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UFCD VELHICE – CICLO VITAL E ASPETOS

3536 SOCIAIS
Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

Índice

1.Velhice - ciclo vital.........................................................................................................................3

1.1.Velhice e tarefas do desenvolvimento psicológico..............................................................3

1.2.Teorias sobre o envelhecimento psicossocial......................................................................5

1.2.1.Teorias psicossociais de Eric Erickson, R. Peck e Buhler............................................5

1.3.Do jovem adulto à meia-idade..............................................................................................9

1.3.1.Tarefas evolutivas do jovem adulto..............................................................................9

1.3.2.Mudança no campo dos interesses e no sistema de valores...................................10

1.3.3.Casamento e seus ajustamentos.................................................................................11

1.3.4.Carreira profissional e seus ajustamentos..................................................................12

1.3.5.Família e seus ajustamentos........................................................................................12

1.4.A meia-idade e as tarefas evolutivas..................................................................................14

1.4.1.Aspectos estruturais e funcionais da meia-idade......................................................14

2.Velhice - aspetos sociais..............................................................................................................16

2.1.A velhice e a sociedade........................................................................................................16

2.1.1.Velhice e envelhecimento: Conceitos e análise.........................................................16

2.1.2.Início da velhice e aptidões da velhice.......................................................................17

2.1.3.Negatividades da velhice..............................................................................................18

2.1.4.Isolamento e solidão na velhice..................................................................................19

2.2.Atitudes, mitos e estereótipos.............................................................................................20

2.2.1.Definições.......................................................................................................................20

2.2.2.Ideias pré-concebidas...................................................................................................21

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2.2.3.Atitudes relacionadas com a pessoa idosa.................................................................22

2.2.4.Mitos e estereótipos - perigos potenciais...................................................................24

2.3.Representações da morte....................................................................................................24

2.4.Problemas sociais da velhice...............................................................................................26

2.4.1.Reconhecimento, perspetiva e reflexão sobre problemas que se colocam à


pessoa idosa na atualidade....................................................................................................26

2.5.A pessoa idosa no final do século XX.................................................................................28

3.Velhice - socialização e papéis sociais.......................................................................................30

3.1.Aspectos sociais da velhice..................................................................................................30

3.1.1.Socialização e papéis sociais........................................................................................30

3.1.2.Preparação para a velhice: os papéis de transição...................................................32

3.1.3.Velhice o os novos papéis sociais................................................................................33

3.2.O modo de vida das pessoas de idade..............................................................................34

3.2.1.As condições de vida.....................................................................................................35

3.2.2.A satisfação de viver.....................................................................................................36

3.3.Processo de envelhecimento/sensibilização à problemática da pessoa idosa...............37

3.3.1.O ser velho no ciclo da vida.........................................................................................37

3.3.2.Ser velho hoje, no meio rural e no meio urbano.......................................................38

3.3.3.A reforma........................................................................................................................40

3.3.4.Coabitação/conflito de gerações..................................................................................41

3.3.5.Respostas institucionais................................................................................................42

3.3.6.Pensar novas respostas................................................................................................44

3.4.A pessoa idosa noutras civilizações....................................................................................46

Bibliografia........................................................................................................................................50

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1.Velhice - ciclo vital

1.1.Velhice e tarefas do desenvolvimento psicológico

O aumento da esperança média de vida gerou um crescimento acentuado da população


idosa, o que criou problemas, devido à falta de preparação da sociedade para esta
realidade. Como se pode verificar, por exemplo, ao nível dos sectores social e da saúde.

Para melhor compreendermos esta realidade é importante perceber as diversas etapas de


desenvolvimento do ser humano, que se caracterizam por tarefas biopsicossociais.

Tarefas de desenvolvimento são aquelas que a pessoa deve cumprir para garantir o seu
desenvolvimento e consequente ajustamento psicológico e social.

São tarefas com as quais as pessoas satisfazem as suas necessidades pessoais e garantem
o desenvolvimento e manutenção de padrões sociais e culturais. Desta forma dão
sustentação ao progresso social e cultural e em consequência ao bem-estar do indivíduo.

As tarefas não são estanques em cada etapa, embora algumas sejam preferencialmente
típicas de uma determinada fase. Em cada fase todas se relacionam entre si e o prejuízo
numa das tarefas pode comprometer o desenvolvimento futuro dessa tarefa ou de outras.

Assim, como o individuo, a família passa por estágios de desenvolvimento, conduzindo ao


crescimento e à transição para um novo nível necessário e importante no ciclo vital:

 As tarefas são básicas em cada sequência do ciclo de vida;

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 Há uma expectativa social de que as pessoas em cada sequência cumpram com


êxito as suas tarefas;
 Na última parte do ciclo também a pessoa idosa tem tarefas de desenvolvimento a
cumprir, de modo a ser feliz e a ter qualidade na sua vida.

Cumprir todas as tarefas é importante, como é importante também que o idoso conte com
o apoio da família, da sociedade e dos profissionais que atuam na área. Dessa forma, ele
poderá ter uma velhice bem-sucedida e usufruir do prazer de ser e de viver, contribuindo
para o bem de todos.

Tarefas básicas

INFÂNCIA  Dominar a leitura e a escrita


 Servirá de instrumento para a sua independência, para uma
comunicação mais ampla e efetiva, que posteriormente
facilitarão as escolhas de formação e profissionalização, entre
outras possibilidades.

ADOLESCÊNCI  Formação Pessoal,


A  Emancipação
 Permitem a autonomia e a independência

IDADE ADULTA  Responsabilidades cívicas e sociais;


 Estabelecer e manter um padrão económico de vida;
 Ajudar os filhos a serem futuros adultos responsáveis e felizes;
 Desenvolver atividades de lazer;
 Relacionamento com o(a) esposo(a)
 Aceitar e ajustar-se às mudanças físicas da meia-idade e
ajustar-se aos pais idosos.

VELHICE  Ajustar-se ao decréscimo da força e saúde;


 Ajustar-se à reforma;
 Ajustar-se à morte do(a) esposo(a)

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 Estabelecer filiação a um grupo de pessoas idosas;


 Manter obrigações sociais e cívicas assim como investir no
exercício físico satisfatórios para viver bem a VELHICE.

1.2.Teorias sobre o envelhecimento psicossocial

1.2.1.Teorias psicossociais de Eric Erickson, R. Peck e Buhler

A abordagem psicológica do envelhecimento considera que nem todas as mudanças que


têm lugar se relacionam com o padrão biológico de envelhecimento, pelo que não é
possível somente estabelecer-se uma relação linear entre a componente biológica e o
envelhecimento global do indivíduo. Nesta linha, também as teorias que aqui se incluem
não são justificativas das mudanças decorrentes da passagem do tempo, mas descritivas.

Teoria Psicossocial do Desenvolvimento da Personalidade (Erikson)


Esta teoria considera que o desenvolvimento resulta da interação dos fatores individuais e
culturais, e que se processa ao longo de oito estádios. Representam momentos críticos no
desenvolvimento do indivíduo ao nível do crescimento físico e sexual, da maturidade
cognitiva e da adaptação e integração exigidas pelas constantes solicitações sociais.

São eles:
(i) Pequena infância (até aos 12/18meses);
(ii) Primeira infância (12/18 meses - 3 anos);
(iii) Idade do jogo (3 - 6anos);
(iv) Idade escolar (6 - 12 anos);
(v) Adolescência (12 - 18 anos);
(vi) Jovem adulto (18 - 35 anos);
(vii) Maturidade (35 - 65 anos; vida adulta);
(viii) Velhice (após os 65 anos; vida adulta tardia).

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Em cada um desses estádios há um conflito normativo, perante o qual o indivíduo tem que
optar por uma de duas posições antagónicas (momento de crise).
A resolução ou não desse conflito contribui para a formação da sua identidade, apesar de
cada estádio despontar de forma independente da natureza da resolução do estádio
anterior.

Se resolvido com sucesso, surge o que Erikson denomina virtude. Considera-se que o
desenvolvimento das crianças e adolescentes é relativamente universal, enquanto o dos
adultos é díspar, dependendo muito mais das suas experiências pessoais.

Reflexo desta conceção é o facto de 3/4 do ciclo de vida estarem incluídos nos três últimos
estádios propostos pela sua teoria.

Esta última fase corresponde à integridade do ego ou o desespero. Os adultos mais velhos
(segundo Erikson, a partir dos 60 anos) precisam avaliar as suas vidas, resumi-las e aceitá-
las, para aceitar a aproximação da morte.

Aqueles que, ao fazerem esta análise, não encontram grandes motivos para orgulho
pessoal e satisfação, tenderão ao desespero, por verem que o tempo já passou e não há
mais condições para concretizar novos projetos e metas.

Erikson argumenta que a pessoa não deve chegar a esta fase com o tormento de que
“deveria ter feito” mais ou “poderia ter sido” melhor. A certeza de que viveu uma vida
produtiva trará uma maior aceitação da hora da morte, que se avizinha.

Todavia, Erikson defende que um pouco de desespero é inevitável. Ele diz que as pessoas
precisam de se “lamentar” – não apenas pelos próprios infortúnios e oportunidades
pessoais perdidas, mas também pela “vulnerabilidade e transição da vida”.

Teoria psicossocial de Peck

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Outro estudioso desta etapa do desenvolvimento psicossocial, Robert Peck, expande a


teoria de Erikson, e descreve três ajustes psicológicos importantes para a fase final da vida:

1.Definições mais amplas do ego contra uma preocupação com papéis de


trabalho
São aqueles que definiram as suas vidas pelo trabalho, direcionando seu tempo à
conquista de méritos profissionais pessoais;

2. Superioridade do corpo contra preocupação com o corpo


Aqueles para quem o bem-estar físico é primordial à existência feliz poderão ficar
mergulhados no desespero ao enfrentarem a diminuição progressiva da saúde, com a
chegada da terceira idade, e o surgimento das dores e limitações físicas.

Peck afirma que ao longo da vida, as pessoas precisam cultivar faculdades mentais e
sociais que cresçam com a idade;

3. Superioridade do ego contra uma preocupação com o ego


Provavelmente o mais duro e mais importante ajuste para o idoso seja a preocupação com
a morte próxima.

O reconhecimento do significado duradouro de tudo que fizeram ajudará a superar a


preocupação com o ego, e continuarem a contribuir para o bem-estar próprio e dos outros.

A vida deve encaminhar-se de tal forma que as preocupações com trabalho, bem-estar
físico e mera existência não suplantem a mais importante reflexão que todos devem ter
antes de chegar à velhice: entender-se a si mesmo e dar um propósito à vida.

Só assim, a velhice chegará sem traumas e será um período de orgulho das realizações e
livre de frustrações, medos e desespero.

Teoria psicossocial de Bühler

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CHARLOTTE BÜHLER propôs em 1943 um modelo psicológico pioneiro, precursor de ideias


mais contemporâneas, como a teoria do curso da vida.

A autora baseou-se em estudos de biografias analisadas segundo uma metodologia


desenvolvida para revelar uma progressão ordenada de etapas, procurou determinar as
várias fases do desenvolvimento humano desde o nascimento até à morte.

A primeira conclusão a que rapidamente chegou é que a vida da pessoa está em constante
alteração devido a fatores biológicos, psicológicos e sociais. Cada fase caracteriza-se por
mudanças em termos de acontecimentos, atitudes e realizações durante o ciclo de vida.

O desenvolvimento da vida humana processa-se por fases, que abrangem toda a sua
extensão, conjugando a idade cronológica com processos que marcam momentos de
expansão (infância), culminância (vida adulta) e contração (velhice), sendo o
amadurecimento psicológico orientado e organizado por metas ao longo de todo o
processo.

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A quinta fase, que começa por volta dos 65 anos, é marcada, conforme os indivíduos, por
um período de calma após a vida ativa, e a que corresponde também uma nítida
decadência física e de elasticidade mental.

É a época em que as profissões primitivas são substituídas por profissões parciais ou


hobbies e em que muitas vezes se verifica a perda de um dos cônjuges.

Neste momento é clara a consciência que não mais lugar à realização de grandes objetivos
e metas pessoais, por isso, o idoso muitas vezes reformula os seus objetivos restringindo-
os a um plano mais concreto e imediato.

A autora concluiu, a partir dos seus estudos, que a sensação de não se ter alcançado e
cumprido de forma satisfatória os seus objetivos era um fator mais importante que o
declínio físico no desencadear de problemas de adaptação na velhice.

Neste aspeto, a teoria de Bühler vai ao encontro dos resultados da investigação mais
recente no campo do desenvolvimento do adulto e idoso.

1.3.Do jovem adulto à meia-idade

1.3.1.Tarefas evolutivas do jovem adulto

A primeira perceção que se pode ter acerca da vida adulta é de que ela corresponde a uma
época estável, sem grandes mudanças.

As transformações físicas mais evidentes efetuaram-se no período da adolescência, tendo


também nesse mesmo período, o indivíduo ‘construído’ a sua própria identidade.

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Assim, nesta perspetiva, a vida adulta é uma etapa de estabilidade, onde a personalidade
do indivíduo não sofre alterações. O adulto é concebido como alguém que sente
adversidade pela mudança.

Este estádio caracteriza-se pela independência emocional relativamente aos pais e pela
exploração das potencialidades profissionais e afetivas.

De um modo geral, podemos considerar que passagem para o estado adulto ocorre quando
o indivíduo:
 Aceita as transformações físicas;
 Adota os papéis sexuais masculinos e femininos;
 Mantém relações sociais maduras;
 É independente emocionalmente dos pais;
 Interioriza as normas sociais;
 Adota um sistema de valores e aspirações sociais;
 Prepara-se /assume uma profissão.

1.3.2.Mudança no campo dos interesses e no sistema de valores

O início da idade adulta varia de um indivíduo para o outro e uma passagem adequada
para essa fase depende da resolução satisfatória das crises da infância e da adolescência.

É um período de grandes mudanças, no qual a pessoa adquire total maturidade e


apresenta o máximo em seu potencial para a satisfação pessoal. A pessoa deve ser capaz
de mudar sempre para atender às exigências das situações.

O adulto está mais ‘disponível’ para efetuar novas aprendizagens, pois necessita de dar
resposta aos novos problemas que se lhe colocam na sua vida quotidiana.

Estes acontecimentos podem ser de duas ordens: positivos ou negativos:

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 Os acontecimentos positivos são aqueles que levam o indivíduo a novas formas de


pensamento, em circunstâncias agradáveis.
 Os acontecimentos negativos obrigam o indivíduo a confrontar-se consigo próprio,
sendo eles motivo de novas aprendizagens.

Estes acontecimentos permitem aos adultos explorar os seus significados e valores pessoais
e transformá-los de forma a torná-los mais congruentes com a realidade.

1.3.3.Casamento e seus ajustamentos

O ciclo vital da família inicia-se com a formação do casal, ou seja constrói-se a partir do
namoro, um período composto por magia, de planos futuros, mas também tem por
característica ser um tempo curto. O novo Sistema aparece quando há o casamento, dando
lugar a uma nova família, ou seja ao subsistema conjugal.

Tornar-se um casal, ou seja, o casamento é uma das tarefas mais difíceis e complexas do
ciclo de vida familiar. Quando duas pessoas resolvem casar, não são apenas elas que
casam, existe também a união de duas famílias. Podemos dizer que é a união de dois
sistemas imensamente complexos.

Cada família tem costumes próprios, valores e maneiras de viver a vida diferentes se não
existir tolerância entre o casal é muito provável a existência de conflitos dentro do
casamento.

Aquilo que se pensa, o que se espera e o que se vai praticando no casamento dependem
de dimensões contextuais — recursos, tempo histórico, momento do ciclo de vida, culturas
— e de dimensões existenciais e identitárias.

A própria organização da vida conjugal está condicionada pela divisão social e sexual do
trabalho no plano da sociedade.

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1.3.4.Carreira profissional e seus ajustamentos

Nas sociedades desenvolvidas do mundo ocidental o estádio adulto atinge-se cada vez mais
tarde devido ao prolongamento da formação necessária para o desempenho das tarefas
profissionais.

Durante a sua vida profissional, o adulto vive estados de permanente questionamento. Os


momentos de questionamento não são momentos de exceção na vida adulta; pelo
contrário, situam-se constantemente no centro quotidiano da vida no trabalho.

Assim, são apresentados três grandes períodos durante a vida profissional:


1) O primeiro é o período de entrada e exploração no mundo do trabalho, onde o
indivíduo se dá conta da grande distância existente entre as aprendizagens
escolares e as que são requeridas para a prática profissional (20-35 anos);
2) O segundo período é caracterizado pelo processo reflexivo do indivíduo acerca do
seu percurso profissional ajudando-o a definir o seu próprio caminho pessoal (35-50
anos);
3) No terceiro período o adulto procura criar as condições para uma retirada
proveitosa do mundo trabalho.

Ao longo destes três períodos, o adulto vai atravessando nove etapas que se alternam
segundo um ciclo de questionamento e estabilização: a vida adulta é, pois, caracterizada
por um constante dinamismo.

1.3.5.Família e seus ajustamentos

A família é um elemento central nas sociedades humanas, sendo considerada a mais antiga
instituição social, independentemente da forma que assume e da extensão das suas

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funções nas diferentes culturas e épocas históricas, podemos afirmar que continua a
protagonizar uma ação fundamental na reprodução dos seres humanos.

A família tem mudado de acordo com os vários modelos familiares que coexistem nas
sociedades contemporâneas. Desta forma, propõe-se uma definição mais alargada de
família, a qual assenta na existência de solidariedade e laços biológicos ou sociais, podendo
estes últimos estar ou não oficialmente instituídos

As famílias portuguesas sofreram evoluções importantes, sendo uma das mais notórias a
diminuição da sua dimensão, que é, em média, de 3,1 pessoas por agregado familiar.
Aumentaram as famílias pequenas e diminuiu o número de famílias numerosas.

Constituem-se famílias recompostas através de segundos casamentos, ou através de novas


relações que envolvem filhos de relações anteriores. As pessoas optam cada vez mais por
viver em coabitação antes do casamento, ou em alternativa ao casamento.

Sendo o casamento o primeiro momento que marca a constituição de uma nova família, o
segundo momento do ciclo de vida da família é quando a família tem filhos, ou seja quando
nasce o primeiro filho. Nesta etapa surgem dois subsistemas (parental e filial), assumem-se
novas funções, tarefas e uma reorganização relacional.

A família com filhos na escola, é a terceira etapa do ciclo vital familiar. Existe um encontro
de dois sistemas (família e escola). A entrada dos filhos para escola constitui para a família
“o primeiro grande teste ao cumprimento da sua função externa, e através dela, sua
função interna.”

A quarta etapa do ciclo vital surge quando a família tem filhos adolescentes, sendo a etapa
mais difícil e longa. No desafio da gestão da relação entre pais e filhos, os pais devem
adquirir e manter funções executivas, não esquecendo que o período da adolescência é
conturbado, caracterizado por mudanças e dúvidas. Nesta fase assume lugar de destaque o
grupo de pares, decorrendo frequentemente conflitos geracionais.

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A família com filhos adultos constitui a última etapa do ciclo vital familiar. Esta fase é cheia
de mudanças, de movimento familiar, caracteriza-se por saídas e por entradas e novas
relações e novos papéis.

1.4.A meia-idade e as tarefas evolutivas

1.4.1.Aspectos estruturais e funcionais da meia-idade

A clássica definição de meia-idade reporta-se à perceção que o indivíduo tem da sua


mortalidade iminente, que o tempo que resta da sua existência biológica está a diminuir.

Nesta fase o indivíduo já não é considerado novo, mas ainda não é velho, verifica-se algum
declínio na saúde e habilidades físicas, mas também o desenvolvimento da maturidade
como consequência das experiências quotidianas.

Trata-se de uma fase caracterizada por expectativas sociais estruturadas, com um forte
cariz psicossocial. É, assim, um período marcado por transições sociais no contexto familiar
(saída dos filhos e morte de familiares da geração mais velha) e no contexto laboral (auge
da carreira e aproximação da reforma).

Principais desenvolvimentos:
 As mulheres entram na menopausa;
 Ocorre uma certa deterioração da saúde física e declínio da resistência e perícia;
 A sabedoria e capacidade de resolução de problemas práticos são acentuadas; a
capacidade de resolver novos problemas declina;
 O senso de identidade continua a desenvolver-se;
 A dupla responsabilidade de cuidar dos filhos e pais idosos pode causar stresse;
 A partida dos filhos tipicamente deixa o ninho vazio;

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Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

 Para alguns, o sucesso na carreira e ganhos atingem o máximo; para outros ocorre
um esgotamento profissional;
 Busca do sentido da vida assume importância fundamental;
 Para alguns, pode ocorrer a crise da meia-idade.

Tarefas básicas:
 Aceitação do corpo que envelhece;
 Aceitação da limitação do tempo e da morte pessoal;
 Manutenção da intimidade;
 Reavaliação dos relacionamentos;
 Relacionamentos com os filhos: deixar ir, atingir igualdade, integrar novos
membros;
 Relação com seus pais: inversão de papéis;
 Preparação para a velhice.

Mudanças no Campo dos interesses e no sistema de Valores:


 A era da tecnologia proporcionou ao ser humano padrões de vida nunca antes
vivenciados
 Os avanços ocorridos nas ciências, principalmente na área da saúde, são
responsáveis pelo acréscimo na expectativa da vida da população que caminha para
o envelhecimento.
 Preocupação em manter hábitos que garantam uma velhice saudável marca uma
nova etapa de conscientização.

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Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

2.Velhice - aspetos sociais

2.1.A velhice e a sociedade

2.1.1.Velhice e envelhecimento: Conceitos e análise

Em termos etimológicos, a palavra velhice deriva do latim vetulus/veculus, que significa


pessoa de muita idade ou velha. Dada a variedade de critérios que existem na procura da
sua interpretação, definir este conceito é uma tarefa complexa.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estipula a entrada nessa fase consoante o


desenvolvimento social e humano do país (entre os países desenvolvidos e os em vias de
desenvolvimento) e pautando-se pela idade cronológica.

Na maioria dos países desenvolvidos considera-se que ocorre aos 65 anos, altura em que o
indivíduo entra na reforma e passa a ser considerada pessoa idosa; já nos países em vias
de desenvolvimento essa transição tem lugar aos 60 anos.

Para evitar a utilização indevida da idade cronológica é necessário considerar que cada
pessoa tem várias idades: Biológica, Psicológica e Sociológica.

De acordo com as várias idades, apresentamos as definições de cada uma:


• Idade Biológica é influenciada por fatores intrínsecos e extrínsecos. A avaliação
incide nas capacidades funcionais, no limite dos sistemas orgânicos e na perda da
capacidade adaptativa e de auto – regulação;
• Idade Psicológica é influenciada por fatores biológicos e sociais e envolve
capacidades cognitivas como: memória, inteligência, aprendizagem, habilidades,

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Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

sentimentos e emoções, controlo comportamental ou autorregulação cruciais à


adaptação individual ao meio;
• Idade Sociológica engloba os papéis, as atitudes que o indivíduo assume na
sociedade e os comportamentos esperados pela sua cultura.

O envelhecimento é um processo complexo e universal que resulta da interação entre


diversos fatores: biológicos (relativos às mudanças operadas no organismo com a idade),
psicológicos (relativos às mudanças no comportamento) e sociais (relativos às mudanças
com origem nas forças sociais e nas respostas dadas pelo indivíduo a essas forças).

2.1.2.Início da velhice e aptidões da velhice

Embora o processo de envelhecimento seja universal para todos os indivíduos, constata-se


que este é variável, pois a progressão e intensidade diferem ao longo do processo
individual e entre indivíduos.

As alterações causadas pelo envelhecimento desenvolvem-se a ritmos diferentes de pessoa


para pessoa, podendo iniciar-se prematuramente e conduzir à senilidade precoce, ou então
produzir-se de forma lenta e levar a um vida saudável por muito tempo:
 É um processo diferencial, pois varia de indivíduo para indivíduo e assume ritmos
diferentes, porque na mesma pessoa podem-se processar tipos distintos de
envelhecimento.
 É um processo contínuo, que acompanha o indivíduo ao longo de toda a vida,
tratando-se, portanto, de um fenómeno normal e inerente ao ser humano.

Alterações ocorridas na velhice

Físicas:
 Alterações na aparência;
 Sentidos menos apurados,

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 Músculos e ossos mais frágeis;


 Mobilidade reduzida
 Enfraquecimento dos órgãos internos;
 Menor autonomia.

Cognitivas:
 Aparecimento de doenças psíquicas;
 Perdas de memória;
 Pensamentos e medo da morte.

Psicossociais:
 Reflexão sobre a sua vida antes da velhice:
o Se a avaliação for negativa implica sentimentos de fracasso e desespero;
o Se positiva, leva a sentimentos de satisfação e integridade da identidade.
Daqui resulta a sabedoria.

2.1.3.Negatividades da velhice

O avanço da idade traz-nos experiência e conhecimento, contudo traz também o desgaste


do corpo e das funções fisiológicas.

Essa deterioração física pode ser de tal forma acentuada que compromete os aspetos
positivos acima mencionados. A perceção de que essa deterioração é inevitável faz com
que a velhice se torne um fenómeno ameaçador e angustiante para muitas pessoas.

Não é apenas a perspetiva do desgaste e da incapacidade física que assusta o idoso. A


aproximação da morte, a senilidade e a demência, a solidão e o abandono, são tudo
fatores que contribuem para que o processo de envelhecimento esteja repleto de medos e
ansiedades.

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Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

Na nossa sociedade atual, extraordinariamente orientada para a produtividade e para a


valorização do corpo, da atividade física e da juventude, o idoso não usufrui do estatuto de
outrora.
Consequentemente, o idoso sente-se frequentemente desvalorizado e rejeitado como um
“fardo” indesejável, com prejuízos enormes para a sua autoestima e para o seu gosto pela
vida.

2.1.4.Isolamento e solidão na velhice

As estatísticas publicadas recentemente sobre esta temática apresentam a solidão como


um grave problema nos idosos.

Verificamos que no grupo etário com 65 anos ou mais, nas famílias constituídas apenas por
uma pessoa, deparamo-nos com 321054 famílias, ou seja, 321054 indivíduos. Isto
representa 19,0% da população total com 65 anos ou mais.

Pode-se assim concluir que na generalidade dos idosos portugueses um em cada cinco
famílias é constituída apenas por um elemento (o idoso), ou seja, vive sozinho. Apesar do
isolamento social não significar necessariamente solidão, é um fator predisponente que se
deve ter em conta.

Na realidade, a solidão é uma das queixas mais frequentes entre a população idosa. Isto
resulta da saída dos filhos para o mercado de trabalho, com deslocação para uma cidade
diferente, com a chegada da reforma e com a viuvez.

Para resolver algumas das causas que se acredita empiricamente estarem na origem da
solidão e do mal-estar dos idosos, por vezes é decidido o internamento num lar de idosos,
mas nem sempre com sucesso, pois nem sempre uma instituição, com apoio formal
supostamente suficiente, reduz o sentimento de solidão emocional do idoso.

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Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

No entanto, o lar de idosos pode não ser a solução para quem quer ter um final de vida
tranquilo, pois muitas vezes o idoso tem dificuldade em partilhar um espaço que deveria
ser só seu e que sente ser invadido por estranhos, vendo-se obrigado a partilhar o quarto
com outras pessoas.

Vários autores averiguaram nos seus estudos a importância das relações sociais, e
observaram que estas oferecem suporte social, influenciando positivamente o bem-estar
psicológico e a saúde percebida. Além disso, reduzem o isolamento social (e a solidão) e
aumentam a satisfação com a vida.

2.2.Atitudes, mitos e estereótipos

2.2.1.Definições

Mitos
O mito é uma construção do espírito que não se baseia na realidade e por isso constitui
uma representação simbólica.

Traduz um conjunto de expressões feitas ou eufemismos, que mantemos relativamente aos


idosos.

Estereótipos
O estereótipo nada mais é do que um padrão de comportamento, previsto, que acredita-se
característico e esperado em relação a determinada pessoa individualmente ou ato dos
membros de um grupo social, cultural, profissional ou etário.

O estereótipo seria um conjunto de características, positivas e/ ou negativas, que


atribuímos a um grupo de pessoas de maneira generalizada, ou seja, consideram que todos
os elementos de um grupo agem/ são da mesma forma.

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Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

Atitudes
Uma atitude nem sempre determina um comportamento (este deve ser o esperado, de
modo a que não seja punido pela sociedade). Só o determina em determinadas
circunstâncias.

O comportamento nem sempre é determinado pela atitude porque por vezes temos uma
atitude e somos levados a agir de forma diferente devido à pressão da sociedade, pois
quando não se age conforme a sociedade somos punidos.

2.2.2.Ideias pré-concebidas

O desconhecimento sobre o envelhecimento, por parte sociedade, conduz a falsas


perceções que acabam por associar a velhice à doença, ao aborrecimento, ao egoísmo, à
dependência, à perda de estatuto social, às rugas e cabelos brancos que acabam por levar
os idosos à solidão, acelerando o processo de envelhecimento.

A Gerontologia tem vindo, recentemente, nas suas investigações, a dissipar alguns destes
estereótipos face ao idoso, enquanto pessoa frágil, dependente, pobre, assexuado,
esquecido, infantil, e contribuído para uma descrição mais realista do que é o adulto na
última fase do ciclo vital.

Os mitos e estereótipos relativos à terceira idade são muitos e apresentam-se em frases,


expressões que estão tão enraizados que por vezes se tornam numa realidade.

Alguns dos mitos da velhice por parte da sociedade estão associados:


 Ao processo cronológico - progressivo, contrastando com a vitalidade de alguns
idosos;
 À improdutividade - alguns idosos ainda mostram ter capacidade para fazer grandes
obras;

21
Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

 À senilidade - confundir velhice com doença;


 À inexistência de interesse e desejo sexual - realização de casamentos e vida a dois;
 Ao estado serenidade - conflitos e angústias/força e vontade de acompanhar a
família;
 À deterioração da inteligência - o idoso apresenta várias formas de pensar e
nostalgia;
 À desvinculação com o futuro - alguns têm interesse em aprender coisas novas,
úteis;
 Ao isolamento e alienação - gosto pela convivência intergeracional e pela
socialização;
 À inutilidade do viver - colaboração com os outros e com a comunidade, pela
descoberta.

ESTEREÓTIPOS LIGADOS AOS IDOSOS


NEGATIVOS POSITIVOS
 Doença  Sabedoria
 Morte  Amabilidade
 Solidão  Generosidade
 Perda de Memória  Solidariedade
 Diminuição de Habilidades  Bondade
Físicas e Sensoriais

2.2.3.Atitudes relacionadas com a pessoa idosa

Nas sociedades ocidentais, as atitudes sociais em relação aos idosos são


predominantemente negativas, resultando na formação de preconceitos e que tendem a
relegar os idosos a condições de incapacidade, improdutividade, dependência e senilidade,
assumidas como características comuns da velhice.

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Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

As atitudes que se tomam face ao idoso e á velhice são sobretudo de negatividade e em


parte são responsáveis pela:
 Imagem que eles têm de si próprios
 Das condições e circunstâncias que envolvem o envelhecimento.

As atitudes negativas face aos idosos existem em todos os níveis sociais: intervenientes,
beneficiários, governantes etc.

A falta de conhecimento científico dos profissionais da educação e da saúde, bem como a


falta de esclarecimento às pessoas sobre os fatos inerentes ao envelhecimento, impedem a
transformação de atitudes e de comportamentos em relação à velhice.

Enquanto que ontem:


 O idoso tinha um papel preponderante na estrutura social
 O idoso era considerado um depósito de sabedoria e cultura
 O idoso para além da autoridade familiar, era o transmissor de usos e costumes de
geração em geração
 O idoso era respeitado e venerado por todos e mesmo depois de abandonar a sua
atividade profissional, que mantinha até quase ao fim da vida, continuava a gozar
de elevado “ Estatuto Social”;

Hoje verifica-se que:


 O idoso perde o seu estatuto social
 O idoso perde o lugar na família
 O idoso é visto como um ser indesejável numa sociedade de competição e de
consumo
 O idoso é considerado um ser consumidor, porque não produz
 Os idosos são afastados dos planos sociais, culturais, económicos e políticos.

23
Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

Podemos concluir que a atitude que adotamos ao olhar para esta etapa marcará a forma
como a viveremos e a desfrutaremos.

2.2.4.Mitos e estereótipos - perigos potenciais

Os mitos e estereótipos são elementos impeditivos na procura de soluções precisas e de


medidas adequadas as pessoas idosas.

Socialmente, a valorização dos estereótipos projeta sobre a velhice uma representação


social gerontofóbica e contribui para a imagem que estes têm se si próprios, bem como das
condições e circunstâncias que envolvem a velhice, pela perturbação que causam uma vez
que negam o processo de desenvolvimento.

O preconceito contra o idoso, baseado em modelos de infantilidade e incapacidade,


promove políticas sociais paternalistas e destrutivas que em nada ajudam o idoso, pelo
contrário, efetivam a sua condição de dependência e impedem que o idoso transmita os
seus potenciais, a sua sabedoria.

Os mitos escondem muitas vezes uma certa hostilidade, e impedem o contacto verdadeiro
com os idosos. Levam as pessoas a adotarem medida se comportamentos inadequados
face, pelo que é urgente o seu esclarecimento.

2.3.Representações da morte

A velhice traz consigo a perspetiva de morte. Mesmo com o aumento da esperança de vida
da população humana, a vida e sempre um período finito.

24
Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

Esta finitude passa a ser mais consciente com a chegada da velhice. A perda de amigos,
familiares e de pessoas de referência social reforça esta característica.

A convivência com a perda relembra e reforça a eminência da própria morte. Essa é


também uma preparação que a pessoa idosa deve fazer de forma a conseguir continuar a
viver tranquilamente e com qualidade.

Quando existe uma doença grave, ou outra condição de saúde, incluindo aspetos físicos,
mentais e sociais que gera sofrimento, a morte passa a ser não só uma probabilidade mas
também uma alternativa.

A anunciação da sua própria morte, conduz a um processo constituído por 5 fases:

1.Recusa
Resultado do choque emocional de receber a notícia que está a morrer, a pessoa entra em
negação, não querendo aceitar que esta é a sua realidade. Leva a comportamentos como a
troca de médico, adesão a seitas ou religiões, ou procura de erros no diagnóstico,
terminando com a aceitação deste.

2. Cólera
A revolta resultante da impotência e frustração sentidas leva a que, por vezes, a pessoa
tenha comportamentos de cólera para com quem a rodeia, espelhando a injustiça que
sente.

3. Negociação
Passada a cólera, a pessoa tenta frequentemente chegar a acordo com uma força superior
pela sua vida: ”se viver serei bom pai/mãe/filho/profissional/pessoa…”. Nesta fase, o
moribundo pode perder a lucidez. Quando tal não acontece, passa-se à fase seguinte.

4. Depressão
Surgem sentimentos de mágoa, culpabilidade ou vergonha relativos à sua doença;

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Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

5. Aceitação
Quando o doente finalmente aceita a inevitabilidade da sua condição, alcançando paz
interior que irá transmitir a quem o rodeia e iniciando o seu afastamento.

O conhecimento das fases de um processo de luto e morte permite que a pessoa e quem a
rodeia se preparem para o mesmo, compreendendo as reações e adequando o seu
comportamento às necessidades de cada etapa, tornando o processo o mais pacífico
possível.

2.4.Problemas sociais da velhice

2.4.1.Reconhecimento, perspetiva e reflexão sobre problemas que se


colocam à pessoa idosa na atualidade

2.4.1.1.A situação no princípio do século

Nas denominadas sociedades pré-industriais as pessoas idosas eram reverenciadas e


ocupavam um lugar de destaque. A redução da capacidade produtiva das pessoas idosas
era compensada pelo valor da experiência acumulada, pelo que eram vistas como
património e portadoras de sabedoria, quem aconselhava os mais novos. Chegar a uma
idade avançada era, assim, motivo de respeito.

No entanto, muito se devia ao facto de que, quem atingia essa idade mais avançada, eram
indivíduos detentores de riqueza e que tinham tido melhores condições de vida em relação
aos restantes. Deste modo, a condição de pessoa idosa ‘respeitada’ estava associada a
uma mais-valia patrimonial e não somente ao facto de ter muitos anos de vida.

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Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

A velhice, em si, não tinha um estatuto específico. Quando necessária, a solidariedade para
com as pessoas idosas tinha lugar em contextos privados, familiares. As preocupações em
contexto público eram somente dirigidas à velhice desprotegida e à mendicidade, através
das instituições de beneficência.

Institucionalmente, ser-se pessoa idosa era ser-se pobre, indigente ou doente, pelo que a
valorização do indivíduo passava pela identidade pessoal. Este contexto foi designado como
velhice invisível, uma vez que o apoio às pessoas idosas era remetido para o espaço
doméstico, somente.

2.4.1.2.A velhice e o pós-guerra

Nas ditas sociedades industriais e pós industriais, a segregação etária torna-se comum,
baseada no ciclo produtivo e associada à reforma, sem relação com as possibilidades
económicas do indivíduo. O que antes não se verificava (na verdade, poucos saberiam ao
certo a sua idade), passa a suceder.

A idade cronológica é assumida como um dado elementar na identidade dos indivíduos, a


par do crescente ‘mito da juventude’. Associado à beleza física, ao triunfo rápido, à rapidez
e mudança constante, estas características não se compadecem com algumas das
especificidades da velhice.

Em consequência, a grande maioria das características atribuídas às pessoas idosas em


geral torna-se tendencialmente negativa, pelo que estas passam a ser menos consideradas
e menos integradas no tecido e rede sociais.

Neste contexto, os idosos começam a ser comparadas com indivíduos que as rodeiam,
geralmente mais novas e atraentes e com estilos de vida diferentes, não com base na
identidade e valor pessoal, mas nas ‘características da velhice em geral’.

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Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

Com esta drástica alteração, e inerente marginalização, atingir a terceira idade torna-se
desprestigiante e desmotivador, havendo uma maior tendência à passividade, aumento da
dependência e, consequentemente, das dificuldades.

Como resultado, as pessoas idosas acabam por sentir-se inadequadas e em desvantagem


social em relação às gerações mais novas (cujos hábitos e comportamentos não são
similares). Por este motivo, esta fase é de nominada de velhice visível.

2.5.A pessoa idosa no final do século XX

O envelhecimento da população revela-se como uma tendência positiva, que está


intimamente ligada à maior eficácia das medidas preventivas em saúde, ao progresso da
ciência no combate à doença, a uma melhor intervenção no meio ambiente e, sobretudo, à
consciencialização progressiva de que somos os principais agentes da nossa própria saúde.

Em Portugal, as alterações na estrutura demográfica estão bem patentes na comparação


das pirâmides de idade de 1960 e 2000. Este é um fenómeno que se verifica na maioria
dos países desenvolvidos e também em alguns países em desenvolvimento.

Ao analisar estas duas pirâmides verifica-se um estreitamento da base, que se traduz na


diminuição da natalidade e consequente diminuição do grupo de jovens, e um alargamento
do topo da pirâmide, que se refere ao aumento da longevidade, da esperança de vida.

O envelhecimento da população portuguesa deve-se maioritariamente à conjugação de três


fatores:
 O aumento da esperança média de vida: acompanhando a tendência europeia, as
medidas de saúde pública e os cuidados médicos disponíveis permitem o
prolongamento da vida até mais tarde;

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Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

 A diminuição da taxa de natalidade: a evolução social, a transformação da condição


feminina (trabalhar fora de casa) e a fixação urbana levaram a que as famílias
passassem a ter apenas um ou dois filhos;
 O regresso do surto imigratório dos anos 60 e 70: tendo partido jovens, regressam
envelhecidos, muitas vezes permanecendo os filhos no exterior.

Os idosos passam a ser mais, em termos proporcionais e em número absoluto. Com a sua
probabilidade aumentada de desenvolver situações de dependência (características de
idades mais avançadas), irão exercer maior pressão sobre os sistemas de apoio formal e
informal a nível da prestação de cuidados.

Estes cenários deixam antever mudanças no mercado de trabalho, nos cuidados de saúde,
nos regimes de pensões, nos sistemas educativos e nas infraestruturas habitacionais e
urbanas.

O aumento do número de idosos, bem como a maior longevidade do ser humano, não
devem ser considerados um problema, pois são conquistas decorrentes do processo de
envelhecimento social.

Cabe, pois, à sociedade criar condições para que o homem, ao viver mais tempo, possa
usufruir de melhores condições de vida, considerando as alterações normais do processo
de envelhecimento.

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Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

3.Velhice - socialização e papéis sociais

3.1.Aspectos sociais da velhice

3.1.1.Socialização e papéis sociais

É comum ouvir que o estatuto do idoso na sociedade se alterou significativamente nos


últimos anos, estando conotado de forma negativa, sendo o seu papel descurado e
desvalorizado.

As comparações sociais vão traduzir-se numa hierarquia que pode ser de indivíduos no
mesmo grupo (por exemplo, a família), ou dos vários grupos na sociedade (os jovens e os
idosos, a população ativa profissionalmente e a inativa).

Quando se fala do estatuto do idoso, refere-se uma posição hierárquica que este ocupa no
meio em que se movimenta. Se esta for elevada, a sua identidade social é positiva e tida
como modelo.

É esperado que a pessoa (ou grupo) se comporte de determinada forma, assegurando


funções específicas. A uma alteração de estatuto poderá corresponder uma modificação
considerável no papel que a pessoa desempenha para as redes sociais em que se
movimenta.

Segundo a importância e repercussão que envelhecer tem numa determinada sociedade,


assim são atribuídos em termos sociais diferentes significados ao que é ‘ser novo’ ou ‘ser
velho’.

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Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

Esses significados diferem de cultura para cultura e de época para época, o que conduz ao
surgimento de diferentes interpretações sobre a velhice.

Essas interpretações, construídas socialmente, têm relevância nas relações pessoais e


sociais, tornando-se num indicador que diferencia os indivíduos: implicam a identificação ou
a atribuição de características relacionadas com a idade que um indivíduo deverá possuir.

Esse processo funciona como uma ‘ferramenta de diagnóstico social’, com a qual se
inferem as competências sociais, cognitivas, crenças religiosas e capacidades funcionais
que devem estar presentes no indivíduo em função da sua faixa etária.

O indivíduo é, deste modo, caracterizado em várias dimensões:

Dimensão cognitiva
Qual o tipo de raciocínio, de preocupações e de sensibilidade do indivíduo.

Dimensão ideológica/normativa
Quais as obrigações e deveres que deverá ter. A maioria das sociedades possui ‘relógios
sociais’, normas relativas a acontecimentos que devem ocorrer no ciclo vital do indivíduo e
que regulam em que altura da vida deve realizar determinada ação ou deixar de exercer
uma outra (entre os 20 e os 30 anos deve casar, ter filhos, assumir responsabilidades).

Dimensão interacional
Qual o tipo de relações que deve estabelecer com os indivíduos da sua e outras faixas
etárias.

Dimensão coletiva
Qual a possibilidade de ser admitido ou não numa determinada organização em função da
idade (aos 40 anos pertencer a uma coletividade para adolescentes ou a um de grupo de
reformados).

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Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

Será o posicionamento do indivíduo nestas quatro dimensões (consequente da sua idade


cronológica) que determinará a sua idade em termos sociais (se ‘ainda é novo para’ ou se
‘já é velho para’, na sociedade em que vive).

Esse mesmo posicionamento influenciará, também, a forma como o indivíduo se


perceciona, resultante da comparação que faz entre si e os outros indivíduos do seu grupo
etário.

3.1.2.Preparação para a velhice: os papéis de transição

A velhice caracteriza-se pela mudança de papéis e pela perda de alguns deles, tais como a
perda do estatuto profissional, mudança nas relações familiares e nas redes sociais. Essas
mudanças são inevitáveis pois a velhice é uma etapa especialmente intensa de perdas
afetivas.

Como tal, o desafio principal do envelhecimento é o confronto com essas perdas, o que vai
exigir um esforço por parte do idoso para adaptar-se a essas situações para manter a
qualidade de vida desejada.

Outros acontecimentos marcantes nesta fase são: as perdas, o afastamento dos familiares,
com a saída dos filhos de casa, os pais enfrentam um novo desafio, entrando numa nova
fase do ciclo vital, a família pós-parental; perda de pessoas queridas (provocando
sentimentos de solidão) e desânimo.

Tal poderá conduzir ao aparecimento de perturbações comportamentais reactivas que têm


uma maior incidência nesta idade, como por exemplo, a depressão.

De um modo geral, com o passar da idade as relações sociais e a troca de apoio social
diminuem. Deste modo, o sentimento de solidão surge associado à diminuição das redes

32
Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

sociais. É um conceito que se encontra fortemente relacionado com o isolamento social e


com o viver só.

As próprias transformações económicas, sociais e familiares em conjunto com as mudanças


e/ou perdas de competências intelectuais e funcionais, têm repercussões na autoestima, no
bem-estar e na qualidade de vida.

Eis algumas das coisas mais importantes às quais o idoso pode ver-se obrigado a ajustar-
se:
 Ao decréscimo de força e de saúde;
 À reforma;
 À eventual viuvez;
 À necessidade de se filiar num grupo de pessoas idosas;
 À necessidade de manter obrigações sociais e cívicas;
 À necessidade de investir no exercício físico;
 À necessidade de ter cuidados redobrados com a alimentação;
 À mudança de papéis sociais.

3.1.3.Velhice o os novos papéis sociais

Muitas das características básicas da personalidade mostram relativa estabilidade ao longo


da vida, contribuindo para a constância pessoal. A transformação e continuidade são dois
aspetos complementares da evolução psíquica do adulto/idoso.

O idoso é representado a par de aspetos positivos como a sabedoria, a experiência, a


moderação e o autocontrole e por outros menos favoráveis como a rigidez, o
conservadorismo exagerado, a dependência, o desleixo, a irritabilidade, etc...

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Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

O declínio da força de vontade, a dificuldade, o receio e mesmo a recusa do esforço


traduzem a fraqueza emotiva e afetiva, a dispersão, a insuficiência geral, das funções
cerebrais.
Socialmente, o idoso vive a sua velhice conforme o ambiente em que habita. Se está
integrado na família, se se sente respeitado, útil, continua a manter as suas amizades, a
participar ativamente no seu meio, a sua autoconfiança e autoestima não se perdem.

Ou seja, se o idoso se preparou e aceita a sua velhice, se continua a manter os seus


interesses pessoais ao longo da vida, a personalidade mantém-se estável.

Sempre se acreditou que a velhice se traduzia por uma notável diminuição dos processos
cognitivos. Nos últimos vinte anos, diversas investigações têm permitido matizar estas
afirmações. Hoje podemos afirmar que é possível conservar a saúde mental até ao fim da
vida, e que a maior parte das pessoas o conseguem.

A manutenção da saúde mental na pessoa idosa é, em parte, devida a um envelhecimento


bem-sucedido, que a torna apta a controlar as tensões geradas pelo avançar da idade e
pelas perdas que acompanham essa realidade.

Se envelhecer é tornar-se numa pessoa madura, conservar a maturidade adquirida no


decorrer dos anos nem sempre é fácil. Os problemas psicológicos ligados ao
envelhecimento raramente são causados pela diminuição das capacidades cognitivas.

Envelhecer é também aceitar o inevitável, isto é, a perda gradual das funções orgânicas, a
mutilação, a separação, o sofrimento, o confronto com o desconhecido e a morte.

Adaptar-se ao envelhecimento, não é resignar-se, mas antes ter a inteligência de


aproveitar tudo o que ainda se possui, para continuar em atividade e com um papel
importante na família e na comunidade.

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Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

Envelhecer bem é aceitar a velhice e continuar a viver recorrendo a estratégias para


conservar a auto estima é atingir a sabedoria e a serenidade para inventar uma nova
maneira de viver.

3.2.O modo de vida das pessoas de idade

3.2.1.As condições de vida

Os idosos apresentam uma complexa natureza de necessidades. As necessidades dos


idosos decorrentes do processo de velhice são várias e entre os autores existe uma linha
mais ou menos orientadora que cai sobre as seguintes distinções: necessidades sociais e
familiares, necessidades físicas e psicossociais e necessidades socioeconómicas.

Em numerosos estudos se conclui que os próprios idosos consideram que os seus


problemas principais são, pela seguinte ordem, os económicos, médicos, de solidão e
exclusão familiar.

Estes resultados demonstram que o que podia ser uma etapa da vida livre de preocupações
económicas e cheia de atividades lúdicas, como é para apenas alguns idosos, converte-se
em bastantes casos num período de escassez, problemas de saúde e solidão.

Os idosos são o grupo da população que registaram as maiores taxas de pobreza. Esta
pobreza notória na maioria dos idosos de hoje, devido às reformas que recebem, leva em
muitos dos casos à exclusão social. É fácil para um idoso com disponibilidade financeira
procurar apoio em instituições privadas para colmatar as suas necessidades, afirmando-se
assim como independe.

A exclusão social e a pobreza podem estar por detrás de muitos casos de solidão. Como
seria também de se esperar, as famílias mono parentais, os idosos, a viver só ou em casal

35
Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

(ambos idosos) e as famílias alargadas, são as categorias mais vulneráveis a qualquer tipo
de pobreza.

Hoje em dia, cerca de 300 mil dos idosos sobrevivem com rendimentos abaixo de 300
euros por mês - valor que corresponde ao chamado «limiar de pobreza»
internacionalmente definido.

Os problemas de solidão e relacionamento familiar e social ocupam um lugar destacado. As


pessoas idosas têm basicamente as mesmas necessidades afetivas interpessoais que as
crianças, os jovens e os adultos, mas têm-nas frequentemente menos satisfeitas.

A mesma conclusão se chega tendo em conta os diferentes tipos de apoio social que estes
necessitam:
 Apoio instrumental, que se refere a aspetos materiais como ajuda económica;
 Apoio informal, que se refere a informações, ajuda para pensar ou encontrar
alternativas;
 Apoio emocional, que é o sentimento de pertença a alguém, que se é valorizado,
cuidado, desejado e querido.

3.2.2.A satisfação de viver

A participação na vida da comunidade, a promoção e manutenção de projetos de vida e de


futuro são fatores de enorme influência para um processo de envelhecimento normal
pautado pela satisfação de viver.

As disposições específicas do artigo 3º do Pacto Internacional de Direitos Económicos,


Sociais e Culturais das Pessoas Idosas (1996), clarificam que:
(…) no caso das pessoas idosas, o direito à educação e à cultura deve ser abordado
a partir de dois ângulos diferentes e, por sua vez, complementares:
a) o direito das pessoas idosas a beneficiar de programas educativos;

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Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

b) o dever das pessoas idosas colocarem os seus conhecimentos e


experiência à disposição das gerações mais jovens.
A Carta de Princípios das Nações Unidas em prol das Pessoas Idosas de 1991 contempla,
entre outros Princípios:
 O princípio da Participação;
 O princípio da Autorrealização.

Por Participação entende-se que as pessoas idosas deveriam participar ativamente na


formulação e aplicação das políticas que afetem diretamente o seu bem-estar e poder
partilhar os seus conhecimentos e capacidades com as gerações mais novas bem como
poder formar movimentos ou associações.

Como Autorrealização, os princípios afirmam que as pessoas de idade deveriam poder


aproveitar as oportunidades de desenvolver plenamente o seu potencial, mediante o acesso
aos recursos educativos, culturais, espirituais e recreativos da sociedade.

A velhice é assim encarada como uma realidade viva e que o período socialmente
considerado de declínio constitui ainda, uma fase de desenvolvimento humano.

Na medida em que as pessoas de idade organizam o seu tempo, estabelecem relações


sociais, formas de expressão e comunicação são criativas mesmo sem solicitações
exteriores, mobilizando-se no sentido de conquistar a autonomia e a cidadania.

3.3.Processo de envelhecimento/sensibilização à problemática da pessoa


idosa

3.3.1.O ser velho no ciclo da vida

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Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

A modificação da relação do idoso com o tempo caracteriza-se por um encurtamento do


futuro, ou seja, ao contrário dos jovens, o indivíduo idoso tem uma longa vida às suas
costas e esperanças muito limitadas à sua frente. Daí a atenção mais concentrada no
passado e uma notável desesperança nos projetos existenciais futuros.

O relacionamento do idoso com o mundo caracteriza-se pelas dificuldades adaptativas,


tanto emocionais quanto fisiológicas; a sua performance ocupacional e social, o
pragmatismo, a dificuldade para aceitação do novo, as alterações na escala de valores e a
disposição geral para o relacionamento objetal.

No relacionamento com sua história o idoso pode atribuir novos significados a factos
antigos e os tons mais maduros da sua afetividade passam a colorir a existência com novos
matizes; alegres ou tristes, frustrantes ou gratificantes, satisfatórias ou sofríveis.

A sociedade atual não valoriza muito os seus idosos, desperdiçando o potencial que poderia
retirar destas pessoas, que apesar da idade avançada, continuam a ter muito para dar ao
mundo.

O seu potencial de desenvolvimento é enorme, visto que os idosos têm uma experiência de
vida inigualável, representando um apoio, em diversas áreas, aos mais jovens, partilhando
as suas experiências e continuando a ter um papel ativo na sociedade.

Envelhecer não deve ser sinónimo de doença e inatividade. Apesar de ainda assistirmos,
em alguns contextos culturais, a atitudes negativas face à velhice, a sociedade está a
mudar, há novos valores e conceitos em construção e que são difundidos em diversos
contextos mundiais.

Se a pessoa foi capaz de ao longo da sua vida ir-se adaptando às situações existentes, terá
mais facilidade de entrar neste ciclo de vida, de uma forma mais saudável.

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Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

3.3.2.Ser velho hoje, no meio rural e no meio urbano

As capacidades de adaptação dos idosos diminuem conforme a pessoa envelhece, o idoso


fica mais sensível ao meio ambiente que é um determinante na promoção do bem-estar.
Ou seja, os comportamentos e os afetos vão sendo cada vez mais influenciados por
agentes externos ao indivíduo.

Dependendo das características de cada sujeito específico, as características ambientais


podem atuar quer como barreiras, quer como facilitadoras de certos comportamentos.

De uma maneira global, o ambiente rural fomenta menos pressão sobre os idosos (a
confusão nas ruas é pouca, roubos e agressões são raros ou inexistentes, e o sentimento
de segurança é maior).

Muitos dos idosos que aqui habitam continuam a cuidar dos seus animais e de parcelas de
terrenos, conservando-se ativos e habilitados até que a força física o possibilite. Estes
vivem em maior consonância com o ambiente do que os idosos urbanos.

Consequentemente, no meio rural o idoso tem um nível de vida melhor, com mais bem-
estar e menos carências. Aqui o idoso é mais autónomo, ainda trabalha e todos são mais
ou menos conhecidos entre si.

Os meios rurais são contextos privilegiados de envelhecimento, uma vez que têm algumas
vantagens, tais como:
 Facultar às pessoas maior familiaridade com o meio;
 Favorecem um ritmo de vida mais lento aos idosos, cujos tempos de reação possam
estar lentificados;
 Maior estabilidade populacional, proporcionando a manutenção dos laços afetivos,
maior contato, e uma maior rede de vizinhança, o que dita maior apoio
instrumental, emocional e psicológico.

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Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

Neste sentido, os domínios rurais podem constituir-se como meios favorecidos pela
promoção de redes de relação em que cada sujeito conhece os nomes, vida, saúde dos
outros membros da comunidade, reduzindo a ameaça de ficar no anonimato e no
esquecimento.

Por sua vez, envelhecer em meio urbano pode significar correr o risco de acabar a vida
cada vez mais só, menosprezado, sem qualquer visibilidade social. Para muitos dos idosos
que vivem em cidades de grandes dimensões, as redes sociais de apoio são frágeis e o
suporte social é insuficiente.

Consequentemente, os idosos que vivem em meios urbanos podem encontrar-se


envolvidos no anonimato, com uma menor intimidade entre as pessoas, o que pode
resultar numa diminuição da qualidade de vida.

3.3.3.A reforma

Um dos acontecimentos mais marcantes, nesta fase do ciclo de vida, é a extinção da


atividade laboral, que leva a uma certa inatividade.

O tempo que antes era investido na atividade profissional pode ser encarado
negativamente pelo idoso, já que suas as rotinas estão alteradas. Assim, essa inatividade
pode ter repercussões negativas na saúde e no bem-estar do idoso.

Também existe a crença que a partir da reforma do indivíduo inicia-se a velhice, e que tal
corresponde a uma perda, declínio e deterioração das capacidades funcionais. Crença esta
que não corresponde à realidade, a reforma marca a perda de papéis sociais ativos, mas
não a deterioração mental.

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Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

Esta mudança implica a diminuição de recursos económicos, a diminuição de oportunidade


de contactos sociais e um maior tempo livre. O grande desafio centra-se em reorganizar o
seu quotidiano.

A reforma tem consequências distintas, o que para uns é encarado muito positivamente,
não o é, em muitos dos casos, para outros.

Quem encara mal a reforma, normalmente vê-se a braços com:


 A falta da agitação do local de trabalho, dos colegas e amigos com quem
compartilhava os dias;
 Sente que o tempo se vai tornando mais pesado e os dias cada vez mais longos;
 Em muitos casos, quando o lugar ocupado era prestigiante, sentem falta do
prestígio e reconhecimento;
 O facto de estarem quase sempre em casa pode levar a uma frequência nas
discussões com o conjugue, principalmente se são ambos reformados e estão
juntos vinte e quatro horas por dia;
 O alinhamento das tarefas domésticas pode também causar algum tipo de
frustração.

Se a reforma for planeada, não será um choque para a pessoa e esta já terá escolhido uma
forma de continuar a ser útil e ativa em sociedade, de acordo com as suas condições quer
físicas, quer psicológicas.

Todas as mudanças despoletadas pela reforma vão permitir ao sujeito uma nova
reformulação de valores, rotinas e objetivos.

O idoso deverá descentrar-se da profissão e centrar-se na vida familiar e em ocupações de


tempos livres que fomentem o envolvimento e a participação social.

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Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

3.3.4.Coabitação/conflito de gerações

A família é o lugar primordial das trocas intergeracionais. É aí que as gerações se


encontram e interagem de forma intensa. É o lugar da troca, da entreajuda incondicional.

As solidariedades familiares são uma fonte inesgotável de entreajuda, apesar de se


encontrarem expostas às perturbações sociodemográficas das sociedades modernas.

Aumenta o número de famílias trigeracionais, com desenvolvimento e reforço do topo,


chegando a haver mais avós do que netos. Esta estrutura familiar multigeracional implica,
não somente uma maior longevidade, mas também fracas distâncias geracionais.

Esta maior sobrevivência das gerações beneficia, no presente, de um aumento da


esperança de vida nas idades mais avançadas e de uma fecundidade precoce da geração
intercala.

O tempo que as distancia é menor do que virá a ser no futuro e a permanência de quatro
gerações em simultâneo repete-se em maior número de casos.

No entanto, é agora menos frequente a coabitação dos pais idosos com os seus filhos
adultos e, em contrapartida, maior a proporção de idosos que vivem sós.

A velhice adquiriu maior visibilidade com o aumento absoluto e relativo do número de


idosos e o prolongamento da terceira fase do ciclo de vida. Aumentou também o número e
a frequência de casos problemáticos de isolamento e abandono que constituem um campo
vasto de intervenção dos agentes sociais.

A "culpa da família" é a razão fácil a que se acomoda o agente social para justificar a
existência do problema. O sentimento de culpabilização que daí decorre, especialmente

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Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

para as mulheres, filhas ou noras, sempre potenciais cuidadoras, não é desejável nem
profícuo para a resolução do problema.

É necessário conhecer melhor os modos de solidariedade, os tipos de entreajuda, as trocas


entre as várias gerações, de modo a avaliar as potencialidades das solidariedades
familiares.

3.3.5.Respostas institucionais

As redes sociais de apoio têm assim uma importância fundamental na resolução destes
problemas. A definição de rede social de apoio surge de imediato ligada a um resultado em
termos do bem-estar do homem, promovendo especialmente a sua saúde mental.

As redes sociais de apoio, mais não são do que formas como as ligações humanas se
estruturam como sistemas de apoio (para manutenção e promoção da saúde das pessoas)
e os recursos que são partilhados entre os membros desse sistema”.

Deste modo, podemos dividir as redes sociais de apoio à pessoa idosa em dois grupos
principais: as redes de apoio formal e as redes de apoio informal. O apoio que estas duas
redes prestam é basicamente de dois tipos: apoio psicológico, ligado ao bem-estar
psicológico, e apoio instrumental, que consiste na ajuda física em situações de diminuição
das capacidades funcionais dos idosos.

No grupo constituído pelas redes de apoio formal, incluem-se serviços estatais de


segurança social e os organizados pelo poder local tais como: Lares para a Terceira Idade,
Serviços de Apoio Domiciliário, Centros de Dia.

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Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

Neste conjunto destacam-se as instituições privadas de solidariedade social, a maioria delas


ligadas, direta ou indiretamente, à Igreja Católica, sendo outras do tipo associações
profissionais, todas beneficiando de algum apoio do Estado

Nas redes de apoio informal, estão incluídos por um lado as famílias do próprio idoso e por
outro, os amigos e os vizinhos.

O papel da família constitui o apoio necessário aos indivíduos na última fase da sua vida,
quando as suas capacidades funcionais diminuem e a autonomia não é mais possível.

Com a evolução da sociedade, o papel da família tem vindo a reduzir-se e a tornar-se mais
difícil, a que não é alheio, entre outros aspetos, o trabalho feminino e a própria exiguidade
das habitações. A família tem ainda um papel muito importante no apoio instrumental ao
idoso e também no seu bem-estar psicológico.

Quanto ao apoio informal prestado pelos amigos e vizinhos, parece desempenhar também
um papel preponderante no apoio à velhice, principalmente no ponto de vista emocional e
também na ajuda instrumental, verificando-se esta última mais em situações de ausência
de familiares.

Com tudo isto, podemos concluir e afirmar que a presença de redes sociais é um dado
decisivo para a qualidade de vida dos idosos e para o envelhecimento ativo.

Os contactos sociais facilitam o ajuste social, que também é uma forma de se chegar ao
bom envelhecimento. É neste sentido que a dimensão relacional assume um papel
importante na promoção da saúde, nomeadamente, na saúde mental.

3.3.6.Pensar novas respostas

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Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

O modelo Ecológico de Bem-Estar encara como variáveis para a promoção de um


envelhecimento bem-sucedido: a integração pessoal, inserida no contexto de rede social do
indivíduo (competências positivas de sociabilidade e relacionamento); o autocuidado, para
a proteção e manutenção das funções e bem-estar; e o bem-estar qualitativo, integrado no
quotidiano com um significado pessoal em termos emocionais e espirituais.

Neste sentido, as práticas de promoção de um envelhecimento bem sucedido passam por


seis preceitos:

 Transmissão de informação - sobre competências de bem-estar e factores de risco


específicos;
 Universalidade da informação - através de atividades em grupo, partilha de
preocupações e problemas com vista à tomada de consciência e desenvolvimento
de estratégias de enfrentamento;
 Construção de coesão grupal - pela formação de laços afetivos entre os elementos
do grupo, para criação de uma identidade grupal;
 Promoção de esperança - desenvolvendo encorajamento, otimismo e estímulo de
valores positivos, direcionados para problemas de saúde dos elementos do grupo;
 Fomento do altruísmo – através do fortalecimento de um sentido de
responsabilidade e cuidado solidário entre os elementos;
 Aprendizagem interpessoal - para resolução de problemas em grupo, explorando
diversas técnicas, competências, atitudes e perspetivas.

Para tal, deverá verificar-se a existência de informação sobre aspetos e cuidados de saúde,
a presença de um ambiente seguro e tranquilo, o fomento de sentimentos positivos, de
laços sociais coesos com a família e amigos e de uma vertente espiritual, a criação de uma
rede social de ajuda e de apoio, a possibilidade de ouvir música e de deslocação física, a
adoção de atividades baseadas nas escolhas pessoais assim como de estratégias de
enfrentamento relativas à mudança e perda por parte dos indivíduos

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Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

É necessário mudar de paradigma para com a velhice, encarando-a como uma «etapa de
vida que significa plenitude, e não declínio inevitável; marca de sucesso, e não de
fracasso»

Para que a velhice se apresente como uma realidade viva é necessário:

 Desmistificar o conceito de velhice, por se encontrar impregnado de crenças e


estereótipos que fomentam a Gerontofobia;
 Conceder oportunidades às pessoas de idade para que seja um tempo de status, de
crescimento, desenvolvimento e de afirmação;
 Redescobrir o significado da velhice, tendo consciência social de que os idosos
garantem a continuidade, a estabilidade social e a transmissão de valores;
 Reconquistar o papel do idoso na família e na comunidade, invertendo os processos
de desvalorização dos não produtivos e a exclusão social;
 Reformar as nossas mentalidades (tornando-as compatíveis com as estruturas
demográficas), reinventar completamente a velhice e remodelar as nossa
instituições, para que as idades avançadas passem a ter um valor quer económico,
quer social.

É na procura de soluções que permitam atuar, fundamentalmente, ao nível da prevenção,


que se deve investir para que, num futuro próximo, casos de idosos a viver situações de
exclusão sejam apenas imagens do passado.

Apesar de serem múltiplos os direitos dos idosos, já consagrados na moldura legislativa,


infelizmente alguns deles não são cumpridos nem respeitados no nosso país.

Assim, é dever de todo o cidadão responsável fazer com que estes direitos sejam
implementados e respeitados, à semelhança de todos os demais direitos humanos, e agir
com justiça em relação ao idoso de hoje, por forma a garantirmos o futuro do idoso da
amanhã.

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Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

Cabe, portanto, à sociedade assumir a defesa dos concidadãos idosos, com base numa
solidariedade intergeracional consciente e sem reservas, deixando, assim, a terceira idade
de ser objeto de olhares pejorativos e passar a ser respeitada, pois, ao fazermo-lo,
estamos de certa forma a cuidar de nós próprios e de todos aqueles que um dia atingirão
tal condição.

3.4.A pessoa idosa noutras civilizações

O processo de envelhecimento é tratado de forma diferenciada de acordo com a sociedade


analisada.

As representações sobre a velhice, a idade a partir da qual os indivíduos são considerados


velhos, a posição social dos velhos e o tratamento que lhes é dado pelos mais jovens
ganham significados particulares em contextos históricos, sociais e culturais distintos.

A pesquisa antropológica demonstra, assim, que a idade não é um dado da natureza, não é
um princípio naturalmente constitutivo de grupos sociais, nem um fator explicativo dos
comportamentos humanos.

Historicamente, envelhecer era sinónimo de vida abastada, pois os pobres raramente


chegavam à velhice.

Nas sociedades ditas primitivas, nas quais não existia essa conceção cronológica presente
no pensamento ocidental, o que orienta a ação dos seus membros é a conceção de
maturidade dos indivíduos e não ‘datações detalhadas’.

Nas sociedades tribais, os grandes rituais de passagem são rituais da trajetória da vida e
essa trajetória é marcada não por princípios biológicos, mas pelo lugar social que aquela
sociedade considera fundamental para marcar a saída da infância ou a entrada na
adolescência e na velhice.

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Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

Nos Himalaias, as famílias são patriarcais, respeitadas, possuem papéis multigeracionais


bem definidos e zelam pelos seus idosos, sobrevivem de seu trabalho na lavoura e sabem
ler. No entanto, os idosos sem filhos e analfabetos são desprezados pela sociedade,
contando apenas com o apoio dos parentes consanguíneos para sobreviver.

Para os Bambara do Mali, a velhice representa uma conquista, e o envelhecimento um


processo durante do qual o homem aprende, enriquece e fica cada vez mais nobre. Nesse
grupo, a vida social é organizada de acordo com o princípio da “senioridade”, sendo a
idade, portanto, um elemento determinante da posição social dos indivíduos na sociedade:
envelhecer é conquistar um lugar socialmente valorizado.

No entanto, pesquisas de carácter etnológico fazem referência a sociedades como os


Yakute, na Sibéria, os Ainos no Japão e os Thoinga, na África, que matam seus velhos de
fome ou de frio.

Os koriak e os Chukchee, localizadas na Sibéria, matam seus velhos durante uma cerimônia
especial, enquanto os Breek e Crow, localizados na África do Sul, abandonam os velhos em
uma cabana, fora da aldeia, enquanto os esquimós “esquecem-nos na neve ou em um iglu
para que morram de frio.

Os Incas permaneciam cativos até os 50 anos, podendo ser recrutados para o exército ou
serviços comunitários. A partir dos 80 anos, passavam a executar tarefas de pequeno
porte, mas continuavam a ser temidos e obedecidos por todos, tendo poder, inclusive, para
castigar crianças desobedientes.

As famílias dos Vikings eram trigeracionais, conviviam em grupos e se ajudavam


mutuamente. No entanto, em situações de crise, idosos e recém-nascidos eram
abandonados, pois os provimentos existentes eram destinados aos mais jovens e
saudáveis, mantenedores dos grupos.

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Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

Entre os balineses os papéis eram bem definidos, mas com o passar do tempo, as tarefas
dos idosos aumentavam devido ao respeito e a experiência que acumulavam: as mulheres
cuidavam da família, os homens não exerciam trabalhos físicos, mas assumiam papel de
médico e contador de histórias, eram sacerdotes honorários dos templos e opinavam sobre
o rumo da aldeia.

Entre os russos, o provérbio "onde estão os cabelos brancos está a razão" direcionava a
comunidade ao respeito e obediência aos anciãos, chefes das famílias. Os homens eram
responsáveis pela assistência aos pais idosos e, por essa razão, somente eles tinham direito
à herança paterna. As mulheres idosas, sem qualquer direito à herança, dirigiam as tarefas
domésticas e as dividiam com as mais jovens.

Os árabes idosos da civilização islâmica eram respeitados como mestres por sua
consciência, alto padrão moral e conhecimento profundo dos assuntos da sociedade.

Podemos concluir que, em muitas culturas e civilizações, o idoso não é mais que um velho,
ultrapassado, um fracasso do potencial do ser humano; mas noutras, o idoso é visto com
respeito, admiração e até veneração, representando para os mais novos um manancial de
experiência, do saber acumulado, da prudência e da reflexão.

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Velhice – ciclo vital e aspetos sociais

Bibliografia

AA VV., Constituição de uma rede de cuidados: interação com a família e o meio social do
idoso, manual de formação, Ed. Santa Casa de Misericórdia de Mértola

Cerqueira, M., Imagens do envelhecimento e da velhice: um estudo na sociedade


portuguesa, Dissertação de Doutoramento em Ciências da Saúde, Universidade de Aveiro,
2010

Fernandes, A. Velhice e sociedade: demografia, famílias e políticas sociais em Portugal. , Ed.


Celta, 1997

Ramilo, T., Manual de psicologia do idoso, Instituto Monitor, 2000

Documentos eletrónicos

Simões, C. “Velhice: realidade vivida ou imagem sofrida?”


http://cassiopeia.esel.ipleiria.pt/esel_eventos/files/1808_Celia_Simoes__Painel_3__427f842
fab6c6.pdf

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