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Álgebra Linear e Geometria Analítica Texto de apoio

Professor João Soares 10 páginas


Universidade de Coimbra 8 de Novembro de 2015

Os Quatro Subespaços Fundamentais

A uma matriz A, m × n, estão associados quatro subespaços fundamentais: o espaço nulo


N (A), que é o conjunto das soluções do sistema de equações lineares homogéneo Ax = 0; o
espaço das colunas C(A), que é o conjunto das combinações lineares com as colunas de
A; o espaço das linhas L(A), que é o conjunto das combinações lineares com as linhas
de A (interpretadas como se fossem colunas); e o espaço nulo à esquerda N esq (A), que
é o conjunto das soluções do sistema de equações lineares homogéneo y T A = 0.

Começamos por justificar, de forma breve, que os quatro conjuntos apresentados são,
de facto, subespaços (dos espaços onde estão inseridos). Na aula mostrámos que N (A) 6= ∅
e que neste conjunto a soma e multiplicação por um escalar são operações fechadas. Por
isso, N (A) é um subespaço de Rn . O mesmo é verdade para C(A), pelo que C(A) é um
subespaço de Rm . Por outro lado, N esq (A) = N (AT ) e L(A) = C(AT ), pelo que ambos os
conjuntos N esq (A) e L(A) também são subespaços, de Rm e Rn , respetivamente.

Por isso, podemos chamar (sub)espaços vetoriais a esses conjuntos e vetores aos
seus elementos.

Neste texto de apoio veremos que é possível identificar uma base de cada um dos
subespaços fundamentais associadas a uma matriz A no final da eliminação de Gauss.

Importa não confundir espaço das linhas de A com as linhas propriamente ditas. Bem
como não confundir espaço das colunas de A com as colunas de A. Por exemplo, para a
matriz
 
1 1 2 2 1 1
 2 2 4 4 3 1 
A≡
 2
 (1)
2 4 4 2 2 
3 5 8 6 5 3
2 Álgebra Linear e Geometria Analítica

as linhas são os vetores


       
1 2 2 3

 1 


 2 


 2 


 5 


 2 
,

 4 
,

 4 
,

 8 
.

 2 


 4 


 4 


 6 

 1   3   2   5 
1 1 2 3

Estes quatro vetores de R6 são, simplesmente, um conjunto gerador do espaço das linhas de
A, que tem muito mais elementos pois contém todas as combinações lineares que é possível
efectuar com esses quatro vetores.

Portanto, conhecemos um conjunto gerador para L(A) formado pelas linhas de A.


Para obter uma base de L(A) basta, como vimos na aula, excluir sequencialmente vetores
desse conjunto gerador que sejam combinação linear dos restantes vetores que vão ficando.
Faremo-nos valer do seguinte resultado demonstrado nas aulas práticas:

Se num conjunto de vetores, substituirmos um dos elementos pela sua soma


com um múltiplo escalar de um outro elemento, o subespaço gerado pelo novo
conjunto de vetores é idêntico ao subespaço gerado pelo conjunto original, e a
dependência ou independência linear de ambos os conjuntos é a mesma.

Por isso, as linhas da matriz em escada U que se obtêm no final da eliminação de Gauss
sobre a matriz A geram o mesmo subespaço que as linhas da matriz A. Matematicamente,

L(U ) = L(A).

Se não houver linhas nulas na matriz U , o sistema de equações lineares homogéneo y T U = 0


tem solução única. Isso quer dizer que as linhas de U formam um conjunto linearmente
independente e, por isso, constituem uma base de L(U ), que é igual a L(A). Se houver
linhas nulas na matriz U , y T U = 0 tem uma infinidade de soluções. Isso quer dizer que as
linhas de U formam um conjunto linearmente dependente. Naturalmente, desconsiderando
as linhas nulas de U ficamos com um subconjunto das linhas de U que permanece gerador
de L(U ) e é linearmente independente. Concluímos, então, que as linhas não nulas da
matriz U formam uma base de L(A) e que, portanto, a dimensão de L(A) é r ≡ car(A).
Texto de apoio 3

A aplicação da eliminação de Gauss sobre a matriz A em (1) resulta nos seguintes


passos:
   
1 1 2 2 1 1 1 1 2 2 1 1
 2 2 4 4 3 1   0 0 0 0 1 −1 
A=
 2
 −→  
2 4 4 2 2  L2 ←L2 −2L1  0 0 0 0 0 0 
L3 ←L3 −2L1
3 5 8 6 5 3 L4 ←L4 −3L1 0 2 2 0 2 0
 
1 1 2 2 1 1
 0 2 2 0 2 0 
−→ 
 0

L2 ↔L4 0 0 0 0 0 
0 0 0 0 1 −1
 
1 1 2 2 1 1
 0 2 2 0 2 0 
−→  =U (2)
L3 ↔L4  0 0 0 0 1 −1 
0 0 0 0 0 0

em cuja matriz U se destacam os pivots. Portanto, car(A) = 3 e ficamos a conhecer a


decomposição P A = LU . Nomeadamente,1
     
1 0 0 0 1 1 2 2 1 1 1 0 0 0 1 1 2 2 1 1
 0 0 0 1  2 2 4 4 3 1   3 1 0 0   0 2 2 0 2 0 
  =  
 0 1 0 0  2 2 4 4 2 2   2 0 1 0  0 0 0 0 1 −1 
0 0 1 0 3 5 8 6 5 3 2 0 0 1 0 0 0 0 0 0
| {z }| {z } | {z }| {z }
P =P34 P24 A L U

Portanto, como as linhas não nulas de U são as três primeiras concluímos que
     

 1 0 0 
 1   2

   0  

     

 2   2   0 
 ,  ,  
  2   0   0 
      


  1   2   1  

 
1 0 −1
 

é uma base de L(A), que dim L(A) = 3.

Note-se que as primeiras r linhas da matriz P A permitem obter sem trocas as linhas
não nulas da matriz U . Por isso as linhas dessa submatriz de A também formam uma base
1
Numa implementação adequada da eliminação de Gauss em computador não é necessária uma refato-
rização de P A com o propósito de identificar L.
4 Álgebra Linear e Geometria Analítica

de L(A). No exemplo,
    
1 0 0 0 1 1 2 2 1 1 1 1 2 2 1 1
 0 0 0 1  2 2
  4 4 3 1   3
  5 8 6 5 3 
PA = 
 0 = ,
1 0 0  2 2 4 4 2 2   2 2 4 4 3 1 
0 0 1 0 3 5 8 6 5 3 2 2 4 4 2 2

pelo que,
     

 1 3 2 

1 5 2

     


 
     

 2 
,

 8 
,

 4 




 2 


 6 


 4 

1 5 3

     


 

1 3 1
 

é uma outra base do espaço das linhas da matriz A.

Agora, consideramos o espaço das colunas C(A). Em geral, C(A) 6= C(U ) pois basta
ver no exemplo anterior que a última componente de qualquer elemento de C(U ) é zero
enquanto que o mesmo não é verdade com C(A).
Contudo, as colunas de U e as colunas de A estão relacionadas. Atendendo a que
existe uma matriz invertível E, resultado do produto de matrizes elementares associadas
às operações elementares da eliminação de Gauss, tal que

E A = U,
|{z}
=L−1 P

então a j-ésima coluna de U é o produto da matriz invertível E pela j-ésima coluna de A.


Então, por um dos exercícios das aulas práticas, a dependência ou independência linear
dos dois conjuntos de colunas é a mesma.
No caso da matriz U observa-se que cada uma das colunas sem pivot são combinações
lineares das colunas com pivot (porquê?), e que as colunas com pivot formam um conjunto
linearmente independente (porquê?). Por isso, uma base de C(A) é constituída pelas
colunas de A correspondentes às colunas de U que contêm os pivots e, então, dim C(A) =
car(A).

Consideramos a matriz A em (1) cuja matriz U foi encontrada em (2). Uma vez que os
Texto de apoio 5

pivots estão na primeira, segunda e quinta colunas de U , então


     

 1 1 1 
     
 , , 3 
2 2

  2   2   2 
 
3 5 5
 

é uma base de C(A), e dim C(A) = 3.

Acabámos de mostrar que dim C(A) = dim L(A) = car(A). Mas, então, atendendo a
que C(A) = L(AT ),

car(A) = dim C(A) = dim L(AT ) = car(AT ),

pelo que o número de pivots obtidos após a eliminação de Gauss à matriz A e à matriz AT
é o mesmo. Um resultado lateral que ainda não tinha sido observado antes.

Sobre o espaço nulo ou núcleo de uma matriz. Claramente, o espaço nulo de A coincide
com o espaço nulo de U pois os sistemas de equações lineares Ax = 0 e U x = 0 são
equivalentes. Matematicamente,
N (A) = N (U ).

Como U é uma matriz em escada, então U é uma matriz que, a menos de uma permutação
das colunas, tem o seguinte aspeto:
 
UCB UCN
U= (3)
0DB 0DN
onde C denota o conjunto de índices das primeiras r ≡ car(A) linhas, D denota os restantes
índices de linha; B denota o conjunto dos índices das variáveis básicas, e N denota o
conjunto dos índices das variáveis não básicas (ou livres) - atente-se a distribuição de cores
em (2).
Note-se que [UCB UCN ] denota a submatriz de U que contém apenas as linhas não
nulas, e que UCB é uma matriz triangular superior contendo as colunas com os pivots - em
particular, invertível. Por isso,
    
UCB UCN xB 0C
Ux = 0 ⇐⇒ =
0DB 0DB xN 0D

⇐⇒ UCB xB + UCN xN = 0C

−1
⇐⇒ xB = −UCB UCN xN ,
6 Álgebra Linear e Geometria Analítica

dado que UCB é invertível. Então,

−1
  
−UCB UCN xN
N (A) = : xN q.q.
xN

−1
  
−UCB UCN  
= xN : xN q.q.
IN

−1
 
−UCB UCN
= C ,
IN

onde IN denota a matriz identidade (n − r) × (n − r) a ser posicionada no conjunto de


linhas indexadas por N .

Portanto, N (A) é o espaço das colunas de uma matriz com n linhas e n − car(A)
colunas. Todas estas colunas formam um conjunto linearmente independente, devido à
presença da matriz identidade IN , e, por isso, constituem uma base de N (A). Concluímos
que dim N (A) = n − car(A).

Ilustramos com a matriz A definida em (1) cuja matriz U foi encontrada em (2):

  

 x1 

x2

           
1 1 1 x1 2 2 1 x3 0 

 
 
x3
  
N (A) =   ∈ R6 :  0 2 2   x2  +  2 0 0  x4 = 0 
 x4 
0 0 1 x5 0 0 −1 x6 0 

   
x5

   


 | {z }| {z } | {z }| {z } 

x6 UCB xB UCN xN
 

Deste modo, temos as variáveis básicas (x1 , x2 e x5 ) descritas implicitamente, mas de forma
única, em função das variáveis não básicas (x3 , x4 e x6 ). Resolvendo esse sistema triangular
superior por substituição ascendente concluímos que

      
x1 −x3 − 2x4 − x6 −1 −2 −1 x3
 x2  =  −x3 − x6  =  −1 0 −1   x4  .
x5 x6 0 0 1 x6
| {z } | {z } | {z }| {z }
xB −1 −1 xN
−UCB UCN xN −UCB UCN
Texto de apoio 7

Por isso,
  

 −1 −2 −1 

−1 0 −1

       

x x
 
3 3
   
1 0 0
  
3
N (A) = 
 0
  x4 :  x4 ∈ R

1 0 
x x6
 
6
   


  0 0 1  


 
0 0 1
 

       

 −1 −2 −1 

−1 0 −1

      


      

1 0 0
      
= x3   + x4   + x6  : x3 , x4 , x6 ∈ R



 0 


 1 


 0 
 

0 0 1

       


 

0 0 1
 

 
−1 −2 −1

 −1 0 −1 

 1 0 0 
= C .

 0 1 0 

 0 0 1 
0 0 1
Naturalmente, as três colunas definem um conjunto linearmente independente, tal como
foi explicado atrás. Portanto,
     

 −1 −2 −1 



  −1   0   −1 

      
1 0 0
     
 , , 
 0   1   0 
      

0 0 1 

      

 

0 0 1
 

é uma base de N (A) e dim N (A) = 3.

Agora, explicamos como obter uma base do espaço nulo à esquerda N esq (A). Uma
possibilidade é obter uma base de N (AT ) através do processo que descrevemos para o
espaço nulo de uma matriz. Mas como isso obrigaria a uma nova eliminação de Gauss,
desde vez sobre AT , aqui descrevemos um processo alternativo que não obriga a uma nova
eliminação de Gauss.
Primeiro, mostramos o seguinte resultado que relaciona o espaço nulo à esquerda de A
com o espaço nulo à esquerda de U .
8 Álgebra Linear e Geometria Analítica

Teorema 1 Conhecida a decomposição P A = LU , então

N esq (A) = (L−1 P )T v : v ∈ N esq (U )



(4)

Prova: Mostramos a mútua inclusão. Para todo y ∈ N esq (A),


T
LT P y U = y T P T (LU ) = y T P T (P A) = y T (P T P )A = y T A = 0,

pelo que v ≡ LT P y ∈ N esq (U ). Como LT P é uma matriz invertível (porque é o produto


de duas matrizes invertíveis), a sua inversa é
−1 −1
LT P = P −1 LT = P T L−T = (L−1 P )T ,

pelo que
y = (LT P )−1 v = (L−1 P )T v.

Reciprocamente, para para todo v ∈ N esq (U ),


T
(L−1 P )T v A = v T L−1 P A = v T L−1 (P A) = v T L−1 (LU ) = v T (L−1 L)U = v T U = 0,


pelo que y ≡ (L−1 P )T v ∈ N esq (A). 

Teorema 2 Conhecida a decomposição P A = LU , então


    
esq 0C 0CD
N (U ) = : vD q.q. = C( ),
vD IDD

onde IDD denota a matriz identidade (m − r) × (m − r).

Prova: Atendendo à estrutura de U em (3),


 T  
T vC UCB UCN
v U =0 ⇐⇒ = [0B 0N ]
vD 0DB 0DN

⇐⇒ vCT UCB = 0B , vCT UCN = 0N

⇐⇒ vC = 0C ,
Texto de apoio 9

uma vez que UCB é uma matriz invertível. Por isso,


       
esq 0C 0CD 0CD
N (U ) = : vD q.q. = [vD ] : vD q.q. = C .
vD IDD IDD

Portanto, N esq (U ) é o espaço das colunas de uma matriz com m linhas e m − car(A)
colunas. Todas estas colunas formam um conjunto linearmente independente, devido à
presença da matriz identidade IDD .

Teorema 3 Conhecida a decomposição P A = LU , então

N esq (A) = C P T L−T −1


 
·D = L L D· P

Prova: Pelo dois teoremas anteriores,


  
esq −1
T 0CD
N (A) = C L P .
IDD

Mas,
−T
L−T L−T
      
T 0CD LCC 0CD
−1
L P =P T CD
=P T CD
= P T L−T
·D ,
IDD 0DC L−T
DC IDD −T
IDD

de onde decorre o resultado pretendido. 

Portanto, N esq (A) é o espaço das colunas de uma matriz com m linhas e m − car(A)
colunas. Todas estas colunas formam um conjunto linearmente independente (porquê?), e,
por isso, constituem uma base de N esq (A). Concluímos que dim N esq (A) = m − car(A).

Vamos agora ilustrar com a matriz A definida em (1). Pelo Teorema 1, sabemos que
 

 

        
y1 1 3 2 2 1 0 0 0 y1 0

 


 

y2  0 1 0 0   0 0 0 1   y2  0
          
N esq (A) =  ∈ R4 :  =  ,v ∈ R ,
0  4
 


 y 3
  0 0 1 0   0 1 0 0   y3  

y4 0 0 0 1 0 0 1 0 y4 v4

 


 


 | {z }| {z } | {z } 

LT P v∈N esq (U )
10 Álgebra Linear e Geometria Analítica

porque a quarta linha de U é a única linha nula desta matriz. O sistema triangular superior
é equivalente a     
1 3 2 2 y1 0
 0 1 0 0   y4
    0 
 = 
 0 0 1 0   y2   0 
0 0 0 1 y3 v4
| {z }
Py

que, por sua vez, é equivalente a


   
y1 −2v4
 y2   0 
 y3  =  v4  .
   

y4 0

Por isso,  

 


   

−2

 


 

0
  
esq
N (A) =  [v ] : v ∈ R
1  4 4
 

 

0

 


 


 | {z } 

 T −T 
P L·D

Concluímos que  

 −2 
0
 
 
  1 
 
0
 

é uma base de N esq (A), e que dim N esq (A) = 1.

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