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Resumo: O presente artigo propõe a leitura da canção de Oswaldo de Souza sob a perspectiva
proposta pela poética do espaço de Gaston Bachelard, a partir de uma análise fenomenológica de
elementos presentes na obra, tais como a tipologia das relações do homem com o seu habitat no
espaço geofísico do litoral e sertão nordestino. As novas leituras, considerando a imagem como
um fenômeno, podem auxiliar o entendimento, cada vez mais pleno e orgânico do processo
interpretativo da obra de arte como um todo.
The Poetics of Space by Bachelard to the Aid of Imaging in Song by Oswaldo de Souza
Abstract: This paper proposes the reading of song in the work by Oswaldo de Souza in view of
the poetics of space by Gaston Bachelard by performing a phenomenological analysis of the
elements present in the work as the typology of relations of the man from the northeast with his
habitat in the geophysical space of the northeastern coast and backwoods. The new readings,
considering the image as a phenomenon, can aid the increasingly full understanding and organic
interpretive process of the artwork as a whole.
Introdução
Oswaldo de Souza (1904-1995) nasceu em Natal, Rio Grande do Norte, no dia
1º de abril de 1904. Vindo de uma família bem sucedida e de vínculos políticos, foi
favorecido pelas oportunidades de obter sólida educação e vivenciar inúmeras experiências de
brasilidade, como descreve a professora e cantora Fátima de Brito a partir do testemunho do
próprio compositor:
Oswaldo de Souza foi menino numa Natal pequena, com características muito
provincianas e, como se isso não bastasse, passava férias na fazenda do avô
(Convém lembrar que Oswaldo de Souza nasceu em 1904!), um lugar onde havia os
sons dos rabequeiros e dos vaqueiros soltando a voz nos aboios! Se os primeiros
entoavam suas canções se auto-acompanhando na rabeca, os segundos soltavam a
voz na amplidão do campo chamando os bois no cantochão da garganta. Atesto isto
nas suas peças “Louvação” e “Retirada”. (BRITO, 2009, p. 2)
1
Orientadora: Profª Drª Luciana Monteiro de Castro Silva Dutra
IVSeminário da Canção Brasileira– Escola de Música da UFMG
[...] de ele ter nascido num lar de mãe pianista e, como era um menino musical, sua
curiosidade pela música se manifestava através do toque e/ou sons do piano, veículo
doméstico para expressão musical (BRITO, 2009, p. 2).
No caso de Oswaldo de Souza este tom ele já trazia dentro de si, no seu “baú de
memórias”, e ele, mesmo saindo do nordeste para o sudeste, nunca descartou o
valor de suas raízes, e todo o aprendizado, ampliado aí, ele converteu num tom mais
que regionalista, num tom brasileiro (BRITO, 2009, p. 13, grifo do autor).
2
01. Pequena canção de assunto histórico; 02. Fragmento musical, impregnado de sentimento, para uma voz ou
um instrumento, caracterizado pelo tom sentimental e melodioso.
3
A Semana de Arte Moderna, posteriormente conhecida como “Semana de 22”, foi um movimento deflagrado
em São Paulo em 1922. Este movimento teve forte repercussão nos meios intelectuais brasileiros, modificando a
linguagem artística vigente até então no País. Este movimento abrangeu a todos os aspectos estéticos. São seus
vultos mais conhecidos: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Di Cavalcante, Villa-Lobos
e Victor Brecheret.
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A paisagem nordestina é presente nos seus diversos aspectos: litoral, sertão e zonas
urbanas. Estas últimas trazem, como um retrato, a cidade de Natal das primeiras
décadas do séc. XX através da sonoridade das modinhas cantadas nos salões das
famílias abastadas e também das modinhas de seresta cantadas pelos seresteiros em
serenatas sob as janelas de suas amadas (BRITO, 2009, p. 12).
[...] escreveu predominantemente para voz média, uma vez que este
registro se aproxima mais da dicção, sem grandes impostações vocais, do
cantar regional, sendo esse, em sua obra, retratado numa tessitura mais
central do registro vocal cantado. (BRITO, 2009, informação verbal).
O canto artístico é governado por ideias ou conceitos que ocupam a mente do cantor
durante seu desempenho. Um conceito é a imagem mental que formamos de uma
ação ou objeto e seria impossível executarmos um ato declamatório inteligível sem
termos formado tal imagem. (FIELDS, 1984, p.5, tradução livre) 5
4
Conversas e ensaios realizados sobre a obra de Oswaldo de Souza durante entrevista concedida a este autor na
residência da Professora Fátima de Brito em Maceió – Alagoas de 01 a 05 de junho de 2009 (informação verbal).
5
“Artistic singing is governed by the ideas or concepts that fill the singer’s mind during his performance. A
concept is the mental image we form of an action or thing and it is unlikely that we could ever perform an act of
intelligible utterance without having formed such an image.” (FIELDS, 1984, p.5)
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Todos estes atributos conferidos a casa como espaço da alma traduzem como sua
origem primeira no mundo, sua casa natal. O poeta, apropriando-se deste entendimento, sabe
bem discernir nossas lembranças guardadas nos vários compartimentos desta casa, à qual
regressamos inúmeras vezes, no decorrer de nossas vidas, em nossos devaneios. O espaço,
fenomenologicamente, é um grande aliado psicológico à análise do ser. É nele que se encontra
o mais profundo, às vezes intacto, identificável da nossa intimidade. Conhecer nossa
intimidade (espaços da nossa casa em particular) ressoará como espaço vivido, propriedade de
quem não mais se sente estrangeiro em seu próprio espaço (mundo) e no qual se sente ligado e
sustentado por ele. Sendo os locais da vida íntima, o loco, analogicamente, os espaços da casa
(nosso ser), estes possibilitam então um estudo psicológico sistemático de nossa vida íntima,
uma:
topofilia, que visa determinar o valor humano dos espaços amados, sem levar em
conta os espaços de hostilidade e os espaços de ódio e de combate associados a
imagens apocalípticas e a matérias ardentes, tais como o fogo, os incêndios, os
vulcões ou as guerras. (SOUSA, 2008) 6
6
Matéria publicada por J. Francisco Saraiva de Sousa em 05 de julho de 2008 no blog CyberCultura e
Democracia Online. Acessado em 21/09/2014.
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Segundo Bachelard (2008), o homem habita a sua casa antes de habitar o mundo:
"Todo o espaço realmente habitado traz a essência da noção de casa" e "a casa é o nosso canto
do mundo", uma possibilidade integradora do todo (corpo, alma e espírito) que forma o
homem com seu espaço amado, podendo ser representado nas canções de Oswaldo de Souza
como, tanto o sertão quanto o litoral, uma tipificação da morada (casa) do homem nordestino
que se encontra em profunda relação com este meio geográfico (habitat) que é sua casa, sua
identidade, sua felicidade e, porque não dizer, sua própria existência.
A fenomenologia bachelariana contribui à validação de aspectos intuitivos e
orgânicos da interpretação a partir da percepção, por parte do performer, como intérprete e
fruidor, de imagens evocadas do universo poético musical, aqui representado pelas canções de
Oswaldo de Souza. Salientamos que toda esta operação se dá juntamente com o auxílio de
análise estilística da obra de arte como um todo.
Referências
BACHELARD, Gastón. A poética do espaço. 2ª edição. São Paulo – SP: Martins Fontes
(Tópicos), 2008.
BRITO, Maria de Fátima. Vida e obra do compositor Oswaldo de Souza. Entrevista gravada
em Maceió a 01 de junho de 2009 e transcrita em forma de apêndice, páginas 138 a 149, na
dissertação de mestrado de John Kennedy Pereira de Castro, 2010.
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CASTRO, John Kennedy Pereira de. Paisagismo musical do nordeste brasileiro em quatro
canções de Oswaldo de Souza: uma abordagem analítico-interpretativa. Dissertação
(Mestrado) – Departamento de Música/Escola de Comunicações e Artes / USP. São Paulo: J.
K. P. de Castro, 2010. 169 p + Anexo.
FIELDS, Victor Alexander. Foundations of the singer’s art. The National Association of
Teachers of Singing, 2nd Edition: New York, 1984.
GALVÃO, Cláudio Augusto Pinto. Oswaldo de Souza: o canto do nordeste. Rio de Janeiro –
RJ: FUNARTE, 1988.
SOUSA, J. Francisco Saraiva de. Gaston Bachelard: Poética da Casa. Publicado por Sousa,
Sábado, 05 de Julho de 2008. Cyber Cultura e Democracia Online.
http://cyberdemocracia.blogspot.com/2008/07/gaston-bachelard-potica-da-casa-3.html