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Clovis Rangel
À minha família.
NOTAS DO AUTOR
Santo, é rico em história e não vemos uma vasta oferta de registros escritos sobre isso.
Surge aí ideia lançar este livro inspirado em relatos dos próprios moradores sobre
a colonização do bairro Cachoeirinha. É exatamente para isso: para suprir essa carência
Sendo assim, você lerá redações escritas por meio de relatos de Sebastião
Venturim, Armando Dondoni; Joaquim Guerini, Arnóbio João Soncini; Santo Marchiori
Athayde, Alécio Fiorani; Jaci de Amorim Rosa e Zentih Venturim Cominotti, uma parte
dos habitantes mais antigos do lugar.
Todavia, vale ressaltar que esses textos foram escritos em 2005, quando eles
foram letrados pelo Programa Alfabetização Solidária, na antiga “escolinha” da
comunidade.
Além disso, você poderá ver uma redação feita a partir de uma entrevista do jornalista
autor deste livro com outro personagem local sobre o início da região, a Erta de Paula
Gaigher.
Com isso, espero que você, após a leitura desta obra, tenha apreço em reconhecer e
culturas negras e italianas e, ainda, das contribuições da melhor idade para a formação
(in memorian)
Meu pai veio da Itália, no ano de 1898, com 20 anos de idade a procura de
melhoria de vida. Foi trabalhando e comprando terras. Ele se casou três vezes, porém,
após ficar viúvo. Lembro que sua primeira esposa foi da família Volponi, com quem
teve dezoito filhos, a segunda da família Picolli, com a qual foi pai de dois filhos e a
terceira, minha mãe, que era sua cunhada, também família Picolli, com quem teve mais
dez filhos.
Ele sempre trabalhou com café e gado para sustentar a família. Lembro que
papai era um homem de muita fé, foi devoto de Santo Antônio de Pádua de Lisboa.
Chegou a fazer uma capela de zinco e mais tarde uma igreja, em sua propriedade, hoje
Na véspera do dia do santo, fazia fogueira com danças para os fiéis e, no dia
missa, tinha o hábito de bater o sino todos os dias ao meio-dia e às 18 horais. Isso se
de viuvez, ela decidiu casar com Adelino Venturim. O tempo passou e eles receberam
uma proposta de Darcy de Paula, dono de uma roça de divisa com a nossa, para
trocarmos nossa propriedade na Cachoeirinha por uma em São Vicente. Minha mãe
O tempo passou e nós, filhos, não queríamos tocar a lavoura. Então, procuramos
outro trabalho e o que sobrou foi uma casa na cidade, onde morou minha mãe até 1989,
ano em que faleceu. Hoje quem mora nessa casa são meus quatro irmãos no qual eu
cuido, já que não se casaram. Meu padrasto é vivo e mora em outra residência.
Ainda hoje guardo os conselhos de meu pai: não matar e nem roubar, pois tinha
(in memorian)
Sou Armando Dondoni, casado com Isaura Paganini. Tenho cinco filhos, sendo
Cachoeirinha, em 1969.
Nesse local fui o primeiro morador, porém, na época, logo abaixo da minha
propriedade, moravam as famílias Souza, Guerini e meu primo Florindo Paganini, que
foi sendo loteada e ocupada por outros moradores. Tenho guardado a planta do início do
uma granja que tinha em sua propriedade, mas eu e outros moradores preferimos apenas
construído.
Tenho a felicidade de ter sito coordenador da igreja e ajudado bastante, pois sou
um homem católico. Também, nos dias atuais, continuo apoiando junto a minha família.
(in memorian)
Sou Joaquim Guerini, moro aqui desde 1957. O meu irmão Lauro Guerini foi
funcionário do Darcy de Paula e por isso nos convidou para morar em sua fazenda, hoje
bairro Cachoeirinha.
Lembro que uma vez, minha cunhada Helena, casada com meu irmão Olívio,
chegou a preparar, num dia, quatorze latas de banha para vendermos. Assim fomos
hoje liga o bairro ao Centro da cidade ganhou o nome de Ponte Colombo, devido um
momentos mais tristes para nossa família. Meu irmão Arnaldo, o Nininho, sofreu um
acidente de carro, batendo nas pedreiras e indo parar no rio. Seu corpo ficou
desaparecido. A comunidade se mobilizou e colocou em prática um costume da região,
puseram várias velas acesas em pires e soltaram no rio, passaram a noite rezando e de
manhã, onde os pires pararam, lá estava o corpo. Esse foi um dia triste na minha vida.
Não posso esquecer do senhor Darcy de Paula que sempre nos tratou com
Por fim, desejo que essa nova geração de moradores continue colaborando para
o desenvolvimento da comunidade.
CAPÍTULO CINCO
Sou Arnóbio João Soncini, morei aqui no ano de 1971, fiquei pouco mais de um
ano, uns 15 meses. Quando cheguei havia somente a casa de seu Armando Dondoni e a
segunda foi a minha. Morei mais próximo do rio e seu Armando do outro lado da
Calenzani, onde atualmente mora Pedro Dona. Não tinha ruas, apenas pasto. Logo no
A água era encanada, vinha diretamente da biquinha, não tinha energia elétrica,
usávamos um lampião. Naquele tempo, havia uma igrejinha, mas não acontecia
depois seu Darcy de Paula adquiriu posses da terra, mas devia uma certa quantia a
Afonso Calenzani, esse por sua vez, pegou a propriedade no valor da dívida e loteou
Optei em ir morar no Centro da cidade e vendi minha casa para Olídio Lovati.
prefeitura durante três anos, depois resolvi sair e ter meu próprio serviço: trabalhar de
pedreiro. As casas mais antigas que existem em nossa cidade foram reformadas por mim
Hoje, eu e minha vivemos do aposento. Meu filho tem sua própria oficina
Sou Santo Marquiori Athayde, casado com Maria Anna Vialli Athayde, morador
Morava na Água Quente, Barra do Batatal. Foi em 1975 quando decidi vir morar
Marquiori Athayde que construísse a casa. A madeira foi puxada a braço, desde a mata
até a estrada.
nesse lugar.
Tivemos o privilégio de ter uma missa celebrada em nossa residência pelo padre
Nesse tempo, lembro que as rezas eram celebradas a luz de velas nas casas dos
moradores e nosso primeiro filho José, junto com membros das famílias Almeida,
cuidava dos filhos e da casa. Ela se recorda que a água era cedida por Olívio Lovatti,
que cobrava uma pequena taxa de manutenção. Também lavava roupa no rio e
Mas em 1977, resolvi vender minha casa e voltar para Água Quente. Residi
localidade.
criar seus filhos foi convidada pelo Programa de Alfabetização Solidária a voltar para a
escola. No primeiro momento ficou indecisa, mas nossos filhos a incentivaram e foi. E,
segundo ela, muita coisa mudou, já que não sabia ler e escrever. Lembra com carinho de
adultos e por isso desejo que os moradores sejam mais religiosos, educados e respeitem
os idosos.
CAPÍTULO SETE
(in memorian)
Antes de ser loteada, essa propriedade foi da família Cardoso, ouvi dizer que
veio de Portugal. Depois a família vendeu para Fioravante Venturim, homem religioso e
devoto de Santo Antônio. Segundo minha esposa, chegou a construir uma igrejinha de
zinco para os fiéis rezarem, mais tarde fez uma de tijolos. Tinha o hábito de bater o
Ela também se lembra que, por volta dos anos 50, houve na cidade eleições para
doaria a santa, Nossa Senhora das Graças. Ele ganhou, porém, o padre não aceitou a
imagem. Sabendo que Fioravante era religioso ofereceu-lhe para sua igreja, ele aceitou.
Darcy de Paula, que não continuou com os costumes religiosos. Ele guardou os santos e
o sino em sua casa. Devido a esse fato surgiu a necessidade de construir uma igreja mais
no centro do bairro, já que o lugar foi se desenvolveu. O seu Darcy doou os santos e o
Nesses anos que moro aqui, vivo da lavoura e corte e costura de couro. Fazia e
consertava arreios, bainha de facão e cangalha. Era muito procurado por moradores do
município e também de outros, pois na região não havia ninguém que fazia o meu
trabalho. Até hoje, com 87 anos, sou visitado por clientes, mas estou impossibilitado
deu cursos e minha filha, aulas para Mobral. Por isso, desejo aos moradores respeito uns
Ajudo a comunidade cantando Terno de Reis nos meses de dezembro e janeiro. Conheci
esse costume logo que casei, no lugar onde fui morar. Depois, quando cheguei aqui, eu
Naquele tempo era bom, as famílias eram pegas de surpresa. Nos recebiam com
tempo usamos uma bandeira branca, mas, nos anos 90, um morador ofertou ao grupo
uma nova, que tem no centro a pintura da cena da ida de José e Maria à Jerusalém.
porque, com o passar do tempo, foi se perdendo a surpresa de chegar as casas. O lanche
mudou. As crianças e adolescentes não levam mais a sério. Fico preocupada, pois se
continuar assim, penso que o Terno de Reis na comunidade será apenas uma lembrança.
Porém, enquanto tiver saúde e força eu, mais o grupo levaremos alegria para às famílias.
CAPÍTULO NOVE
residência de Ana, tiveram a ideia de construir uma igreja no bairro. Ana e Alaíde
Gaigher, filha de seu Darcy, pedir se ela cedia o local para fazer uma festa em benefício
1979. Foi uma festa bastante animada, com várias atrações: quadrilha, correio elegante,
jogo de argola e bala da sorte. A quadrilha foi cantada por dona Rusiane de Paula
Gaigher, tocada por Francisco Comininotti e Oswaldo Guerini (in memorian). O lucro
da festa foi de CR$ 17,00 (dezessete cruzeiros). Este dinheiro ficou na guarda do senhor
A partir deste dia os moradores uniram-se e celebraram missas e rezas nas casas
e na raia de bolas, faziam tômbolas para conseguirem mais dinheiro. Dona Glória
(in memorian), Adauri Cavallini (in memorian) e Augusto Destefani foram pedir ao
senhor Olides Lovatti se doaria o local da igreja, o Olides, com seu bom coração, doou
Num dia de sábado, do mês de fevereiro, do ano de 1980 iniciou a obra pelo
pedreiro Mauro Bianchi, a primeira pedra da construção foi colocada pelas mãos do
Padre João Confalonieri (in memorian) e os responsáveis pela obra foram o Mauro
Bianchi, Geraldo dos Santos e o Jovaldir Cavalini, mais conhecido com João. Os
moradores se prontificaram dando apoio para que nossa igreja fosse construída. Como o
dinheiro era pouco, no dia 30 de novembro de 1980 foi realizada uma festa em benefício
o término da obra, foi arrecadado bastante dinheiro, mas não o suficiente para terminar.
Sendo assim, Mauro Bianchi, com seu esforço, saía da comunidade no seu carro
pedindo doações para que desse fim à obra. O senhor. Bosco Costa contribuiu com a
doação de todo o piso e, enfim, a obra foi concluída. O senhor Rainor Breda fez a
desentendimento entre as pessoas, foi ali que surgiu a ideia de votação. Lauro Guerini, o
“Patoia”, passou de casa em casa entregando envelopes onde cada família colocaria o
nome de um santo de sua devoção, sendo que Santo Antônio foi o escolhido para ser o
padroeiro da comunidade.
Nossa Senhora das Graças, que foram de uma propriedade particular. Todos aceitaram.
bastante danificadas devido muito tempo em sua guarda. Quando as imagens ficaram
organizada por mim, Erta de Paula Gaigher e Lauro Guerini, o responsável pelo altar,
padroeiro, presidida pelo Padre Humberto Pietrogrande sendo que ele também assistiu à
eventos que, em dias de hoje são realizados por outros moradores. O senhor Lauro Rosa
(in memorian) e dona Jaci de Amorim Rosa que, há muitos anos vem conduzindo a o
Cachoeirinha.
Meus pais, Darcy de Paula Gaigher e Gilda de Paula Gaigher eram primos: ele,
Após o casamento, passaram a residir junto com os pais e irmãos de meu pai, na
Fazenda Cachoeira do Benevente. Após a morte de Celso Nazário de Paula, meu avô,
minha avó, Amélia Forattinni Gaigher e seus filhos, meus tios, foram morar em Vitória.
mais tarde denominou-se Fazenda Granja Cachoeirinha. Ali, tiveram seis filhos:
Meu pai era filho de Celso Nazário de Paula e Amélia Forattinni Gaigher. Minha
Meu avô paterno, ficou órfão de pai e mãe aos 16 anos de idade, assumiu seus quatro
irmãos menores. Tão grande era sua fé, que soube conduzir os irmãos em uma família
de 10 filhos. Foi filiado ao Centro Espírita Henrique José de Melo, em Vitória. Foi
Com o falecimento de vovô Celso, meu pai adquiriu as partes que pertenciam a
seus irmãos para ampliar a Fazenda Cachoeirinha. Comprou uma área de terra do senhor
Fioravante Venturi, e também a parte de sua viúva, onde existia uma capela de Santo
necessidade de fundar e construir uma igreja católica, que também teve como patrono
Santo Antônio. Logo que foi rezada a primeira missa pelo padre, meu pai doou para a
igreja a imagem de Santo Antônio, bem como o sino da antiga capela. Nesse dia foi
Mamãe era católica e papai também espiritualista, igual vovô, mas isso nunca
município e adjacências.
congá instalado em minha casa de de Congá Calujê Celso Nazário e Ocara de Yumaytá.
Como muitos sabem, em nossa propriedade existia um templo com raízes em religiões
Seguindo as atitudes de meu avô, após teve a retirada das imagens das igrejas,
logo tomou providências para construir uma igreja para São Benedito no bairro
colocaram São Benedito dentro de uma capela, a qual mais tarde foi reformada. Anos
Por 49 anos o mastro de São Benedito foi escondido na nossa propriedade, uma
população.
programação religiosa com missas, procissões e leilões. À noite o mastro era escondido
na casa de papai e no dia 27 toda a comunidade ia busca-lo para ser fincado em frente
ao ‘barracão do congo’, ao som dos tambores, jongos, etc. Tudo isso fez com que os
uma bebida feita com cachaça. O mastro era todo enfeitado em louvor ao Santo Negro,
ali permanecia até 20 de janeiro, Dia de São Sebastião. O cortejo tinha à frente o capitão
Por falar em ‘congo’, lembro das figuras de Evaristo, Campista; Dolores, Maria
Morena; Maria Banha, Coleta; Miranda, Niniva; Aurélio, Santo; Brauro, Olindão; Chico
Venâncio, Bacurau; Antonina, Luiz Vergínio; Ivo Pereira, Valdo e a dupla Abrão e
Aurelina. É sempre necessário lembrar desse time e resgatar a memória cultural do povo
de Alfredo Chaves.
Jongo na Casa do senhor Darcy Gaigher de Paula, década de 1980 | Créditos:
Arquivo/Clovis Rangel
Jongo na Casa do senhor Darcy Gaigher de Paula, década de 1980 | Créditos:
Arquivo/Clovis Rangel
Um jongo muito conhecido por meu pai era:
O batuque de ‘congo’ avisava que a novena iria começar. O foguete avisava que o
Lembro – me de como se fosse hoje das noites em que minha mãe, Celita
Rangel, ia para escola aprender a ler nas aulas da sua filha primogênita, a Josiane
Rangel. E com a mesma lucidez me recordo da Josi estudando suas disciplinas do curso
Acredite!
por hora, escrevendo um livro sobre a história e memórias do nosso bairro de nascença
de onde a ideia surgiu após conhecer uma iniciativa realizada por ela enquanto
formato terá esta entrevista com minha irmã mais velha que sempre me inspirou? Como
adapto a fala dela ao que o leitor espera deste livro de memórias? ”. Imediatamente me
veio a resposta: “Josi, contando sua experiência na primeira pessoa”. Sendo assim, de
colocasse dentro dela para melhor poder interpretar seu pensamento e sua intenção de
fala. E esta entrevista foi se compondo como um grande teatro infantil. Um monólogo
a “Tia Josi” que sempre ocupou o centro absoluto da pauta por sua seriedade, agora,
cachoeirinha. Uma das memórias foi minha participação enquanto escriba na escrita do
Alunos do Programa Alfabetização Solidária do bairro Cachoeirinha | Créditos:
Arquivo/Clovis Rangel
livro “Narradores da Cachoeirinha”, que apresenta relatos dos moradores mais antigos,
querer comunitário, cujo desejo unanime dos autores é que a comunidade continue se
desenvolvendo.
profissionais alfabetizadores.
O local das aulas, era em uma sala cedida pela escola municipal da comunidade,
em duas turmas. A outra professora foi Lucineia Quintino, juntas propiciamos muitas
linguagem.
Arquivo/Clovis Rangel
E foi no dia da aula sobre a “História de onde moro”, após assistirem o filme
longa-metragem conta história de um distante vilarejo chamado Javé que estava prestes
a ser destruído por causa da construção de uma usina hidrelétrica, a região foi
lugarejo.
história do próprio bairro, visitando os moradores mais antigos. E assim iniciou a linda
entusiasmo, bom café e muita prosa, foi uma experiência magnifica para os
essência do bairro.
contexto social que vive, partindo da concepção que é parte fundamental do processo de
desenvolvimento. Como dizia Paulo Freire: “Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo.
Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso
aprendemos sempre”.
recorrer ao livro e suas narrativas, comprova o poder da escrita, uma linguagem que
merece ser preservada e propagada na atual conjectura digital. Saber que o livro
Narradores da Cachoeirinha está sendo fonte de pesquisa para edição de outro livro
para se viver.