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Doutora em Direito do Trabalho pela USP/SP, Pós-doutoranda em Ciências Políticas na UFRGS, Presidenta da AJD
Associação Juízes para a Democracia, Diretora Cultural da ALJT Associação Latino Americana de Juízes do Trabalho,
Professora na FEMARGS Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do RS, Juíza do Trabalho no RS.
enfrentando depende, em larga medida, de compreender que os trabalhadores não se
organizaram enquanto classe em razão das condições a que foram submetidos na
Europa do século XIX ou no Brasil do início do século XX. Os trabalhadores
constituem uma classe dentro da realidade capitalista. Se pensarmos que a
organização e a luta de classes é indicativa de um determinado período do
capitalismo, acabaremos por aceitar o argumento de que tal luta tornou-se
desnecessária à medida que a classe trabalhadora adquiriu direitos e que hoje seria,
inclusive, dispensável. Por outro lado, percebermos a falha nesse argumento nos
permite compreender porque a luta de classes não se esgota na conquista de direitos
sociais, que por sua vez estão também inscritos na lógica liberal.
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SEVERO, Valdete Souto. Elementos para o uso transgressor do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2015, p. 64.
que se aliou àquela da classe trabalhadora aqui já existente, foi coibida com açoites e
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morte . A Guarda Negra, organizada por José do Patrocínio, era uma organização
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clandestina , assim como o eram as primeiras organizações operárias no Brasil,
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“uniões e ligas operárias”, também conhecidas como “associações de resistência” , ou
mesmo os periódicos então publicados em apoio à fuga em massa e à formação de
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quilombos abolicionistas . O Estado não apenas deixou de reconhecer a legitimidade
desses movimentos coletivos, como também editou leis como a de 1903, intervindo
na formação e no modo de gestão das associações de resistência, ou a de 1907,
determinando a expulsão sumária dos imigrantes que atentassem contra a “ordem
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nacional” (Lei Adolfo Gordo) , assim como coibiu fortemente os movimentos
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paredistas .
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BADARÓ MATTOS, Marcelo. Escravizados e livres: experiências comuns na formação da classe trabalhadora
carioca. Rio de Janeiro: Bom Texto, 2008.
4
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo:
Companhia das Letras, 1997, p. 30.
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SEGATTO, José Antônio. A formação da classe operária no Brasil. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987, p. 60.
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BADARÓ MATTOS, Marcelo. Trajetórias entre fronteiras: o fim da escravidão e o fazer-se da classe trabalhadora
no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Revista Mundos do Trabalho, vol.1, n. 1, janeiro-junho de 2009. Disponível em
https://periodicos.ufsc.br/index.php/mundosdotrabalho/article/.../9165, acesso em 30.1.2015.
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A primeira lei para expulsão dos imigrantes considerados perigosos especialmente porque traziam consigo doutrinas e
pensamentos subversivos (Lei Adolfo Gordo) foi publicada em 1907, ano de forte movimentação sindical no Brasil. Era
uma resposta aos intensos movimentos de 1906, ano em que registrada greve geral em Porto Alegre, “puxada pelos
marmoristas que lutavam pela redução da jornada de trabalho”. Várias categorias aderiram ao movimento e, ao final,
obtiveram a possibilidade de trabalhar apenas nove horas por dia, mas sofreram intensa repressão policial. MATTOS,
Marcelo Badaró. Trabalhadores e Sindicatos no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2009, p. 55.
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CARONE, Edgar. Movimento Operário no Brasil (1877-1944). São Paulo: DIFEL, 1979, p. 96-98.
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DIAS, Everardo. História das Lutas Sociais no Brasil. 2a edição. São Paulo: Alfa-ômega, 1977, p. 86.
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Foi instituído o sindicato único e a contribuição sindical obrigatória, de tal modo a merecer a declaração de Mario de
La Cueva, no sentido de que o Brasil “rompeu com a tradição constitucional da América Latina”, ao afogar, em seu
novo texto constitucional, “a livre expressão dos anelos dos trabalhadores”, ao restringir a liberdade de pensamento e ao
atacar tendências socialistas. A citação é feita por Evaristo de Moraes Filho, que complementa tenha a carta de 1937
sido seguida da lei de 1939 e do Código Penal de 1942, ambos estabelecendo regras de punição à greve. MORAES
FILHO, Evaristo de. Tratado elementar de direito do trabalho. V. I. São Paulo: Livraria Freitas Bastos S/A, 1960, p.
320-1.
esquerda brasileira por reformas na educação e no campo, simbolizada pelo “I
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Congresso Nacional dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas” realizado em 1961 ,
legitimou o uso dos aparelhos ideológicos, com destaque especial para a mídia, para
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disseminar o falso temor de que pudesse se instalar o comunismo no Brasil , a reação
estatal sempre foi violenta.
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SEGATTO, José Antônio. A formação da classe operária no Brasil. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987, p. 53-4.
12
MACHADO DA SILVA, Juremir. 1964. Golpe Midiático-Civil-Militar. Porto Alegre: Sulina, 2014, p. 112.
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MASCARO, Alysson Leandro. Crise e golpe. São Paulo: Boitempo, 2018.
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KONDER, Leandro. A derrota da dialética. A recepção das ideias de Marx no Brasil, até o começo dos anos 30.
2a edição. São Paulo: Expressão Popular, 2009, p. 229-33.
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Entre eles, Tribuna da Luta Operária, do PC do B, O Companheiro, do Movimento de Emancipação do Proletariado
(MEP); O Trabalho, do grupo Liberdade e Luta, e o jornal Voz da Unidade, do PCB. De 1978 a 1981 várias bancas
foram incendiadas por exporem esses jornais, dezenas de jornalistas foram presos e submetidos a torturas.
GIANNOTTI, Vito. História das lutas dos trabalhadores no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007, p. 209-10.
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greves que envolviam categorias inteiras . Isso significa que o movimento sindical
no Brasil não se constituiu, nem se desenvolveu sob os parâmetros de uma
Constituição como a de 1988, em que o direito de greve figura como direito
fundamental. Não foi através da regulação estatal que a organização se consolidou e
travou suas principais lutas. Foi na adversidade, com perseguição e morte dos líderes
mais combativos. E isso não ocorreu por opção. Ocorreu porque luta sindical é
resistência, ruptura da ordem, imposição de exigências ao capital.
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Em março de 1980, quatro setores da Mercedes-Benz paralisaram as atividades por aumento de salário, tendo sido
seguidos por trabalhadores da Ford e da ScaniaEm 1979, foram inúmeras as greves em vários pontos do país. Houve
anual elevação do número de greves a partir de 1978, com uma verdadeira “epidemia” até 1985. No primeiro semestre
de 1985 foram registradas 54 greves ocorridas no país. CASTRO, Pedro. Greve. Fato e significados. São Paulo: Ática,
1986, p. 52. criavam-se Fundos de Greve para alimentar e manter os grevistas durante os movimentos paredistas.
Apesar da intensa repressão, inclusive com o assassinato de muitos operários, as greves continuaram, sendo referência
da luta aquela realizada pelos metalúrgicos de São Bernardo em 1980, com duração de 45 dias, provocando um
movimento de solidariedade nacional e internacional. Em agosto de 1981, organiza-se em São Paulo, na Praia Grande, a
CONCLAT, Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras, que reúne mais de cinco mil pessoas e revela uma
polarização no movimento sindical, com duas linhas de ação opostas, que ao final entram em acordo para criar a Central
Única dos Trabalhadores (CUT). Em março de 1986 a Conclat muda de sigla e passa a denominar-se Confederação
Geral dos Trabalhadores (CGT). GIANNOTTI, Vito. História das lutas dos trabalhadores no Brasil. Rio de Janeiro:
Mauad X, 2007, p. 225-52.
“autorizando” a movimentação coletiva dos trabalhadores desde que sobre
determinados parâmetros e limitações. E, em um segundo momento, compreender a
radicalidade do momento atual do capitalismo, em que mesmo a assimilação dos
movimentos coletivos, por parte do capital, está sendo ignorada, em nome de um -
agora possível - ataque frontal e não dissimulado a qualquer forma de resistência.
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https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2018/08/17/internas_economia,981015/como-a-modernizacao-da-clt-pod
e-gerar-competitividade-nas-empresas.shtml;
http://www.fecomercio.com.br/noticia/reforma-trabalhista-aumentara-a-competitividade-da-economia-brasileira-diz-pas
tore
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lho.
dado que sequer reflete a realidade, pois apenas figuram como desempregadas
pessoas que possuem CTPS mas não tem registro de vínculo de emprego no momento
da pesquisa. Houve redução no número de demandas ajuizadas, mas esse não é um
resultado para ser comemorado. A redução não decorreu da diminuição dos conflitos
entre capital e trabalho, nem de uma consciência dos empregadores em cumprir
tempestivamente os deveres que decorrem de uma relação de emprego. É resultado
do medo, em razão das regras inconstitucionais de vedação de acesso à justiça
inseridas na CLT.
https://veja.abril.com.br/economia/um-ano-depois-reforma-trabalhista-nao-gera-empregos-esperados/ e
https://www.valor.com.br/legislacao/5969407/reforma-trabalhista-nao-gerou-volume-de-empregos-esperado
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https://economia.uol.com.br/empregos-e-carreiras/noticias/redacao/2019/03/29/desemprego-trimestre-fevereiro-ibge.ht
m
Toda alteração promovida na espinha dorsal da legislação do trabalho e
da previdência social faz parte de um movimento que precisa ser visto sob
perspectiva mais ampla. Constitui, em realidade, um projeto de Estado, que suprime
concretamente os espaços de cidadania e as possibilidades de vida digna.
6. Conclusão
Obras Citadas
CARONE, Edgar. Movimento Operário no Brasil (1877-1944). São Paulo: DIFEL, 1979.
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi.
São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
DIAS, Everardo. História das Lutas Sociais no Brasil. 2a edição. São Paulo: Alfa-ômega, 1977.
GIANNOTTI, Vito. História das lutas dos trabalhadores no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad X,
2007.
KONDER, Leandro. A derrota da dialética. A recepção das ideias de Marx no Brasil, até o
começo dos anos 30. 2a edição. São Paulo: Expressão Popular, 2009.
MATTOS, Marcelo Badaró. Trabalhadores e Sindicatos no Brasil. São Paulo: Expressão Popular,
2009.
MATTOS, Marcelo Badaró. Trajetórias entre fronteiras: o fim da escravidão e o fazer-se da classe
trabalhadora no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Revista Mundos do Trabalho, vol.1, n. 1,
janeiro-junho de 2009. Disponível em
https://periodicos.ufsc.br/index.php/mundosdotrabalho/article/.../9165, acesso em 30.1.2015.
MORAES FILHO, Evaristo de. Tratado elementar de direito do trabalho. V. I. São Paulo:
Livraria Freitas Bastos S/A, 1960.
SEGATTO, José Antônio. A formação da classe operária no Brasil. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1987.
SEVERO, Valdete Souto. Elementos para o uso transgressor do Direito do Trabalho. São
Paulo: LTr, 2015.