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A Responsabilidade como matéria da fase de cumprimento da decisão trabalhista

1. Introdução

A premissa a ser enfrentada neste artigo é a de que a responsabilidade constitui


matéria de execução, especialmente na esfera trabalhista. Há uma razão para isso, que acabou
sendo distorcida e fragilizada por nossa preocupação em proteger patrimônio de quem toma
trabalho por meio de interposta pessoa, refletida nos termos da Súmula 331 do TST, editada
em 1993. O processo comum, que resistiu a essa distorção até 2015, acabou albergando um
procedimento que subverte a ordem processual e fragiliza tal compreensão da posição que o
garantidor de uma dívida assume diante da relação social a que está vinculado, e da própria
função que o Poder Judiciário assume diante de um litígio.
A prática de ser obrigado a demandar inclusive contra a tomadora do trabalho,
exigida pela Súmula 331 do TST, introduziu uma lógica que prejudica não apenas os
litigantes, mas a própria função jurisdicional. Insustentável da perspectiva jurídica, tem
efeitos deletérios na realidade das relações de trabalho. As prestadoras muitas vezes se
sucedem em favor de uma mesma tomadora, verdadeira beneficiária da força de trabalho, e
cuja posição jurídica e social lhe garante a exploração de tempo de vida sem qualquer
responsabilidade efetiva, no mínimo em todas aquelas situações nas quais o trabalhador,
constrangido por seguir ali trabalhando, não a inclui no polo passivo de sua demanda
trabalhista.
A mudança de compreensão do instituto da responsabilidade, na Súmula 331
do TST, no CPC de 2015 e na contrarreforma da Lei 13.467/2017, através do esdrúxulo
instituto do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, vai na contramão da
evolução da ciência processual, boicota o objetivo constitucional de prestação de tutela
jurisdicional eficaz e compromete o pacto contido na Constituição de 1988, na exata medida
em que constitui estímulo ao descumprimento das normas jurídicas. O sistema jurídico
trabalhista é avesso à necessidade de instauração de incidente ou mesmo à exigência de
procedimento cognitivo (de mera declaração, portanto), em face do garante, cuja
responsabilidade, nos termos do art. 4º da LEF, segue sendo tema afeto à fase de
cumprimento da decisão judicial.
2. A Racionalidade do Processo do Trabalho e a Execução

O processo do trabalho só existe em razão de uma racionalidade diversa, que se


impôs ao longo da história das relações de trabalho no Brasil ((SEVERO, 2015). Se assim não
fosse, teríamos regras materiais trabalhistas, mas em caso de conflito de interesses,
remeteríamos às partes à disciplina do processo comum. O Decreto 1.237, em 02 de maio de
1939, que institui a Justiça do Trabalho, deixa clara essa compreensão de que o instrumento a
regular a intervenção estatal nas relações entre capital e trabalho deve ser diferente, simples,
de modo a permitir amplo acesso à justiça e efetividade1.
A racionalidade do processo do trabalho, portanto, aparta-se daquela que
justifica historicamente a existência de um processo civil e que é bem explicada nessa
passagem:

A ciência do processo civil nascera, portanto, irremediavelmente


comprometida com os ideais do liberalismo político do Século XIX: ao mesmo
tempo em que lhe cabia oferecer às partes um procedimento suficientemente
amplo, capaz de assegurar ao cidadão-litigante a plenitude da defesa em juízo,
e ao Estado condições para que o magistrado decidisse com a segurança que o
exaustivo tratamento probatório do conflito lhe daria; o procedimento haveria
de esgotar as possíveis questões litigiosas, de modo a assegurar, para sempre,
com a máxima amplitude da coisa julgada, por tal modo obtida, o resultado
prático alcançado pelo litigante vitorioso. (...) A tentativa de eliminação dos
insuprimíveis vínculos de ligação entre direito material e processo fez-se com
tal profundidade e eficácia que somente agora, passados bem mais de cem
anos, tornou-se possível não ainda o resgate, mas uma tímida tentativa de
recuperar a ideia de que a jurisdição e, portanto, o processo são instituições
criadas pelo Estado com a exclusiva finalidade de realizar a ordem jurídica que
ele próprio estabelece (BAPTISTA DA SILVA, 1997, p. 64).

A diferença entre a racionalidade do processo do trabalho e aquela do processo


civil, hoje em parte superada por uma doutrina contemporânea que resultou inclusive
alteração no texto da Constituição2, pode ser bem compreendida pelo fato de que a realização
do direito material por força de intervenção estatal forçada (execução) era até pouco tempo
concebida como uma consequência não desejada, nem mesmo necessária, do processo de
conhecimento. O pressuposto era o de que a mera exortação constante na sentença

1
Refere textualmente que o processo do trabalho é gestado como forma de reação "contra a lentidão, a
complexidade e o formalismo do processo commum”, e por isso mesmo é ditado pela “oralidade, pela
gratuidade, pela concentração e pela simplicidade”. A razão é simples. Como afirma o Decreto, o Estado "não
pôde ser neutro, nem abstencionista, deante das perturbações collectivas, deixando as forças sociaes entregues
aos proprios impulsos”.
2
Com a introdução de um inciso no artigo 5º, para estabelecer o direito fundamental “a razoável duração do
processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (Inciso LXXVIII, introduzido pela EC 45 de
2004).
“condenatória” seria suficiente para que o devedor cumprisse espontaneamente suas
obrigações3. Essa irresponsabilidade com a realização do Direito se reflete em práticas atuais,
que contaminam até mesmo o processo do trabalho, em face, especialmente, de uma cultura
jurídica que nos incentiva a pensá-lo a partir do processo civil, negando sua razão de
existência4.
Quando o assunto é a responsabilidade pelo pagamento de dívida reconhecida
pelo Estado, é mesmo impressionante perceber o quanto a doutrina ainda parte do pressuposto
de que a execução de um título judicial retira do devedor o que até então é seu patrimônio.
Apenas nas ações possessórias se reconhece haver restituição de um bem que desde sempre
pertenceu ao patrimônio do autor da demanda (BAPTISTA DA SILVA, 1997, p. 56-8),
quando na realidade a cobrança de uma dívida nada mais é do que a recuperação de um
crédito que desde sempre deveria haver permanecido e pertence ao patrimônio do credor5.
Há, portanto, uma necessidade premente, sobretudo a partir da destruição
operada pela contrarreforma da Lei 13.467/2017, de resgatar o sentido e as regras do processo
do trabalho, reconhecendo-o como instrumento diferenciado, historicamente construído para
permitir a realização de um direito cujo caráter alimentar é inconteste6.

3
Daí a razão pela qual até 2005, o processo de conhecimento era separado do processo de execução, por
exemplo. Regra que explicita esse compromisso do processo civil com a lógica liberal de proteção ao patrimônio
e sua pouca preocupação com a satisfação dos direitos, é aquela do art. 805 do CPC, segundo a qual a execução
(mesmo definitiva, ou seja, quando o Estado já declarou definitivamente a lesão ao ordenamento jurídico) deve
se dar pelo modo menos gravoso para o devedor, ou seja, mesmo quando cumpre sua própria decisão, o Estado
não manifesta preocupação com os interesses do credor que sofreu (e provou em juízo) lesão aos seus direitos.
Preocupa-se em preservar o patrimônio do devedor. É claro que essa regra, que se mantém no ordenamento
jurídico-processual comum, passa a ter que conviver com outras, cuja redação já reflete uma compreensão
diferenciada do processo, como é o caso do Art. 4º do CPC: “As partes têm o direito de obter em prazo razoável
a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.
4
Os entraves para a concessão de tutelas de urgência que importem satisfação do direito são prova disso. No
caso da Justiça do Trabalho, a dificuldade em lidar com uma racionalidade que se comprometa com a efetividade
do direito, em lugar de comprometer-se com a proteção ao patrimônio do devedor é tamanha, que há Súmula do
TST (414) permitindo o manejo de mandado de segurança contra decisão interlocutória fundamentada, proferida
em sede de tutela antecipada, hipótese que em nada se amolda à previsão da Lei 12.016/2009. A Seção
Especializada em Execução do TRT da 4ª Região tem inclusive Orientação Jurisprudencial no sentido de que
regras que conferem efetividade ao processo, como aquelas dos art. 520 e 521 do CPC, não são aplicáveis ao
processo do trabalho (OJ Nº 79), quando a compreensão da razão histórica pela qual temos processo do trabalho
indicaria exatamente o contrário. Como ensina Ovídio, ainda estamos comprometidos com a ideia de que se o
juiz apenas aplica a lei, sem interferir no patrimônio do devedor, a injustiça é do legislador, e não dele.
BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Processo e Ideologia. O Paradigma Racionalista. Rio de Janeiro: Forense,
2004, p. 16. Embora haja um claro movimento pela superação dessa racionalidade, inclusive no âmbito cível, o
fato é que ainda estamos muito longe de superá-la e a não-percepção disso é elemento da dificuldade que temos
em lidar com matérias como a da responsabilidade.
5
Como já mencionei, até mesmo quando são inseridas no CPC regras que de algum modo fragilizam essa
racionalidade de proteção ao patrimônio, como é o caso das tutelas de urgência, “o intérprete e aplicador da lei,
impregnado da lógica reacionária do direito e do processo comuns, vê-se, na prática, quase que com a obrigação
de afastar esse efeito da lei, como se fosse uma sentinela, cuja função é segurar as eventuais fragilizações do
legislador”. SEVERO, Valdete Souto. SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O processo do trabalho como instrumento
do direito do trabalho e as ideias fora de lugar do novo CPC. São Paulo: LTr, 2015, p. 07.
6
Como dissemos em outro texto, “o processo é instrumento de efetivação do direito material e se o direito
material ao qual o processo civil está voltado é o direito civil, com uma lógica liberal, é óbvio que o processo
civil reflete esse sentimento. Estudar o processo do trabalho a partir dessa raiz é desconsiderar a própria razão de
3. Responsabilidade: matéria de execução

A execução de um título judicial orienta-se contra quem consta no título como


devedor. Não há novidade nisso. Também não há novidade no fato de que pessoas que não
constam no título executivo possuem legitimidade passiva, ainda que extraordinária, para
responder pelo débito. A doutrina, por isso mesmo, classifica a legitimidade processual
passiva em ordinária e extraordinária, identificando essa última como a legitimidade para ser
chamado a responder por um débito já constituído no processo, em face de previsão legal ou
contratual7.
Apenas depois de formado o título executivo faz sentido perquirir a existência
de legitimados extraordinários. Além disso, essa necessidade se dá tão somente nas hipóteses
em que houver resistência do devedor em satisfazer seu débito8. O título forma-se, portanto,
contra o devedor e havendo satisfação da dívida, não há interesse jurídico para que os
responsáveis sejam demandados em juízo. Trata-se da compreensão de processo como
expressão de um conflito de interesses que não se esgota na figura dos litigantes, pois há
partes envolvidas na relação material trazida à discussão processual, que são partes no litígio
mesmo não sendo partes no processo.
A própria noção de coisa julgada dá conta disso, pois embora seja caracterizada
como a qualidade que torna imutável a decisão judicial e que, portanto, em linha de princípio
atinge e obriga apenas os litigantes9, é certo que deverá ser respeitada e cumprida por
terceiros, sempre que os afetar, direta ou indiretamente10. Daí porque há, no processo comum,

afastar o direito do trabalho do direito civil, negando vida concreta aos direitos trabalhistas”. SEVERO, Valdete
Souto. SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O processo do trabalho como instrumento do direito do trabalho e as ideias
fora de lugar do novo CPC. São Paulo: LTr, 2015, p. 10.
7
Edilton Meireles faz referência ao fato de que o ordenamento jurídico expressamente autoriza o direcionamento
da execução em face de quem não consta no título executivo: “terceiros também estão legitimados, via de regra,
por fatos supervenientes à constituição do crédito, por força de Lei ou em decorrência da relação de direito
material mantida com o credor ou devedor primários”. MEIRELES, Edilton. A Função do Título Executivo e a
Legitimidade na Execução. Revista LTr, São Paulo, n. 64-05, maio, 2000, p. 609-613. Por isso, Cláudio Armando
Couce de Menezes afirma em artigo publicado em 2002, que “nada justifica que o credor deva ajuizar nova ação
cognitiva para que seja certificada a responsabilidade passiva secundária do devedor solidário ou subsidiário,
cujo nome não consta do título executivo, se já possui título executivo lhe autorizando a demandar em
execução”. MENEZES, Cláudio Armando Couce de. Legitimidade Ad Causam na Execução. Revista Genesis,
Curitiba, n. 20 (117), setembro, 2002, p. 355.
8
O fiador, que garante a dívida do afiançado e, por isso, é parte em um conflito de interesses que envolva o
objeto da fiança, mas só deverá ser chamado em demanda judicial se aquele por ele garantido negar-se a pagar
seu débito. Sua condição de garante é justamente essa: garantir a satisfação da dívida, em caso de inadimplência.
9
CPC, Art. 506. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros.
10
Luiz Guilherme Marinoni refere que os terceiros juridicamente interessados, que não forem parte no processo,
“podem ser alcançados pelos efeitos reflexos da sentença”. MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio
Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 639. Escreve a
palavra “terceiro” entre aspas, justamente porque manifesta o entendimento de que tais pessoas estão de certo
hipóteses em que admitida a intervenção de terceiros no processo ou regras que comprometem
pessoas que não são parte da lide11. É a pretensão (material) que irá definir não apenas os
limites objetivos, como também os limites subjetivos da coisa julgada. Desse modo, as
pessoas diretamente envolvidas no litígio serão atingidas pela coisa julgada, ainda que de
modo reflexo12.
A pretensão é caracterizada pela doutrina como a exigibilidade, a possibilidade
de exigir, por exemplo, um crédito, porque decorrido o prazo para o seu adimplemento.
Portanto, há pretensão independentemente do ajuizamento de demanda de cognição, pois ela
tem origem na relação material. Não é a declaração contida numa sentença condenatória que
irá criar a possibilidade de exigir o cumprimento da obrigação, mas sim a violação que já
ocorreu no mundo dos fatos. A pretensão material é, portanto, a possibilidade de exigir o
crédito de quem é responsável por seu pagamento, enquanto a pretensão processual é
caracterizada pela doutrina como a possibilidade de exigir a atuação estatal, para a satisfação
desse crédito13. Essa exigibilidade estará sempre relacionada ao descumprimento de uma
obrigação e, portanto, à questão que precede o processo.
Pois bem, quando a obrigação é solidária, ou seja, várias pessoas são
responsáveis pelo adimplemento do crédito, seja em razão de disposição contratual seja por
imposição legal, o credor pode escolher contra quem irá demandar. E, se precisar formar título
judicial para exigir que o Estado persiga seu crédito, terá de fazê-lo contra o “devedor
principal”. Em tal caso, fatalmente haverá pessoas que, sendo parte na relação social que dá
origem ao processo, porque assumiram a condição de garantidoras do débito ou porque são

modo envolvidas no conflito de interesses. No mesmo sentido, Luiz Fux afirma que “há terceiros que não as
partes, e que ficam sujeitos ao julgado” e cita como exemplo a hipótese de legitimação extraordinária em que o
dito terceiro, “malgrado não atue como parte, é sujeito da lide”; FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil.
V. I, 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 2005., p. 833.
11
Como é o caso, entre outras, da regra contida no Art. 515, § 2º , do CPC: “A autocomposição judicial pode
envolver sujeito estranho ao processo e versar sobre relação jurídica que não tenha sido deduzida em juízo”.
12
José Maria Tesheiner, em artigo no qual examina os limites subjetivos da coisa julgada, refere a hipótese em
que é reconhecida a existência de uma relação jurídica de emprego entre A e B, oponível ao INSS, ainda que não
tenha figurado como parte no processo. O INSS não sofreria, em tal caso, o efeito da coisa julgada, mas teria
certamente de respeitar a declaração contida na sentença, não podendo desconhecer a realidade de que existe um
contrato de emprego entre A e B. Desse modo, aduz Tesheiner, a doutrina de Liebman penetrou na
jurisprudência, “decidindo-se que o tempo de serviço reconhecido pela Justiça do Trabalho, em procedimento
contencioso, com produção de provas, sentença de mérito e sua confirmação pela instância revisora, não pode ser
desprezado pela Previdência Social” TESHEINER, José Maria. Autoridade E Eficácia Da Sentença - Crítica À
Teoria De Liebman. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, nº 03, jan/fev /2000, p. 16 e seguintes.
13
Pontes de Miranda menciona que “o poder de exigir a prestação é a pretensão; aquele a quem ela se dirige é o
obrigado”. PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado. Parte Geral. Tomo V. Atualizado por Vilson
Rodrigues Alves. 1ª ed. São Paulo: Bookseller Editora e Distribuidora, 2000, p. 287. Em seguida, menciona que
“pretensão é a posição subjetiva de poder exigir de outrem alguma prestação positiva ou negativa” (p. 503).
Concebe pretensão real e pessoal, pretensão de direito material e de direito processual, distinguindo-as do
conceito de ação. Tanto uma pessoa pode pretender-se credor de outrem (pretensão material), quanto pode
pretender instar o Poder Judiciário a reconhecer essa realidade (pretensão de direito processual), como também
pode exercer tal pretensão (ação).
assim consideradas por imposição legal, não comporão desde logo o processo14, exatamente
porque não há interesse jurídico para isso, enquanto não verificada a inadimplência do
devedor principal.
Essa questão era absolutamente tranquila na doutrina e na jurisprudência,
inclusive em razão de disposição expressa do CPC, que facultava a hipótese de chamamento
ao processo15, mas não o impunha. Aliás, ainda hoje, o CPC de 2015 não impõe o
chamamento ao processo16. A lógica dessa faculdade era justamente a compreensão de que a
responsabilidade é matéria de execução, o que aliás estava explícito nos termos dos artigos
595 e 596 do CPC de 197317, e que ainda hoje encontra amparo na regra dos artigos 275 e
seguintes do Código Civil, quando tratam da responsabilidade solidária18. Ora, só há direito
exigível através do Estado, de quem é responsável pela dívida, quando já existe dívida, ou
seja, título executivo não pago pelo devedor.
O Código Civil refere-se à pretensão material, ou seja, à possibilidade de exigir
diretamente do devedor ou do responsável. Ocorre que o monopólio de jurisdição se qualifica

14
Por isso mesmo, Francesco Carnelutti ressalta que “não é raro que as pessoas sujeitas a coisas julgadas sejam
diferentes das que conduziram o processo”, havendo necessidade de distinguir entre o conceito de parte em
sentido material e de parte em sentido formal. Enquanto o sujeito em sentido material é aquele cujo interesse
substancial está em jogo, o sujeito em sentido formal se identifica com aquele que figura como parte no
processo. Dessa sorte, “quem aparece como terceiro não o é, porque o que acontece é que seu litígio foi deduzido
no processo por meio da ação de pessoas distintas”. CARNELUTTI, Francesco. Sistema de Direito Processual
Civil. V. I, São Paulo: Classic Book, 2000, p. 428-9.
15
Art. 77 do CPC de 1973: “É admissível o chamamento ao processo: I - do devedor, na ação em que o fiador
for réu; II - dos outros fiadores, quando para a ação for citado apenas um deles; III - de todos os devedores
solidários, quando o credor exigir de um ou de alguns deles, parcial ou totalmente, a dívida comum.
Art. 78. Para que o juiz declare, na mesma sentença, as responsabilidades dos obrigados, a que se refere o artigo
antecedente, o réu requererá, no prazo para contestar, a citação do chamado. Art. 79. O juiz suspenderá o
processo, mandando observar, quanto à citação e aos prazos, o disposto nos arts. 72 e 74. Art. 80. A sentença,
que julgar procedente a ação, condenando os devedores, valerá como título executivo, em favor do que satisfizer
a dívida, para exigi-la, por inteiro, do devedor principal, ou de cada um dos co-devedores a sua quota, na
proporção que lhes tocar.
16
Art. 130 do CPC de 2015. É admissível o chamamento ao processo, requerido pelo réu: I - do afiançado, na
ação em que o fiador for réu; II - dos demais fiadores, na ação proposta contra um ou alguns deles; III - dos
demais devedores solidários, quando o credor exigir de um ou de alguns o pagamento da dívida comum. Art.
131. A citação daqueles que devam figurar em litisconsórcio passivo será requerida pelo réu na contestação e
deve ser promovida no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de ficar sem efeito o chamamento. Parágrafo único. Se
o chamado residir em outra comarca, seção ou subseção judiciárias, ou em lugar incerto, o prazo será de 2 (dois)
meses. Art. 132. A sentença de procedência valerá como título executivo em favor do réu que satisfizer a dívida,
a fim de que possa exigi-la, por inteiro, do devedor principal, ou, de cada um dos codevedores, a sua quota, na
proporção que lhes tocar.
17
Artigo 595: “O fiador, quando executado, poderá nomear à penhora bens livres e desembargados do devedor.
Os bens do fiador ficarão, porém, sujeitos à execução, se os do devedor forem insuficientes à satisfação do
direito do credor”.
Art. 596. Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos
em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro excutidos os bens
da sociedade. § 1º Cumpre ao sócio, que alegar o benefício deste artigo, nomear bens da sociedade, sitos na
mesma comarca, livres e desembargados, quantos bastem para pagar o débito. § 2º Aplica-se aos casos deste
artigo o disposto no parágrafo único do artigo anterior.
18
Art. 275. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a
dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados
solidariamente pelo resto. Parágrafo único. Não importará renúncia da solidariedade a propositura de ação pelo
credor contra um ou alguns dos devedores.
justamente como a impossibilidade de exigir diretamente um crédito, quando não há certeza
de sua existência. E mesmo quando essa certeza existe, a realização de atos expropriatórios
dependerá de intervenção estatal.
Então, tratando-se de título executivo reconhecido por lei como tal
(extrajudicial), a demanda executiva pode ser proposta contra todos os legitimados (constem
eles ou não, no título, como devedores), exatamente porque é do credor a faculdade de exigir
de todos ou de alguns dos responsáveis, o seu crédito. De outra parte, tratando-se de título
judicial, só há exigibilidade em face dos responsáveis quando, formado o título, houver a
verificação de que o patrimônio do devedor não existe ou não está sendo encontrado. Só então
há falar em interesse jurídico para trazer aos autos o patrimônio dos responsáveis.
Na fase de cumprimento de decisão judicial que reconhece direito de crédito,
os atos do Estado voltam-se à localização e expropriação do patrimônio que em realidade
pertence ao credor e, portanto, deve para ele retornar.
É o título executivo que confere ao Estado a possibilidade de perseguir o
patrimônio do devedor, onde quer que esse patrimônio esteja. Se não está mais em mãos do
devedor, mas sim na de “terceiro” que presumidamente beneficiou-se diretamente (sócio,
sucessor, responsável), deverá o Estado direcionar os atos de expropriação aos bens desses
sujeitos, que embora sejam considerados terceiros em âmbito processual (até que haja o
redirecionamento e sua inclusão no polo passivo da demanda), foram desde sempre “sujeitos
do litígio”. Por isso que tanto os artigos 595 e 596 do CPC de 1973, quanto o art. 4º da LEF
referem a possibilidade de que o garantidor do crédito indique bens do devedor, livres e
capazes de suportar a execução. A excussão de bens dos responsáveis pressupõe, portanto, a
inexistência de patrimônio do devedor (ou a dificuldade em sua localização).
É a partir dessa compreensão de responsabilidade que ingressa no ordenamento
jurídico a chamada disregard doctrine19. Seu substrato é a possibilidade de retirar o véu que

19
O debate sobre a teoria da desconsideração da personalidade jurídica foi introduzido no direito brasileiro por
Rubens Requião, em artigo publicado em 1961. O autor apresenta sua visionária afirmação de que “a função
social do direito, que se refere, sobretudo aos contratos e à propriedade, deve, pelo indivíduo ser atendida [...]. O
ato, embora conforme a lei, se for contrário a essa finalidade, é abusivo e, em consequência, atentatório ao
direito”. Explica que a doutrina foi desenvolvida pelos tribunais norte-americanos, para impedir “a fraude ou
abuso através do uso da personalidade jurídica, e é conhecida pela designação disregard of legal entity ou
também pela lifting the corporate veil. Se traduzíssemos as expressões referidas como desconsideração da
personalidade jurídica, ou ainda, como desestimação da personalidade jurídica”. E acrescenta que “O mais
curioso é que a disregard doctrine não visa a anular a personalidade jurídica, mas somente objetiva desconsiderar
no caso concreto dentro de seus limites, a pessoa jurídica, em relação às pessoas ou bens que atrás dela se
escondem. Quando o conceito de pessoa jurídica (corporate entity) se emprega para defraudar os credores, para
subtrair-se a uma obrigação existente, para desviar a aplicação de uma lei, para construir ou conservar um
monopólio ou para proteger velhacos ou delinqüentes, os tribunais poderão prescindir que a sociedade é um
conjunto de homens que participam ativamente de tais atos e farão justiça entre pessoas reais. Hoje os tribunais
norte-americanos alargaram ainda mais o conceito, aplicando a doutrina quando a consideração da pessoa
jurídica levar a um resultado injusto. Ora, diante do abuso de direito e da fraude no uso da personalidade
jurídica, o juiz brasileiro tem o direito de indagar, em seu livre convencimento, se há de consagrar a fraude ou o
encobre o patrimônio (através de uma personalidade jurídica, por exemplo), para descobrir em
que mãos ele foi parar. O pressuposto é que a fase de cumprimento de uma decisão judicial ou
a execução de um título extrajudicial persegue o patrimônio do credor, para devolvê-lo,
portanto, o Poder Judiciário deverá descobrir aonde esse patrimônio foi parar e recuperá-lo,
ainda que para isso precise desconsiderar ficções jurídicas. Autoriza-se, portanto, a
persecução de patrimônio dos sócios, sucessores, de empresa que compõe grupo econômico
ou daquela que tomou os serviços, ainda que não constem no respectivo título, sempre que a
realidade demonstrar esteja em poder deles o patrimônio que precisa ser devolvido ao
credor.20
Aplicada muito antes de sua previsão no Código de Defesa do Consumidor21,
no Código Civil22, no Código Tributário Nacional23 ou na Lei 9.605/9824, a disregard doctrine
não constrói novos conceitos. Apenas reconhece que o devedor solidário se sujeita a res
judicata já formada entre as partes originárias do processo. O devedor solidário é, desde o
início, parte no sentido de sujeito do litígio, pois mantém relação com o credor, podendo ou
não ser por ele demandado. Ora, essa faculdade outorgada pelo texto legal não poderá
implicar prejuízo ao credor, no sentido de impedir-lhe qualquer acesso ao devedor solidário,
em fase posterior do processo.
A partir do momento em que integra o polo passivo da demanda, o terceiro
responsável passa à condição de parte e, como tal, terá garantida a ampla defesa e o
contraditório, por meio do manejo dos embargos à execução.

abuso de direito, ou se deva desprezar a personalidade jurídica, para, penetrando em seu âmago, alcançar as
pessoas e bens que dentro dela se escondem para fins ilícitos ou abusivos”. REQUIÃO, Rubens. Abuso de
Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica. Disregard Doctrine. Revista dos Tribunais, São Paulo, n.
410, dezembro, 1969, p.12-6.
20
No âmbito da Justiça do Trabalho, essa compreensão legitimou, inclusive, o cancelamento da Súmula 205 do
TST, que impunha a participação de todas as sociedades formadoras do grupo econômico no pólo passivo da
demanda de conhecimento, como condição de possibilidade da execução.
21
CDC, Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do
consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos
estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de
insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. § 5º. A
personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados.
22
CC, Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela
confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber
intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens
particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica
23
CTN, Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias
resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: II - os
mandatários, prepostos e empregados; III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito
privado.
24
Lei 9.605/98 (Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao
meio ambiente, e dá outras providências)
Art. 4º. Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento
de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente
É possível defender essa compreensão da responsabilidade mesmo em âmbito
cível, apesar do que faz o CPC de 2015, ao introduzir a figura do Incidente de
Desconsideração da Personalidade Jurídica, “cabível em todas as fases do processo de
conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo
extrajudicial” (Art. 134).
O fato de que se mantém a redação do art. 275 do Código Civil, somada a
facultatividade do chamamento ao processo, impõe a compreensão sistemática de que esse
incidente só se tornará juridicamente relevante para o credor na fase de cumprimento da
decisão ou na execução de título extrajudicial, quando infrutífera a tentativa de constrição de
bens do devedor.
O estímulo a que o sócio seja arrolado já na petição inicial (§ 2º do Art. 134) é
não apenas a negação de toda a estrutura jurídica que sustenta a legitimidade extraordinária do
responsável, como também uma ode ao tumulto processual, pois implicará demandas com
multiplicidade de demandados e, pois, de citações, defesas, etc. Estimula, ainda, a confusão
entre as pretensões deduzidas em face de cada um dos demandados (devedor e responsáveis),
gerando consequências deletérias como aquela de condicionar a conciliação entre o autor e o
devedor à aquiescência do responsável, que nem deveria estar no processo na fase de
conhecimento e contra o qual o autor deduz pretensão absolutamente diversa daquelas que
propõe contra o devedor.

4. A impossibilidade de compatibilizar as regras do CPC com a legislação


trabalhista em matéria de execução

Toda a discussão feita acerca da responsabilidade como matéria de execução,


no tópico anterior, tem ainda mais pertinência na seara trabalhista. O processo do trabalho já
surge como processo único, em que a execução é apenas uma fase da reclamatória
(ALMEIDA, 1994, p. 69). Orienta-se pelas noções de simplicidade e efetividade. A dinâmica
inaugurada pela Súmula 331 do TST e traduzida no incidente (IDPJ) previsto no CPC de 2015
comprometem essa razão histórica para a existência de um procedimento próprio. Mas não é
só isso.
O CPC não é fonte subsidiária do processo do trabalho na fase de cumprimento
da decisão judicial25. Há uma razão para que a CLT expressamente refira a necessidade de
aplicação da Lei dos Executivos Fiscais, em questões relativas à execução para as quais seja
omissa, disciplinando a aplicação subsidiária de forma diversa daquela prevista para a fase
cognitiva do feito, prevista em seu art. 769. É que no processo do trabalho disposições como a
do parcelamento do débito, preocupação com a observância do modo menos gravoso para o
devedor e todas as demais regras que protegem patrimônio em detrimento de efetividade são
avessas à razão pela qual temos um procedimento trabalhista.
Nesse sentido, a introdução do art. 855A na CLT, pela Lei 13.467/2017, em
realidade uma cópia do art. 6° da Instrução Normativa 39 do TST26, determinando a aplicação
do IDPJ previsto nos artigos 134 e seguintes do CPC ao processo do trabalho não resiste à
análise sistemática da regulação da responsabilidade nesse campo do direito.
A CLT não faz referência à legitimidade para responder pelo débito
reconhecido em título executivo. A Lei dos Executivos Fiscais, entretanto, tem regra expressa
sobre isso. O artigo 4º da LEF autoriza a promoção de atos de execução contra os
responsáveis a qualquer título27.
Nessa condição estão não apenas as empresas que com a empregadora formal
compõem grupo econômico28, como os sócios, sucessores e tomadores de trabalho.
É claro que esse raciocínio jurídico, no caso dos tomadores de trabalho, parte
do pressuposto de que há possibilidade de terceirização lícita em nosso ordenamento jurídico.
Se atentarmos para o que dispõe o art.7º, inciso I, da Constituição, quando garante o direito
fundamental à relação de emprego, e para os termos dos artigos 2º e 3º da CLT, quando

25
Art. 889 - Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem
ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida
ativa da Fazenda Pública Federal.
26
Art. 855-A. Aplica-se ao processo do trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica
previsto nos arts. 133 a 137 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil. § 1º Da
decisão interlocutória que acolher ou rejeitar o incidente: I - na fase de cognição, não cabe recurso de imediato,
na forma do § 1o do art. 893 desta Consolidação; II - na fase de execução, cabe agravo de petição,
independentemente de garantia do juízo; III - cabe agravo interno se proferida pelo relator em incidente
instaurado originariamente no tribunal. § 2º A instauração do incidente suspenderá o processo, sem prejuízo de
concessão da tutela de urgência de natureza cautelar de que trata o art. 301 da Lei no 13.105, de 16 de março de
2015 (Código de Processo Civil).
27
Artigo 4º da Lei 6.830/80: execução fiscal poderá ser promovida contra: I - o devedor; II - o fiador; III - o
espólio; IV - a massa; V - o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou
pessoas jurídicas de direito privado; e VI - os sucessores a qualquer título.
§ 1º - Ressalvado o disposto no artigo 31, o síndico, o comissário, o liquidante, o inventariante e o administrador,
nos casos de falência, concordata, liquidação, inventário, insolvência ou concurso de credores, se, antes de
garantidos os créditos da Fazenda Pública, alienarem ou derem em garantia quaisquer dos bens administrados,
respondem, solidariamente, pelo valor desses bens.(...)
§ 3º - Os responsáveis, inclusive as pessoas indicadas no § 1º deste artigo, poderão nomear bens livres e
desembaraçados do devedor, tantos quantos bastem para pagar a dívida. Os bens dos responsáveis ficarão,
porém, sujeitos à execução, se os do devedor forem insuficientes à satisfação da dívida.
28
Razão pela qual foi cancelada a Súmula 205 do TST.
definem as figuras do empregado e do empregador, seremos forçados a concluir não haja
sequer espaço de licitude para qualquer espécie de terceirização em nosso ordenamento
jurídico, conclusão que se alinha com a noção de proteção e que, uma vez adotada, eliminaria
ou pelo menos reduziria potencialmente todos os danos que a terceirização causa, seja em
âmbito jurídico, seja, sobretudo, em âmbito social (SEVERO, 2016).
Esse artigo, entretanto, limita-se à análise da responsabilidade nas hipóteses em
que essa odiosa intermediação de força de trabalho já ocorreu e é considerada lícita em âmbito
judicial. Nesse caso, a responsabilidade da tomadora passa a constituir matéria de execução,
exatamente porque, pressuposta a licitude da intermediação, ela assume diante do contrato de
trabalho a posição de garante de todos os créditos ilegalmente subtraídos do trabalhador.
Haverá, pois, interesse jurídico para a persecução do seu patrimônio, sempre e tão somente
quando verificada a inadimplência e a ausência de bens do devedor principal.
A sustentação teórica da Súmula 331 do TST, editada em 1993 (BIAVASCHI),
para justificar a exigência de inclusão dos tomadores do trabalho no polo passivo da demanda
desde o seu ajuizamento, era a de que essas empresas não poderiam ser caracterizadas como
“responsáveis nos termos da lei” (expressão literal do artigo 4º antes referido), por ausência
de lei específica prevendo a responsabilidade.
O argumento pode ser afastado, sob a perspectiva de todas as regras de
responsabilidade que fundamentam a posição de garante, que o tomador do trabalho assume
ao dele se beneficiar29.
Atualmente, é ainda mais difícil sustentar tal premissa teórica, diante do
advento da Lei 13.429/2017, que altera dispositivos da Lei 6.109, sobre trabalho temporário30.

29
É possível referir os seguintes artigos do Código Civil nesse sentido: CC, Art. 186. Aquele que, por ação ou
omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Art.
927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em
lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os
direitos de outrem Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes
competir, ou em razão dele; Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam
sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente
pela reparação.
Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art.
932
30
Lei 6.019/74 - “Art. 2º Trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física contratada por uma empresa
de trabalho temporário que a coloca à disposição de uma empresa tomadora de serviços, para atender à
necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços. § 1º É
proibida a contratação de trabalho temporário para a substituição de trabalhadores em greve, salvo nos casos
previstos em lei. § 2º Considera-se complementar a demanda de serviços que seja oriunda de fatores
imprevisíveis ou, quando decorrente de fatores previsíveis, tenha natureza intermitente, periódica ou sazonal.
Art. 4º Empresa de trabalho temporário é a pessoa jurídica, devidamente registrada no Ministério do Trabalho,
responsável pela colocação de trabalhadores à disposição de outras empresas temporariamente.”
Há, ali, previsão literal de responsabilidade do tomador do trabalho31. Não abordarei aqui as
ilegitimidades que podem ser atribuídas a essa legislação, votada às pressas a partir de um
projeto de lei que tinha sido aprovado no Senado em 200232. Para os efeitos desse artigo,
importa considerar que sequer o argumento retórico que justificava a exigência ilegal de
propositura da demanda contra o tomador do trabalho não mais se sustenta, em âmbito
trabalhista.
A persecução da responsabilidade precisa voltar a ser concebida como matéria
de execução, afastando-se definitivamente a ilegal exigência contida na Súmula 331 do TST.
Além disso, o IDPJ não se amolda à efetividade necessária no processo do trabalho,
especialmente se considerarmos o fato de que a fase de cumprimento da decisão é o momento
em que o devedor, já reconhecido como tal pelo Estado, resiste em cumprir a ordem judicial e
devolver o patrimônio que indevidamente reteve ou tomou do empregado.
Por fim, cabe referir que a responsabilidade subsidiária a que se refere tanto a
Súmula 331 quanto a nova redação da Lei 6.019, nada mais é do que expressão tomada da
doutrina, utilizada para explicitar a solidariedade com benefício de ordem, ou seja, a
possibilidade que o garante tem de indicar bens do devedor principal, para que sejam
excutidos antes dos seus.
O parâmetro legal de responsabilidade, no processo do trabalho, é o artigo 4º
da LEF, que autoriza promoção de atos de execução contra o responsável. O § 3º desse artigo
dispõe expressamente que “Os responsáveis, inclusive as pessoas indicadas no § 1º deste
artigo, poderão nomear bens livres e desembaraçados do devedor, tantos quantos bastem
para pagar a dívida. Os bens dos responsáveis ficarão, porém, sujeitos à execução, se os do
devedor forem insuficientes à satisfação da dívida”.
Eis o conceito legal de responsabilidade subsidiária: a solidariedade com
benefício de ordem, que permite ao garante livrar-se da execução, desde que saiba indicar
bens do devedor principal para por ela responder. A necessária conclusão é de que no
processo do trabalho, mesmo após o desmanhce operado na CLT pela Lei 13.467/2017, não
há necessidade de interposição de incidente. Basta que, na fase de execução, não havendo
patrimônio suficiente em nome do executado, sejam indicados bens do responsável, para a
satisfação da dívida.

31
Art. 5A. § 3º É responsabilidade da contratante garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos
trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em
contrato. (..)§ 5º A empresa contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes
ao período em que ocorrer a prestação de serviços, e o recolhimento das contribuições previdenciárias observará
o disposto no art. 31 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991.
32
Enfrento esse tema em outro artigo: “A institucionalização da marchandage no Brasil: a inconstitucional Lei
13.429/2017”, encaminhado à publicação.
5. Conclusão

Desde pelo menos 2005, venho escrevendo sobre a necessidade de melhor


compreender a fase de execução e a questão da responsabilidade. De nada adianta um título
judicial que não se realiza. O trabalhador, ao acessar o Poder Judiciário Trabalhista, não busca
uma bela sentença, mas sim o ressarcimento de valores que lhe foram ilegalmente subtraídos.
É preciso, portanto, compreender que nessa fase processual já há uma
declaração do Estado acerca da ilegalidade praticada e a partir do momento em que citado
para pagar, o devedor – e todos aqueles que por ele garantem a satisfação do crédito – passa a
assumir a posição de quem resiste às ordens judiciais, às regras do jogo. Por isso mesmo, a
fase de execução direciona-se contra o patrimônio subtraído do autor, aonde quer que ele
esteja, e reclama atuação ágil, efetiva e, sobretudo, breve, por parte do Poder Judiciário.
Essa afirmação, que serve inclusive para a execução em âmbito cível, reveste-
se de especial gravidade quando o patrimônio a ser devolvido tem natureza alimentar.
Sob a perspectiva jurídica, parece muito claro que o credor não detém interesse
jurídico para demandar contra o responsável na fase de cognição, bastando que forme título
executivo judicial em face do empregador, pois o ordenamento reconhece a legitimidade
passiva (responsabilidade) para responder à fase de execução.
No processo do trabalho, os termos do art. 4º da LEF não deixam margem à
dúvida, tornando inaplicável – a partir de um exame sistemático do ordenamento jurídico
trabalhista e tendo presente sobretudo sua razão de existência – a utilização do IDPJ. Tal
incidente, aliás, só ingressará na realidade das demandas trabalhistas se provocado pelos
credores e terá como consequência a provável inviabilidade concreta de persecução de seus
créditos. Daí porque o resgate do que justifica historicamente o processo do trabalho e a
compreensão das regras acerca da responsabilidade constituam importantes elementos para
uma resistência que se revela fundamental.

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