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EM REDE E
AS RÁDIOS
POPULARES
LATINO-
AMERICANAS
IV SICCAL
O objetivo deste artigo é abordar como as teorizações sobre redes contribuem para
pensar os desafios enfrentados pelas mídias alternativas e populares na América Latina.
Para essa reflexão, toma-se a Associação Latino-Americana de Educação Radiofônica
(ALER), que, desde a década de 1970, articula rádios educativas e populares da região.
Como um primeiro ensaio, o presente texto traz os passos iniciais desta pesquisa, com
base em aportes teóricos e revisão bibliográfica pertinentes ao tema.
Palavras-chave: Rádio Popular. Redes. América Latina. Radiojornalismo.
This article proposes to discuss how network theories contribute to the challenges
faced by alternative and popular media in Latin America. For this reflection, we
study the Latin American Association for Radiophonic Education, that was created
in 1972, and since then, articulates educational and popular radio stations in the
region. As a first essay, the present text presents the initial steps of this research,
based on theoretical contributions and literature review relevant to the theme.
Keywords: Popular Radio. Networks. Latin America. Radiojournalism.
El objetivo de este artículo es abordar cómo las teorías sobre redes contribuyen para
pensar los retos de medios alternativos y populares en América Latina. Para esta re-
flexión, tomamos para análisis la Asociación Latinoamericana de Educación Radiofónica
(ALER), que desde la década de 1970 articula radios educativas y populares de la región.
Como un primer ensayo, el presente texto trae los pasos iniciales de esta investigación,
con base en los aportes teóricos y revisión bibliográfica pertinentes al tema.
Palabras clave: Radio Popular. Redes. América Latina. Radioperiodismo.
DOI: https://doi.org/10.11606/extraprensa2019.153491
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como “uma reelaboração do caráter simbó- diplomática entre si. Um terceiro tipo
lico da vida social, uma reorganização dos de rede estava ligada à expansão da
meios pelos quais a informação e o conteúdo atividade comercial. Com o aumento
simbólico são produzidos e intercambiados do comércio e de novas fábricas, novas
no mundo social” (p. 19). redes de comunicação foram estabeleci-
das dentro da comunidade de negócios e
entre os maiores centros comerciais. [...]
Finalmente, informações eram também
transmitidas às cidades e aldeias através
Redes de comunicação de redes de comerciantes, mascates e
e Fluxo informacional entretenedores ambulantes, tais como
contadores de histórias e trovadores.
Ao se reunirem em mercados ou taber-
O processo de formação de redes nas e interagirem com mercadores e
na comunicação não é uma novidade viajantes, todos ficavam sabendo de
da modernidade, mas é nela que ocorre acontecimentos ocorridos em lugares
a sua intensificação. Com o advento da os mais distantes. (Ibid., p. 63)
imprensa, no início da Europa moderna,
os padrões de comunicação se transforma- A partir de dois desenvolvimentos-
ram; posteriormente, com as tecnologias -chave, ao longo dos séculos XV, XVI e
digitais, tornou-se mais marcante esse pro- XVII, este cenário adquiriu novos contor-
cesso de articulação. No entanto, antes da nos. Primeiro, por meio de serviços postais
imprensa, como aponta Thompson (1998), regulares promovidos e regulados pelos
“um número de redes regulares de comu- reinados da época; e, segundo, já no início
nicação tinha sido estabelecido através da da era moderna, “foi o uso da imprensa na
Europa” (p. 63). O autor distingue ao menos produção e disseminação de notícias”, que
quatro tipos destas: se dava por publicações avulsas e irregula-
res de disseminação de conteúdos os mais
Primeiro, havia uma extensa rede de diversos, desde comunicados oficiais, divul-
comunicações estabelecidas e contro- gação de eventos e de desastres naturais, até
ladas pela Igreja Católica. Esta rede difusão de informações sobre “fenômenos
permitia ao papado em Roma manter extraordinários ou sobrenaturais, como
contato com o clero e com as elites gigantes, cometas e aparições” (Ibid., p. 64).
políticas dispersas pela malha folga-
damente tecida do reino de cristandade. As origens dos jornais modernos
Segundo, havia redes de comunicação datam de meados do século XVII, “quando
estabelecidas pelas autoridades políticas periódicos regulares de notícias começaram
dos estados e principados; estas redes a aparecer semanalmente com um certo
operavam tanto dentro dos territórios grau de confiabilidade” (Ibid., p. 65), princi-
particulares de cada estado, facilitando palmente em centros comerciais europeus,
a administração e pacificação internas, compilando informações dos centros postais,
quanto entre os estados que manti- preocupando-se principalmente em seu iní-
nham alguma forma de comunicação cio com notícias do estrangeiro.
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apenas como “um meio para divulgar aulas alternativa de dimensão continental, dis-
e estender o trabalho da escola”3 (ALER, tribuído por meio de fitas cassetes.
2012, tradução minha).
Na sequência, a terceira geração vai
A segunda geração é caracterizada de 1992 a 2001, quando se fortalecem as
como a do Rádio Popular, de 1982 a 1992. democracias formais na região latino-ame-
Alcançando mais de 40 associadas de “ins- ricana, ainda que imersas em um modelo
piração cristã e inseridas no mundo dos econômico neoliberal, momento também
pobres”, como definem, este foi um período de emergência das ideias de aldeia global,
em que se desenvolveram movimentos de um fortalecimento da concentração
revolucionários em países da América dos meios de comunicação hegemônicos
Central e quando caem as ditaduras do e maior difusão em distintos setores da
Cone Sul latino-americano; bem como um população das Tecnologias da Informação
período de intensificação da urbanização e da Comunicação (TICs).
em toda a região, arrastando consigo a
pobreza em muitas cidades. A partir das mudanças no mundo e os
novos desafios para as rádios, nasce o
Este também é um período que o papel “Novo Horizonte Teórico para a Rádio
de rádio para alfabetização vai cedendo Popular na América Latina”. Enfatizamos
espaço para uma tendência de que “com a função massiva do rádio, as diversas
práticas de educação (informal) se promova lógicas, públicos diversos. Rádio popular
a conscientização, a mobilização popular ou rádio comunitário, cidadão, partici-
e as OBAs (Organizações de Base). Entra a pativo? ALER e as oitenta associadas,
Rádio Popular em ação, participando dos de inspiração cristã e humana, recons-
processos de mudanças, às vezes como pro- troem o seu projeto. Fortalecimento das
tagonistas”4 (ALER, 2012, tradução minha). redes nacionais de rádio e a rede de redes,
Em outras palavras, ao longo dos anos de ALRED: um modelo de trabalho para
1980, do caráter educativo e da educação potencializar o rádio popular.5 (ALER,
através do rádio, a Associação muda de 2012, tradução minha)
enfoque e passa a afirmar-se como uma
articulação de rádios populares (BARALE, Assim, nos anos de 1990, a ALER passa
1999, p. 40). Como um dos exemplos de pro- a rever seus objetivos e missão, abrindo-se
dução desta época está o Informativo Tercer a uma diversidade maior de emissoras –
Mundo, que era um serviço de informação
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aquelas que podem ser chamadas de rádios Tal uso de ferramentas tecnológicas está
“cidadãs” ou “identitárias” –, indo além de em consonância com a movimentação que
somente articular os veículos de inspiração fez com que “ao longo dos anos noventa,
cristã e humanista, para incluir também vários importantes movimentos sociais de
as rádios comunitárias, feministas, indíge- todo o mundo puderam se organizar gra-
nas, entre outras, marcantes desse período ças à ajuda da Internet”8 (CASTELLS, 2001,
(PULLEIRO, 2012). E essa mudança insere- p. 160, tradução minha).
-se também em um contexto mais amplo
de reivindicar o direito e a democratização A necessidade de troca de experiências
da comunicação. e formação, além da produção de produtos e
materiais radiofônicos em comum no inte-
Em cada uma das etapas históricas da rior da rede, levou com que, em 1997, fosse
vida da ALER, seu discurso radiofônico lançada a América Latina en Red Satelital
tem sido importante para promover e (ALRED), que depois ganhou o nome de
demandar a democratização das comu- Sistema Intercontinental de Comunicação
nicações e, posteriormente, exigir os Radiofônica (SICR). Com seu início baseado
direitos à comunicação, à liberdade de na lógica satelital, atualmente a ALER tam-
expressão e o direito à informação dos bém faz uso de plataformas da internet para
setores sociais menos favorecidos, das seu funcionamento em rede.
comunidades que se localizam nos seto-
res periféricos, as comunidades rurais, Com uma audiência de mais de 12 milhões
os povos e as culturas marginalizadas de ouvintes, tal serviço radiofônico de
do desenvolvimento.6 (FLOREZ, 2009, interconexão intercontinental permite a
p. 04, tradução minha) realização de programas e projetos con-
juntos por intermédio da internet ou via
Para alcançar seus objetivos, a ALER e satélite, contando com correspondentes
suas dezenas de rádios associadas fazem uso em todas as pontas do continente. A SICR
de ferramentas das tecnologias da informa- é considerada pela Aler como uma área
ção e da comunicação, por meio das quais a institucional estratégica que pretende tor-
Associação “tem um serviço radiofônico de nar-se um espaço de encontro das rádios
interconexão intercontinental, cujos supor- educativas, populares, comunitárias e
tes principais são o satélite e a internet”7. participativas de todo o continente para
o fortalecimento político-social da região.
No momento, a SICR conta com oito esta-
6 No original: “En cada una de las etapas históricas de ções terrestres que permite cobertura
la vida de ALER, su discurso radiofónico ha sido impor- da América Central e América do Sul
tante para promover y demandar la democratización de
las comunicaciones, y posteriormente exigir los dere-
chos a la comunicación, a la libertad de expresión, y el
derecho a la información de los sectores sociales menos cuyos soportes principales son el satélite y la Internet”.
favorecidos, de las comunidades que se ubican en los Disponível em: https://www.aler.org/index.php/
sectores periféricos, las comunidades rurales, los pue- node/1. Acesso em: 18 de novembro de 2018.
blos y culturas marginadas del desarrollo.” 8 No original: “A lo largo de los noventa, varios
7 No original: “Así, desde 1997, ALER tiene un ser- importantes movimientos sociales de todo el mundo
vicio radiofónico de interconexión intercontinental, pudieron organizarse gracias a la ayuda de Internet”.
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neste artigo, pode-se apontar que a proposta Desde o advento da imprensa e especial-
de ser uma rede atravessa toda a história mente da mídia eletrônica, lutas por reco-
da Associação, somando-se aos princípios e nhecimento se tornaram cada vez mais
às práticas que defendem em conjunto com lutas pela visibilidade dentro de espaços
as rádios populares em seu projeto político não localizados de publicidade mediada.
e como parte de conceitos compartilhados; A luta por se fazer ouvir e ver (e impedir
e também se expressa em sua visão atual: que outros o façam) não é um aspecto
“A ALER é uma Rede de comunicação edu- periférico das turbulências sociopolíticas
cativa popular que promove a participação, do mundo moderno; pelo contrário, está
a inclusão, a convivência harmônica com a no centro dele. O desenvolvimento dos
natureza; acompanha os povos na conquista movimentos sociais, como o movimento
de direitos; trabalha pela democratização das mulheres e o movimento dos direi-
da comunicação e participa na construção tos civis, fornecem amplo testemunho
de processos para o Bem Viver”14. de que as reivindicações de grupos até
então subordinados ou marginalizados
só se conquistam através de lutas pela
visibilidade na mídia. A evolução de tais
movimentos também comprova o fato
Considerações finais de que, ao conquistar algum grau de
visibilidade na mídia, as reivindicações e
preocupações de indivíduos particulares
O que este artigo trata é da intensifi- podem ter algum reconhecimento público,
cação da perspectiva de processos em redes e por isso podem servir como um apelo
a partir das transformações tecnológicas, de mobilização para indivíduos que não
entendendo que as mudanças sociais vão compartilham o mesmo contexto tempo-
se desenvolvendo ao longo dos tempos até ral-espacial. (THOMPSON, 1998, p. 215)
se posicionarem como um novo paradigma.
E é disso que se trata a Sociedade em Rede. O exposto acima trazido por Thompson
Em diálogo com essa perspectiva, a proposta ajuda a refletir sobre a necessidade da auto-
de discussão neste texto também foi a de -organização dos setores populares para se
entender como esse debate é útil para se fazerem visíveis por meio da comunicação,
refletir em torno das experiências de comu- a si mesmos e suas pautas, junto à socie-
nicação em uma perspectiva de resistência dade. Nesse sentido, a articulação em rede
popular, ou seja, de espaço dos e para setores enquanto estratégia de construção desses
e movimentos populares. setores, bem como com o uso das ferramentas
tecnológicas disponíveis para tal, produzem
novos fluxos – sejam eles locais, regionais ou
14 No original: “ALER es una Red de comunicación
globais –, que equilibram o acesso e a difusão
educativa popular que promueve la participación, la
inclusión, la convivencia armónica con la naturaleza; de informações na sociedade, bem como são
acompaña a los pueblos en la conquista de derechos; traços de aprofundamento da democracia,
trabaja por la democratización de la comunicación y com maior participação popular, em especial
participa en la construcción de procesos para el Buen
Vivir”. Acesso em: https://www.aler.org/node/1.
em uma região que carece disto, como o é a
Disponível em: 09 de janeiro de 2019. América Latina.
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Referências
ALER. Un nuevo horizonte teórico para la radio popular. Quito: ALER, 1996.
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