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Luta sindical: desafios e perspectivas para quem vive do trabalho no


Brasil

Valdete Souto Severo1


1. Introdução

A chamada “reforma” trabalhista, representada pelas leis 13.429, 13.467


e, mais recentemente, pela MP 881, promoveu, dentre tantos desmanches, forte
ataque à organização coletiva da classe trabalhadora. Houve também a tentativa,
através da MP 873/2019, de alterar artigos recentemente modificados na CLT, para,
entre outras coisas, exigir o recolhimento das contribuições “exclusivamente por
meio de boleto bancário ou equivalente eletrônico” (art. 582).
Com o falso argumento da valorização da autonomia coletiva da vontade,
o sindicato foi excluído do momento da extinção do vínculo, estimulado a realizar
acordos abrindo mão de direitos constitucionais e impedido de atuar pela supressão
do imposto sindical. Tudo isso sem valorização alguma das possibilidades de
organização da classe trabalhadora. Ao contrário, as despedidas foram facilitadas,
assim como a terceirização e várias formas de contratação precárias. O desemprego
aumentou, como decorrência lógica da recessão imposta não apenas pela crise
internacional, mas também pela falsa solução de suprimir direitos e garantias e, com
isso, retirar dinheiro de circulação, prejudicando o consumo interno.
Este artigo analisa as possibilidades de resistência, diante de um quadro
tão adverso.

2. A sociedade do capital e a organização do trabalho

1
Doutora em Direito do Trabalho pela USP/SP, Pós-doutoranda em Ciências Políticas na UFRGS, Presidenta da AJD
Associação Juízes para a Democracia, Diretora Cultural da ALJT Associação Latino Americana de Juízes do Trabalho,
Professora na FEMARGS Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do RS, Juíza do Trabalho no RS.
 
 

A questão sindical é, em sua origem, a expressão da inconformidade


coletiva que desafia a realidade imposta pelo sistema do capital e, portanto, carrega
consigo a potencialidade da mudança radical, inclusive das bases de convívio social.
Por isso mesmo, o Estado sempre atuou para dificultar qualquer forma de reação dos
trabalhadores.
A política de agressão aos sindicatos, adotada pelo governo brasileiro
através das legislações acima referidas, ao contrário do que em princípio pode
parecer, torna mais fácil pensar a questão sindical a partir de um horizonte que não
esteja limitado pela institucionalidade e que, portanto, permita organizar a luta
coletiva desde uma perspectiva de mudança das condições objetivas que caracterizam
a sociedade do capital. A concentração de renda, o desemprego estrutural, a miséria e
o adoecimento sistêmico precisam produzir uma reação que não se limite a greves por
melhoria de salário ou convenções coletivas que flexibilizam direitos.
A realidade de que a história da luta sindical sempre foi atravessada pela
força assujeitadora do capital é comum em todos os países que adotam o sistema do
capital. A própria noção de classe é fruto da organização capitalista, pois pressupõe
uma identidade diante das condições de miséria e opressão de quem vive do trabalho.
Em um tal contexto, a maioria absoluta das pessoas precisa vender-se
como mercadoria para sobreviver. Isso significa, objetivamente, que o sistema
pressupõe a existência de muitas pessoas que se identificam na ausência: de
propriedade, de condições de vida digna; de possibilidade de planejamento do futuro.
A luta de classes se constitui nessa identificação coletiva, de tal modo que não é a lei
ou determinado grupo reduzido de dirigentes que impõem a movimentação coletiva
de resistência: ela é a mobilização de quem está insatisfeito com a posição social que
lhe é imposta.
Compreender os horizontes possíveis para a luta coletiva dos
trabalhadores em momentos de investida ultra liberal como o que estamos

 
 
enfrentando depende, em larga medida, de compreender que os trabalhadores não se
organizaram enquanto classe ​em razão das condições a que foram submetidos na
Europa do século XIX ou no Brasil do início do século XX. Os trabalhadores
constituem uma classe dentro da realidade capitalista. Se pensarmos que a
organização e a luta de classes é indicativa de um determinado período do
capitalismo, acabaremos por aceitar o argumento de que tal luta tornou-se
desnecessária à medida que a classe trabalhadora adquiriu direitos e que hoje seria,
inclusive, dispensável. Por outro lado, percebermos a falha nesse argumento nos
permite compreender porque a luta de classes não se esgota na conquista de direitos
sociais, que por sua vez estão também inscritos na lógica liberal.

A luta de classes é a condição dialética da relação entre capital e


trabalho. Como já escrevi antes, o “processo de acumulação do capital, que se dá de
forma coletiva e organizada, constitui-se já como ​luta​, um embate que o Direito
2
procura não apenas anestesiar, mas, sobretudo, manter sob certos limites . O que está
em jogo não é a possibilidade de luta coletiva que não esteja circunscrita aos limites
do Estado. O que está em jogo é a possibilidade de pensar o movimento coletivo para
além dos parâmetros estritos da institucionalidade, já que as regras estabelecidas para
um convívio controlado dos movimentos coletivos foram claramente rompidas.

O estranhamento causado pela “reforma" trabalhista (Leis 13.467,


13.429 e MP 881) e por todas as medidas que vem sendo adotadas no intuito de
aniquilar qualquer possibilidade de atuação combativa dos sindicatos revela
desconhecimento dessa essência da mobilização social e a urgência de seu resgate.

3. Um pouco de passado para compreender o presente

Em nosso país, a primeira luta coletiva foi promovida pelos indígenas


que aqui habitavam, cujas terras foram roubadas e as vidas eliminadas. A luta negra,

2
​SEVERO, Valdete Souto. Elementos para o uso transgressor do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2015, p. 64. 
 
 
que se aliou àquela da classe trabalhadora aqui já existente, foi coibida com açoites e
3
morte . A Guarda Negra, organizada por José do Patrocínio, era uma organização
4
clandestina , assim como o eram as primeiras organizações operárias no Brasil,
5
“uniões e ligas operárias”, também conhecidas como “associações de resistência” , ou
mesmo os periódicos então publicados em apoio à fuga em massa e à formação de
6
quilombos abolicionistas . O Estado não apenas deixou de reconhecer a legitimidade
desses movimentos coletivos, como também editou leis como a de 1903, intervindo
na formação e no modo de gestão das associações de resistência, ou a de 1907,
determinando a expulsão sumária dos imigrantes que atentassem contra a “ordem
7
nacional” (Lei Adolfo Gordo) , assim como coibiu fortemente os movimentos
8
paredistas .

A greve geral realizada em São Paulo em 1917, considerada


“demonstração evidente da força e coesão do proletariado”, não dependeu da
manutenção de um número mínimo de trabalhadores ativos, de aviso com 48h de
9
antecedência ou da anuência do capital . Em 1937, no golpe cujo mote era a
necessidade de conter o movimento dos ​comunistas brasileiros e promover o
10
desenvolvimento econômico do país , assim como em 1964, quando a luta da

3
​BADARÓ MATTOS, Marcelo. ​Escravizados e livres: experiências comuns na formação da classe trabalhadora
carioca​. Rio de Janeiro: Bom Texto, 2008. 
4
​CARVALHO, José Murilo de. ​Os Bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi​. São Paulo:
Companhia das Letras, 1997, p. 30. 
5
​SEGATTO, José Antônio. ​A formação da classe operária no Brasil​. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987, p. 60. 
6
​BADARÓ MATTOS, Marcelo. ​Trajetórias entre fronteiras: o fim da escravidão e o fazer-se da classe trabalhadora
no Rio de Janeiro​. Rio de Janeiro. Revista Mundos do Trabalho, vol.1, n. 1, janeiro-junho de 2009. Disponível em
https://periodicos.ufsc.br/index.php/mundosdotrabalho/article/.../9165​, acesso em 30.1.2015.  
7
​A primeira lei para expulsão dos imigrantes considerados perigosos especialmente porque traziam consigo doutrinas e
pensamentos subversivos (Lei Adolfo Gordo) foi publicada em 1907, ano de forte movimentação sindical no Brasil. Era
uma resposta aos intensos movimentos de 1906, ano em que registrada greve geral em Porto Alegre, “puxada pelos
marmoristas que lutavam pela redução da jornada de trabalho”. Várias categorias aderiram ao movimento e, ao final,
obtiveram a possibilidade de trabalhar apenas nove horas por dia, mas sofreram intensa repressão policial. MATTOS,
Marcelo Badaró. Trabalhadores e Sindicatos no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2009, p. 55. 
8
​CARONE, Edgar. ​Movimento Operário no Brasil (1877-1944).​ São Paulo: DIFEL, 1979, p. 96-98​. 
9
​DIAS, Everardo. ​História das Lutas Sociais no Brasil​. 2​a​ edição. São Paulo: Alfa-ômega, 1977, p. 86. 
10
Foi instituído o sindicato único e a contribuição sindical obrigatória, de tal modo a merecer a declaração de Mario de
La Cueva, no sentido de que o Brasil “rompeu com a tradição constitucional da América Latina”, ao afogar, em seu
novo texto constitucional, “a livre expressão dos anelos dos trabalhadores”, ao restringir a liberdade de pensamento e ao
atacar tendências socialistas. A citação é feita por Evaristo de Moraes Filho, que complementa tenha a carta de 1937
sido seguida da lei de 1939 e do Código Penal de 1942, ambos estabelecendo regras de punição à greve. MORAES
FILHO, Evaristo de. ​Tratado elementar de direito do trabalho. V. I​. São Paulo: Livraria Freitas Bastos S/A, 1960, p.
320-1.  
 
 
esquerda brasileira por reformas na educação e no campo, simbolizada pelo “I
11
Congresso Nacional dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas” realizado em 1961 ,
legitimou o uso dos aparelhos ideológicos, com destaque especial para a mídia, para
12
disseminar o falso temor de que pudesse se instalar o comunismo no Brasil , a reação
estatal sempre foi violenta.

Em 2013, quando a crise internacional do capital uniu-se ao receio de


que movimentos sociais legítimos pudessem contestar as bases de um sistema
excludente e perverso como o do capital, novamente o Estado usou sua força policial
13
para agredir e prender os líderes dos movimentos sociais .

A lógica de que os direitos trabalhistas seriam aplicáveis somente aos


operários inscritos junto aos sindicatos reconhecidos pelo Ministério do Trabalho, a
14
difusão generosa de uma doutrina anticomunista e do ​mito da outorga ​das leis
trabalhistas, compuseram um discurso ideológico que buscou convencer acerca da
inexistência da luta de classes. O que há, segundo o discurso oficial, é a ordem ou a
baderna. O Estado, sempre que coíbe movimentos sociais, não estaria asfixiando uma
luta legítima por direitos, mas apenas contendo o caos.

O receio da luta nos demonstra que há realmente uma potencialidade


presente no movimento coletivo. Uma prova de que o capital tem motivos para temer
a força da mobilização coletiva está justamente no que ocorreu nos chamados “anos
de chumbo”. Ainda durante a ditadura, jornais socialistas denunciaram o dinheiro
15
utilizado para manter a força militar e patrocinar torturas e mortes ; estudantes
uniram-se a trabalhadores criando movimentos sociais cada vez mais fortes, com

11
​SEGATTO, José Antônio. ​A formação da classe operária no Brasil​. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987, p. 53-4. 
12
​MACHADO DA SILVA, Juremir. ​1964. Golpe Midiático-Civil-Militar​. Porto Alegre: Sulina, 2014, p. 112.  
13
MASCARO, Alysson Leandro. Crise e golpe. São Paulo: Boitempo, 2018. 
14
KONDER, Leandro. ​A derrota da dialética. A recepção das ideias de Marx no Brasil, até o começo dos anos 30​.
2​a​ edição. São Paulo: Expressão Popular, 2009, p. 229-33. 
15
​Entre eles, Tribuna da Luta Operária, do PC do B, O Companheiro, do Movimento de Emancipação do Proletariado
(MEP); O Trabalho, do grupo Liberdade e Luta, e o jornal Voz da Unidade, do PCB. De 1978 a 1981 várias bancas
foram incendiadas por exporem esses jornais, dezenas de jornalistas foram presos e submetidos a torturas.
GIANNOTTI, Vito. ​História das lutas dos trabalhadores no Brasil​. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007, p. 209-10. 
 
 
16
greves que envolviam categorias inteiras . Isso significa que o movimento sindical
no Brasil não se constituiu, nem se desenvolveu sob os parâmetros de uma
Constituição como a de 1988, em que o direito de greve figura como direito
fundamental. Não foi através da regulação estatal que a organização se consolidou e
travou suas principais lutas. Foi na adversidade, com perseguição e morte dos líderes
mais combativos. E isso não ocorreu por opção. Ocorreu porque luta sindical é
resistência, ruptura da ordem, imposição de exigências ao capital.

Os conceitos de sindicato, greve, categoria profissional, negociação


coletiva foram formulados e disseminados desde a perspectiva do sistema. O
“negociado sobre o legislado”, por exemplo, constitui fórmula retórica através da
qual uma lei estabelece o que e como os direitos trabalhistas devem ser “negociados”,
sempre, é claro, sob a perspectiva da redução e da supressão do mínimo
constitucionalmente assegurado, invertendo completamente a lógica (já em si
capitalista) que alça as convenções e acordos coletivos a direito fundamental da
classe trabalhadora. Ao colocar os sindicatos na posição de “negociadores" capazes
de suprimir direitos (artigo 611A da CLT), a lei subverte a razão histórica pela qual o
Estado acaba por assimilar a existência de regras construídas de forma autônoma,
mesmo sob a perspectiva do próprio sistema.

A tarefa, então, é dupla: reconhecer que mesmo os direitos fundamentais


ao reconhecimento dos sindicatos, à greve ou à criação de normas autônomas, são
burgueses, ou seja, pensados sob a perspectiva da manutenção do sistema,

16
​Em março de 1980, quatro setores da Mercedes-Benz paralisaram as atividades por aumento de salário, tendo sido
seguidos por trabalhadores da Ford e da ScaniaEm 1979, foram inúmeras as greves em vários pontos do país. Houve
anual elevação do número de greves a partir de 1978, com uma verdadeira “epidemia” até 1985. No primeiro semestre
de 1985 foram registradas 54 greves ocorridas no país. CASTRO, Pedro. ​Greve. Fato e significados​. São Paulo: Ática,
1986, p. 52. criavam-se Fundos de Greve para alimentar e manter os grevistas durante os movimentos paredistas.
Apesar da intensa repressão, inclusive com o assassinato de muitos operários, as greves continuaram, sendo referência
da luta aquela realizada pelos metalúrgicos de São Bernardo em 1980, com duração de 45 dias, provocando um
movimento de solidariedade nacional e internacional. Em agosto de 1981, organiza-se em São Paulo, na Praia Grande, a
CONCLAT, Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras, que reúne mais de cinco mil pessoas e revela uma
polarização no movimento sindical, com duas linhas de ação opostas, que ao final entram em acordo para criar a Central
Única dos Trabalhadores (CUT). Em março de 1986 a Conclat muda de sigla e passa a denominar-se Confederação
Geral dos Trabalhadores (CGT). GIANNOTTI, Vito. ​História das lutas dos trabalhadores no Brasil​. Rio de Janeiro:
Mauad X, 2007, p. 225-52. 
 
 
“autorizando” a movimentação coletiva dos trabalhadores ​desde que sobre
determinados parâmetros e limitações.​ E, em um segundo momento, compreender a
radicalidade do momento atual do capitalismo, em que mesmo a assimilação dos
movimentos coletivos, por parte do capital, está sendo ignorada, em nome de um -
agora possível - ataque frontal e não dissimulado a qualquer forma de resistência.

4. A tensão crescente entre capital e trabalho na realidade atual:


uma breve análise de conjuntura

As Leis 13.429 e 13.467, de 2017, foram apresentadas como a única


saída para a crise econômica que o Brasil enfrentava e, evidentemente, ainda
enfrenta. O argumento é facilmente desmontado, se compreendermos que a tal crise
(como se capitalismo não fosse crise) originava-se, segundo alguns, na chamada
“bolha imobiliária” revelada nos EUA em 2008, cujos reflexos se espraiaram para os
demais países, especialmente aqueles de capitalismo periférico.

No Brasil, a crise era de certo modo potencializada pela campanha


midiática que resultou no afastamento de Dilma Roussef e por uma política de
privatização e desmanche que, com algumas poucas contenções, vinha sendo
desenvolvida desde a década de 1990. É claro que outros fatores são igualmente
relevantes, esses são apenas os mais diretamente relacionados à questão econômica.

Os argumentos para o desmanche precisam ser relembrados: reduzir o


desemprego e a insegurança nas relações de trabalho, melhorar a competitividade e
gerar pelo menos 6 milhões de novos empregos17. Passado mais de um ano, não
apenas não houve geração de empregos, mas também aumentou o número de
desempregados18, atingindo mais de 13 milhões de pessoas em 201919. Esse é um

17

https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2018/08/17/internas_economia,981015/como-a-modernizacao-da-clt-pod
e-gerar-competitividade-nas-empresas.shtml​;
http://www.fecomercio.com.br/noticia/reforma-trabalhista-aumentara-a-competitividade-da-economia-brasileira-diz-pas
tore
18
lho.
 
 
dado que sequer reflete a realidade, pois apenas figuram como desempregadas
pessoas que possuem CTPS mas não tem registro de vínculo de emprego no momento
da pesquisa. Houve redução no número de demandas ajuizadas, mas esse não é um
resultado para ser comemorado. A redução não decorreu da diminuição dos conflitos
entre capital e trabalho, nem de uma consciência dos empregadores em cumprir
tempestivamente os deveres que decorrem de uma relação de emprego. É resultado
do medo, em razão das regras inconstitucionais de vedação de acesso à justiça
inseridas na CLT.

A fragilização e a retirada de direitos sociais trabalhistas tem como efeito


real subempregos, terceirização, miséria e violência. Com a “reforma”, aumentou o
número de despedidas (várias instituições bancárias e o próprio governo anunciaram
e promoveram PDV’s); muitos trabalhadores e trabalhadoras tiveram seus contratos
transformados em trabalho intermitente ou terceirizados; multiplicaram-se os falsos
autônomos e a lógica da remuneração por produtividade, em que as pessoas
trabalham sem saber ao certo quanto receberão ao final do mês. Além disso, os
Sindicatos estão asfixiados, muitos inclusive já fecharam as portas.

Ainda assim, o desmanche segue com a conversão em lei, da MP 881,


que desafia a Constituição, apregoando o retorno à lógica do livre mercado, e
permite, por exemplo, de registro de jornada “por exceção”. A PEC 300 propõe a
alteração do artigo 7o da Constituição, para que a jornada regular no Brasil passe a
ser de 10 horas e para reduzir o tempo que o empregado tem para ajuizar uma
demanda judicial, de dois anos para três meses após o momento da despedida. A PEC
06 propõe alterações nas regras do sistema de seguridade social, viabilizando os
fundos de pensão que, não por acaso, são geridos por grandes multinacionais e
instituições financeiras.

https://veja.abril.com.br/economia/um-ano-depois-reforma-trabalhista-nao-gera-empregos-esperados/ e
https://www.valor.com.br/legislacao/5969407/reforma-trabalhista-nao-gerou-volume-de-empregos-esperado
19

https://economia.uol.com.br/empregos-e-carreiras/noticias/redacao/2019/03/29/desemprego-trimestre-fevereiro-ibge.ht
m
 
 
Toda alteração promovida na espinha dorsal da legislação do trabalho e
da previdência social faz parte de um movimento que precisa ser visto sob
perspectiva mais ampla. Constitui, em realidade, um projeto de Estado, que suprime
concretamente os espaços de cidadania e as possibilidades de vida digna.

A retirada de direitos sociais é a negação da estabilidade no convívio


social. É a impossibilidade de consumo a longo prazo, de tranquilidade para
programar a própria vida. É a potencialização da lógica de descarte, aumentando a
ansiedade e o estresse e, com isso, gerando ainda mais adoecimento e angústia, pelo
desconhecimento de como será o dia seguinte.

6. Conclusão

O que há de positivo em nosso horizonte é exatamente o vasto campo de


disputa ideológica que se descortina, permitindo inclusive questionarmos nossa opção
de viver em um país capitalista, no qual não há espaço para todos.
Reconstruir as bases do pacto que fizemos em 1988 é apenas um
primeiro passo, e não será fácil. Devemos, porém, pensar para além dessa resistência
imediata e ousar reexistir como país, tornando possível uma realidade menos
segregária e desigual. Um desafio gigantesco, mas nada novo. Em um mundo
capitalista, tornar direitos sociais uma realidade para a maioria das pessoas sempre foi
um enorme desafio.
As organizações coletivas precisam resgatar uma identidade que não
dependa de prescrições legais. Essa identidade passa pelo reconhecimento da
necessidade urgente de reação. Não será tarefa fácil, pois os muitos anos de
acomodação e assujeitamento do movimento sindical nos distanciaram da realidade
de luta construída na adversidade. A radicalidade de enfrentamento talvez seja
possível justamente em razão da gravidade dos ataques que vem sendo perpetrados e
que comprometem a sobrevivência de quem vive do trabalho.

 
 
 
 
 
 
Obras Citadas

CARONE, Edgar. ​Movimento Operário no Brasil (1877-1944).​ São Paulo: DIFEL, 1979.

CARVALHO, José Murilo de. ​Os Bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi​.
São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

CASTRO, Pedro. ​Greve. Fato e significados​. São Paulo: Ática, 1986.

DIAS, Everardo. ​História das Lutas Sociais no Brasil​. 2​a​ edição. São Paulo: Alfa-ômega, 1977.

GIANNOTTI, Vito. ​História das lutas dos trabalhadores no Brasil​. Rio de Janeiro: Mauad X,
2007.

KONDER, Leandro. ​A derrota da dialética. A recepção das ideias de Marx no Brasil, até o
começo dos anos 30​. 2​a​ edição. São Paulo: Expressão Popular, 2009.

MACHADO DA SILVA, Juremir. ​1964. Golpe Midiático-Civil-Militar​. Porto Alegre: Sulina,


2014.

MASCARO, Alysson Leandro. ​Crise e golpe​. São Paulo: Boitempo, 2018.

MATTOS, Marcelo Badaró. Trabalhadores e Sindicatos no Brasil. São Paulo: Expressão Popular,
2009.

MATTOS, Marcelo Badaró. ​Trajetórias entre fronteiras: o fim da escravidão e o fazer-se da classe
trabalhadora no Rio de Janeiro​. Rio de Janeiro. Revista Mundos do Trabalho, vol.1, n. 1,
janeiro-junho de 2009. Disponível em
https://periodicos.ufsc.br/index.php/mundosdotrabalho/article/.../9165​, acesso em 30.1.2015.

MORAES FILHO, Evaristo de. ​Tratado elementar de direito do trabalho. V. I​. São Paulo:
Livraria Freitas Bastos S/A, 1960.

SEGATTO, José Antônio. ​A formação da classe operária no Brasil​. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1987.

SEVERO, Valdete Souto. ​Elementos para o uso transgressor do Direito do Trabalho​. São
Paulo: LTr, 2015.

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