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RECREAÇÃO

E
LAZER

Salma Hernandez
Aspectos psicológicos e
sociológicos do lazer
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Analisar as construções históricas do lazer e a relação lazer/trabalho.


„„ Enumerar os efeitos psicológicos, sociais e fisiológicos diante das
atividades de lazer.
„„ Relacionar as atividades de lazer e o desenvolvimento pleno do ser.

Introdução
Neste capítulo, você vai estudar as diferentes compreensões do conceito
do lazer diante das concepções históricas e entender a relação do lazer
com o trabalho nas diferentes épocas conceituadas. O conceito de lazer
será reportado desde a época da antiguidade clássica, na civilização
grega, passando pela época medieval e o cristianismo até a modernidade,
evidenciando as principais mudanças ocorridas no que se entende como
lazer e sua relação com o trabalho.
Você vai descobrir quais são os efeitos psicológicos, sociais e fisioló-
gicos da prática do lazer e sua importância para a sociedade. Por fim, a
relação das atividades de lazer e o desenvolvimento do pleno ser serão
debatidos de maneira bastante reflexiva e aberta. Você poderá entender
a necessidade da prática de atividades de lazer e será capaz de realizar
uma crítica interna a respeito da realização das suas próprias atividades de
lazer e as possibilidades de promoção dessas atividades como atividade
profissional.
2 Aspectos psicológicos e sociológicos do lazer

Lazer e trabalho: recorte histórico


O significado de lazer apresenta diferentes conceitos de acordo com o contexto
histórico, cultural e social no qual é estudado. Partindo desse ponto, o que é
lazer para você?
Para a grande maioria das pessoas, é possível que o lazer esteja diretamente
relacionado com o inverso do tempo de trabalho, traduzido em “tempo livre”.
Para outros, pode ser que o lazer tenha relação definida com atividades de
recreação e culturalmente seja traduzido em “tempo com outras atividades
que não seja trabalho”. Já para outros, o lazer pode estar relacionado com
“recuperação das energias ou até mesmo esquecimento dos problemas”. In-
dependentemente do que você tenha imaginado para o significado de lazer,
é preciso voltar no tempo para conceituar suas definições dos primórdios da
civilização até os tempos modernos.
As primeiras noções do lazer e do trabalho foram concebidas na antiguidade
clássica, assim como quase todo o saber ocidental. Os gregos relacionavam o
lazer com o ócio, com a possibilidade de tempo para reflexão e contemplação,
isto é, um tempo para desprendimento das tarefas servis. Mas isso não significava
“não fazer nada” esse momento chamado lazer era tido como momento pensante
e reflexivo, como um momento de conhecimento da alma. Já a recreação e o
divertimento, conceitos que aceitamos como lazer hoje, eram relacionados
especificamente com as crianças ou o tempo entre ocupações, e não lazer.
Essas ocupações, por sua vez, relacionavam-se com as primeiras defi-
nições do que entendemos com trabalho nos tempos atuais. As ocupações,
na antiguidade clássica, eram tidas basicamente como três: labor (processo
fisiológico do existir e perpetuar a espécie por meio do esforço físico), poiesis
(produzir/fazer algo, produção manual) e práxis (a ação sem o uso da matéria:
o discurso, a palavra). O trabalho demonstrava a capacidade de o homem
fabricar, realizar ou fazer coisas por meio de instrumentos, provocando aquilo
que era artificial e, assim, o trabalho era tido como algo de caráter efêmero/
do tempo humano, ligado ao mundano.
Diante disso, surgiam também as primeiras manifestações das diferenças
sociais, como as entendemos hoje, pois o ócio era enfatizado apenas aos filóso-
fos (serem pensantes/racionais) e restrito àqueles que tinham outra ocupação,
como artesãos, lavradores e guerreiros, que deveriam estar em condições de
produzir e fazer a guerra. Nesse panorama, se inicia a nossa noção entre lazer
e trabalho, o lazer se evidencia para uma classe privilegiada/diferenciada/
pensante, porém, ainda havia muito para acontecer na história da humanidade
e nossos conceitos haviam de mudar.
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Com a decadência da civilização helênica e a preponderância de Roma,


nossos conceitos mudaram: a era cristã — novos valores na época medieval.
A ascensão de Roma proporcionou novos valores ao lazer e ao trabalho. Todas
as classes sociais eram aceitas, eram concedidos alguns direitos às mulheres
e o principal: a salvação após a morte enunciava a necessidade de rever os
conceitos anteriores baseados em uma figura central: Deus.
Essa concepção central de Deus modificou todas as compreensões anterio-
res, pois, a partir daquele momento, o homem passou a ser uma criação divina
portadora de razão, sentimentos e emoção e, consequentemente, responsável
isso e guiado pela moral de Deus. Lazer e trabalho passam a ser antagonistas:
lazer representado como perigo à purificação da alma, enquanto trabalho é o
meio para alcançar a salvação. O trabalho representava uma forma de “mostrar”
à Deus o merecimento aos céus, todo esforço obtido não poderia ter como
objetivo o acúmulo da riqueza ou a busca pelo supérfluo.
Ainda havia distinção das classes sociais que eram merecedoras do lazer:
somente poderiam gozar desse tempo aqueles que o fizessem na busca e nos
valores de Deus, por aprimoramento da família nos moldes cristãos e para
a manutenção do cristianismo como a única salvação. Sendo assim, muitos
servos e camponeses ainda não poderiam realizar o lazer, pois tinham que
mostrar com muito esforço que eram merecedores do tempo de Deus.
Dessa maneira, os conceitos de lazer e trabalho na época medieval serviram
como uma manobra de controle social e dominação do cristianismo, assim
como todos os outros costumes e a moral vividos na época. Porém, com a
implementação do capitalismo na Europa e os avanços ocorridos no “Século
do Ferro”, todo esse contexto iria mudar: a modernidade.
As mudanças provenientes da implementação do capitalismo e todos os
avanços na era do ferro resultaram em rupturas importantes do contexto histó-
rico, político e social do mundo. Uma nova ordenação de classe social surgiu: o
proletariado e o burguês e, novamente, os conceitos de lazer e trabalho tiveram
de se adequar aos novos padrões. O trabalho tinha por objetivo o acúmulo de
riquezas e não mais a salvação, e tal característica se fortaleceu com o início
da Revolução Industrial e a exploração da mão de obra assalariada. Novamente
existiam as diferenças entre as classes sociais e suas vantagens. A Revolução
Francesa também influenciou todo o sistema do capitalismo, pois permitiu que
os burgueses pudessem ascender nas classes sociais em busca de melhorias
utilizando dos ideais liberdade, igualdade e fraternidade.
Dessa maneira, o trabalho passa a ser supervalorizado na era do capitalismo:
o homem como centro do universo em busca da manutenção de sua riqueza e/
ou o acúmulo de riqueza para aqueles que detêm o capital. Diante desse novo
4 Aspectos psicológicos e sociológicos do lazer

panorama do trabalho, o lazer passa a ser não mais um tempo de contempla-


ção nem um tempo para servir a Deus, e sim uma reivindicação de tempo
disponível conquistado sobre o trabalho, sobretudo uma reivindicação social.
O lazer, então, foi conceituado não somente como tempo livre das obriga-
ções, mas também foi associado ao que se era privado pelo trabalho: a iniciativa,
a criatividade e a responsabilidade. Dessa maneira, engloba a necessidade de
compensar a insatisfação causada pelo trabalho, a recuperação das energias
para o exercício laboral, as frustações, a fuga dos problemas, as possibilidades
de consumo de bens e serviços e a recreação.
Esses conceitos de lazer e trabalho trazidos pelo capitalismo são as noções
mais próximas que traduzimos em trabalho e lazer na atualidade. A relação
entre lazer e trabalho já foi antagônica, no entanto, pode ser considerada como
dialética, pois permite a complementação de uma à outra e, dessa maneira, se
distancia das possibilidades obtidas nas eras anteriores, como tempo apenas
para refletir, criticar, pensar e servir a Deus.
Se pensarmos no trabalho e no lazer como possibilidades sociais vigentes no
sistema capitalista, podemos assumir que ambos são importantes e necessários
para que o sistema se mantenha funcionando, mas, principalmente, são manei-
ras de conquistar nossos desejos, sejam eles sociais, materiais ou filosóficos.
Ao se destacar a importância do lazer como necessidade à sobrevivência
humana, destaca-se também o importante papel que essa prática proporciona
ao indivíduo como ser individual e singular, dotado de necessidades e possi-
bilidades de experimentações diferentes. Que possibilidades de “re-ações” a
prática do lazer pode nos proporcionar como indivíduos praticantes? Quais
são os efeitos da prática do lazer? No tópico a seguir, serão tratados os efeitos
oriundos da prática do lazer regular.

Vamos refletir sobre o que é o ócio e o lazer? O vídeo


a seguir conceitua esses fenômenos e promove uma
reflexão interessante.

https://goo.gl/7Z5hWU
Aspectos psicológicos e sociológicos do lazer 5

Afinal, para que serve o lazer?


Parece ser indiscutível a necessidade da prática do lazer no modelo de vida atual.
Porém, para que devemos praticar o lazer? Considerando todas as conquistas e
os conhecimentos acerca do lazer desde a antiguidade clássica, nos parece ser
razoável que o lazer é uma necessidade básica de sobrevivência no nosso sistema
capitalista de vida. Pesquisas evidenciam o lazer como uma real necessidade hu-
mana e alertam que poucas pessoas se permitem realizá-lo como tal e, ainda, que
existem poucas pesquisas com enfoque nessa necessidade e suas consequências.
Por ser um conceito bastante amplo, a discussão sobre o que é o lazer é
relativa. Se para alguns a prática do lazer pode envolver hábitos de vida sau-
dável, como praticar atividade física e ter uma boa alimentação, para outros
pode se relacionar com a busca por atividades que promovam cultura, como
ir ao teatro, ao cinema, etc., enquanto para outros, ainda, pode ser relacionada
com o descanso para recuperação das energias, dormir, viajar e ir à praia.
Ainda, para alguns, pode ser entendida como a possiblidade de jogar, brincar
e recreacionar, seja física ou virtualmente. Indiscutivelmente há uma necessi-
dade de complementar o tempo fora do trabalho com atividades que sejam, no
mínimo, prazerosas e/ou recompensadoras. Essas atividades de lazer são de
suma importância para a sobrevivência humana, pois promovem ajustes que
nos permitem perpetuar nossa espécie. Se não tivéssemos nosso entendimento
e nossa vivência sobre o que é o lazer, provavelmente não estaríamos aqui
hoje, pois padeceríamos de tanto trabalhar.
Focando especificamente nos benefícios da prática de atividades de lazer,
poderíamos observar três aspectos principais: os efeitos psicológicos, os efeitos
sociais e os efeitos fisiológicos.
O primeiro diz respeito, em especial, ao comportamento humano, ou
seja, como nos sentimos ao realizarmos atividades prazerosas, as nossas
possibilidades de mudanças no estado de humor diante dessas atividades, a
possibilidade de superar condições como traumas e doenças psicossomáticas,
como depressão, ansiedade, dentre outras. O estudo realizado por Pondé e
Caroso (2003) mostrou que existe uma relação positiva entre o lazer, a saúde
mental e o bem-estar, e também que o lazer funciona como amortecedor do
estresse em humanos. Para esses autores, é importante ainda que sejam levados
em consideração os contextos cultural e social dos indivíduos praticantes do
lazer, a fim de se encontrar resultados positivos.
Uma aplicação prática dos efeitos psicológicos da prática do lazer poderia
ser a prática de meditações regulares. Alguns estudos evidenciam que a prática
da meditação é capaz de alterar nossas ondas cerebrais mediando sensação de
6 Aspectos psicológicos e sociológicos do lazer

calma, paz, equilíbrio e autoconhecimento. Algumas práticas envolvem medi-


tação associada à prática de atividade física, como a ioga. Essa atividade, por
se tratar de uma prática tanto mental quanto física, tem um potencial elevado
no que diz respeito aos efeitos esperados, pois apresenta dois estímulos senso-
riais e motores distintos e que são realizados ao mesmo tempo. É importante
destacar que não é somente a prática de uma atividade em si que promove
essas alterações em seus praticantes, mas, sim, a afinidade, a habilidade e o
prazer associados a essa prática de lazer que resultarão nesses benefícios. Por
exemplo, enquanto para alguns pode ser extremamente prazeroso praticar aulas
de dança, para outros pode representar um terror enorme, o que significa que
praticar lazer também tem relação com fazer o que se gosta.
Já o segundo aspecto, os efeitos sociais, evidencia a necessidade do lazer
para nossa sociedade. Praticar atividades que envolvam outras pessoas nos força
ao relacionamento mútuo, como entender, criticar e, sobretudo, respeitar o outro
com quem se realiza a atividade. Alguns estudiosos evidenciam que, quando
praticados exercícios em grupos, são promovidos benefícios que refletem a
melhora na saúde física e mental dos praticantes tanto quanto a prática dos
exercícios em si. Tal fenômeno pode ser entendido como “interação social”.
Além disso, os efeitos sociais da prática do lazer também são uma ferramenta
de transformação e uma possibilidade de ascensão política, uma vez que, por
meio da reflexão, da crítica, do conhecimento e do respeito, podemos promover
propostas sólidas para nossas necessidades como seres humanos.
Segundo a pesquisadora Christianne Luce Gomes (2014), o lazer faz in-
tegração do campo das práticas humanas, nas construções subjetivas e ob-
jetivas dos sujeitos e, dessa forma, define a relação histórico-social do lazer
na dimensão humana. A Copa Vidigal, realizada na favela da cidade do Rio
de Janeiro, representa um bom exemplo das promoções sociais relacionadas
ao lazer. A copa de futebol realizada nessa área de extrema violência e forte
atuação de traficantes propiciou as sensações de vitória, derrota, por meio da
prática do esporte, e, principalmente, união e paz entre os praticantes e afins.
As mudanças fisiológicas promovidas pelas atividades de lazer são as mais
comumente investigadas pelos estudiosos e envolvem as alterações fisio e
bioquímicas que ocorrem durante a prática dessas atividades, como a liberação
de neurotransmissores relacionados ao bem-estar e à saúde e as alterações nas
condições musculoesqueléticas que também promovem benefícios à saúde.
Essas alterações fisiológicas explicam como as práticas de atividades de lazer
alteram as mudanças comportamentais humanas promovendo saúde, bem-estar
e qualidade de vida no geral e, geralmente, estão mais ligadas à pratica de
atividade de lazer ativo, como realizar atividades físicas.
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Ao iniciar uma atividade como a corrida, por exemplo, há um aumento


na perfusão de sangue no cérebro, mediando maior quantidade da síntese
de serotonina e noradrenalina, que são neurotransmissores relacionados ao
humor, ao controle da ansiedade e à depressão. Outra possibilidade de atuação
fisiológica mediada por uma atividade de lazer pode estar associada ao prazer
da prática da atividade em si, por exemplo, ir ao cinema e ao teatro ou realizar
qualquer outra atividade cultural têm o mesmo “potencial desencadeador”
do exemplo citado da corrida, o que muda pode ser a quantidade de estímulo
gerado pelo prazer de correr ou de assistir ao cinema. Mais uma vez destaca-se
a importância da empatia da prática da atividade de lazer com seu praticante,
não há benefícios a se esperar de uma prática não prazerosa.
É importante ressalvar que os benefícios da prática das atividades de lazer
são necessários em todas as faixas etárias do ser humano. Para que tenhamos
resultados mais concretos, são mais produtivas as atividades de lazer que
envolvam alguma forma de atividade física em relação àquelas atividades
de lazer que são sedentárias. É por esse motivo que as atividades de lazer e
recreação são pertinentes ao profissional de educação física, pois ele tem, em
tese, a capacidade de propor atividades que promovam um gasto energético
(atividade física) de maneira prazerosa, proporcionando benefícios à saúde e
qualidade de vida em atividades de lazer.
Assim, analisando amplamente a discussão realizada até aqui e levando
em consideração os contextos histórico, político e social que envolvem a
conceituação do lazer e também os efeitos proporcionados por sua prática
regular, podemos culminar em outra importante implicação das atividades de
lazer: a formação do pleno ser. No próximo tópico, você verá como a prática
de lazer se relaciona com a formação do pleno ser e também refletirá como
pode realizar essa importante tarefa para nossa existência.

Você sabe por que o lazer é relacionado com a educação


física? Assista ao vídeo do professor Lino Castelani Filho e
entenda como essa relação é dada.

https://goo.gl/ps7RjD
8 Aspectos psicológicos e sociológicos do lazer

Lazer: ferramenta de transformação


Agora que já entendemos o conceito do lazer, sua relação com o trabalho e os
benefícios que essa prática pode nos proporcionar,é importante entender como
o lazer pode atuar de maneira eficaz na sociedade como agente transformador
do pleno ser.
Diante do exposto anteriormente, o constructo do lazer se evidencia de
forma dialética com o trabalho. É imprescindível termos tempo disponível
para atividades de lazer quando não estamos trabalhando. Essa temática é
tão importante que é garantida em lei pela Constituição Federal brasileira
(BRASIL, 1988, documento on-line):

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a mo-


radia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à mater-
nidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Garantida em lei, a oportunidade ao lazer deve ser proporcionada desde a


infância, a fim de que ela experimente os benefícios dessa prática e tenha a
capacidade de definir suas preferências, além de desenvolver seu papel social.
Nesse sentido, destaca-se também o papel educacional que o lazer promove. A
criança existe enquanto brinca. E quando brinca de maneira livre e espontânea,
desenvolve a capacidade de tomada de decisões e interesses, a possibilidade
do contato face a face e do trabalho grupal e a percepção da realidade. Vamos
imaginar, por exemplo, que existam crianças brincando de “esconde-esconde”
na rua de suas casas. Quais “regras” terão que seguir/desenvolver? Poderão
entrar nas casas de outrem para se esconder? Poderão gritar em demasia na
rua onde possam existir pessoas incomodadas com o barulho? Esses aspectos
serão definidos, vivenciados e testados durante a prática da brincadeira, mas
poderão repercutir toda a vida das crianças que aprendem brincando.
Para Requixa (1979, p. 21):

[...] a educação é hoje entendida como o grande veículo para o desenvolvimento,


e o lazer, um excelente e suave instrumento para impulsionar o indivíduo a
desenvolver-se, a aperfeiçoar-se, a ampliar os seus interesses e a sua esfera
de responsabilidades.

Além disso, diminui as diferenças sociais, uma vez que, inseridos na mesma
atividade, o lazer pode promover equidade entre os participantes, isto é, a
capacidade dos envolvidos de serem julgados com retidão, imparcialidade e
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justiça sob a mesma tarefa. Enquanto brincam de “bola queimada”, as crianças


podem experimentar a possibilidade da existência de diferenças entre elas e
de como irão lidar com isso. Por exemplo, ao ter crianças com uma grande
diferença de idade ou menor habilidade motora para essa brincadeira, poderão
desenvolver regras que permitam que todos possam participar. As crianças
mais novas poderão ter “mais vidas”, sendo “queimadas” mais vezes sem
ter que sair da brincadeira rapidamente. Nesse sentido, se relaciona o lazer
como promotor da equidade, na possibilidade de que todos possam brincar,
independentemente de suas limitações de idade ou habilidades motoras.
Já na fase da adolescência, o lazer reforça a capacidade crítica e reflexiva
sobre as possibilidades de escolhas e consequências, ponto fundamental na
formação do indivíduo adulto e sua personalidade. Nessa fase de vida, ainda
estão mais evidentes as escolhas por atividades de lazer relacionadas ao jogo e
à recreação e suas possibilidades com o trabalho em grupo. As atividades em
forma de desafios geralmente são bem aceitas por esses indivíduos. Embora
as estatísticas mostrem que os adolescentes estão cada vez mais sedentários, o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) traz, em seu art. 59, a importância
e o compromisso do direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer: “Os
municípios, com apoio dos estados e da União, estimularão e facilitarão a
destinação de recursos e espaços para programações culturais, esportivas e
de lazer voltadas para a infância e a juventude” (BRASIL, 1990, documento
on-line). Assim, reafirma que as oportunidades de vivências do lazer constituem
papel fundamental na formação do ser humano.
No entanto, quando na fase adulta, o lazer passa por uma espécie de ruptura
conceitual do brincar e recreacionar, passando a ser relacionar diretamente
com o trabalho. Se iniciam as buscas por formas mais sedentárias do lazer, a
fim do revigoramento necessário para as práticas laborais. Os dados relativos
à prática de atividades físicas reforçam esses dados ao evidenciarem que
aproximadamente 60% da população adulta brasileira é sedentária. Nessa
fase da vida, as atividades de lazer concentram-se em atividades passivas,
como assistir TV, ir ao cinema ou ao teatro, descansar, viajar, etc. Exata-
mente nessa fase da vida existe uma relação da procura ou da necessidade do
trabalho para a sobrevivência, a emancipação da maioridade em nossa visão
capitalista propõe, sobretudo, que, para ser você, tem que ter,e que para ter,
você tem que conquistar por meio de seu esforço/trabalho. Assim, pautados
nesse pensamento, parece-nos razoável que tenhamos que empenhar muito
mais esforços nas atividades de trabalho do que de lazer.
Na velhice, as atividades de lazer devem ser mantidas e/ou aumentadas. De
acordo com o Estatuto do Idoso, os idosos devem ter acesso a atividades que pro-
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porcionem descanso, diversão e acesso à cultura, que possibilitem refletir, criticar


e respeitar, além de promoverem saúde e bem-estar (art.20) (BRASIL, 2003). “A
melhor idade”, como é referida essa fase da vida, reflete a possibilidade da vivência
plena como ser humano. Há possibilidade da experimentação de atividades que não
puderam ser vivenciadas anteriormente, seja por atividades laborais ou familiares.
Talvez a velhice, ou “melhor idade”, em nosso modelo atual de vida, represente o
momento em que se pode realizar uma reflexão, lembrança e reexperimentação
de todo o tempo de lazer outrora praticado. Também nessa fase da vida há em si
uma proposta de aproveitamento melhor do tempo livre, uma vez que muitos já
se encontram aposentados das atividades laborais e também em razão da grande
oferta de programas e atividades de lazer para essa população em específico.
Conquanto os benefícios da prática das atividades de lazer se evidenciem
bastante positivas, ainda há de se considerar as barreiras à prática dessas ati-
vidades. Afinal, se é tão importante para o desenvolvimento do ser humano
de maneira plena, por que é que as pessoas não praticam mais? Inicialmente,
podemos destacar a visão bastante preconceituosa que carregamos ainda sobre
os conceitos de ócio, lazer, tempo livre e suas ocupações. É bastante comum
agregarmos valores como “vagabundo”, “vadiagem” e “à toa” para as pessoas
que utilizam o tempo fora do trabalho com atividades de descanso, reflexão ou
contemplação. A nossa visão moderna do trabalho, suas conquistas e sobretudo
nossa maneira capitalista de viver parece nos pressionar para a busca incessante
de atividades que possam produzir algum resultado palpável, material e rentável.
Não é incomum vermos crianças e adolescentes atolados de atividades
extracurriculares, sejam elas culturais, esportivas, de lazer ou educação. Os
adultos evidenciam uma espécie de prisão do tempo útil exigindo autopunição
para aqueles que “pensam em fazer nada”. Na velhice, parece que não sabemos
exercer outra atividade que não envolva o fato de ficarmos sentados esperando
que as atividades venham até nós.
Soma-se a essa ideia do “antilazer” a falta de estruturas básicas para a
promoção de atividades de lazer que possam ser realizadas com segurança,
conforto e em contato com a natureza. Nosso caos urbano engoliu nossas
praças, parques e natureza em busca da produtividade incessante de algo.
Por fim, destaca-se o fato de que, embora considerados em lei, o acesso às
atividades de lazer e recreação não são, ou nunca foram, uma prioridade para
os detentores políticos e as classes mais abastadas da sociedade.
A significação do constructo do lazer e suas dimensões psicológicas, fisio-
lógicas e sociais na possibilidade da formação do pleno ser somente poderão
ser entendidas e experimentadas se cada um de nós empregarmos tempo, ação
e importância para tal. Cabe a cada um de nós proporcionar o que temos de
Aspectos psicológicos e sociológicos do lazer 11

melhor a nós mesmos como indivíduos e espalharmos essa possibilidade como


profissionais e membros de uma sociedade.
Ao longo deste capítulo, você analisou toda a história do conceito do lazer e do
trabalho, desde a antiguidade clássica, permeando a era medieval e a era cristã,
até a modernidade atual. Nesses períodos, foi possível destacar as mudanças
ocorridas nas relações de lazer e trabalho, bem como perceber as diferenças
entre as classes sociais vigentes em cada época tratada. Além disso, foi possível
identificar os benefícios oriundos da prática do lazer nos aspectos psicológicos,
fisiológicos e sociais de seus praticantes. Por fim, e não menos importante, foi
observado o quanto o lazer pode ser atuante na formação do pleno ser, promo-
vendo autoconhecimento e melhor visão do mundo e de seus semelhantes como
membros de uma sociedade em constante crescimento e mudança.

As músicas O que e Comida, de Arnaldo Antunes, fazem


alusão aos nossos conceitos de trabalho e lazer e suas
necessidades. Você é capaz de refletir sobre a crítica desse
artista? Acesse:

https://goo.gl/AaQqdM

Programa Trabalho Social com Idosos


Por meio do Serviço Social do Comércio (Sesc), são oferecidos inúmeros cursos, palestras e
viagens desenvolvidos exclusivamente para o público idoso. O Sesc é uma entidade privada
que tem como objetivo proporcionar o bem-estar e a qualidade de vida aos trabalhadores
desse setor e sua família. Sua base conceitual é a Carta da Paz Social e sua ação é fruto de
um sólido projeto cultural e educativo que trouxe, desde a criação pelo empresariado do
comércio e serviços em 1946, a marca da inovação e da transformação social.
O Programa Trabalho Social com Idosos visa a promover, principalmente, sociabi-
lização, reflexão sobre o envelhecimento, desenvolvimento de novas habilidades e
integração com as demais gerações por meio de atividades socioculturais e educativas,
voltadas ao cidadão acima de 60 anos.
Fonte: SESC-SP ([2018]).
12 Aspectos psicológicos e sociológicos do lazer

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.
Acesso em: 16 ago. 2018.
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF, 1990. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l8069.htm>. Acesso em: 16 ago. 2018.
BRASIL. Lei nº 10.741, de 01 de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do idoso e dá
outras providências. Brasília, DF, 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/LEIS/2003/L10.741.htm>. Acesso em: 16 ago. 2018.
GOMES, C. L. Lazer: necessidade humana e dimensão da cultura. Revista Brasileira de
Estudos do Lazer, Belo Horizonte, v. 1, n.1, p. 3-20, jan./abr. 2014.
PONDÉ, M. P.; CARDOSO, C. Lazer como fator de proteção da saúde mental. Revista de
Ciências Médicas, Campinas, v. 12, n. 2, p. 163-172, 2003.
REQUIXA, R. Conceitos de lazer. Revista Brasileira de Educação Física e Desporto, São
Paulo, n. 42, p. 11-21, 1979.
SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO DE SÃO PAULO (SESC-SP). Programa trabalho social
com idoso. [2018]. Disponível em: <https://www.sescsp.org.br/programacao/4395_PR
OGRAMA+TRABALHO+SOCIAL+COM+IDOSOS#/content=programação. Acesso em:
16 ago. 2018.

Leituras recomendadas
ARENDT, H. A condição humana. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993.
BORTOLETO, E. Efeitos do lazer na saúde consciencial. Conscientia, v. 18, n. 4, p. 382-
393, out./dez., 2014.
CASTILHO, C. T. Entrevista com Chris Rojek: percurso acadêmico e aproximação com
os estudos do lazer. Revista Brasileira de Estudos do Lazer, Belo Horizonte, v. 1, n.1, p.133-
149, jan./abr. 2014.
CHAUÍ, M. S. Primeira filosofia: lições introdutórias. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.
DE MASI, D. O ócio criativo: entrevista a Maria Serena Palieri. Rio de Janeiro: Sexante, 2000.
DUMAZEDIER, J. Lazer e cultura popular. 3. ed.São Paulo: Perspectiva, 2001.
DUMAZEDIER, J. Sociologia empírica do lazer. 2. ed. São Paulo:Perspectiva, 2000.
GOMES, C. L. Verbete lazer: concepções. In: GOMES, C. L. (Org.). Dicionário crítico do
lazer. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. p.119-126.
Aspectos psicológicos e sociológicos do lazer 13

MARCELLINO, N. C. Lazer e humanização. 3. ed. Campinas: Papirus, 1983.


MARCELLINO, N. C. Estudos do lazer: uma introdução. 4. ed. Campinas: Autores Asso-
ciados, 2002.
STEBBINS, R. A. Quando o trabalho é essencialmente lazer. Revista Brasileira de Estudos
do Lazer, Belo Horizonte, v. 1, n.1, p. 42-56, jan./abr. 2014.
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
Conteúdo:

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