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O que faz o lean funcionar?

Autor: Daniel Jones


Outubro de 2010

A grande contribuição da Toyota para a prática de gerenciamento é que ela criou uma
síntese inédita de três abordagens fundamentais para a melhoria — a análise da
qualidade e o uso do método científico aprendido com Shewhart e Deming; o
pensamento no processo de organização do fluxo de trabalho inspirado inicialmente em
Henry Ford e burilado pelos próprios experimentos de Taiichi Ohno na Toyota; e como
as pessoas aprendem com o programa de Treinamento dentro da Indústria desenvolvido
pelo governo dos EUA durante a Segunda Guerra Mundial.

Muitas organizações experimentaram o poder de envolver os funcionários no uso de


ferramentas enxutas para eliminar o desperdício no local de trabalho. Outras continuam
a usar os princípios Lean para agilizar o fluxo de trabalho por meio de seus fluxos de
valor. Mas, na verdade, isso é apenas parte de um modo muito diferente de gerenciar e
liderar mudanças. Embora muito se tenha escrito recentemente sobre as ferramentas de
gerenciamento da Toyota, tais como a mentalidade A3 e a implementação de
estratégias, é igualmente importante compreender o objetivo ou a “liga” que as torna
eficazes. O importante não são as ferramentas em si, mas o modo elas são usadas. Uma
boa maneira de entender isso é fazendo quatro perguntas fundamentais.

Primeira: como fazer com que todos se concentrem nas poucas melhorias vitais que
farão a maior diferença para a organização? A resposta Lean é usar o método científico
para entender as escolhas e pesquisar além dos sintomas para descobrir as causas
subjacentes, que são muito comuns. Atacar essas causas comuns é muito mais eficaz do
que se atirar em muitas soluções diferentes e lançar centenas de projetos na esperança
de que alguns tenham êxito.

Não é por acaso que as primeiras coisas que um novo gerente ganha de seu superior ao
entrar na Toyota são um problema e um formulário A3. O formulário A3 sistematiza o
diálogo entre eles e assegura que nenhuma etapa seja pulada, desde a definição do
problema até a reunião de fatos (em vez de simplesmente confiar em dados passados), o
estabelecimento de uma meta ou uma lacuna a ser preenchida, a compreensão da raiz do
problema, a proposição de uma série de contramedidas (não apenas uma), a verificação
dos resultados e a reflexão sobre as lições aprendidas. Durante todo o tempo, o superior
faz perguntas ao subordinado, em vez de dar-lhe as respostas.

Esforçar-se para definir o problema, entender suas causas básicas e propor meios
alternativos para resolvê-lo é uma experiência realmente enriquecedora que lança as
bases para uma compreensão mais profunda de problemas mais complexos à medida
que o gerente sobe de posição. Essa experiência facilita muito as duras discussões sobre
como descartar muitas opções para concentrar-se naquelas poucas que são vitais para
esboçar uma estratégia. Também ajuda a sistematizar as discussões sobre o
desdobramento com cada nível hierárquico mais baixo na organização, a fim de traduzir
essas poucas metas vitais em poucas ações vitais que preencherão as importantes
lacunas de desempenho. O ponto mais importante de usar o método científico para
concentrar-se nas poucas metas vitais é que todo mundo aprende a pensar do jeito certo
sobre as coisas certas.

Segunda pergunta: como preencher as lacunas de desempenho que são cruciais para a
organização? A resposta Lean é remover os obstáculos ao fluxo de trabalho que cria
valor, pelo qual os clientes estão pagando, que chamamos de fluxo de valor. Isso
significa combinar atividades antes administradas separadamente em um fluxo de valor
integrado, eliminando as fontes de variação desnecessária; otimizando o todo em vez
das partes; removendo filas, gargalos e transferências à medida que eles passam de um
departamento para outro; e alinhando o fluxo de trabalho à taxa de demanda. Na maioria
das organizações, ninguém vê ou é responsável por esses fluxos de valores horizontais
do início ao fim. Usar as ferramentas e os princípios Lean certos na sequência certa para
reprojetar todos os tipos de fluxos de valor é hoje uma experiência muito rica.

Contudo, nenhum fluxo de valor é uma ilha, e são necessários exatamente os mesmos
princípios para agilizar e sincronizar todas as atividades de apoio que possibilitam os
principais fluxos de valor, tais como entregar os desenhos e peças corretos para montar
uma aeronave ou entregar os resultados de exames, medicamentos e tratamentos certos
para dar alta a um paciente hospitalizado. A terceira dimensão essencial para viabilizar
os fluxos de valor é alinhar os processos de tomada de decisões da gerência com a o
ritmo do fluxo de valor, de modo que os problemas sejam escalados e respondidos
rapidamente e os projetos não fiquem parados aguardando as esporádicas reuniões de
revisão. Isso simplesmente significa enxergar e administrar a organização como um
conjunto de processos ou fluxos de valor interconectados, bem como o tradicional
organograma vertical.

A peça final desse quebra-cabeça é entender como a agilização desses fluxos de


trabalho se traduz em economia e lucro — dinheiro liberado com a redução dos atrasos,
dos estoques desnecessários, dos investimentos de capital em capacidade extra ou
armazenagem que, por exemplo, não são mais necessários; custos unitários mais baixos
decorrentes de fazer mais com menos; e crescimento das vendas em consequência da
satisfação de um número maior de clientes. O ponto principal de adotar a perspectiva do
fluxo de valor é aprender a ver o todo e saber onde agir para preencher as principais
lacunas de desempenho.

Terceira pergunta: como mudar o comportamento para trabalhar em conjunto de


forma mais eficaz em todos esses fluxos de valor? A resposta Lean é planejar não
apenas o que deveria acontecer com cada produto, paciente ou desenho à medida que
eles avançam no fluxo de valor, mas exatamente quando isso deve acontecer, e mostrar
claramente o progresso e os desvios desse plano. A avaliação do progresso de hora em
hora ou a cada dia possibilita às equipes responder prontamente e rever o plano para
priorizar os problemas recorrentes e analisar suas causas básicas.

Mostrar o progresso e expor os problemas em um ambiente sem censuras é muito mais


produtivo que escondê-los ou guardá-los no computador. Também é fundamental ser
capaz de administrar um processo muito mais interdependente, no qual as interrupções
têm um impacto muito maior sobre o desempenho geral do sistema. Qualquer um que já
participou de um exercício de mapeamento de fluxo de valor viu a mudança drástica de
comportamento que ocorre quando os participantes param em frente do mapa e veem
pela primeira vez como corrigir o processo interrompido em vez de acusar uns aos
outros. Os gerentes também começam a reconhecer que seu papel é ajudar a equipe de
linha de frente a executar seu trabalho, bem como a eliminar os maiores obstáculos para
isso.

Isso também vale para o ambiente de projeto. A Obeya, ou sala de projeto visual da
Toyota, é um meio eficaz de obter a concordância de diferentes departamentos sobre
ações comuns e acertar as poucas medidas comuns sobre o projeto que será medido.
Dividir o trabalho em incrementos diários ou semanais e analisar o progresso
diariamente significa que os deslizes e problemas que surgem podem ser resolvidos
rapidamente, em vez de esperar pela próxima reunião de fim de etapa. Registrar esses
problemas também é uma rica fonte de aprendizado para futuros projetos. O ponto
principal de fazer tudo às claras é aprender a trabalhar em conjunto para otimizar o
sistema inteiro.

Quarta pergunta: como manter os ganhos? A resposta Lean é gerar novos


conhecimentos mediante o aprendizado prático. Nós já descrevemos o poder de atuar
como mentor usando o pensamento A3 em toda a organização. Em um ambiente social
complicado em que as relações entre causa e efeito nem sempre são claras, o
aprendizado real vem de realizar muitos experimentos controlados para descobrir o que
funciona e o que não funciona. Em geral, os problemas não estão onde as pessoas
pensam que estão e as causas básicas nem sempre são óbvias. Ao estabelecer uma
linguagem comum para todos os tipos de solução de problemas, é possível perceber e
compartilhar não apenas o que funcionou, mas também como os problemas foram
resolvidos, de modo que outros possam fazer o mesmo.

O aprendizado prático também é a base para uma abordagem muito diferente da


transformação enxuta. Em vez de gastar um tempo enorme planejando e depois
aplicando um programa de treinamento desenvolvido centralmente na organização, que
é logo esquecido quando os especialistas vão embora, a transformação enxuta começa
com uma série de experimentos controlados em atividades-chave para possibilitar o
ganho de experiência o mais rápido possível. Isso então forma a base para outros
experimentos e para a formação de comunidades de prática que compartilharão
experiências e resultados. Essas comunidades também podem ser consolidadas em uma
intranet acessível a todos da organização e fortalecidas por competições e cerimônias de
reconhecimento dos projetos vencedores. O ponto principal dessa abordagem
experimental, baseada em evidências, é que todo mundo aprende a aprender fazendo e
refletindo.

O resultado de tudo isso é que a organização torna-se capaz de fazer coisas novas que
antes eram economicamente impossíveis. A oportunidade comercial é usar esses novos
recursos para virar a mesa sobre nossos concorrentes, até que eles aprendam a seguir o
nosso exemplo, quando então já deveremos estar muito à frente. Mas essa é uma outra
história para uma outra carta eletrônica.

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