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CONSELHO EDITORIAL E DE AVALIAÇÃO

Profa. Me. Angela Aparecida de Barros – UFMS, Campo Grande – MS.

Profa. Dra. Célia Beatriz Piatti – UFMS, Campo Grande – MS.

Profa. Me. Edinalva da Cruz Teixeira Sakai - UFMS, Campo Grande – MS.

Prof. Me. José Roberto Rodrigues de Oliveira - UFMS, Campo Grande – MS.

Profa. Me. Jucélia Souza da Silva - UFMS, Campo Grande – MS.

Profa. Dra. Maria do Socorro Silva – UFCG, Campina Grande – PB.

Profa. Me. Mariana Esteves de Oliveira - UFMS, Campo Grande – MS.

Prof. Me. Rafael Rossi - UFMS, Campo Grande – MS.

Prof. Dr. Vitor Henrique Paro – USP, São Paulo – SP.

Profa. Vanessa Franco Neto - UFMS, Campo Grande – MS.

Profa. Me. Camila de Oliveira da Silva - UFMS, Campo Grande/MS

Profa. Me. Clarice Simão Pereira - UFMS, Campo Grande/MS

Profa. Me. Luana Roberta de Oliveira Santos - UFMS, Campo Grande/MS

Profa. Me. Roberta Rocha Ribeiro - UFMS, Campo Grande/MS

Profa. Dra. Rosineide Magalhães de Sousa - UnB, Brasília/DF

Prof. Dr. Diovany Dofinger Ramos - UFMS, Campo Grande/MS

Prof. Dr. Marcus Vinícius Medeiros Pereira - UFMS, Campo Grande/MS

Prof. Me. Tyago José da Cruz - UFMS, Campo Grande/MS

Prof. Dr. Luis Alejandro Lasso Gutiérrez - UFMS, Campo Grande/MS

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ASSISTENTES:

Alexandre Keiji Matsuda

Rosana Monteiro dos Santos

TÉCNICO EM ASSUNTOS EDUCACIONAIS:

Danilo Mandetta

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DIRETRIZES PARA AUTORES

Os textos devem ser digitados em fonte Garamond, tamanho 12, justificado,


margens (superior, inferior, esquerda e direita) de 2 cm com espaçamento 1.5 cm. As
citações devem se enquadrar nas normas da ABNT. A extensão do texto deve ser de no
mínimo 10 e no máximo 25 laudas. Deve-se abordar uma reflexão sobre algum filme,
obra de arte, música, poesia, quadro, peça de teatro etc. que articule a temática abordada
à discussão do campesinato ou da questão agrária, capitalismo, cultura e identidade
camponesa, educação e educação do campo, enfim, que trate da obra em questão com
sua contribuição para e a partir dos interesses da classe trabalhadora. A periodicidade
do Boletim EDUCARTE é mensal.

O cabeçalho deve conter o título (e subtítulo, se houver) em fonte Garamond


tamanho 14 e negrito e centralizado, só a primeira letra em maiúsculo. Deve haver um
espaço de uma linha entre o título e o(s) nome(s) do(s) autor(es), que devem estar em
Garamond, tamanho 12 e alinhado à direita. Serão aceitos artigos de no máximo 04
autores. Inserir nota de rodapé em cada nome de autor, onde deve constar as respectivas
informações do mesmo, instituição(ões) a que pertence, bem como o endereço
eletrônico e endereço postal. No caso de mais de um autor, deve-se pular uma linha
entre eles. As informações da nota de rodapé devem estar em fonte Calibri tamanho 10.
O artigo submetido não deve conter qualquer indicação de autoria do texto, somente em
documento suplementar os autores deverão inserir o título, autoria, vínculo
institucional e dados para contato. A revista aceita textos em espanhol. Enviar o artigo
e o documento suplementar com autoria e título do texto para:
leducampo@gmail.com

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ISSN 2359-1595 - Vol. 07, n.01, Maio/2015.

Os retirantes: uma Mística construída por entre quadros e canções

Luana Roberta Oliveira de Medeiros Pereira1

Marcus Vinícius Medeiros Pereira2

Notas introdutórias

Este texto apresenta uma proposta pedagógica que explora diferentes produtos
artísticos que denunciam aspectos marcantes da realidade campesina brasileira relacionados
ao êxodo rural e às lutas por justiça social. O objetivo principal é conduzir os estudantes à
reflexão sobre o lugar que ocupam no mundo, realizando paralelos com a situação dos
retirantes que deixam sua terra guiados pela esperança de uma vida melhor. Espera-se
articular o trabalho curricular a partir de produtos e processos do campo artístico à
construção de uma Mística de encerramento das atividades e envio dos estudantes de volta
às suas comunidades.

As atividades propostas estão fundamentadas no modelo filosófico C(L)A(S)P


proposto pelo britânico Keith Swanwick (1979), a partir do qual ao fazer musical ativo
(Composição, Apreciação e Performance – abordadas de maneira integrada) é dada uma
centralidade nas propostas de trabalho, sendo subsidiado por atividades suporte (Literatura
– informações sobre música; e técnica – Skills, em inglês).
1 Professora Assistente na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Curso de Licenciatura em Educação
do Campo – LEduCampo, mestre em Música pela UFMG, contato luana.oliveira@ufms.br.
2 Professor Adjunto na Universidade Federal de Juiz de Fora, Departamento de Música – Instituto de Artes

de Design, doutor em Educação pela UFMS e mestre em Música pela UFMG, contato
marcus.medeiros@ufjf.edu.br.
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Como nos mostra Nascimento (2006), a população rural é vista, a partir de dados
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), como extremamente esquecida e
abandonada. De acordo com o autor, com o avanço do capitalismo – envolvendo a
mecanização, tecnologia e a substituição do trabalho humano pela robotização – três
princípios se desenvolveram na realidade camponesa:

Primeiro, o princípio de um desenvolvimento desigual entre as


agroindústrias e os pequenos agricultores. Segundo, o princípio de um
processo excludente que gerou a grande massa de migrantes, os
retirantes em êxodo que, expulsos e deserdados da terra, incham as
grandes e médias cidades do país e o Estado de Goiás não é exceção
fazendo com que se crie problemas como: violência, transculturação e
aculturação, desemprego e desesperança. Os mais jovens são aqueles que
mais sofrem com tal realidade. Terceiro, o princípio de um modelo de
agricultura que produz relações sociais atrasadas e modernas. A lógica do
capital gerou, no meio rural, três conseqüências drásticas e desiguais: a
concentração da propriedade e da renda, a concentração urbana com
índices altos de desemprego e intensificação da violência e a dominação
do urbano sobre o rural (NASCIMENTO, 2006, p. 871).

Dessa forma, entendendo a educação do campo como uma tentativa de construir


uma educação popular a partir dos camponeses, de suas memórias coletivas, da sua
realidade e dos anseios de cada localidade (NASCIMENTO, 2009, p. 1), a presente
proposta pode ser tomada como um convite à exploração da arte como propulsora de
reflexões, denúncias e potente instrumento de luta diante do cenário em que os alunos
estão inseridos. Moscal (2010) corrobora, refletindo sobre a música no Movimento dos
Sem Terra (MST):

A música no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra cria


caminhos, possui agência, está na marcha, comunica a luta, é embebida
da tradição da terra e também flui em outros espaços, quando fala ao
corpo ou expressa emoções como o amor. Inspiração apresenta-se como
uma categoria imersa na individualidade, mas sua expressão tem nas
interações sociais temáticas e linguagens (MOSCAL, 2010, p. 9, grifos no
original).

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Da Mística

Como se pretende que as atividades aqui propostas culminem com uma Mística
relacionada ao tema, julgou-se oportuno apresentar algumas reflexões sobre este momento
significativo do processo de ensino-aprendizagem envolvido nas propostas da educação do
campo.

Souza (2007, p. 451), em um estudo sobre as produções acadêmicas acerca da


educação do campo, comenta que a Mística tem sido objeto de várias pesquisas,
configurando-se como um exemplo de experiência coletiva, pois resgata os valores da
resistência na luta pela terra e da permanência nela.

O uso da palavra “Mística”, como nos mostra Comerlatto (2010, p. 67), aponta
para o início do século V, inspirada nas tradições orientais: “(...) o vocábulo não tem uma
origem cristã e nem se trata de uma doutrina surgida com esta inspiração religiosa”. Para
este autor, a Mística faz parte do âmbito do mistério que envolve todas as religiões e grande
parte dos movimentos filosóficos.

De acordo com Guerra (1988, p. 575), a experiência mística, enquanto ruptura da


consciência ordinária, ocorre com o êxtase da razão em que a mente transcende seu estado
habitual: a razão, sem negar a si mesma e, portanto, sem abandonar o homem à pura
emocionalidade irracional, transcende a condição normal da racionalidade infinita. Segundo
este autor, toda experiência mística tem em comum algumas características gerais:

a. Experiência de núcleo: aparece uma nova racionalidade capaz de dar à sua


vida, a tudo, um sentido.
b. Presença de algo absolutamente novo: essa experiência leva o místico a ver na
realidade uma dimensão profunda das mesmas realidades e dos mesmos
objetos. Não é um ser novo ou objeto a ser acrescentado, mas uma nova
forma de ver os seres e os objetos.
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c. Presença imediata: o místico chega a esse invisível num contato direto, sem
imagens ou representações.
d. Presença gratuita: o caráter da experiência mística é de dom e não recompensa
de um esforço repetido de, por exemplo, repetições de fórmulas de oração.
e. Presença subjacente: a mudança de atitude frente à realidade. Há a experiência
de libertação individual e a transformação da própria existência, muito maior
que a contemplação inerte pretende propor.
f. Experiência e expressões paradoxais: cria-se a ruptura com a lógica a partir da
inefabilidade da experiência. (Cf. GUERRA, 1988, p. 575 – 576).

E estas características estariam, pois, presentes na Mística dos movimentos sociais.


Comerlatto (2010, p. 191) afirma que, nestes movimentos – em especial no Movimento dos
Sem Terra (MST) – a Mística é essencial: revolucionária por transformar o indivíduo em
um coletivo de sujeitos em busca da emancipação. Por isso ela se apresenta como
indignação e solidariedade: “A prática Mística possui uma motivação de transformação e
inquietude que leva os participantes a engajar-se na luta social. O indivíduo se torna um
militante revolucionário”.

Esse autor mostra, ainda, que:

Pelo uso do simbólico a Mística dá vida e energia para os sonhos que


devem ser transformados concretamente pela militância. A Mística
configura-se no MST como uma experiência capaz de fazer com que o
indivíduo se encontre interiormente nas suas convicções mais profundas
e proceda a uma ruptura da consciência habitual e a irrupção de uma
experiência fundante capaz de fazer sonhar com algo novo, com
modelos e alternativas sociais e de produção. Ela faz brotar no indivíduo
um sentimento de pertença a uma causa maior, transforma-o em alguém
capaz de interferir no seu próprio destino ao participar ativamente dos
processos de militância. Faz do “Zé ninguém” um revolucionário.
Segundo Bogo (2003, p. 328) o objetivo da Mística seria “sustentar o
projeto político da classe trabalhadora... é manter a força, o ânimo, a
esperança, mesmo que em determinados momentos pareça tudo
acabado” (COMERLATTO, 2010, p. 190).
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Portanto, Comerlatto (2010, p. 78) entende a mística de forma antropológica,


como força motriz para o engajamento na luta contra as injustiças sociais: “A Mística como
aquele motor secreto, um fogo interior, que empurra os militantes no seguimento da luta.
Dá unidade às práticas dos oprimidos; é o cimento que os une”.

Leonardo Boff e Frei Betto (1996) corroboram esta concepção, ao considerarem a


Mística como aquela que se relaciona com os grandes sonhos da vida humana, com as
visões de um novo mundo onde as relações são mais amorosas entre os humanos. Para
estes autores, falar de Mística não significa mistificar a realidade, mas “colher seu lado mais
luminoso, aquela dimensão que alimenta as energias vitais para além do princípio do
interesse, dos fracassos e sucessos” (BOFF, BETTO, 1996, p. 11).

Por sua vez, o Método Pedagógico do Instituto de Educação José de Castro


(2004) estabelece uma relação interessante entre a Mística e o campo artístico, informando-
nos que:

A mística se expressa através da poesia, do teatro, da expressão corporal,


de palavras de ordem, da música, do canto, dos símbolos do MST, das
ferramentas de trabalho, do resgate da memória das lutas e de grandes
lutadores e lutadoras da humanidade... vira celebração e visa envolver
todos os presentes em um mesmo movimento, a vivenciar um mesmo
sentimento, a se sentir membros de uma identidade coletiva de lutadores
e lutadoras do povo que vai além deles mesmos e vai além do MST
(IEJC, 2004, p. 141).

O próprio MST, em um de seus Cadernos de Educação, fornece-nos detalhes de


sua concepção de Mística: “A mística é a motivação para seguir em frente. Nasce do
coração e nem sempre atravessa o cérebro. Mas sempre se traduz em expressões ou ações
concretas” (MST, 2005, p. 47).

A partir de todas estas definições, a proposta que ora se apresenta procura


trabalhar questões relativas a temáticas inerentes às questões do campo conjuntamente à
exploração de produtos artísticos como telas e músicas. Este trabalho culmina com a
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organização de uma Mística que nasce do coração dos estudantes, com aspectos que
passam pelo cérebro, unindo todos os envolvidos em um momento significativo de
reflexão sobre si mesmos, sobre a realidade em que vivem, e motivam a continuidade da
luta por igualdade social na construção de um mundo mais justo e mais humano.

Os Retirantes de Cândido Portinari: uma exploração visual e sonora

Cândido Portinari (1903 – 1962), renomado artista plástico brasileiro, nasceu em


uma fazenda de café em Brodósqui, no interior de São Paulo. Filho de imigrantes italianos
de origem humilde, Portinari ganhou fama com seus murais que exploravam temáticas
brasileiras, incluindo a luta das classes trabalhadoras nas plantações, nas favelas e nas
cidades.

No quadro “Os Retirantes”, de 1944, Portinari expõe o sofrimento dos migrantes,


representados por figuras magérrimas e com expressões marcadas pela fome e a miséria:

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Figura 1 – Os Retirantes de Cândido Portinari (1944)

Fonte: http://noticias.universia.com.br

A obra de Portinari pode ser utilizada como um disparador de reflexões sobre o


êxodo rural no Brasil, em especial do povo nordestino. É possível direcionar a discussão
para os vários êxodos com os quais nos deparamos ao longo da vida: desde deixar a casa
dos pais até o deixar o campo em busca de melhores oportunidades.

O cenário retratado na tela pode conduzir, ainda, a várias temáticas relacionadas: a


figura sagrada da família sendo assolada pela situação precária e a morte iminente, com
urubus já à espreita; e o ciclo da vida – implacável e inalterado – iniciado com as crianças
famintas no colo de seus pais e se encerrando na figura desolada do ancião. Um aspecto
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que pode ser explorado – inclusive em atividades interdisciplinares com professores de


Artes Visuais – é a construção visual de um caráter expressivo que reforça este clima de
desolação e tristeza: traços fortes envolvidos num céu escuro, pés descalços sobre o chão
seco, semblantes tristes e marcados pela desesperança.

É interessante convidar os alunos a realizarem um paralelo com a realidade com a


qual cada um deles tem contato direto: dificuldades enfrentadas ao longo da vida, um
passado marcado por partidas sucessivas, as famílias campesinas e suas formas de luta por
uma transformação da realidade.

Como são as estradas pelas quais a vida deles tem caminhado? Por quais êxodos
eles já passaram? O que já tiveram de deixar para trás a fim de continuar na luta por um
futuro melhor? Quem são os “urubus” que espreitam a realidade deles?

O compositor canadense Murray Schafer apresentou, na década de 1960, um


neologismo que tem sido amplamente utilizado na área da Educação Musical: soundscape –
traduzido para o português como “paisagem sonora”. França (2011, p. 38) nos explica que
o neologismo foi criado a partir do conceito de landscape (paisagem, cenário) que é relativo
ao campo visual. A autora define paisagem sonora como “(...) „qualquer campo de estudo
acústico‟ (SCHAFER, 1997, p. 23), ou seja, conjunto de sons de um determinado ambiente,
natural ou artificial, do passado, do presente ou do futuro; da cidade ou do campo”
(FRANÇA, 2011, p. 38).

Os alunos podem ser convidados a explorar as sonoridades latentes na paisagem


retratada na tela por Portinari: os timbres ásperos do chão seco sendo pisado pela marcha
fraca, mas resoluta, dos retirantes; sonoridades mais fechadas e densas representando
simbolicamente o céu escuro; o som das asas dos urubus e seu canto agourento; o som do
cajado concomitante aos passos lentos do personagem mais idoso; o choro mudo das
crianças com fome; as lamentações da família que caminha sem parar.

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A exploração dos materiais sonoros precisa ser conduzida à criação de caráteres


expressivos que simbolizem, sonoramente, a impressão que se teve da pintura de Portinari.
Os alunos serão levados à exploração sonora e à tomada de decisão sobre como organizar
os sons de modo a produzir os efeitos desejados.

Após a exploração de diferentes climas e das várias possibilidades sonoras, os


estudantes deverão organizar temporalmente sua “tela sonora”, podendo recorrer a
diferentes formas de grafia que os auxiliem na execução da peça. Podem ser utilizados sons
produzidos a partir de seus instrumentos de trabalho e de outros objetos característicos da
vida no campo, como: enxadas, facões, sinos de vaca, baldes utilizados na ordenha das
vacas, pás, serrotes, chocalhos de variados tipos de sementes, etc.; bem como a partir de
objetos disponíveis na sala de aula cujos sons remetam a este universo.

Após a estruturação deste ambiente sonoro, os alunos podem se posicionar em


duas filas, uma de frente para a outra, formando um corredor por onde passarão pequenos
grupos de alunos com os olhos vendados, sendo envolvidos pela atmosfera sonora criada
pela turma. Essa passagem pelo corredor deve ser feita tendo em mente a cena retratada
por Portinari. Ao final, quando todos tiverem passado pelo corredor, as impressões e
sensações podem ser discutidas, refletindo sobre a situação da realidade dos assentamentos,
quilombos, favelas, dentre outros.

Em outro momento, pode-se propor a apreciação de canções ligadas ao tema dos


retirantes, do êxodo rural e do campo. Apresenta-se, como sugestão, a canção “Ave Maria
dos Retirantes”:

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Ave Maria dos Retirantes (Alcyvando Luz e Carlos Coqueijo)

É hora em que a morte é certa, mas ninguém dizerda se for pra lutar
No peito, coração aberto, esperança perto sem querer chegar
Coragem mansa eu tive até partir
Pra não morrer de morte igual, fugi,
e andei, errando pela vida a fora, sempre indo embora
dei volta no mundo,
Vim morrer aqui

Quanta cruz no meu caminho


Falta de sol, poeira e espinho
Bom Jesus, olhe por mim
Na solidão, cansado eu vim.

Esta canção, que pode ser ouvida na voz de Clara Nunes e também de Maysa
Matarazzo, tem uma letra que aborda a reflexão, à hora da morte, de uma vida marcada
pela luta constante e necessária pela sobrevivência própria daqueles que são obrigados a
deixar sua terra em busca de dias melhores.

A audição de diferentes versões da canção pode levar a um estudo comparativo


das interpretações e arranjos, explorando a escolha de materiais sonoros e dos caráteres
expressivos construídos a partir destas escolhas. É possível que este estudo conduza à
abordagem de variados timbres vocais e instrumentais, estilos característicos de
determinada década/época, vida e obra de cantores e compositores da música popular
brasileira. Pode-se, ainda, trabalhar o clima religioso sugerido pelo título, onde a expressão
“Ave Maria” é passível de ser interpretada como sinônimo de “oração”. Os diferentes

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estilos de música associados à oração apresentam, ainda, a possibilidade de se abordar a


variedade de culturas que se cruzam no território brasileiro, conduzindo a uma discussão
prolífica sobre o emprego de diversos timbres, caráteres expressivos e formas musicais
característicos de cada denominação religiosa. A discussão pode culminar no debate acerca
do respeito à diversidade e do acolhimento dos diferentes – questão também marcada por
constantes lutas e disputas.

Por fim, conectando este trabalho à paisagem sonora criada a partir da tela de
Portinari, com o intuito de se construir a Mística de envio, os estudantes podem ser
conduzidos à criação de um arranjo para a canção trabalhada utilizando a “tela sonora”
criada anteriormente. Em meio às estrofes da canção podem ser inseridos textos poéticos
escritos pelos estudantes, declamados por eles tendo a massa sonora como fundo. Estes
textos podem ser apresentados sob a forma de um rap, ou mesmo de outro estilo escolhido
pelos alunos.

Na realização da Mística, a dinâmica do corredor sonoro pode ser realizada


novamente, desta vez com todos os presentes (caso haja público), onde a marcha pelo
corredor simbolizará não apenas o êxodo rural, mas, desta vez, a volta para o campo com o
conhecimento adquirido neste tempo universidade, um envio dos estudantes para a missão
de plantar as sementes conquistadas para colher os frutos da luta por uma realidade
melhor.

Notas finais

Com as atividades propostas neste texto, pretendeu-se incentivar o trabalho com


música a partir de atividades de criação, apreciação e performance ligadas à realidade do
campo, especialmente com a temática dos retirantes e do êxodo rural.

Estas proposições procuraram conduzir os estudantes à exploração da própria


musicalidade, bem como dos sons que compõem a paisagem sonora do local onde
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habitam. Além disso, através delas, os estudantes poderão participar ativamente de


processos musicais variados, tomando decisões na criação de diferentes ambiências
sonoras. As atividades buscaram possibilitar, ainda, o contato com diferentes repertórios
musicais, bem como com obras produzidas por artistas brasileiros, permitindo e ampliando
o acesso a diferentes materializações do capital cultural produzido pela sociedade.

Desta forma, a música pôde ser abordada tanto como área de conhecimento
quanto como companheira de luta pela transformação de si e do mundo, a partir da tomada
de consciência de aspectos inerentes à realidade na qual os estudantes estão inseridos.

Como elemento constituinte da Mística, a música criada pelos alunos torna-se


parte do movimento, assumindo o papel de ferramenta de luta e expressão. Assim,
contribui para que seja alcançado o projeto maior da Educação do Campo, de acordo com
Caldart (2003, p. 66): a construção de um tipo de escola que “reconhece e ajuda a fortalecer
os povos do campo como sujeitos sociais, que também podem ajudar no processo de
humanização do conjunto da sociedade, com suas lutas, seu trabalho, seus saberes, sua
cultura, seu jeito”.

A música, neste cenário, interpretada pelos alunos no momento da Mística de


envio, dá força e forma ao “motor secreto”, ao “fogo interior” que alimenta a esperança
dos futuros professores na construção de um mundo mais justo. A experiência musical,
vivenciada desta forma, contribui para reforçar cada uma das características apontadas por
Gerra (1988) em relação à mística: fazendo surgir uma nova racionalidade capaz de conferir
novo sentido à vida e à luta; conduzindo os participantes a enxergar a realidade numa
dimensão mais profunda; o que, por sua vez, produz uma mudança de atitude frente à
realidade a partir da libertação individual e da transformação da própria existência.

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Referências

BOFF, Leonardo; BETTO, Frei. Mística e Espiritualidade. Rio de Janeiro: Roxo, 1996.

CALDART, R.S. A escola do campo em movimento. Currículo sem Fronteiras, v. 3, n. 1, p.


60-81, Jan/Jun 2003.

COMERLATTO, Giovani Vilmar. A dimensão educativa da mística na construção do MST como


sujeito coletivo. 210f. Tese (Doutorado em Educação). Porto Alegre: UFRGS, 2010.

IEJC. Instituto de Educação Josué de Castro: Método Pedagógico. Cadernos do ITERRA.


Ano IV, nº 09, dez 2004.

GUERRA, S. Mística. In: Dicionário Teológico O Deus Cristão. São Paulo: Paulus, 1988, p. 574
– 586.

MST. Dossiê escola: documentos de estudos 1990-2001. Caderno de Educação, nº 13, 2005.

MOSCAL, Janaína. De Luta, Inspiração e Amor: a música no movimento dos


trabalhadores rurais sem terra. Música e Cultura, v. 5. Florianópolis: UFSC, 2010, p. 1 – 10.

NASCIMENTO, Claudemiro Godoy do. Educação e Cultura: as escolas do campo em


movimento. FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 16, n. 11/12, p. 867-883,
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FRANÇA, C. C. Ecos: educação musical e meio ambiente. Música na Educação Básica, v. 3, n.


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SCHAFER, M. A afinação do mundo. Tradução de Marisa Fonterrada. São Paulo: Unesp,


1997.

SWANWICK, Keith. A basis for music education. London: Routledge, 1979.

Sites Consultados

www.noticias.universia.com.br

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