ordem e sistema – como quando
você ouve uma melodia e de repente percebe essa seqüência temporal sob a forma de um desenho, de
um gráfico: o tempo que vira espaço. Primeiro os gregos conheceram o discurso mitopoético das
epopéias e da lírica, depois o discurso retórico dos sofistas, depois a dialética de Sócrates e Platão e
por fim a estrutura lógica revelada por Aristóteles. Essa seqüência histórica é idêntica à própria
estrutura interna do sistema de Aristóteles, tal como acredito havê-la desvelado na "teoria dos quatro
discursos". Esse fenômeno de um sistema no qual se refaz e se perfaz conscientemente a evolução
histórica é um grande milagre do espírito. Alguns místicos islâmicos consideram Aristóteles um
profeta, e acho que têm razão.
5- Como foi sua experiência recente na Romênia, suas conferências lá, seu contato com
escritores e universidades da terra?
A Romênia é hoje a minha segunda pátria. Tenho tantos amigos lá quanto no Brasil, e
nenhum inimigo exceto o frio. Também tenho ótimos amigos entre os romenos que vivem aqui,
como Gheorghe Legmann, valente batalhador em prol das relações Brasil-Romênia. Os romenos são
um povo cultíssimo, com a alma aprimorada pelo sofrimento. O número de sábios "per capita" lá é
impressionante. É também um país lindíssimo, a maior reserva natural da Europa, com florestas
cheias de ursos e lobos que nunca ouviram falar de crise ecológica nem do Ibama. Mas os países
vizinhos não deram à Romênia a menor chance. Invadiram e roubaram a infeliz o quanto puderam, e
lhe impuseram a camisa-de-força dos regimes totalitários, primeiro o nazismo, depois quarenta anos
de comunismo. Hoje os romenos, espoliados pela Nova Ordem Mundial, são um povo cansado,
esgotado, descrente, com dificuldade para enxergar suas próprias qualidades mais óbvias. No
entanto, no meio da mais negra miséria, não perdem o gosto de estudar. São um exemplo para os
brasileiros, que só admitem o estudo como meio de arranjar emprego ou de adornar conversações de
salão. Os romenos adoram o Brasil (deram até o nome de Copacabana a uma praia no Mar Negro, e o
hino da seleção romena de futebol é um samba), e a nossa presença lá faz bem a eles. Talvez
ninguém tenha feito mais para melhorar a auto-imagem dos romenos do que o embaixador brasileiro,
Jerônimo Moscardo, hoje um imbatível "pop star" em Bucareste. Acho que todo brasileiro deveria
passar um tempo lá para ver o que é dignidade na miséria e para deixar de chorar de barriga cheia.
Bucareste é a capital mais pobre da Europa – e a mais pacífica. Simplesmente não há assaltos à mão
armada. Quando volto a este nosso país onde um frango assado custa dois dólares, fico perplexo ante
a classe média tão gordinha e tão revoltada, que só reclama da vida e que justifica a violência em
nome da "miséria": queria que essa gente fosse ver os milhares de meninos de rua que em Bucareste
têm de se esconder no esgoto durante o inverno, e que vêm nos pedir esmola em inglês, francês ou
alemão, com um ar de inocência que dia a dia vai desaparecendo dos olhos das nossas crianças,
corrompidas por falsos educadores.