Você está na página 1de 41

Narradores da Cachoeirinha

Um livro inspirado em histórias dos moradores do bairro

Clovis Rangel
À minha família.

A todos os moradores do bairro Cachoeirinha, em especial os alunos do Programa

Alfabetização Solidária, no ano de 2005.

As professoras do programa: Josiane Rangel, minha irmã, e Lucinéia Quintino.

A Gabriela Magnago Nicoli, pelo empenho na produção do projeto cultural para

concretização deste livro.


CAPÍTULO UM

NOTAS DO AUTOR

É necessário desfazer a ideia de que a cultura de fora é mais interessante.

Precisamos não deixar o processo de aculturação se incorporar em nosso cotidiano, pois

o nosso município Alfredo Chaves, localizado na região Sul Litorânea do Espírito

Santo, é rico em história e não vemos uma vasta oferta de registros escritos sobre isso.

Surge aí ideia lançar este livro inspirado em relatos dos próprios moradores sobre

a colonização do bairro Cachoeirinha. É exatamente para isso: para suprir essa carência

de conhecimento e de pertencimento a cultura local.

Sendo assim, você lerá redações escritas por meio de relatos de Sebastião
Venturim, Armando Dondoni; Joaquim Guerini, Arnóbio João Soncini; Santo Marchiori
Athayde, Alécio Fiorani; Jaci de Amorim Rosa e Zentih Venturim Cominotti, uma parte
dos habitantes mais antigos do lugar.

Todavia, vale ressaltar que esses textos foram escritos em 2005, quando eles
foram letrados pelo Programa Alfabetização Solidária, na antiga “escolinha” da
comunidade.

Além disso, você poderá ver uma redação feita a partir de uma entrevista do jornalista
autor deste livro com outro personagem local sobre o início da região, a Erta de Paula
Gaigher.

São memórias sobre a construção e liturgias da igreja católica do lugar, de suas


famosas festas de Terno de Reis, das rodas de Jongo, do Congo e puxadas do mastro de
São Benedito.

Com isso, espero que você, após a leitura desta obra, tenha apreço em reconhecer e

valorizar as diferenças da população de Alfredo Chaves, particularmente entre as

culturas negras e italianas e, ainda, das contribuições da melhor idade para a formação

política, social e cultural do Brasil.


CAPÍTULO DOIS

(in memorian)

SOU SEBASTIÃO VENTURIM

Texto inspirado na redação de Sebastião Venturim

Sou Sebastião Venturim, filho de Fioravante Venturim, antigo dono de 41

alqueires, situado à direita do Rio Benevente, o qual hoje, após aproximadamente 56

anos, situa-se o bairro Cachoeirinha.

Meu pai veio da Itália, no ano de 1898, com 20 anos de idade a procura de

melhoria de vida. Foi trabalhando e comprando terras. Ele se casou três vezes, porém,

após ficar viúvo. Lembro que sua primeira esposa foi da família Volponi, com quem

teve dezoito filhos, a segunda da família Picolli, com a qual foi pai de dois filhos e a

terceira, minha mãe, que era sua cunhada, também família Picolli, com quem teve mais

dez filhos.

Ele sempre trabalhou com café e gado para sustentar a família. Lembro que

papai era um homem de muita fé, foi devoto de Santo Antônio de Pádua de Lisboa.

Chegou a fazer uma capela de zinco e mais tarde uma igreja, em sua propriedade, hoje

atual residência do prefeito Dr. Fernando.

Na véspera do dia do santo, fazia fogueira com danças para os fiéis e, no dia

missa, tinha o hábito de bater o sino todos os dias ao meio-dia e às 18 horais. Isso se

repetiu até sua morte, com 78 anos. Papai faleceu em 1956.


Lembro que pediu minha mãe para continuar na propriedade. Logo após um ano

de viuvez, ela decidiu casar com Adelino Venturim. O tempo passou e eles receberam

uma proposta de Darcy de Paula, dono de uma roça de divisa com a nossa, para

trocarmos nossa propriedade na Cachoeirinha por uma em São Vicente. Minha mãe

aceitou e logo após fomos morar lá.

O tempo passou e nós, filhos, não queríamos tocar a lavoura. Então, procuramos

outro trabalho e o que sobrou foi uma casa na cidade, onde morou minha mãe até 1989,

ano em que faleceu. Hoje quem mora nessa casa são meus quatro irmãos no qual eu

cuido, já que não se casaram. Meu padrasto é vivo e mora em outra residência.

Ainda hoje guardo os conselhos de meu pai: não matar e nem roubar, pois tinha

quinze anos quando ele morreu.

Essas são algumas lembranças que guardo de quando morava na propriedade,

hoje bairro Cachoeirinha.


CAPÍTULO TRÊS

(in memorian)

SOU ARMANDO DONDONI

Texto inspirado na redação de Armando Dondoni

Sou Armando Dondoni, casado com Isaura Paganini. Tenho cinco filhos, sendo

que a última nascera no bairro Cachoeirinha.

Morávamos em Nova Estrela, interior de Alfredo Chaves e, após juntar um

dinheirinho, comprei aproximadamente quatro alqueires de terra, na Fazenda

Cachoeirinha, em 1969.

Nesse local fui o primeiro morador, porém, na época, logo abaixo da minha

propriedade, moravam as famílias Souza, Guerini e meu primo Florindo Paganini, que

residiu onde hoje mora o atual prefeito Fernando Videira Lafayette.

Depois de um tempo, o restante da fazenda, já de posse do Sr. Darcy de Paula,

foi sendo loteada e ocupada por outros moradores. Tenho guardado a planta do início do

bairro, riscado pelo amido Darcy, num simples papel de embrulho.

O Darcy, queria que o local se chamasse Fazenda Granja Cachoeirinha, devido a

uma granja que tinha em sua propriedade, mas eu e outros moradores preferimos apenas

Cachoeirinha e assim foi escolhido o nome da nossa comunidade.


Com o passar do tempo, foi se formando o bairro. Como havia crescido nós,

moradores, conversamos e sentimos a necessidade de construir uma igreja, com a ajuda

dos próprios residentes e comunidades vizinhas e, desta maneira, o templo foi

construído.

Tenho a felicidade de ter sito coordenador da igreja e ajudado bastante, pois sou

um homem católico. Também, nos dias atuais, continuo apoiando junto a minha família.

Tenho muitas lembranças boas do início da comunidade e hoje, com 71 anos,

desejo aos moradores que cuidem do nome da comunidade e continuem ajudando-o a se

desenvolver, sempre para melhor.


CAPÍTULO QUATRO

(in memorian)

SOU JOAQUIM GUERINI

Texto inspirado na redação de Joaquim Guerini

Sou Joaquim Guerini, moro aqui desde 1957. O meu irmão Lauro Guerini foi

funcionário do Darcy de Paula e por isso nos convidou para morar em sua fazenda, hoje

bairro Cachoeirinha.

Naquela época, trabalhávamos no plantio de banana e café e, também, de

feirantes. Vendíamos linguiça e banha de porco.

Lembro que uma vez, minha cunhada Helena, casada com meu irmão Olívio,

chegou a preparar, num dia, quatorze latas de banha para vendermos. Assim fomos

vivendo nesse lugar.

Também presenciei e soube de muitos acontecimentos, lembro que a ponte que

hoje liga o bairro ao Centro da cidade ganhou o nome de Ponte Colombo, devido um

morador chamado Colombo Guardia ter morrido naquele local.

Anos mais tarde, próximo dali, na curva do Togneri, aconteceu um dos

momentos mais tristes para nossa família. Meu irmão Arnaldo, o Nininho, sofreu um

acidente de carro, batendo nas pedreiras e indo parar no rio. Seu corpo ficou
desaparecido. A comunidade se mobilizou e colocou em prática um costume da região,

puseram várias velas acesas em pires e soltaram no rio, passaram a noite rezando e de

manhã, onde os pires pararam, lá estava o corpo. Esse foi um dia triste na minha vida.

Não posso esquecer do senhor Darcy de Paula que sempre nos tratou com

respeito e por muitas vezes nos ajudou em tudo que precisávamos.

Por fim, desejo que essa nova geração de moradores continue colaborando para

o desenvolvimento da comunidade.
CAPÍTULO CINCO

SOU ARNÓBIO JOÃO SONCINI

Texto inspirado na redação de Arnóbio João Soncini

Sou Arnóbio João Soncini, morei aqui no ano de 1971, fiquei pouco mais de um

ano, uns 15 meses. Quando cheguei havia somente a casa de seu Armando Dondoni e a

segunda foi a minha. Morei mais próximo do rio e seu Armando do outro lado da

estrada. Quando pensei em ir morar na Cachoeirinha, comprei um lote de Afonso

Calenzani, onde atualmente mora Pedro Dona. Não tinha ruas, apenas pasto. Logo no

início do bairro morava o Joaquim Guerini.

A água era encanada, vinha diretamente da biquinha, não tinha energia elétrica,

usávamos um lampião. Naquele tempo, havia uma igrejinha, mas não acontecia

celebrações, frequentávamos a igreja na Sede da cidade.

O bairro Cachoeirinha foi uma fazenda e o proprietário foi Fioravante Venturim,

depois seu Darcy de Paula adquiriu posses da terra, mas devia uma certa quantia a

Afonso Calenzani, esse por sua vez, pegou a propriedade no valor da dívida e loteou

300 mil réis cada lote.

Optei em ir morar no Centro da cidade e vendi minha casa para Olídio Lovati.

Quando fui morar na Cachoeirinha já tinha um filho.


Lembro que seu João Fregonassi era prefeito de Alfredo Chaves. Trabalhei na

prefeitura durante três anos, depois resolvi sair e ter meu próprio serviço: trabalhar de

pedreiro. As casas mais antigas que existem em nossa cidade foram reformadas por mim

e minha residência na Sede fui eu quem construiu.

Hoje, eu e minha vivemos do aposento. Meu filho tem sua própria oficina

eletrônica. Temos um casal de netos e por problemas de saúde precisei parar de

trabalhar, mas somos felizes.


CAPÍTULO SEIS

SOU SANTO MARQUIORI ATHAYDE

Texto inspirado na redação de Santo Marquiori Athayde

Sou Santo Marquiori Athayde, casado com Maria Anna Vialli Athayde, morador

do bairro há dezenove anos.

Morava na Água Quente, Barra do Batatal. Foi em 1975 quando decidi vir morar

na comunidade. Comprei um lote e pedi aos construtores Avelino Marcarini e Paulo

Marquiori Athayde que construísse a casa. A madeira foi puxada a braço, desde a mata

até a estrada.

Quando ficou pronta, nós mudamos, mas mantivemos o trabalho da lavoura

nesse lugar.

Tivemos o privilégio de ter uma missa celebrada em nossa residência pelo padre

João Confalonieri, foi um cumprimento de promessa do amigo Antônio Rigotti, devido

uma graça alcançada.

Nesse tempo, lembro que as rezas eram celebradas a luz de velas nas casas dos

moradores e nosso primeiro filho José, junto com membros das famílias Almeida,

Guerini e Cavalini é que as organizavam com oração de terço e prática de novenas.


Nossa filha Maria Aparecida Vialli Athaydes, nasceu no local. Minha esposa

cuidava dos filhos e da casa. Ela se recorda que a água era cedida por Olívio Lovatti,

que cobrava uma pequena taxa de manutenção. Também lavava roupa no rio e

presenciava a visita de muitos peixes, fato raro nos dias atuais.

Mas em 1977, resolvi vender minha casa e voltar para Água Quente. Residi

nesse lugar, mais de 11 anos, retornando ao bairro em 1987, morando em outra

localidade.

De lá para cá se somam 19 anos de moradia, no qual fizemos vários vizinhos e

acabamos de criar os filhos.

Anos se passaram e no ano de 2001, minha esposa depois de trabalhar na roça e

criar seus filhos foi convidada pelo Programa de Alfabetização Solidária a voltar para a

escola. No primeiro momento ficou indecisa, mas nossos filhos a incentivaram e foi. E,

segundo ela, muita coisa mudou, já que não sabia ler e escrever. Lembra com carinho de

seu primeiro professor, o Giovani Basseto.

Eu e minha esposa ficamos felizes por poder ter visto o desenvolvimento da

comunidade, inclusive a realidade de chegar ao nosso lugar a educação de jovens e

adultos e por isso desejo que os moradores sejam mais religiosos, educados e respeitem

os idosos.
CAPÍTULO SETE

(in memorian)

SOU ALÉCIO FIORANI

Sou Alécio Fiorani, vim morar na comunidade no dia 30/07/1974, há 31 anos.

Comprei o lote de Afonso Calenzani e construí uma casa para morar.

Antes de ser loteada, essa propriedade foi da família Cardoso, ouvi dizer que

veio de Portugal. Depois a família vendeu para Fioravante Venturim, homem religioso e

devoto de Santo Antônio. Segundo minha esposa, chegou a construir uma igrejinha de

zinco para os fiéis rezarem, mais tarde fez uma de tijolos. Tinha o hábito de bater o

sinto todos ao meio-dia e às 18 horas. No dia do santo, aconteciam festas.

Ela também se lembra que, por volta dos anos 50, houve na cidade eleições para

prefeito. O candidato João Malheiros prometeu à igreja da cidade que, se ganhasse,

doaria a santa, Nossa Senhora das Graças. Ele ganhou, porém, o padre não aceitou a

imagem. Sabendo que Fioravante era religioso ofereceu-lhe para sua igreja, ele aceitou.

Nesse dia, o político fez discurso. Aconteceu até apresentação de banda de

música e muita festa.


Mas, com o falecimento de Fioravante, a família vendeu a propriedade para

Darcy de Paula, que não continuou com os costumes religiosos. Ele guardou os santos e

o sino em sua casa. Devido a esse fato surgiu a necessidade de construir uma igreja mais

no centro do bairro, já que o lugar foi se desenvolveu. O seu Darcy doou os santos e o

sino para o novo templo, que prevalecem até os dias atuais.

Nesses anos que moro aqui, vivo da lavoura e corte e costura de couro. Fazia e

consertava arreios, bainha de facão e cangalha. Era muito procurado por moradores do

município e também de outros, pois na região não havia ninguém que fazia o meu

trabalho. Até hoje, com 87 anos, sou visitado por clientes, mas estou impossibilitado

devido a problemas de saúde.

Minha família contribuiu com o crescimento do bairro. Minha esposa, costureira,

deu cursos e minha filha, aulas para Mobral. Por isso, desejo aos moradores respeito uns

com os outros, só assim nosso lugar continuará crescendo.


CAPÍTULO OITO

SOU JACI DE AMORIM ROSA

Texto inspirado na redação de Jaci de Amorim Rosa

Sou Jaci de Amorim Rosa, moradora do bairro há aproximadamente 30 anos.

Ajudo a comunidade cantando Terno de Reis nos meses de dezembro e janeiro. Conheci

esse costume logo que casei, no lugar onde fui morar. Depois, quando cheguei aqui, eu

e mais algumas pessoas começamos a cantar reis nas casas.

Naquele tempo era bom, as famílias eram pegas de surpresa. Nos recebiam com

alegria e nos divertíamos com fé.

O grupo é formado por três pastores, três Marias e instrumentalistas, pandeiro,

sanfona, triangulo, viola e cantores, acompanhados de uma bandeira. Durante muito

tempo usamos uma bandeira branca, mas, nos anos 90, um morador ofertou ao grupo

uma nova, que tem no centro a pintura da cena da ida de José e Maria à Jerusalém.

Quem carrega a bandeira desde o início sou eu.


Somos convidados para cantar os reis em comunidade vizinhas. Mas estou triste

porque, com o passar do tempo, foi se perdendo a surpresa de chegar as casas. O lanche

mudou. As crianças e adolescentes não levam mais a sério. Fico preocupada, pois se

continuar assim, penso que o Terno de Reis na comunidade será apenas uma lembrança.

Porém, enquanto tiver saúde e força eu, mais o grupo levaremos alegria para às famílias.

CAPÍTULO NOVE

SOU ZENITH VENTURIM

Texto inspirado na redação de Zenith Venturim

Moro no bairro desde 25 de setembro de 1976, na comunidade não havia igreja,

as missas eram celebradas em casas de moradores pelo Padre João Confalonieri.

Certo dia, Ana Bergami, Jordelina Grassi e Alaíde Bravim, conversando na

residência de Ana, tiveram a ideia de construir uma igreja no bairro. Ana e Alaíde

conversaram com seus esposos Augusto Destefani e Ovideo Destefani em respeito à

construção, eles apoiaram e incentivaram. Foram à residência de dona Rusiane de Paula

Gaigher, filha de seu Darcy, pedir se ela cedia o local para fazer uma festa em benefício

o início da obra e, com a ajuda de Valentim Cardoso, a notícia espalhou-se. Os

moradores se prontificaram a ajudá-los, também com a participação da família do

senhor Ângelo Peruzzo.

A festa foi realizada na antiga capela de Santo Antônio no mês de setembro de

1979. Foi uma festa bastante animada, com várias atrações: quadrilha, correio elegante,
jogo de argola e bala da sorte. A quadrilha foi cantada por dona Rusiane de Paula

Gaigher, tocada por Francisco Comininotti e Oswaldo Guerini (in memorian). O lucro

da festa foi de CR$ 17,00 (dezessete cruzeiros). Este dinheiro ficou na guarda do senhor

Adauri Cavalini (in memorian).

A partir deste dia os moradores uniram-se e celebraram missas e rezas nas casas

e na raia de bolas, faziam tômbolas para conseguirem mais dinheiro. Dona Glória

Rigotti Bianchi que era animadora nesse evento.

A comunidade não tinha local para a construção, o senhor. Henrique Paganini

(in memorian), Adauri Cavallini (in memorian) e Augusto Destefani foram pedir ao

senhor Olides Lovatti se doaria o local da igreja, o Olides, com seu bom coração, doou

o terreno para que iniciasse a obra.

Num dia de sábado, do mês de fevereiro, do ano de 1980 iniciou a obra pelo

pedreiro Mauro Bianchi, a primeira pedra da construção foi colocada pelas mãos do

Padre João Confalonieri (in memorian) e os responsáveis pela obra foram o Mauro

Bianchi, Geraldo dos Santos e o Jovaldir Cavalini, mais conhecido com João. Os

moradores se prontificaram dando apoio para que nossa igreja fosse construída. Como o

dinheiro era pouco, no dia 30 de novembro de 1980 foi realizada uma festa em benefício

o término da obra, foi arrecadado bastante dinheiro, mas não o suficiente para terminar.

Sendo assim, Mauro Bianchi, com seu esforço, saía da comunidade no seu carro

pedindo doações para que desse fim à obra. O senhor. Bosco Costa contribuiu com a

doação de todo o piso e, enfim, a obra foi concluída. O senhor Rainor Breda fez a

doação dos bancos.

Porém, a igreja não tinha o santo padroeiro e isso estava causando

desentendimento entre as pessoas, foi ali que surgiu a ideia de votação. Lauro Guerini, o
“Patoia”, passou de casa em casa entregando envelopes onde cada família colocaria o

nome de um santo de sua devoção, sendo que Santo Antônio foi o escolhido para ser o

padroeiro da comunidade.

Quando a família do senhor Darcy de Paula (in memorian) ficou sabendo,

perguntou a membros da comunidade se aceitaria a devolução do antigo padroeiro:

Nossa Senhora das Graças, que foram de uma propriedade particular. Todos aceitaram.

O senhor Darcy de Paula (in memorian) restaurou as imagens que estariam

bastante danificadas devido muito tempo em sua guarda. Quando as imagens ficaram

prontas decidiu devolver o sino que também estava em sua guarda.

Chegou a festa de inauguração: dias 12 e 13 de junho de 1981. No dia 12,

sábado à tarde, os moradores se destacaram a residência onde estava as imagens e

conduziram-nas, à igreja, em procissão. Às 19 horas aconteceu a celebração em louvor a

Santo Antônio e, às 20 horas, grande coroação de Nossa Senhora das Graças,

organizada por mim, Erta de Paula Gaigher e Lauro Guerini, o responsável pelo altar,

com ajuda de outras pessoas.

No dia 13, domingo, às 11 horas, aconteceu santa missa em homenagem ao

padroeiro, presidida pelo Padre Humberto Pietrogrande sendo que ele também assistiu à

coroação do dia anterior.

Hoje, a comunidade vem desempenhando suas festividades desde a fundação da

igreja. Graciela Athayde Lorenzini, ex-moradora, foi a primeira animadora de vários

eventos que, em dias de hoje são realizados por outros moradores. O senhor Lauro Rosa

(in memorian) e dona Jaci de Amorim Rosa que, há muitos anos vem conduzindo a o

Terno de Reis, a qual é uma tradição muito importante em nossa comunidade.


Essas são lembranças que tenho da igreja na comunidade do bairro

Cachoeirinha.

SOU FILHA DE DARCY E GILDA

Redação feira por Erta de Paula Gaigher

Meus pais, Darcy de Paula Gaigher e Gilda de Paula Gaigher eram primos: ele,

nascido em Joeba, município de Anchieta- ES, e ela em Caco do Pote, interior de

Alfredo Chaves. Casaram-se em 06 de abril de 1940.

Após o casamento, passaram a residir junto com os pais e irmãos de meu pai, na

Fazenda Cachoeira do Benevente. Após a morte de Celso Nazário de Paula, meu avô,

minha avó, Amélia Forattinni Gaigher e seus filhos, meus tios, foram morar em Vitória.

Meus pais continuaram na residência principal da Fazenda Cachoeira de Benevente que,

mais tarde denominou-se Fazenda Granja Cachoeirinha. Ali, tiveram seis filhos:

Lucerna, Rustem, Celso Ruiter, Erta, Rusiane e Ruzerte.

Meu pai era filho de Celso Nazário de Paula e Amélia Forattinni Gaigher. Minha

mãe, de José Vetorazzi Gaigher com Maria Pavesi Zerboni.

Meu avô paterno, ficou órfão de pai e mãe aos 16 anos de idade, assumiu seus quatro

irmãos menores. Tão grande era sua fé, que soube conduzir os irmãos em uma família
de 10 filhos. Foi filiado ao Centro Espírita Henrique José de Melo, em Vitória. Foi

político e grande seguidor da espiritualidade e conselheiro da região. Foi sepultado em

Alfredo Chaves, em 20 de janeiro de 1945. Deixou 32 netos.

Com o falecimento de vovô Celso, meu pai adquiriu as partes que pertenciam a

seus irmãos para ampliar a Fazenda Cachoeirinha. Comprou uma área de terra do senhor

Fioravante Venturi, e também a parte de sua viúva, onde existia uma capela de Santo

Antônio, várias imagens católicas, sino e muitos outros elementos da liturgia.


Darcy de Paula Giagher | Crédito: Arquivo/Clovis Rangel
Dessa área adquirida dos Venturim, foi separada uma área para venda de lotes,

formando assim o atual bairro Cachoeirinha. Com isso, os moradores sentiram

necessidade de fundar e construir uma igreja católica, que também teve como patrono

Santo Antônio. Logo que foi rezada a primeira missa pelo padre, meu pai doou para a

igreja a imagem de Santo Antônio, bem como o sino da antiga capela. Nesse dia foi

organizada uma procissão de nossa residência até o bairro Cachoeirinha.

Mamãe era católica e papai também espiritualista, igual vovô, mas isso nunca

dificultou o relacionamento dos dois. E, apesar de ser espiritualista, sempre respeitou a

religião dos demais e sempre procurou ajudar na medida do possível as igrejas do

município e adjacências.

Em 17 de maio de 1981, dentro das normas da Espiritualidade, tomou nome o

congá instalado em minha casa de de Congá Calujê Celso Nazário e Ocara de Yumaytá.

Como muitos sabem, em nossa propriedade existia um templo com raízes em religiões

africanas e meu avô era espiritualista.

Nestor de Paula, meu tio-avô, escreveu um ponto em homenagem ao primeiro ano de

fundação do congá. Veja.

OCARA ou CALUJE é uma só


Celso Nasário é o guia em ação
Que lá do Alto sempre nos ampare
Dando a esta Casa proteção

Dai-nos a Luz tão necessária


Para cumprirmos a missão
Não nos deixe desviar do caminho
Olhai a todos com muita atenção
A sua proteção é imparcial
No distribuir sua benção
Com todo Amor Fraternal
Amparai-nos Pai e Irmão

A Luz se faça a cada dia


Aos nossos olhos clarear
Na estrada da vida
Ajudai-nos a caminhar

Somos hoje diferentes


Em corpo fluídico e carnal
Mas em Espírito eternamente
Seremos sempre Irmãos Fraternal

Deus nos deu a permissão


Para que aqui viéssemos
Cumprirmos nossa missão
Orientando a caminho certo
Os nossos irmãos

Neste pequeno Congá


Que representa grandeza sem par
Unindo os nossos pensamentos
Pedimos a Deus Amor e Paz

Caboclo, índio ou africano


Todos são de um gênio só
Guiados pelos Altos designos
Reuniram-se todos a nós
Caboclo Yumaytá e Chefe do Congá
Unido aos Pretos Velhos ele está
Trabalhando nesta Ocara
Para seus irmãos da Terra ajudar

Quando ele baixa no seu cavalo


Logo dá um signal
Para todos ficarem atentos
Que os trabalhos vão começar

Exú dos ventos


É Mironga que ele traz
Quando baixa no Terreiro
Pede licença a Zambi pra trabalhar

Nesta minha pequena homenagem


Deixo claro o meu pensamento
Estar sempre firme e com coragem
Esperando um dia estarmos no Firmamento
Sala de Estudos, 22 horas-Salve 18-10-1982

Seguindo as atitudes de meu avô, após teve a retirada das imagens das igrejas,

logo tomou providências para construir uma igreja para São Benedito no bairro

Macrina. Ele e os amigos Evaristo, Campista, Maria Concebida e tantos outros,

colocaram São Benedito dentro de uma capela, a qual mais tarde foi reformada. Anos

depois foi demolida para a construção de uma outra.

Por 49 anos o mastro de São Benedito foi escondido na nossa propriedade, uma

prática que já manifestava as tradições culturais que demarcavam a identidade daquele

povo. O congo expressava a diversidade de um processo que mostrava o perfil histórico


Primeira capela de Santo Antônio no bairro Cachoeirinha | Crédito: Clovis Rangel
da população alfredense. A festa era considerada a maior manifestação religiosa,

cultural e folclórica de Alfredo Chaves, devido a envergadura e complexidade da

população.

Os preparativos da festança iniciavam-se em 25 de novembro, Dia de Santa

Catarina, com a doação de um novo mastro. No dia 26 de dezembro tinha a

programação religiosa com missas, procissões e leilões. À noite o mastro era escondido

na casa de papai e no dia 27 toda a comunidade ia busca-lo para ser fincado em frente

ao ‘barracão do congo’, ao som dos tambores, jongos, etc. Tudo isso fez com que os

valores religiosos, culturais e folclóricos não se perdessem com o tempo.

Na oportunidade, servíamos comida, bebida, balas e o tradicional Rabo de Galo,

uma bebida feita com cachaça. O mastro era todo enfeitado em louvor ao Santo Negro,

cozinheiro e descendente de escravos. O levantamento do mastro era debaixo de fogos e

ali permanecia até 20 de janeiro, Dia de São Sebastião. O cortejo tinha à frente o capitão

do mastro e a comissão de festa.

Por falar em ‘congo’, lembro das figuras de Evaristo, Campista; Dolores, Maria

Pimenta; Cochina, Alexandre Mutuca; Dante, Zeca Fonseca; Manduca Santiago,

Morena; Maria Banha, Coleta; Miranda, Niniva; Aurélio, Santo; Brauro, Olindão; Chico

Gambá, Justina; Felismino, Vitalino; Teodoro, Delfina; Laranjeira, Valter Preto;

Venâncio, Bacurau; Antonina, Luiz Vergínio; Ivo Pereira, Valdo e a dupla Abrão e

Aurelina. É sempre necessário lembrar desse time e resgatar a memória cultural do povo

de Alfredo Chaves.
Jongo na Casa do senhor Darcy Gaigher de Paula, década de 1980 | Créditos:

Arquivo/Clovis Rangel
Jongo na Casa do senhor Darcy Gaigher de Paula, década de 1980 | Créditos:

Arquivo/Clovis Rangel
Um jongo muito conhecido por meu pai era:

“Não quero seu dinheiro

Só quero uma licença para sambar no seu terreiro.”

O batuque de ‘congo’ avisava que a novena iria começar. O foguete avisava que o

mastro estava sendo procurado. O barracão, enfeitado.


Versos escritos por Nestor de Paula. Texto sobre à tapuia Jacinta.
Versos escritos por Nestor de Paula. Texto sobre à tapuia Jacinta.
EU PROFESSORA

Entrevista com uma das professoras do programa, Josiane Rangel

Lembro – me de como se fosse hoje das noites em que minha mãe, Celita

Rangel, ia para escola aprender a ler nas aulas da sua filha primogênita, a Josiane

Rangel. E com a mesma lucidez me recordo da Josi estudando suas disciplinas do curso

de Magistério num emaranhado de papéis sob a cama. Isso me serviu de inspiração.

Acredite!

O tempo passou e cá estou: eu, formado em Comunicação Social, já dei aula e,

por hora, escrevendo um livro sobre a história e memórias do nosso bairro de nascença

de onde a ideia surgiu após conhecer uma iniciativa realizada por ela enquanto

alfabetizava nossos vizinhos idosos.

Depois de cinco folhas com perguntas rasgadas, a dúvida principal: “Que

formato terá esta entrevista com minha irmã mais velha que sempre me inspirou? Como

adapto a fala dela ao que o leitor espera deste livro de memórias? ”. Imediatamente me

veio a resposta: “Josi, contando sua experiência na primeira pessoa”. Sendo assim, de

imediato, Josi se transformou também numa personagem, e era necessário que me

colocasse dentro dela para melhor poder interpretar seu pensamento e sua intenção de

fala. E esta entrevista foi se compondo como um grande teatro infantil. Um monólogo

infantil. Nada mais adequado em se tratando de Josiane Rangel: a professora, pedagoga

a “Tia Josi” que sempre ocupou o centro absoluto da pauta por sua seriedade, agora,

entre a literatura e sua vida de educanda, eterniza essa fusão.

Como foi saber que eu escrevi um livro inspirado da sua ideia?


- É com sentimento de gratidão e alegria que lerei minhas memórias de quando

fui professora alfabetizadora do Programa Alfabetização Solidária há 14 anos, no bairro

cachoeirinha. Uma das memórias foi minha participação enquanto escriba na escrita do
Alunos do Programa Alfabetização Solidária do bairro Cachoeirinha | Créditos:

Arquivo/Clovis Rangel

livro “Narradores da Cachoeirinha”, que apresenta relatos dos moradores mais antigos,

referentes a origem da comunidade. Um livro tecido com palavras e ações de bem-

querer comunitário, cujo desejo unanime dos autores é que a comunidade continue se

desenvolvendo.

Em 2005, a Secretaria Municipal de Educação e o Centro Universitário São

Camilo apoiaram a implantação do programa, com o objetivo de

reduzirem os índices de analfabetismo dos jovens e adultos alfredenses.

Neste ano, a secretária de educação era Vera Bona, a Coordenadora Micheli

Fonseca e a monitora Cilezia Peruzzo, que com carinho, respeito e profissionalismo

proveram os recursos necessários para que as aulas fossem de qualidade e significativas.

Quanto ao Centro Universitário propiciou a Formação de uma semana para todos os

profissionais alfabetizadores.

O local das aulas, era em uma sala cedida pela escola municipal da comunidade,

no período da noite. Foram matriculados aproximadamente cerca de 30 alunos divididos

em duas turmas. A outra professora foi Lucineia Quintino, juntas propiciamos muitas

atividades de interação entre os alfabetizandos.

Os momentos com os jovens e adultos foram enriquecedores, mesmo após um

dia de trabalho e afazeres domésticos, eram assíduos e curiosos em aprenderem as

letras, palavras e números. As aulas eram cheias de risos, causos, comemorações,

alegria, esperança, de aprendizagem para a vida.

A rotina de aprendizado era a partir da realidade dos alfabetizandos, as noites

eram permeadas de atividades, discussões, produções e jogos, os preferidos eram Bingo

e Tombola. Assim a parede de isolamento entre o conhecimento da realidade e o


conhecimento da escola, pouco a pouco iam sendo se fundindo com o mundo do uso da

linguagem.

Alunos do Programa Alfabetização Solidária do bairro Cachoeirinha | Créditos:

Arquivo/Clovis Rangel
E foi no dia da aula sobre a “História de onde moro”, após assistirem o filme

brasileiro “Narradores de Javé”, produzido em 2001 e dirigido por Eliane Café. O

longa-metragem conta história de um distante vilarejo chamado Javé que estava prestes

a ser destruído por causa da construção de uma usina hidrelétrica, a região foi

considerada patrimônio histórico e cultural do país, por meio da escrita da história do

lugarejo.

Diante o enredo do filme, houve a sensibilização dos estudantes de registrem a

história do próprio bairro, visitando os moradores mais antigos. E assim iniciou a linda

jornada de meses da coleta de informações de 8 famílias mais antigas, regada de

entusiasmo, bom café e muita prosa, foi uma experiência magnifica para os

alfabetizandos e alfabetizadora, pudemos conhecer as peculiaridades da cultura,

costumes e tradições que constituem a identidade da comunidade.

Ao final do programa Alfabetização Solidária, com direito a noite de autógrafos,

os alfabetizandos apresentaram o livro “Narradores da Cachoeirinha”. Enfim, podiam

comemorar a escrita da origem da sua comunidade como um patrimônio, pois as

histórias serão inspirações para as próximas gerações se sentirem pertencentes à

essência do bairro.

Este livro representou para cada aluno a possibilidade de “ser protagonista” do

contexto social que vive, partindo da concepção que é parte fundamental do processo de

desenvolvimento. Como dizia Paulo Freire: “Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo.
Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso

aprendemos sempre”.

Assim, ao revisitar estas lembranças de mais de uma década, e ainda poder

recorrer ao livro e suas narrativas, comprova o poder da escrita, uma linguagem que

merece ser preservada e propagada na atual conjectura digital. Saber que o livro

Narradores da Cachoeirinha está sendo fonte de pesquisa para edição de outro livro

sobre a história da comunidade, é relembrar o desejo dos antigos moradores, de que a

comunidade continuasse a se desenvolver, contudo que se preserve a essência da

iniciativa, união, fé e esperança de fazer do bairro Cachoeirinha um lugar harmonioso

para se viver.

Você também pode gostar