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Faculdade Porto União e FAVENI

Curso de Pós Graduação em Neuropsicologia

Pós Graduação em Neuropsicologia

Simone Mayworm

Psicanálise e Neuropsicologia:
Atendimento psicanalítico para pacientes neurológicos

Petrópolis - RJ
2020
PSICANÁLISE E NEUROPSICOLOGIA:
ATENDIMENTO PSICANALÍTICO PARA PACIENTES NEUROLÓGICOS

Simone Mayworm

Declaro que sou autor(a)¹ deste Trabalho de Conclusão de Curso. Declaro também que o mesmo
foi por mim elaborado e integralmente redigido, não tendo sido copiado ou extraído, seja parcial ou
integralmente, de forma ilícita de nenhuma fonte além daquelas públicas consultadas e corretamente
referenciadas ao longo do trabalho ou daqueles cujos dados resultaram de investigações empíricas por
mim realizadas para fins de produção deste trabalho.
Assim, declaro, demonstrando minha plena consciência dos seus efeitos civis, penais e
administrativos, e assumindo total responsabilidade caso se configure o crime de plágio ou violação aos
direitos autorais. (Consulte a 3ª Cláusula, § 4º, do Contrato de Prestação de Serviços).

RESUMO- O presente artigo tem como objetivo discorrer sobre o uso da Psicanálise Clínica para
o tratamento psicoterápico em pacientes neurológicos (que podem ser pacientes com algum tipo de lesão
cerebral adquirida ou inata). Reflexão essa baseada em pesquisas bibliográficas e em trabalhos de
pesquisa e artigos sobre o assunto publicados na internet. A experiências de sofrimento e por vezes
muito traumáticas relacionadas à lesão estão diretamente ligados às particularidades referentes às
perdas cerebrais motoras e de cognição. Na primeira parte do trabalho traremos a definição de
Neuropsicologia, na segunda parte a definição de Psicanálise, na terceira parte as contribuições da
psicanálise para a abordagem destes casos e na quarta e última parte apresentaremos as
especificidades do atendimento psicanalítico, os fatores importantes e as fases do atendimento. A
metodologia empregada foi de pesquisa bibliográfica.

PALAVRAS-CHAVE: Psicanálise Clínica, Neuropsicologia.


Introdução

A clínica psicanalítica aliada à neuropsicologia pode atender com trabalho


psicoterápico tanto os pacientes neurológicos, seus familiares e cuidadores, quanto
auxiliar no tratamento, na reformulação de planos de reabilitação, na reavaliação
neuropsicológica conforme pesquisa realizada para elaboração deste artigo. Este artigo
discorre sobre o conceito de neuropsicologia e o conceito de psicanálise clínica e como
ambos os campos de atuação laboram para reabilitar pacientes com danos
neurológicos. No desenvolvimento do presente artigo o leitor irá se inteirar do que é a
neuropsicologia e a psicanálise e quais as contribuições que o profissional psicanalista
poderá contribuir para o bem estar do paciente que necessita se readaptar ao ambiente
familiar, social e profissional.
O que é Neuropsicologia?

A Neuropsicologia é uma especialidade da Psicologia, que atua na área da


saúde, educação e trabalho atuando no diagnóstico, acompanhamento, tratamento,
profilaxia, reabilitação e pesquisa de pacientes com comprometimento tanto
neurológico, quanto estrutural e funcional.

A Avaliação Neuropsicológica é o principal instrumento do neuropsicólogo,


relacionando técnicas para avaliar o comportamento do indivíduo (e suas emoções) que
sofreram alguma lesão ou possuem alguma disfunção cerebral. Doenças como o
Alzheimer e alterações comportamentais como a Epilepsia são alguns exemplos de
casos diagnosticados pela Avaliação Neuropsicológica.

O resultado da Avaliação Neuropsicológica auxilia todos os profissionais


envolvidos na reabilitação do paciente neurológico, pois apresenta dados para que
estes selecionem o tratamento mais adequado àquele paciente.
O que é Psicanálise?

Trata-se de um processo psicoterapêutico que investiga o inconsciente


(responsável pelo nosso comportamento). Esta abordagem de terapia, conhecida como
psicanálise tem como seu fundador Sigmund Freud (1856-1939). Outras escolas de
pensamento surgiram com o passar do tempo e contribuíram para o tratamento
psicanalítico.

A psicanálise clínica tem o inconsciente como a base do tratamento pois Freud


descobriu que muitos comportamentos conscientes são influenciados por forças
inconscientes, como memórias, impulsos e desejos reprimidos e tais comportamentos
podem ser inaceitáveis pela sociedade ou causar disfunções familiares causando
sofrimento para o analisando (ou paciente) e em toda a sua cadeia de
relacionamentos. 

A psicanálise procura as causas dos males de toda ordem, e tem a proposta de


encontrar as emoções reprimidas para resolvê-las com novos comportamentos e
libertar o indivíduo dos recantos do inconsciente. 

Uma memória, crença ou desejo que não está na superfície, ou seja, na nossa
vida consciente, pode afetar o nosso cotidiano e nossas relações e o tratamento
psicanalítico trará a oportunidade de trabalhar o psiquismo do paciente.
Contribuições da psicanálise para a clínica de pacientes neurológicos

Um dos propósitos do atendimento é proporcionar a interpretação psicológica


dos efeitos da lesão cerebral e de suas repercussões para o indivíduo, de forma a
permitir a demonstração da experiência subjetiva e todas as relações entre psiquismo,
experiência da doença e suas consequências motoras, cognitivas e perceptivas.
Refere-se desta forma a determinar como elas se relacionam na vida do indivíduo a fim
de ampliar para este a faculdade de pensar e de agir.
No caso dos pacientes neurológicos, o objeto do atendimento psicanalítico é
estudar e compreender os "acontecimentos psíquicos" numa situação de doença
somática grave, inicialmente aguda e depois crônica, com danos aos processos de
pensamento. A neuropsicologia cognitiva descreve os mecanismos da cognição e suas
ligações com as estruturas cerebrais, e a psicanálise estuda o papel da cognição para a
vida psíquica do indivíduo e sobre a vinculação da lesão cognitiva na vida pessoal
consciente e inconsciente do indivíduo.
Referimo-nos aqui sobre manter um local específico para a experiência subjetiva
de um ponto de vista teórico e prático, não importando qual seja a etiologia biológica da
doença. As teorias neurobiológicas cuidam do aspecto subjetivo da vida psíquica e aqui
à psicanálise cabe ocupar seu lugar. As relações entre os mecanismos cerebrais, os
processos biológicos e os processos psíquicos estão relacionados e necessitam da
complementaridade de atendimento aos pacientes neurológicos.
A neuropsicologia e a psicanálise clínica trabalham com diferentes abordagens,
mas que em certa medida serão complementares do ponto de vista da clínica.
Podemos dar um exemplo de um paciente que sofreu um AVC (acidente vascular
cerebral): do ponto do vista da neuropsicologia este incidente provocou perdas motoras,
cognitivas, perceptivas e limitações da autonomia do mesmo e do ponto do vista da
psicanálise também afetou as referências subjetivas deste paciente, sua relação
existencial com o mundo, com os objetos de seu desejo e seus ideais conscientes e
inconscientes, trazendo a castração ao psíquico. Podemos adentrar nas seguintes
definições: a psicanálise opera com a falta, ao passo que a neuropsicologia opera com
as perdas. Na teoria psicanalítica, a falta, é simbólica e se refere à castração e é
característica à condição do ser, do indivíduo, em torno da qual o psiquismo humano se
organiza e reorganiza constantemente. A perda é real, ou seja, refere-se à perda de um
objeto (deficiência, perda de um ente querido, etc) e no caso dos pacientes
neurológicos, a perda gerada pela doença associa o indivíduo com a falta, de maneira
cruel e sua superação pode ser difícil e lenta.
Um dos objetivos do tratamento realizado através da psicanálise aos pacientes
neurológicos é auxiliar os mesmos na percepção da nova situação onde há uma perda
e suas consequências, enquanto a neuropsicologia tem como objetivos readaptar o
indivíduo à vida cotidiana.
Pacientes neurológicos podem estar sofrendo as consequências de sequelas
motoras comprometendo parte dos movimentos, como uma lentidão nos movimentos
por exemplo. E há os casos em que o comprometimento se dá nas áreas cognitivas.
Em ambos os casos essas dificuldades serão sentidas consciente e inconscientemente,
como uma lentidão nos movimentos e em sua comunicação. Esse sofrimento ou
sentimento de discrepância provoca mudanças nas relações familiares, e essa
experiência causa perturbação e sofrimento em todo o círculo familiar e social e
especialmente sofrimento psíquico.
O que tem sido recomendado, e que se acredita proverá um pilar
para uma consistente integração da psicanálise e neurociência, é uma
plena investigação psicanalítica de pacientes com lesões neurológicas
focais. Em outras palavras, o que se recomenda é o mapeamento da
organização neurológica do processo mental humano que a psicanálise
revelou, usando a versão modificada do método de Luria da análise da
síndrome, pelo estudo da estrutura profunda das mudanças mentais nos
pacientes neurológicos que podem ser discernidos dentro
do setting psicanalítico. Desde que as investigações psicanalíticas
válidas só podem ser conduzidas no contexto do tratamento
psicanalítico, o método investigatório que se recomenda tem um
potencial de benefício secundário. Ele permite que se veja se e em que
extensão o tratamento psicanalítico pode contribuir para a reabilitação
de várias desordens de personalidade, motivação e emoção, que estão
associados com o dano focal neurológico. Os trabalhos dentro dessa
metodologia neuro-psicanalítica vêm sendo realizados no campo das
memórias, das emoções, dos sistemas motivacionais, do inconsciente
trazendo contribuições valiosas para as duas ciências. Um exemplo
onde as contribuições psicanalíticas têm sido muito ricas é no campo
dos estudos da regulação afetiva, orientando as pesquisas da
neurociência do desenvolvimento e psicologia do desenvolvimento,
campo em que as chamadas relações de objetos, tão estudados por
psicanalistas como Melanie Klein, Fairban e Mahler têm contribuído de
forma inegável.(Yusaku Soussumi, em O Que é Neuro-psicanálise,
artigo Cienc.Cult.vol56 São Paulo 2004)
Especificidades do atendimento psicanalítico

A psicanálise clínica para um paciente com quadro neurológico se faz


geralmente pela demanda não do próprio paciente mas de familiares cuidadores ou de
um profissional próximo como por exemplo, um fisioterapeuta ou um fonoaudiólogo, e
muitas vezes a psicoterapia neste caso, a psicanalítica, pode ser indicada ou
aconselhada pelo neurologista ou psiquiatra que esteja acompanhando o caso.
Acolhida a demanda pelo psicanalista, uma primeira, ou algumas entrevistas
serão necessárias para o terapeuta compreender de quem é a demanda e por quais
motivos a psicanálise foi solicitada. Nas primeiras entrevistas o paciente poderá falar da
sua visão perante a situação em que se encontra. O distúrbio neurológico muitas vezes
demanda grande dependência para locomoção e deslocamentos que torna o sofrimento
psíquico ainda mais agravado.
Toda a família estará em sofrimento físico ou psíquico, por causa da doença e é
por este motivo que geralmente a demanda será feita por parte dos cuidadores, sendo
estes da família, ou não. Natural também será que a entrevista inicial, ou as entrevistas
iniciais sejam realizadas com a presença de membros da família ou cuidadores. Se
houver a possibilidade de ouvir o familiar (cuidador ou não) demandante do
atendimento psicanalítico antes da primeira entrevista com o paciente neurológico, será
de grande valia e muito proveitoso para compreender o sintoma que originou o
encaminhamento. Por vezes poderá se notar que o que provocou a demanda foi o
sofrimento psíquico dos familiares ou dos cuidadores demandantes. Caberá desta
forma ao psicanalista verificar todas as variáveis para a implantação da psicoterapia
como por exemplo, o local do atendimento (se institucionalizado ou não e se há
possibilidade de locomoção), o melhor horário, como se dará o contrato e quem será o
responsável pelo mesmo.
Inicialmente os encontros se darão mais como momentos de comunicação. A
relação com o psicanalista é diversa da relação que o paciente tem com os médicos,
cuidadores e outros profissionais como o fisioterapeuta por exemplo.
Deve-se compreender os impactos peculiares de um acidente cerebral e suas
consequências. Deve-se ter sensibilidade quanto à dureza inerente que a doença
provoca sobre o doente e todos os que o acompanham, e que põe em questão para o
paciente a sua própria identidade, trazendo à sua mente sentimentos intensos como
medo, ansiedade, culpa, impotência, tristeza, etc. Estes sentimentos deverão estar sob
atenção constante do psicanalista devido à ocorrência da transferência, inerente ao
processo de atendimento psicanalítico.

Algumas fases surgirão no atendimento a que nos referimos, não


necessariamente se sucederão uma após a outra conforme descreveremos abaixo,
mas aparecerão no decorrer do tratamento durante as sessões.

Num primeiro momento o atendimento deverá auxiliar o paciente neurológico a


enxergar a doença como um evento superável, para que ele perceba abstratamente a
possibilidade de reestruturação psicológica. A sessão analítica permite ao paciente um
relacionamento mais genuíno consigo mesmo.

Prosseguindo no atendimento, o psicanalista deverá conduzir a análise para que


o indivíduo consiga reedificar o seu eu interior, colaborando para que o mesmo
reconheça a continuidade da reabilitação psíquica de forma profunda, percebendo
assim novas perspectivas, e maior lucidez ao lidar com o seu cotidiano, objetos e
pessoas que convivem com a doença junto à ele.

Neste terceiro momento o psicanalista dá prosseguimento ao processo


psicanalítico de forma natural e costumeira, onde serão postas em análise as questões
sociais tanto referente à doença quanto referente à temas anteriores da vida do
paciente, para que o mesmo consiga se atualizar, responder e começar a tratar suas
questões internas e melhorar assim a sua vida com a questão da doença grave que
sempre traz uma crise consigo.

O psicanalista irá conduzir o atendimento conforme sua prática clínica e sua


base teórica, de acordo com todos as etapas do processo terapêutico, perpassando por
todas as etapas descritas acima, de forma mais ou menos paralela. O atendimento
psicanalítico se dá na camada consciente sobre toda a vivência subjetiva sobre a
doença e tudo o que é relativo ao ambiente e as relações em que este se encontra por
conta da doença. O processo terapêutico conforme a linha psicanalítica se conduzirá
em todas as sessões e durantes estas onde o paciente neurológico se debruça sobre
seus conflitos conscientes e inconscientes, os interpreta e em seguida elabora novas
reflexões e comportamentos com o objetivo de maior qualidade de vida.
Conclusão

Concluímos que apesar de ainda existir a necessidade de muitas pesquisas no


campo da psicanálise, da neurologia e da neurociência, o atendimento psicanalítico
sem mostra mais do que viável: é hábil e habilidoso a fim de disponibilizar um
mecanismo apropriado para a assimilação do estado psíquico dos pacientes
diagnosticados neurológicos e respectivos tratamento psicoterapêutico já que a clínica
psicanalítica pode auxiliar na reabilitação psicológica dos mesmos, levando à estes
pacientes maior consciência acerca dos desafios morais a enfrentar no período de
readaptação e recuperação dos quadros apresentados.
Referências bibliográficas

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