Explorar E-books
Categorias
Explorar Audiolivros
Categorias
Explorar Revistas
Categorias
Explorar Documentos
Categorias
Apresentação 9
2. Conhecimento e ceticismo 23
2.1 Anatomia do ceticismo 23
3. Teorias epistemológicas 37
3.1 Fundacionalismo 37
3.2 Coerentismo 47
3.3 Antifundacionalismo 49
4.3 Naturalismo 62
4.4 Antinaturalismo 64
5. Natureza humana e liberdade 67
5.1 É possível uma ciência da natureza humana e da
sociedade? 67
6.2 Determinismo 83
6.3 Indeterminismo 89
7. Explanação científica 91
7.1 Explanação e leis 91
7.2 Indutivismo 92
7.4 Dedutivismo 98
8. Holismo e individualismo 103
8.1 Totalidades e partes 103
9. Causalidade e realidade 113
9.1 O que significa dizer que A causou B? 113
Gabarito 167
Referências 181
9
Apresentação
1 Proposição é o termo usado pelos filósofos para distinguir uma certa espécie de
sentença de outras, a saber, proposição é aquela sentença passível de atribuição de
um valor de verdade. Pode-se dizer de uma proposição que ela é verdadeira ou falsa;
aplica-se a ela o princípio do terceiro excluído. Assim, uma sentença como “Está cho-
vendo agora” pode ser verdadeira ou falsa; é, portanto, uma proposição. Já a sentença
“Feche a janela” não pode ser verdadeira nem falsa, pois é uma ordem, não afirma nem
nega algo; é, portanto, uma sentença não proposicional. Da mesma forma, quando
expressamos sentimentos, estamos usando a linguagem de modo não proposicional.
Por exemplo, quando o enamorado diz à amada: “você partiu meu coração em peda-
ços”, essa sentença não é verdadeira nem falsa.
14 Filosofia das Ciências Sociais
então é também verdade que acredito nisso. Não faz sentido dizer
que sei que 3 . 3 = 9, mas ao mesmo tempo dizer que não acredito
que 3 . 3 = 9. Por outro lado, faz sentido dizer que acredito que Maria
tem menos de 30 anos, mas não o sei, ou, como algumas pessoas
também se expressam, que não tenho certeza. Qual a diferença?
Segundo muitos filósofos, quando digo que sei que uma cer-
ta sentença é verdadeira, três elementos pelo menos devem estar
presentes: primeiro, que eu penso ser ela verdadeira; segundo, que
ela é de fato verdadeira; e terceiro, que há evidência suficiente para
produzir o assentimento de qualquer pessoa racional (a quem as
mesmas evidências estejam disponíveis). Por exemplo, se digo que
sei que Maria tem menos de 30 anos e apresento como evidências
sua certidão de nascimento, o testemunho de seu pai, sua carteira de
identidade e outras provas similares, então qualquer pessoa racional
deveria concordar comigo. Isso, entretanto, não exclui a possibilida-
de de que eu esteja errado.
Se restringirmos a aplicação do termo conhecimento tão somente
àquelas sentenças em relação às quais é impossível logicamente que
estejamos errados, pouca coisa poderíamos dizer que as conhece-
mos. Por exemplo, consideremos a sentença: e penso, existo; ou, na
sua formulação clássica: penso, logo existo. Para qualquer um que
afirma uma tal sentença, é impossível, sob qualquer circunstância
imaginável ou concebível, que ele esteja errado; pois não há como
alguém dizer “penso, mas não existo”. Ao dizer isso, a pessoa se con-
tradiz, isto é, diz algo e logo após diz o contrário do que disse. Isso
não faz sentido. É como se nada dissesse. Contudo, tal peculiaridade
não ocorre com a maioria das coisas que dizemos ou nas quais acre-
ditamos. Quando digo “Maria tem menos de 30 anos”, isso pode ser
falso, ou poderia ser diferente, ou pode ter sido verdadeiro no passa-
do, mas agora não é mais. Em suma, posso estar enganado.
Assim, se evidências posteriores alterarem a situação, eu não
poderia continuar dizendo que sei, ou sabia, que Maria tem menos
18 Filosofia das Ciências Sociais
1.3.2 Crença e fé
Conforme o argumento anterior, fé seria um tipo de crença.
Mas precisamos estar atentos aqui, especialmente tendo em vista
as associações usuais com o termo fé. Esse contexto pode levar a
ambiguidades epistemologicamente indesejáveis; mas, mesmo
assim, ele é apropriado, bastando que tenhamos certos cuidados. Por
fé muitas vezes se entende aquela crença que envolve intensidade no
assentimento, e liga-se emocionalmente à pessoa, de modo que, se
estiver errada ou se for atacada, provocará sério desapontamento.
Geralmente, o termo está ligado a crenças religiosas, mas não é
exclusivo delas.
Conhecimento, crença e fé 21
Considerações finais
Podemos, então, concluir que uma das tarefas principais da epis-
temologia consiste em esclarecer o uso da ideia de conhecimento,
quais os critérios que precisamos utilizar para não confundi-lo com
crença em sentido estrito ou com fé, quais os seus componentes,
como obtemos conhecimento e qual o seu alcance. Não devemos su-
por, no entanto, que as respostas a essas questões serão exatamente
correspondentes em qualquer área de conhecimento. Por essa razão,
quando procuramos compreender epistemologicamente as ciências
sociais, sem dúvida temos de considerar questões epistemológicas
gerais, mas não precisamos supor previamente que não há diferen-
ças importantes entre essa e outras áreas de conhecimento.
22 Filosofia das Ciências Sociais
Atividades
1. Considerando o que você viu até o momento sobre episte-
mologia, explique que uso ou aplicação pode ter tal estudo.
1 Aqui se usa a primeira pessoa do singular, mas não é uma referência pessoal. É
um eu abstrato, aplicável a qualquer indivíduo que refaça esse argumento.
32 Filosofia das Ciências Sociais
3 A letra “p” substitui uma sentença qualquer, por exemplo, ”a laranja é doce’”, “o
valor de uma mercadoria reflete a quantidade de trabalho envolvida em sua produção”.
34 Filosofia das Ciências Sociais
Atividades
1. Conceitue a dúvida cartesiana e explique por que ela se dis-
tancia tanto da dúvida cética quanto dos argumentos de seus
predecessores acerca dela.
3.1 Fundacionalismo1
Teorias fundacionalistas têm uma longa história no pensamento
filosófico. Segundo tais teorias, a relação justificadora entre crenças
básicas e crenças não básicas. Uma crença não básica2 é aquela jus-
tificada por meio de outra crença, que por sua vez é justificada por
outra crença, e assim por diante, até se atingir uma crença cuja justi-
ficação não se encontra em qualquer outra crença. Esta última é uma
crença básica. Também as crenças básicas precisam ser justificadas;
eu tenho a obrigação de explicar por que creio nelas. A diferença é
que não creio nelas com base em outras crenças, mas em algo di-
ferente (como uma experiência, uma intuição, uma percepção, na
memória etc.).
Se a estrutura do conhecimento depende de crenças básicas, im-
porta determinar como adquirimos essas crenças básicas, e se as
adquirimos corretamente. Não é suficiente dizer que cremos em
algo de maneira básica, como se não fosse necessário apresentar
razões; é preciso mostrar que essas crenças têm objetividade e não
dependem apenas das preferências individuais ou grupais. Em razão
dessa exigência3, o fundacionalismo procura identificar também os
fundamentos das crenças básicas, e, justamente nesse aspecto, apa-
recem divergências entre concepções alternativas. Os candidatos
mais usuais são as verdades autoevidentes (favorecidas pelo racio-
nalismo) e as percepções sensoriais imediatas (favorecidas pelo em-
pirismo). Como exemplos das primeiras, temos: o todo é maior que
a parte; algo é igual a si mesmo; tudo o que ocorre tem uma causa.
Como exemplos das segundas, temos: sinto dor de cabeça; aquilo
que parece amarelo; lembro-me de ter ido ao cinema. Geralmente,
concorda-se que as condições para que uma crença seja básica são:
2 A maioria de nossas crenças são não básicas. Aquilo que acreditamos porque le-
mos em jornais, vimos na televisão, mas não presenciamos nem conversamos direta-
mente com uma testemunha, constitui exemplo disso. Para a maior parte das pessoas,
o que elas acreditam acerca de um governo, por exemplo, depende da credibilidade que
elas depositam nos meios públicos de informação.
3 Isso é bem expresso por John Stuart Mill (1806-1873) (MILL, 1868), filósofo in-
glês e um dos principais fundacionalistas históricos.
40 Filosofia das Ciências Sociais
3.1.1 Dedução
Para esclarecer os aspectos básicos da dedução como justifica-
tória, utilizemos um exemplo simples. Digamos que alguém acre-
dite que os preços dos automóveis irão cair e, perguntado por que
acredita nisso, responde: “se a produção de qualquer bem aumenta,
o seu preço unitário cai, e todas as montadoras aumentaram sua
4 A não ser que a pessoa queira dizer que eu estou mentindo. Mas daí se trata
de outra situação. O ponto aqui é que não é possível estar enganado quanto a sentir
uma dor de cabeça como é possível estar enganado acerca da cor de um certo objeto.
Esse tipo de percepção sensorial, tida pelos empiristas como fundamento privilegiado
de crenças básicas, é também chamada de experiência imediata (às vezes, também
de intuição), isto é, refere-se a nossas próprias sensações internas, independente se
a elas correspondem objetos físicos externos. Um argumento fundacionalista típico
consiste em concluir que minha crença na existência de objetos físicos depende de
minhas crenças acerca dessas sensações imediatas.
Teorias epistemológicas 41
5 Cuide-se para não fazer confusões linguísticas. No discurso lógico, não se fala
que “algo implica em...” ou, menos ainda, que “implica com...”. Nenhuma dessas pre-
posições é adequada aqui. Diz-se simplesmente, “A implica B”, em que A substitui uma
sentença qualquer, assim como B. Por exemplo, “ela é uma adolescente” implica “ela
tem menos de 20 anos”.
42 Filosofia das Ciências Sociais
deve ser verdadeira porque outra o é, então ambas podem ser verda-
deiras ao mesmo tempo, mas o inverso não ocorre necessariamente:
duas sentenças podem ser consistentes e não terem mesmo relação
alguma6. Aplicando esses conceitos ao argumento, não se pode acei-
tar as premissas (crer nelas) e recusar a conclusão, pois as premis-
sas implicam a conclusão; por outro lado, a negação da conclusão é
inconsistente com as premissas. A saber, se ela crer o oposto de (3),
que “os preços dos automóveis não irão cair”, (1) ou (2), ou ambas,
devem ser falsas.
Contudo, nem todo argumento dedutivo possui essa relação de
implicação. No parágrafo anterior, falou-se de argumento dedutivo
válido. Há também argumentos dedutivos inválidos, isto é, aqueles
em que se pretende haver uma relação de implicação, mas não há.
Mas como fazer a diferença? A diferença está na forma do argumento,
não no conteúdo. Para saber se o argumento é válido, temos de
prestar atenção em sua forma lógica. Frequentemente nós intuímos
a forma lógica de um argumento, e sabemos se é válido ou não.
Se queremos, porém, fazer e compreender hipóteses e teorias
científicas, precisamos ter um treino mais adequado; parte desse
treino pode ser providenciado pela lógica. O procedimento que
melhor nos educa nesse assunto é a simbolização, como ocorre na
Matemática. Sabemos calcular melhor e mais rápido em razão da
notação matemática (1, 2, 3, 4...), independente do que está sendo
calculado. No exemplo de dedução apresentado, isso é fácil de fazer.
Se nós substituirmos cada sentença simples7 por uma letra, teremos
o seguinte:
3.1.2 Indução
Em argumentos indutivos, a relação entre as premissas e a con-
clusão não é de implicação, mas de probabilidade. Diferente da ideia
de implicação (ou implica, ou não implica), probabilidade vem em
graus: uma conclusão pode ser mais ou menos provável em relação
às premissas que a sustentam. Isso porque a conclusão excede o que
está contido nas premissas. A razão para tal se encontra no objetivo
de obter uma conclusão a partir da qual se possam fazer previsões, ge-
ralmente por meio, então, de um argumento dedutivo, o que mostra a
conexão entre essas duas formas de raciocínio. Se voltarmos ao exem-
plo utilizado no tópico sobre dedução, essa conexão se torna visível.
Teorias epistemológicas 45
3.2 Coerentismo
Teorias coerentistas procuram justificar a aceitabilidade de uma
crença sem sair do sistema de crenças e sem estabelecer entre elas
diferença quanto a seu papel na justificação do conhecimento. Uma
metáfora frequentemente utilizada é a da rede, em que os diversos
pontos estão entrelaçados em um todo, não havendo um ponto
que sirva de suporte a outro ponto sem, por sua vez, ser suportado
por outro ponto, e assim por diante até chegar ao primeiro ponto
considerado. Também não importa por onde se começa. Assim, a
distinção entre crenças básicas e crenças não básicas, tão importante
para o fundacionalismo, perde sentido. Todas as crenças, do ponto
de vista de seu lugar na estrutura cognitiva, têm o mesmo estatuto.
O que as valida é sua compatibilidade mútua, sua coerência.
Embora reflitam um elemento importante da maneira como
nós avaliamos aquilo que nos é proposto como verdadeiro, teorias
coerentistas não encontram muitos defensores. O elemento é a
ideia de que a verdade está, de algum modo, ligada à consistência.
Considere o caso de uma investigação policial. Suponha que tenha
ocorrido um crime na rua A, e é perguntado ao vigia do prédio B,
localizado naquela rua perto do local do crime, se viu alguma coisa e
se conhecia a vítima. Ele nega ambas as informações. Posteriormente,
o detetive recebe a informação, do garçom de um restaurante a duas
quadras do prédio B, que o vigia e a vítima ali jantaram juntos uma
vez por mês, regularmente, durante o último ano. De imediato, o
detetive se dará conta de que há uma inconsistência entre os dois
relatos, o do vigia e o do garçom, e não é possível crer em ambos.
Não sabe ele, neste momento, qual dos relatos é falso, e pode ser
que ambos o sejam; contudo, sabe que não podem ambos serem
verdadeiros, pois são inconsistentes. Aqui a coerência é utilizada
como critério negativo para a aceitabilidade de uma crença.
48 Filosofia das Ciências Sociais
3.3 Antifundacionalismo
O termo antifundacionalismo é utilizado para designar um
conjunto de teorias epistemológicas divergentes em muitos
aspectos, mas concordantes em sua oposição ao fundacionalismo e
ao coerentismo, combinado com a aceitação de parte do ceticismo.
Engloba desde concepções mais radicais, como o anarquismo
epistemológico e metodológico de Feyerabend11, até concepções
mais moderadas, que aceitam a fragilidade da razão e da experiência
como fontes de conhecimento, como o falibilismo de Peirce12 e o
garantismo de Alvin Plantinga13.
Assim, em resumo, o antifundacionalismo tende a manter a
distinção entre crenças básicas e crenças não básicas. Diferente do
fundacionalismo, ele admite que crenças básicas possam ser
revistas, c orrigidas, alteradas, abandonando o ideal de um
conhecimento indubitável, absolutamente seguro, ideal este que,
14 Por simpatia entenda-se aqui a capacidade pela qual adquirimos crenças acerca
dos estados mentais de outras pessoas.
15 Karl Popper (1902-1994), filósofo da ciência austríaco. Ver, especialmente,
Conjecturas e refutações e Lógica das ciências sociais.
Teorias epistemológicas 51
Atividades
1. Escolha um dos pensadores mencionados, exceto Popper, e
pesquise sobre ele, produzindo um texto a respeito das prin-
cipais ideias.
1 O termo Deus é aqui utilizado como um nome comum, não como nome próprio,
para se referir àquela realidade da qual falam as religiões. Portanto, não é sinônimo
de um ser pessoal, pois, nesse sentido, algumas formas de budismo não têm Deus.
É verdade, entretanto, que a maioria das religiões concebe Deus como um ser pessoal.
2 A pedra filosofal é a fórmula por meio da qual, segundo a alquimia, se poderiam
transmutar metais não preciosos em ouro.
Relação entre ciências sociais e ciências naturais 59
3 Conforme o que diz Popper (1982, p. 67) sobre a astrologia: “A astrologia não passou
no teste. Os astrólogos estavam muito impressionados e iludidos com aquilo que acredi-
tavam ser evidência confirmadora – tanto assim que pouco se preocupavam com qual-
quer evidência desfavorável. Além disso, tornando suas profecias e interpretações sufi-
cientemente vagas, eram capazes de explicar qualquer coisa que possivelmente refutasse
sua teoria se ela e as profecias fossem mais precisas. Para escapar à falsificação, destruí-
ram a ‘testabilidade’ de sua teoria. É um truque típico do adivinhador fazer predições tão
vagas que dificilmente falham: elas se tornam irrefutáveis”.
Relação entre ciências sociais e ciências naturais 61
4.3 Naturalismo
Segundo os naturalistas, se a sociedade e o comportamento dos
indivíduos, dos grupos, das instituições, assim como a forma em
que as relações sociais são criadas, desenvolvem-se, alteram-se, de-
saparecem etc., são passíveis de conhecimento científico, é por meio
daqueles métodos associados às chamadas ciências naturais que
esse conhecimento será obtido, avaliado, estabelecido. Assim como
o cientista natural explica os fenômenos por meio de algum tipo
de causação física, o pesquisador, ao procurar explicar a atividade
humana, deve fazê-lo usando-se de algum tipo de causação social.
O ser humano faz parte da natureza, não apenas fisicamente, mas
5 Comte defendia a ideia de que a economia era redutível à Sociologia, já que não exis-
tem fenômenos tais como os econômicos. Exemplo mencionado em Alan Ryan (1977).
64 Filosofia das Ciências Sociais
4.4 Antinaturalismo
Para as concepções antinaturalísticas, os métodos nas ciências
sociais devem ser radicalmente diversos dos métodos das ciências
naturais, assim como será diferente o conceito de lei. Isso porque
os dois grupos de ciências são incomensuráveis. Há entre eles uma
diferença de tipo. As características dos agentes e eventos sociais
exigem métodos de compreensão dos fatos, e não de explicação causal.
4.4.2 Novidade
Os eventos sociais são sempre de caráter intrinsecamente
novo, e não constituem um mero rearranjo daquilo que já existe.
Mesmo que haja aspectos repetitivos, a situação é outra. Por exemplo,
apesar de haver similaridades entre o surgimento e a consolidação
da democracia na América do Norte e o mesmo fenômeno no
Brasil, compreender um não nos capacita a compreender o outro da
mesma forma que a explicação causal de um evento meteorológico
nos permite compreender evento posterior da mesma natureza.
A compreensão é de outro tipo, pois sempre haverá diferenças
(novidades) não negligenciáveis entre um evento social e outro.
4.4.3 Complexidade
Os fenômenos sociais possuem uma complexidade muitas vezes
maior do que os fenômenos físicos, e pressupõem uma quantidade
maior de conhecimentos, aí incluídos os das ciências naturais.
Assim, mesmo que houvesse nos fenômenos sociais regularidades
similares às que observamos nos fenômenos naturais, é provável
que sejamos incapazes de identificá-las, dada sua complexidade.
Por exemplo, é muito mais simples explicar a migração das aves,
o período em que ocorre, suas causas e consequências, do que
explicar as mudanças nas estruturas familiares no último século, o
que as motivou e que consequência gerou. Daí porque os cientistas
naturais concordam mais facilmente entre si, enquanto os sociólogos
apresentam interpretações alternativas e excludentes dos mesmos
fatos históricos.
Atividades
1. Faça uma pesquisa para descobrir o que é o Teste de Turing
e o descreva de maneira sucinta, comentando suas reações
a tal ideia.
1 Devemos lembrar que, no discurso filosófico, a não ser que seja explicitamente
dito o contrário ou o contexto claramente o mostra, o termo eu é genérico. Não se refe-
re de modo específico ao sujeito que escreve, ou a alguma outra pessoa determinada.
Aplica-se a qualquer um que refaça o pensamento em sua própria mente.
68 Filosofia das Ciências Sociais
Atividades
1. Leia e discuta a situação a seguir, em seguida responda
à questão proposta utilizando os conceitos apresentados
no capítulo.
6.1 O problema
No modelo de ciência desenvolvido a partir do século XVI, e
que tem obtido grande sucesso explicativo, preditivo e tecnológico,
um dos pressupostos filosóficos básicos é o de ser a ciência deter-
minística, pressuposto ligado à concepção mecanicista da nature-
za. Esse determinismo científico encontra expressão no princípio
de causalidade, segundo o qual tudo o que ocorre tem uma causa
determinada que opera de acordo com leis gerais (as leis causais).
Assim, supondo um evento qualquer X, sua ocorrência somen-
te tem lugar porque ocorre um evento antecedente (logicamente,
mesmo que não temporalmente) Y, cuja ocorrência teve lugar por-
que outro evento antecedente Z ocorreu, e assim por diante, até
um evento original ou indefinidamente. A sequência seria, então:
Z Y X
6.2 Determinismo
Determinismo em relação a ações humanas consiste na concep-
ção de que nossas ações são determinadas por nossa vontade, que
por sua vez é determinada por nossas preferências, crenças, dese-
jos, sensações, hábitos. Vamos chamar esses elementos de causas
imediatas ou causas próximas da vontade, a qual resulta do balanço
desses elementos1. E os fatores determinantes das causas imediatas
são: a educação que recebemos, o ambiente em que crescemos e
vivemos, a genética e outros fatores mais específicos conforme o
1 Nesse contexto, vontade deve ser entendida exclusivamente como aquele mo-
mento anterior à ação, isto é, a escolha, a decisão que produz a ação se nada impedir.
Daí ser diferente de desejo. Muitas vezes, usamos a palavra vontade como sinônimo
de desejo, mas aqui é necessário fazer a distinção porque algumas de nossas ações
voluntárias resultam de um conflito entre o que desejamos e o que julgamos ser nossa
obrigação. Mas, se optamos por agir de acordo com nossa obrigação, isso consiste
em um ato da vontade; não estamos agindo contra nossa vontade, embora possamos
estar agindo contra nosso desejo ou nossa inclinação.
84 Filosofia das Ciências Sociais
6.2.1 Necessitarismo
O termo refere-se ao conceito de necessidade e tem o propósito
de indicar que tal versão assume integralmente a ideia de necessidade
causal, excluindo o livre-arbítrio, qualquer que seja a modalidade,
em razão de sua incompatibilidade com o determinismo. Assim,
conforme Espinosa4, defensor desse ponto de vista, o sentimento de
liberdade de decisão e ação nada mais é que uma ilusão, gerada pela
combinação de dois elementos: (1) a consciência de nossas escolhas,
ações, vontades; (2) a ignorância que em geral nos encontramos
de suas causas efetivas. Mesmo quando parece que escolhemos o
6.2.2 Compatibilismo
Como o nome indica, essa é uma versão do determinismo que o
considera compatível com a liberdade. Há duas estratégias utilizadas
pelos compatibilistas e que podem ser apresentadas separadamen-
te ou em conjunto. Uma delas consiste em redefinir o conceito de
liberdade, de modo a excluir qualquer resquício de indiferença de
escolha. A escolha será sempre determinada por fatores internos e
externos que atuam sobre a vontade, e seguirá o resultado da intera-
ção desses fatores, que conduzirá a uma única alternativa. Se o pro-
cesso pudesse ser refeito, por uma volta ao estado passado, anterior
à escolha, o resultado seria sempre o mesmo, como um filme que
nós voltássemos para rever uma cena. Por mais que repetíssemos
o processo, a sequência se repetiria. A liberdade se mantém, pois a
alternativa não escolhida permanece logicamente possível.
Por exemplo, se Marta está decidindo entre comprar um carro
novo ou fazer uma viagem ao Nordeste, ambas as alternativas são
logicamente possíveis para ela, no sentido de compossibilidade. Isto
é, levando em consideração suas características gerais como pessoa,
seu meio ambiente, suas circunstâncias, tanto uma quanto a outra
alternativa lhe parecem possível, e por isso ela delibera, compara
uma alternativa com a outra e decide. No entanto, essa decisão já
88 Filosofia das Ciências Sociais
6.3 Indeterminismo
E se levarmos nosso sentimento de liberdade de decisão a sé-
rio e, já que ele conflita com o princípio universal da causalidade,
optarmos por julgar que o princípio tem aplicabilidade restrita ao
mundo natural, e não se aplica a nós, a não ser naquela parte em que
também somos seres naturais, nossa corporalidade e o que estiver a
ela associado, mas deixando fora nossa consciência e nossa vontade?
Nesse caso, aceitamos alguma versão de indeterminismo. O raciocí-
nio básico seria o seguinte:
• Se o determinismo é verdadeiro, então nenhuma ação huma-
na é livre.
• Algumas ações humanas, aquelas que resultam de delibera-
ção, são livres.
• Logo, o determinismo é falso.
Adaptando o raciocínio ao exemplo anterior, Marta poderia ter
escolhido viajar ao Nordeste. Ela não ter escolhido comprar um car-
ro novo deixa em aberto essa possibilidade, não apenas logicamente,
mas causalmente. É como uma encruzilhada: qualquer dos cami-
nhos poderia ter sido tomado, e não há princípio geral de causalida-
de ou de razão suficiente que impeça tal realidade. Mas que razões
há para aceitar o indeterminismo? Mencionemos duas justificativas,
uma ligada à moral, outra à criatividade.
Se nós fôssemos, como pretendem os deterministas, completa-
mente determinados pelas causas que atuam sobre nossa vontade, as
noções éticas perderiam seu significado. Conceitos e regras morais
supõem escolha e decisão livre do agente, e somente temos deveres
e obrigações se os atos a que se referem estão em nosso poder, isto
é, se somos capazes de optar entre fazer algo ou abster-se de algo.
Na mesma linha, não faria sentido elogiar ou censurar alguém por
fazer aquilo que não é capaz de evitar. Nossos procedimentos indi-
cam esse pressuposto.
90 Filosofia das Ciências Sociais
Atividade
1. Por que nós normalmente não emitimos juízos morais em re-
lação a animais, isto é, não dizemos, por exemplo, de um cão
que ele é moralmente culpado por ter mordido uma criança?
7
Explanação científica
7.2 Indutivismo
Indutivismo é a palavra geral que se aplica às concepções segundo
as quais as ciências, em sua tentativa de estabelecer leis gerais (que
expliquem os fenômenos e permitam realizar previsões), dependem
basicamente de procedimentos de tipo indutivo. Assim, por meio de
uma quantidade razoável de observações, conduzidas de maneira ade-
quada, inferimos uma lei geral, que explica o que foi observado e per-
mite predizer que, em situação similar, ocorrerá o mesmo. Na forma
de um esquema, representando as observações com as letras minúscu-
las p, q, r, s etc. e a lei geral ou teoria pela maiúscula T, teríamos então:
Observação p
+
Observação q
+
Observação r
+
Observação s
+
1 Na tentativa de explicar nossas crenças sobre o que outras pessoas estão pen-
sando ou sentindo subjetivamente (em suas mentes), a dificuldade do empiricismo
está em seu ponto de partida. A suposição básica é que o cientista, nesses casos,
inicia com aquilo que percebe em sua própria mente e, como julga entender o que está
pensando e sentindo, procura determinar com base no comportamento dos outros se
eles estão pensando ou sentindo coisas similares. Compreender os outros é funda-
mental para nossa própria existência, porque precisamos saber o que provavelmente
as pessoas farão em determinadas situações e precisamos conhecer o caráter dos
outros (se são confiáveis, por exemplo). Ao que nossa experiência indica, a natureza
nos ajuda nesse processo, e somos efetivamente capazes de nos compreender mu-
tuamente até certo ponto. Como se explica essa habilidade natural? Segundo Mill, um
indutivista clássico, porque há induções primitivas, das quais não estamos muitas ve-
zes cientes. Aprimorá-las e torná-las mais eficientes é o objeto da ciência da natureza
humana, para o sociólogo Weber, porque possuímos uma faculdade intuitiva. Essas
duas explicações produzem duas formas diferentes de abordagem nas ciências so-
ciais: respectivamente, o naturalismo e o antinaturalismo.
2 Inferência é um processo pelo qual se extrai uma conclusão de premissas ou
pressupostos aceitos (mesmo que provisoriamente). Refere-se a crenças de alguém:
uma inferência acontece somente se alguém, em razão de sua crença nas premissas,
passa a acreditar na conclusão ou continua nela acreditando com mais convicção do
que antes. Uma inferência pode ser dedutiva ou indutiva. Como se obtêm as premis-
sas, especialmente aquela que funciona como premissa maior (a hipótese ou generali-
zação), este é o ponto em que a inferência para a melhor explicação difere no contexto
indutivista do contexto dedutivista.
Explanação científica 97
7.4 Dedutivismo
Dadas as dificuldades filosóficas do indutivismo, e a opinião
de que não corresponde ao que efetivamente ocorre no desenvol-
vimento das ciências, outras formas de explicar como se elaboram
leis ou teorias científicas foram propostas. Uma das alternativas
mais influentes atende pela expressão método hipotético-deduti-
vo, a que chamaremos, para abreviar e usar um termo paralelo ao
anterior, dedutivismo. Nessa abordagem, desloca-se a ênfase da
tentativa de obter teorias científicas verdadeiras ou válidas para a
noção de testabilidade.
A testabilidade de uma teoria difere de sua confirmabilidade.
No indutivismo, se o processo indutivo tiver sido corretamente apli-
cado, julga-se haver obtido uma lei geral, com base na qual casos
específicos podem ser explicados ou previstos, e se supõe também
que a realidade seja responsiva a esse tipo de procedimento. Então,
ao deduzir da teoria e considerados os dados disponíveis um caso
particular, busca-se na observação a confirmação da conclusão, e
não sua testabilidade, isto é, não se busca por contraexemplos. No
dedutivismo, esse processo é invertido: a prova empírica de uma
hipótese vem após sua formulação. Ou, dito de outra maneira, a
teoria não resulta necessariamente de uma generalização, mas é sim-
plesmente proposta. Em resumo, pouco importa onde e como os
cientistas produzem teorias. Teorias são hipóteses, e o que importa é
testá-las em busca de uma falsificação, um contraexemplo.
Consideremos a hipótese de que as pessoas aumentam seu
consumo conforme aumenta a renda, mas não na mesma proporção,
pois ocorre também um aumento de poupança (KEYNES3, 1936). Essa
hipótese serve para explicar, por exemplo, a baixa taxa de poupança
3 John Maynard Keynes (1883-1946), economista inglês cuja obra impactou pro-
fundamente a teoria econômica do século XX. A hipótese referida é apresentada em
seu texto The general theory of employment, interest and money, de 1936.
Explanação científica 99
Atividades
1. Diferencie generalização legiforme de generalização descritiva
e mencione exemplos.
2 Gênesis, cap. 2.
Holismo e individualismo 107
3 Popper, neste texto, também argumenta que a perspectiva holística liga-se inevi-
tavelmente a uma concepção política utopista e totalitária, já que, se a sociedade é um
todo, e ela necessita ser reformulada, é preciso reconstruir a sociedade como um todo,
isto é, fazer a revolução. Como um sujeito que, em lugar de reformar a casa em que ha-
bita, a põe abaixo para construir uma nova, com base em outro projeto arquitetônico.
Há holistas que sem dúvida justificam tal avaliação, especialmente os de orientação
marxista. Mas a acusação, se geral, é injusta, e possivelmente não se aplica a Platão,
um dos alvos de Popper. Para as ideias de Platão (c. 429-347 a.C.) sobre como com-
preender e organizar a sociedade, veja-se seu importante texto A República.
108 Filosofia das Ciências Sociais
Atividades
1. Imagine-se na situação descrita no dilema do prisioneiro.
Qual seria sua escolha? Justifique.
2 Uma concepção empiricista da causalidade concebe causa como uma categoria pu-
ramente epistemológica, concentrando-se no critério de conexão constante entre duas
experiências, desconsiderando o critério da produção (que a causa produz o efeito).
Causalidade e realidade 117
9.4.1 Realismo
O realismo3 concebe as teorias científicas como descrições da
natureza tal como ela é independente do observador (o cientista).
As propriedades, as conexões causais, as leis gerais propostas
na ciência correspondem a coisas reais; teorias científicas são
modelos conceituais que nos permitem compreender a estrutura
não observável do mundo, aquilo que está por trás das aparências,
o efetivamente real. Podemos visualizar essa compreensão sobre
B T
a
a
b
в
9.4.2 Instrumentalismo
Enquanto o realismo está associado a uma abordagem objetivis-
ta , o instrumentalismo consiste em uma visão relativista da ciência.
4
9.4.3 Criticismo
Para o criticismo científico, teorias são representações parciais
de aspectos limitados do mundo físico ou social, e há sempre envol-
vimento do observador. Qualquer observação ou experimento está
124 Filosofia das Ciências Sociais
5 Esta é a razão pela qual alguns autores se referem ao criticismo com a expressão
realismo crítico.
Causalidade e realidade 125
6 Assim, por exemplo, não é fundamental considerarmos, como faz o realismo, que
átomos existam no mundo tal como descritos na teoria física caso esta se refira ao
real, e também não é preciso, como faz o instrumentalismo, considerar que o átomo
seja apenas uma ideia abstrata, ou o que se chama de entidade teorética, uma entidade
que não sabemos se é real.
126 Filosofia das Ciências Sociais
Atividades
1. Com base na definição de condições suficientes e de con-
dições necessárias, elabore três exemplos de cada uma.
4 Essa foi, na verdade, uma disputa séria entre católicos e protestantes durante o
período da Idade Moderna, os primeiros tendendo a se posicionar contra e os segun-
dos a favor. Porém, mesmo em uma disputa interna, dentro de uma mesma tradição,
pode haver problemas que nada têm a ver com os valores, mas se referem a fatos ou a
definições, a conceitos acerca do objeto de debate. No caso, é preciso uma definição
clara de empréstimo, juros, usura. Por vezes, em uma disputa, a diferença não é real,
existindo apenas porque as partes entendem coisas diferentes em relação a um mes-
mo termo. Por exemplo, o termo usura significava ganhos sobre capital, mas também
passou a significar juros exorbitantes, indevidos; ambos os sentidos permanecem ain-
da hoje, embora o segundo seja predominante. Ser contra ou a favor da usura depende
inicialmente de uma boa definição. Muitas outras disputas envolvendo questões mo-
rais sofrem desse defeito inicial: o problema é apresentado de tal modo que induz a
uma resposta. Em casos assim, não há como haver uma discussão racional.
136 Filosofia das Ciências Sociais
5 Alguém poderia dizer que não há como observar o que uma pessoa crê, apenas
seu comportamento. Mas isso não afeta o ponto aqui. Não se trata de crenças como
eventos mentais privados, mas como expressões públicas desses eventos.
O sujeito e o objeto 137
7 Na verdade, diferente do que pensam alguns filósofos sociais, não são duas te-
ses completamente distintas, que podem ser argumentadas independentemente uma
da outra. Pois, se há valores objetivos, conforme defende o racionalismo moral, a intro-
dução destes na pesquisa não é problemática; o pesquisador social deve estar atento
a seus preconceitos, isto é, aos falsos valores de sua cultura. Mas, nesse caso, a si-
tuação é similar àquela que ocorre na pesquisa da natureza. O cientista precisa estar
atento em não se deixar levar por valores estranhos à própria investigação, como o
interesse financeiro, que pode induzir a falsificar dados ou a prestar atenção somente
a dados confirmatórios da conclusão à qual o financiador da pesquisa tem interesse.
Por outro lado, a presença de um valor cognitivo, como a crença no poder da discussão
crítica, é necessária para a pesquisa e elaboração de teorias científicas.
O sujeito e o objeto 141
Atividades
1. Conceitue e diferencie posição subjetivista na Filosofia Moral e
aponte ao menos um exemplo do emprego desse tipo de raciocínio.
142 Filosofia das Ciências Sociais
1 O texto foi publicado pela primeira vez em 1958, mas representa uma perspectiva,
se podemos chamar assim, permanente acerca de uma concepção básica de como se
devem conduzir as ciências sociais. Em uma edição mais recente (1990), Winch reco-
nhece algumas limitações e equívocos que cometeu no texto, mas deixa claro que o
argumento central permanece o mesmo (conforme prefácio da segunda edição, Peter
Winch, 1990. Cap. IX a XVIII).
144 Filosofia das Ciências Sociais
que o agente alega para sua ação, mas também hábitos (no sentido
de comportamento tradicional), desde que orientado por uma regra.
Na medida em que o comportamento for governado por meio de re-
gras (que não necessariamente precisam estar presentes à consciência
do indivíduo no exato momento em que age), é um comportamento
significativo, e seguir uma regra, por sua vez, só é possível quando a
ação que a ela se relaciona está inserida em um contexto social.
Atividades
1. Ao mencionarmos Peter Berger acerca dos processos de inte-
ração entre indivíduo e sociedade, destacamos o conceito de
interiorização, ou, como também se diz, processo de sociali-
zação. Em sua opinião, qual o papel da educação formal na
socialização dos indivíduos?
tais hipóteses são admissíveis, mas introduz ele uma diferença entre
progresso e degeneração de uma teoria (ou programa de pesquisa,
como Lakatos prefere nomear um sistema científico). Essa distinção
especifica que salvar uma teoria usando hipóteses auxiliares que
satisfazem certas condições bem especificadas representa progresso
científico; todavia, fazê-lo usando hipóteses auxiliares que não as
satisfazem representa degeneração.
Essas condições bem especificadas são os dois tipos de aceitabi-
lidade antes mencionados. Admitindo-se, pois, a validade do uso de
hipóteses auxiliares, e a distinção entre progresso e degeneração, o
que se examina, portanto, não é uma teoria isolada, mas uma série
de teorias (o que explicaria por que aparentemente alguns progra-
mas de pesquisa obtiveram sucesso embora dependessem de leis
e hipóteses incompatíveis). Considera-se essa série teoreticamente
progressiva se cada nova teoria tem conteúdo empírico excedente
em relação à anterior. Considera-se que uma série teoreticamen-
te progressiva é também empiricamente progressiva se cada nova
teoria nos conduziu efetivamente à descoberta de um fato novo.
Conforme diz Lakatos:
Finalmente, chamemos uma mudança paradigmática
de progressiva se é tanto teorética quanto empiricamente
progressiva, e degenerativa se não o for. Nós ‘aceitamos’
mudanças paradigmáticas como sendo ‘científicas’ somente
quando elas são ao menos teoreticamente progressivas;
caso não o sejam, nós as ‘rejeitamos’ como sendo
‘pseudocientíficas’. Progresso é medido pelo grau em que
uma mudança paradigmática é progressiva, pelo grau em
que as séries de teorias nos conduzem à descoberta de novos
fatos. Consideramos uma teoria na série ‘falsificada’ quando
ela é suplantada por uma teoria com maior conteúdo
corroborativo. (LAKATOS, 1972a, p. 118)
Atividade
1. Examine as quatro crenças a seguir. Considere-as como
teorias e procure classificá-las de acordo com os seguintes
critérios: a) se é falsificável ou não, isto é, se haveria evidência
sugerindo fortemente que cada uma delas é falsa; b) se é
científica ou não, isto é, se você acha que a crença pode fazer
parte do sistema de crenças dos cientistas.
1 Conhecimento, crença e fé
1. Epistemologia vem do grego episteme (conhecimento real,
verdadeiro) e logos (verbo, palavra escrita ou falada), e pode
ser definida como o estudo dos limites e das possibilidades
do conhecimento humano. A epistemologia apresenta ques-
tionamentos sobre os diferentes tipos de conhecimento –
o científico, o filosófico, o religioso, o senso comum – sua
viabilidade, seus objetos, suas especificidades e seu alcance.
Uma possível aplicação ou um uso da epistemologia é a pos-
sibilidade de se pensar as diferenças existentes entre esses
tipos de conhecimento, visto que todos têm em comum a
tentativa humana de apreensão do mundo. A epistemologia
suscita o conhecimento sobre o conhecimento e nos incita a
uma visão crítica acerca do que pensamos conhecer e sobre a
forma pela qual conhecemos.
2 Conhecimento e ceticismo
1. A dúvida cartesiana pode ser conceituada como o uso siste-
mático e metódico da dúvida como estratégia para nortear o
pensamento do sentido de se atingir ideias claras e distintas,
indubitáveis – um conhecimento seguro. Para isso, propõe o
método da dúvida, que consiste em testar nossas pretensões
ao conhecimento, hipóteses permeadas pela dúvida que co-
locam em evidência as fontes de nossas opiniões, para verifi-
car se estão assentadas em princípios seguros e se podem ser
consideradas verdadeiras.
3 Teorias epistemológicas
1. Resposta pessoal. Acerca do autor pesquisado, pode ser ele:
Paul Feyerabend, Charles S. Peirce ou Alvin Platinga. Busque
fontes confiáveis para sua pesquisa, tais como portais que
só publicam artigos selecionados, publicados em periódicos
científicos brasileiros bem avaliados pela Capes (Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), entre eles,
o Scielo (Scientific Electronic Library Online). Na composição
do seu texto, inicie abordando o contexto em que o autor
170 Filosofia das Ciências Sociais
7 Explanação científica
1. As explicações científicas buscam usar ideias e conceitos
ligados à natureza (sem recorrer a alusões a entes ou noções
sobrenaturais, por exemplo). Por meio dessas ideias e
noções, criam generalizações, as mais abrangentes possíveis,
para explicar os fenômenos. Essas generalizações, mais
abrangentes, podem ser chamadas de leis, sendo assim
designadas como generalizações legiforme. No entanto, tal
perspectiva não exclui a necessidade de explicações para
casos típicos, práticos, menos abrangentes, mais específicos.
Essas generalizações são chamadas de descritivas.
8 Holismo e individualismo
1. Resposta pessoal. Considere a situação tanto de uma pers-
pectiva individual quanto coletiva e reflita: faria o que é
melhor para você ou o que é melhor para o outro? Será que
existe alguma ação, algum posicionamento ou pensamento
completamente individualista? Considere a complexidade
em se falar de ações meramente individuais, uma vez que
qualquer ação individual só pode existir e ser ponderada a
partir de uma coletividade. O que quer que façamos, ainda
que pensemos somente em nós mesmos, acreditando que só
afetará a nós, sempre está inserido em uma coletividade.
9 Causalidade e realidade
1. Resposta pessoal. Para elaborar seus exemplos, considere
que uma condição necessária é a condição introduzida pela
consequente de uma proposição condicional, enquanto a
condição suficiente é introdução pela antecedente de uma
proposição condicional. Um exemplo pode ser a seguinte
situação: o leão é um animal. Ser leão é uma condição
suficiente para ser animal, pois não há como ser leão sem ser
um animal; porém, não é uma condição necessária, pois não
é indispensável ser leão para ser animal.
10 O sujeito e o objeto
1. Segundo essa interpretação, na avaliação de crenças morais
básicas e alternativas não existe a possibilidade de um pro-
cedimento racional que seja capaz de nos conduzir, ou, em
outras palavras, diferentemente das ciências empíricas, não
se podem estabelecer concepções morais a procedimentos
rigorosos para verificar sua validade. Isso se manifesta como
claro, por exemplo, quando submetemos comportamentos
de diferentes culturas diante de um mesmo fenômeno, como
o casamento ou a educação dos filhos; ou, ainda, diferentes
padrões de comportamento dentro de uma mesma cultura.
Torna-se difícil, segundo uma posição subjetivista, comparar
comportamentos de pessoas de culturas diferentes diante de
uma mesma situação, em virtude do relativismo cultural.
ASSIS, M. de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: W.M. Jackson,
1957.
_____. Sistema de lógica dedutiva e indutiva. São Paulo: Nova Cultural, 1989.
RYAN, A. Filosofia das ciências sociais. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977.
WINCH, P. A ideia de uma ciência social e sua relação com a Filosofia. São
Paulo: Cia. Editora Nacional, 1970.
_____. The idea of a social science and its relation to Philosophy. 2. ed.
London: Routledge, 1990.
FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
Paulo Augusto Seifert