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ESTRATÉGIAS

DIGITAIS E
PRODUÇÃO DE
CONTEÚDO
O storytelling
como técnica
para produção de
conteúdo na web
Nádia Maria Lebedev Martinez Moreira

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Definir storytelling no contexto digital.


>> Identificar o papel do storytelling na estratégia digital.
>> Aplicar storytelling em diferentes formatos midiáticos da web.

Introdução
A contação de história é uma tática evolutiva, uma das principais garantias de
sobrevivência da humanidade. Essa estratégia está presente em praticamente
todos os produtos de comunicação e design veiculados na internet. O jornalismo,
a publicidade, as relações públicas, o cinema e audiovisual, o rádio expandido, os
games e mais uma série de outros produtos da comunicação e do design precisam
da criação de histórias para dar suporte, sentido e audiência a seus produtos.
Neste capítulo, você vai estudar a importância do storytelling não só para as
mídias digitais, mas também para a história e o desenvolvimento de nossa espécie.
Vai também ver como aplicar o storytelling em diversos formatos e conteúdos
para a web.
2 O storytelling como técnica para produção de conteúdo na web

Importância do storytelling
Storytelling para produtos audiovisuais, inclusive os veiculados nos meios
digitais, são narrativas envolventes, histórias bem-elaboradas e que se valem
de recursos técnicos tanto no processo de produção quanto no de transmissão.
Entretanto, o storytelling envolve uma perspectiva ainda maior, porque faz
parte da história da humanidade (COMPARATO, 2018).
A organização de nossa vida, do nosso trabalho e da sociedade como
um todo passa pelo desenvolvimento de narrativas. Respostas, ainda que
incompletas e insatisfatórias para perguntas fundamentais, como quem eu
sou, quem eu fui e quem quero ser, são estruturadas na forma de história. Essa
habilidade de contar histórias é única; somos — pelo menos ao que se sabe
até hoje — os únicos seres vivos capazes de narrar, ainda que não sejamos os
únicos a desenvolverem formas de linguagem. Como explica o Harari (2015,
p. 30-31), o Homo sapiens tem habilidades de linguagem e cognitivas únicas.

Todos os animais têm alguma forma de linguagem. Até mesmo os insetos, como
abelhas e formigas, sabem se comunicar de maneiras sofisticadas, informando
uns aos outros sobre o paradeiro de alimentos. Tampouco foi a primeira linguagem
vocal. Por exemplo, macacos-verdes usam gritos de vários tipos para se comuni-
car. Os zoólogos identificaram um grito que significa: “Cuidado! Uma águia”. Um
grito um pouco diferente alerta: “Cuidado! Um leão! ”. Quando os pesquisadores
reproduziram uma gravação do primeiro grito para um grupo de macacos, estes
pararam o que estavam fazendo e olharam para cima assustados. Ao ouvir uma
gravação do segundo grito, o grupo subiu rapidamente em uma árvore. Os sapiens
podem produzir muitos mais sons do que os macacos-verdes, mas as baleias e os
elefantes têm habilidades igualmente impressionantes. Um papagaio pode dizer
qualquer coisa proferida por Albert Einstein, além de imitar o som de telefones
chamando, portas batendo e sirenes tocando. Qualquer que fosse a vantagem de
Einstein sobre um papagaio, não era vocal. O que, então, há de tão especial em nossa
linguagem? A resposta mais comum é que nossa linguagem é incrivelmente versátil.

A forma como conectamos sons e sinais limitados e produzimos um número


infinito de idiomas e frases, cada uma com diversos significados possíveis, faz
de nós muito mais versáteis, porque “Podemos, assim, consumir, armazenar
e comunicar uma quantidade extraordinária de informação sobre o mundo
à nossa volta” (HARARI, 2015, p. 31).
Perceba como a questão da dramaturgia de fato implica no uso da lin-
guagem bastante própria desenvolvida por nossa espécie. A forma como
a linguagem humana evoluiu, tornou-a um meio muito eficaz de partilhar
informações, afinal “[…] o Homo sapiens é, antes de mais nada, um animal
social. A cooperação social é essencial para a sobrevivência e a reprodução”
O storytelling como técnica para produção de conteúdo na web 3

(HARARI, 2015, p. 31). Essa cooperação social ocorreu por meio da fofoca.
Como explica o próprio autor, a fofoca é uma de nossas primeiras formas
narrativas, juntamente aos mitos, que fundaram nossa cultura.
Para que você possa visualizar melhor a função da contação de histórias
para a evolução da nossa espécie, observe o Quadro 1.

Quadro 1. Cronologia do universo e a evolução do Homo Sapiens

Anos atrás O que aconteceu

13,5 bilhões de anos Início do Universo. Estima-se que nesse período é que
surgem energia e matéria, além do começo da física e
da química com o surgimento dos primeiros átomos e
moléculas.

4,5 bilhões de anos Estima-se que tenha se dado a formação do planeta


Terra.

3,8 bilhões de anos Surgem os primeiros organismos, é o início da biologia.

6 milhões de anos É nesse período que a ciência registra o


desaparecimento do último ancestral comum ao
chimpanzé e hominídeos. Não fomos os únicos humanos
a habitar a Terra, apesar de, muito provavelmente,
sermos os únicos hoje. Muitas outras espécies de
humanos existiram: Australopithecusafarensis, Homo
rudolfenis, Homo erectus, Homo neanderthalensis,
Homo floresiensis, etc.

2,5 milhões de anos Registro do surgimento das primeiras ferramentas em


pedra, quando ocorre a evolução, na África, do gênero
Homo.

2 milhões de anos As diferentes espécies humanas se espalham por toda


África e Eurásia.

500 mil anos Os neandertais aparecem no Oriente Médio e na


Europa.

300 mil anos Aparecem os primeiros Homo sapiens, além do uso


cotidiano do fogo, mas não somente pelos sapiens;
outros hominídeos também dominavam essa técnica.

(Continua)
4 O storytelling como técnica para produção de conteúdo na web

(Continuação)

Anos atrás O que aconteceu

70 mil anos Acontece a Revolução Cognitiva: surgimento da


linguagem ficcional. A espécie começa a contar
histórias sobre ela mesma e desenvolve inclusive
técnicas de registro. O Homo sapiens passa a
transmitir uma quantidade cada vez maior de
informações sobre o mundo, sobre suas relações
sociais e sobre coisas que não existem no mundo
real, como espíritos tribais, deuses, figuras místicas e
mitológicas, etc.

12 mil anos Ocorre a domesticação de plantas e animais. Por


isso, o Homo sapiens deixa de ser nômade e passa
a constituir assentamentos permanentes. Esse
fenômeno é conhecido como Revolução Agrícola.

5 mil anos Aparecem os primeiros grandes reinos, as religiões


politeístas, a escrita e o dinheiro.

2 mil anos Início do cristianismo, primeira religião monoteísta,


do Império Han na China e do Império Romano no
mediterrâneo.

1,4 mil anos Início do Islamismo.

500 anos Ocorre a Revolução Científica, além das grandes


navegações, que associadas caminham para a
integração do planeta e sua compreensão enquanto
território único. Também se dá o início da ascensão do
sistema capitalista.

200 anos A Revolução Industrial marca uma mudança de


orientação política na humanidade. Substituímos
a compreensão de núcleos sociais, como família
e comunidade, por uma organização por Estado
e mercado. Iniciam-se as extinções em massa de
espécies de plantas e animais.

Hoje O midiático conecta a espécie em todo o mundo. Os


humanos transcendem os próprios limites terrestres
e habitam todos os espaços, seguindo narrativas
econômicas e políticas bastantes similares, e o
mercado nos torna interdependentes.

Fonte: Adaptado de Harari (2015).

O Quadro 1 evidencia a aceleração da evolução da espécie e um enorme


aumento em sua complexidade a partir da Revolução Cognitiva. Nós surgimos
O storytelling como técnica para produção de conteúdo na web 5

há 300 mil anos, pouco tempo se considerarmos que já havia hominídeos há


6 milhões de anos e ainda menos tempo se compararmos com o surgimento
do planeta, 4,5 bilhões de anos. Os sapiens, portanto, do ponto de vista
cosmológico, são muito recentes. É justamente a partir do surgimento da
linguagem ficcional, há somente 70 mil anos, que observamos uma aceleração
no desenvolvimento da espécie.
Quanto mais complexas se tornam as narrativas, mais desenvolvida se
torna a humanidade. O storytelling tem uma função muito maior que roteirizar
produtos comunicacionais contemporâneos; ele faz parte da organização de
nossa existência (COMPARATO, 2018). Não importa o tema — história de nossas
famílias, de nossa comunidade, dos deuses que acreditamos, da constituição
de nossas nações, do surgimento das marcas e produtos —, contar histórias
é o que tornou a espécie civilizada e a fez se destacar de forma tão eficaz e
agressiva, se comparada a qualquer outra espécie viva.

Equivocadamente, o senso comum associou evolução à ideia de


melhoria. Evolução se refere ao aumento de complexidade, que não
necessariamente é melhor que seu estado anterior. Hoje, nossa espécie tem
uma relação mais complexa com a natureza do que a que tínhamos na Revolução
Agrícola, há 12 mil anos. Antes, havia um grande equilíbrio entre nossa espécie
e todas as outras que habitavam o planeta. Quanto mais a humanidade evolui,
quanto mais complexa se tornou a nossa relação com a natureza, mais essa
última sofreu modificações, basta consideramos a extinção de uma série de
espécies desde a Revolução Industrial, há 200 anos.
As diferenças entre as gerações também deixam evidenciam que evolução
não é necessariamente uma melhoria. Pense, por exemplo, na concepção de
amizade que a geração de seus avós tinha e a que é experimentada por sua
geração. Antes, as relações de amizade eram, em sua essência, presenciais, de
uma participação direta na vida do outro, de um desenvolvimento profundo
nos laços comunitários, que eram determinados pelo espaço. As relações de
amizade, hoje, experimentam uma conexão virtual que permite contato cons-
tante. O presencial não deixou de existir, mas as relações sociais se tornaram
mais complexas, porque contam também com a possibilidade do digital. Isso
não significa, entretanto, que elas sejam melhores ou piores.

Storytelling e ambiente digital


O storytelling, como vimos anteriormente, está relacionado à capacidade de
nossa espécie de contar histórias. As narrativas ficcionais, quando aparecem,
por volta de 70 mil anos atrás, desencadeiam um processo de evolução muito
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rápido. Quanto mais complexo esse processo foi se tornando, mais determi-
nante o storytelling passou a ser para nós. Ele é absolutamente cotidiano,
mesmo que às vezes não sejamos capazes de percebê-lo:

Quando ouvimos a expressão contador de histórias, pensamos muitas vezes em


alguma pessoa dramática contando uma história para crianças, usando tons e vozes
diferentes. Mas você já percebeu que, em algum momento, somo todos contadores
de histórias? Pense na sua comunicação com outras pessoas ao longo do dia. Você
acorda pela manhã e conta uma história de um sonho que teve. No trabalho, você
conta a um colega sobre o que aconteceu na reunião de brainstorm no dia anterior.
No almoço, você conta a um amigo seus planos de tirar umas férias. E assim por
diante. Quando você pensa sobre isso, percebe que, na maior parte das vezes,
estamos contando histórias. Contar histórias é tão presente em nossas vidas que
nem nos damos conta (BUENO, 2020, p. 98).

No entanto, ainda que cotidiano, não é tão fácil de realizar, especial-


mente no ambiente digital. Para que o cérebro do usuário se conecte a uma
história, seja qual for, uma série de estratégias são necessárias: “Histórias
nos permitem dividir eventos em unidades menores, para que possamos
compreender melhor o que está sendo transmitido […]. Não basta escrever
um texto; é preciso envolver o usuário para que ele consiga criar imagens
daquilo que você está querendo transmitir” (BUENO, 2020, p. 98). Lembre-se
de que pensar em histórias é pensar em imagens, é construir cenas. Só assim
conexões são possíveis.
Campbell (2007) explica como esse envolvimento que temos com as histó-
rias e as imagens que produzem possuem uma memória ancestral. Para ele,
as narrativas, além de terem como origem mitos que fundaram a humanidade,
geraram uma série de relações simbólicas, com reflexos identificáveis nos
dias de hoje, inclusive e talvez principalmente, na mídia contemporânea,
atualmente muito bem representada no storytelling digital:

Pois, a mitologia, quando submetida a um escrutínio que considere não o que é,


mas o modo como funciona, o modo pelo qual serviu à humanidade no passado
e pode servir hoje, revela-se tão sensível quanto a própria vida às obsessões e
exigências do indivíduo, da raça e da época (CAMPBELL, 2007, p. 368).

Comparato (2018) se vale muito das reflexões de Campbell para orientar


sobre o que acredita ser uma boa construção de roteiro. Ao escrever sobre
a construção de roteiros para o ambiente digital, afirma que existem basi-
camente cinco grandes meios com os quais histórias podem ser contatas
no ambiente digital; afinal, apenas a forma diferencia o storytelling para
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literatura, rádio, cinema e televisão do que é feito nas mídias da internet.


Esses grandes grupos estão divididos na web conforme a seguir.

1. Transmissão: o e-mail é um bom exemplo desse caso, quando uma


mensagem autoral é transmitida de uma pessoa para outra.
2. Intercâmbio: quando ocorre uma troca de material entre as partes,
nos mais diversos formatos, podendo ser imediato ou não, nas mais
diferentes plataformas. Refere-se à troca de imagens, áudios, textos,
vídeos, fotos, links em serviços gratuitos, como Instagram, Twitter,
Snapchat, Tumblr, TikTok, WhatsApp, Facebook, etc.
3. Exposição: quando empresas, grupos ou pessoas expõem materiais
sobre si ou qualquer outro tema no espaço virtual de forma aberta e
não direcional, como em blogs, sites, etc.
4. Complementação: trata-se de um ambiente aberto, que pode pertencer
a um único indivíduo, a um grupo de internautas ou a uma empresa,
onde o conteúdo é complementado com informações sobre o tema em
foco. Isso é bastante comum na Wikipédia, no Facebook e no LinkedIn,
por exemplo.
5. Totalização: aqui, todos os grupos anteriores estão acoplados a outras
mídias, como o rádio, os smartphones ou a televisão, por exemplo.
O YouTube e plataformas de videoconferência, como Skype, Google
Meeting e Zoom, são exemplos de compartilhamento de conteúdo de
forma totalizante.

O storytelling no ambiente digital necessariamente precisará associar a


imagem, o objeto dramático e a interatividade para alcançar a virtualidade:

O que é virtual? Do latim escolástico virtuale, que existe como faculdade, porém
sem exercício ou efeito atual, real. É apenas potencial. Todavia, no sentido ci-
bernético, mesmo acontecendo e se passando num espaço conceitual “não real”
ou palpável pelos nossos dedos, tanto recebe do mundo real como influi nele. É
transformador e suscetível de ser transformado […]. Vimos que virtualidade é o
somatório de imagem, objeto dramático e interatividade, com portas de entrada
e saída múltiplas e variadas. Em outras palavras, o acesso a ela se dá por meio de
celulares, computadores, tablets, games portáteis, palmtops, consoles de games
e outros a serem inventados (COMPARATO, 2018, p. 441).

Na próxima seção, vamos explorar os fundamentos básicos para roteiros


e ficção no ambiente digital e as estratégias de pensar o storytelling para
as telas; afinal, são elas que fazem a mediação entre a história e o usuário.
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Estratégias para storytelling em ambiente


digitais
Não podemos nos esquecer que telas são como molduras: elas direcionam
nosso olhar, como explica Bridger (2018). Para nosso cérebro, não importa se
estamos olhando para uma tela, uma janela ou uma pintura, porque nossa
mente é condicionada a olhar para o interior da moldura. Ainda assim, o
instinto é, inicialmente, o de distância, ainda que a moldura atraia o olhar.
Isso ocorre pois, após a Revolução Agrícola, a espécie começou a desenvolver
todo tipo de abrigo para se proteger do frio, do calor, da chuva, de inimigos
e predadores; então, a janela assume um papel fundamental: do lado de
dentro, vemos o risco que está fora.
Por isso, o papel do storytelling em qualquer produto de comunicação
é, em seu primeiro instante, vencer essa distância biologicamente impressa
em nós daquilo que está dentro da moldura, daquilo que está passando na
tela. O storytelling precisa envolver o usuário.

Evidentemente, o tipo de moldura visto com mais frequência no mundo de hoje é o


da tela de computadores e dispositivos móveis, que agora absorvem nossa atenção
como nunca antes. Um quarto das horas em que estamos despertos, passamos
diante de telas eletrônicas. Olhamos para vários formatos de tela: televisores,
tablets, telefones móveis, laptops, etc. Frequentemente, nossos olhos pulam de
uma tela para outra, como quando as pessoas estão navegando na internet em
um dispositivo móvel enquanto assistem a um programa de televisão (BRIDGER,
2018, p. 193).

Baitello Junior (2012, p. 89) alerta para a dependência que temos das telas
digitais contemporaneamente. Ele denomina o fenômeno como “tela-depen-
dência” e pontua que a tela mantém nossos corpos parados e domesticados
e nossa mente, nômade. Conhecemos outros mundos por meio das telas, mas
essa é uma forma de conhecimento bastante limitada, porque não é uma
experiência de mundo, apenas uma experiência da imagem: “Já há estudos
que comprovam que são as telas ou écrans o objeto da dependência. Falar
em objeto de dependência significa falar em objeto do desejo ao qual não
se consegue resistir” (BAITELLO JUNIOR, 2012, p. 89).
A presença das telas em nossas vidas é, portanto, determinante. O pesqui-
sador cita um estudo feito em 2012 (a tendência é que hoje os resultados sejam
ainda mais exacerbados), que investigou o tempo médio em que as pessoas
passam, diariamente, na frente dos mais variados tipos de tela. Esse estudo
monitorou indivíduos de 30 países desenvolvidos no mundo, incluindo Estados
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Unidos, China e Reino Unido. O tempo total superou 6,5 horas por dia, boa
parte do tempo em que as pessoas estão acordadas (BAITELLO JUNIOR, 2012).

„„ Smartphone: entre duas e três horas diárias.


„„ Notebook/PC: por volta de duas horas diárias.
„„ Televisão: entre uma hora e meia e duas horas diárias.
„„ Tablets: entre meia hora e duas horas por dia.

Perceba como a TV precisa competir com diversos outros dispositivos,


o que era impensável antes da popularização da internet. Exatamente por
isso, o storytelling precisa se adaptar aos diversos tipos de tela e, ainda
assim, formatos mais antigos têm comprovadamente vantagem sobre as
telas quando o assunto é leitura, por exemplo. De certa forma, sabemos que
optar por papel quando lemos documentos ou livros não é mera nostalgia ou
hábito das gerações mais velhas, pois “[…] absorvemos informações com mais
facilidade quando lemos no papel, não em telas” (BRIDGER, 2018, p. 195). Telas
não são de simples leitura; absorver o que se passa nelas é um desafio para
nossa mente. É, porém, um desafio absolutamente sedutor, a que, em diversos
momentos, não somos capazes de resistir, como vimos anteriormente sobre
a “tela-dependência”, muitas vezes calcada na capacidade de envolvimento
que o storytelling digital possui.
Ao desenvolvermos conteúdo, principalmente o que tem como base o
storytelling, é interessante estarmos cientes de algumas estratégias, que
veremos a seguir.

Efeito umbral
Imagine a seguinte cena: você está na sala e vai buscar algo na cozinha.
Quando chega lá, esquece completamente o que tinha ido pegar. Essa é uma
situação comum. Não é apenas uma falha de memória, mas uma consequência
de como nosso cérebro processa informações. Agora pense em outra cena:
você está na sala de casa estudando em seu computador. Seu celular toca no
quarto, e você vai atendê-lo. É um amigo seu, e vocês passam algum tempo
conversando. Depois disso, você vai até a cozinha e bebe um copo de água.
Você vai se lembrar dos três eventos separadamente. Os psicólogos chamam
isso de processo de segmentação de eventos.
É como se nossa mente percebesse nossa existência como um concatenar
de cenas: “O momento em que uma cena em curso está terminando e uma
nova cena está começando é chamado fronteira de evento, e as informações
10 O storytelling como técnica para produção de conteúdo na web

recebidas nessas fronteiras são lembradas depois com mais facilidade do


que outras” (BRIDGER, 2018, p. 199). Porém, ao atravessarmos a fronteira para
uma nova cena, a anterior tende a ser esquecida, isso é o efeito umbral. Por
isso, ao escrever um roteiro, é preciso ter em mente que o início e o final da
cena tendem a ser lembrados com mais facilidade e têm uma possibilidade
muito maior de fixação por parte do usuário.
Por isso, as propagandas que reservam a exposição de sua marca para o
final não são muito eficazes. Não é por acaso que, no jornalismo de uma forma
geral, o lead da notícia é dado logo no início da matéria. A alternativa para a
publicidade é a “pulsação da marca”, formas de lembrar a marca ao longo das
várias cenas e associar a história a ela. Essa associação pode ser, inclusive,
a logo discretamente posta no canto superior da tela (BRIDGER, 2018, p. 199).

Efeito Zeigarnik
Esse efeito diz respeito à tendência do cérebro de lembrar com mais faci-
lidade situações que não foram concluídas, pois “[...] atuam na mente até
as concluirmos e as esquecermos” (BRIDGER, 2018, p. 201). Esse efeito atua
no usuário forçando-o a preencher lacunas que foram deixadas, mantendo
sempre fresco em sua memória. O storytelling se vale disso a todo momento,
basta pensarmos no que ocorre na maioria das séries, tanto de um capítulo
para o outro, quanto de uma temporada para outra. Esse também é um
efeito bastante explorado nas franquias audiovisuais, como Marvel e DC,
principalmente em seus spin-offs.
Esse efeito geralmente é associado à “regra de fim de pique”, que determina
que, ao relatar qualquer experiência passada, a análise das pessoas sobre o
episódio é mais influenciada pela forma como se sentiram no final do pique
emocional da experiência vivida do que na conclusão do próprio episódio.
Nos roteiros produzidos para qualquer produto de comunicação, seja no
meio digital ou não, vale a pena dedicar-se à construção desse momento de
pique emocional, do clímax, porque nossa mente é condicionada a lembrar
esses episódios.
Por exemplo, uma das séries mais assistidas no início dos anos 2000, foi
The Sopranos, que conquistou muitos prêmios e audiência em vários países
do mundo. O efeito Zeigarnik foi muito explorado ao longo da série como
um todo, mas teve seu momento mais marcante justamente no seu último
episódio, até hoje parodiado por diversas mídias. A última cena mostra o
protagonista em uma encruzilhada sem resposta. O final foi inconclusivo
propositalmente e é lembrado por seus fãs justamente por isso.
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Efeito desinibição
Muito do que antes era presencial, hoje é conduzido pelas telas. Isso causa
o que os psicólogos e neurocientistas chamam de efeito desinibição, uma
tendência que temos de nos sentirmos mais livres e com menos restrições
sociais por meio das telas. Embora sabemos que isso pode acabar revelando
comportamentos violentos e agressivos de alguns usuários que se protegem
atrás do aparente anonimato — aparente porque estamos desenvolvendo
formas cada vez mais eficazes de identificar quem tem esse tipo de com-
portamento —, as empresas podem se valer da opinião verdadeira de seus
consumidores, porque as pessoas se comportam com mais honestidade
nesse contexto. O digital facilita formas de se expressar que muitas vezes
não ocorreriam presencialmente. É por isso que o storytelling pode ser usado
de maneira estratégica, estimulando a interação entre os consumidores e as
marcas, entre os leitores e os jornalistas, entre os usuários e os produtores
de conteúdo.
Por exemplo, muitas redações de veículos tradicionais e grandes portais
de notícia têm se adaptado e se valido da colaboração da audiência, princi-
palmente em casos extremos, como desastres naturais ou crimes de grande
proporção. Esse efeito desinibição faz com que o indivíduo filme a própria
casa, por exemplo, após uma enchente devastar seu bairro. A veiculação de
materiais produzidos pelos usuários comuns é cada vez mais cotidiana e
tem colaborado para aproximar jornalismo e sociedade civil como um todo.
O storytelling precisa se adaptar às várias telas e, como vimos, pesquisas
das áreas de marketing e neurociência nos apresentam estratégias eficazes
para atrair a audiência. Os roteiristas precisam considerar as especificidades
dos usuários, dos formatos de tela e dos conteúdos veiculados na elaboração
de narrativas relevantes.

Fundamentos do storytelling para mídias


digitais
Toda história que nos propomos a contar, principalmente o storytelling para
audiovisual, precisa ter o que chamamos de argumento, como a linha narrativa
pensada será acrescida de diálogos, de uma descrição dramática ou de uma
narração, como no caso dos documentários. Para isso, é preciso elaborar
um bom roteiro.
12 O storytelling como técnica para produção de conteúdo na web

Existem diferentes formas de definir um roteiro. Uma simples e direta seria: a


forma escrita de qualquer projeto audiovisual. [...] A “representação” do roteiro,
no entanto, é perdurável em função da tecnologia de gravação. Ela se assemelha
ao romance na possibilidade de manipular a fantasia na narração, já não na sua
capacidade de jogar com o espaço e o tempo de forma mais fidedigna, mas sim,
inclusive, no fato de não depender da representação do humano ao vivo. Em outras
palavras o ator continua atuando mesmo depois de morto (COMPARATO, 2018, p. 42).

Qualquer roteiro para projetos audiovisuais precisa seguir uma estrutura


narrativa, geralmente baseada em uma sinopse, a síntese da história a ser
contata contendo elementos como temporalidade, localização, percurso
da ação e desfecho (ALVES; ANTONIUTTI; FONTOURA, 2012). A seguir, você
conhecerá alguns fundamentos básicos do storytelling na web para diversos
tipos de roteiro, incluindo o ficcional. Essas são as técnicas que, após a
criação do argumento, são necessárias ao desenvolvimento da história que
queremos contar.

Jogos
Os roteiros para jogos virtuais requerem uma elaboração simultânea, ainda
mais se considerarmos os jogos digitais contemporâneos.

Com a invenção de máquinas interativas, como computadores pessoais [e


smartphones], uma grande variedade de games tomou força. Tais games são
produzidos com base em novas tecnologias muito bem detalhadas, personagens
cada vez mais “concretos” e sons com qualidade invejável (MENDES, 2006, p. 11).

Comparato (2018) lista oito temáticas de roteiro para jogos: ação, in-
vestigação, enigma, mistério, mitologia, esporte, ficção científica, misto e
erótico. O tipo misto é o mais comum, e muito da estrutura dramática nesse
tipo de storytelling é análoga ao que se faz em histórias em quadrinho. Outra
questão importante é compreender se é um jogo individual ou coletivo, pois
o peso dramático precisa ser o mesmo, seja para protagonistas, seja para
antagonistas. Todo roteiro de jogo conta com quatro elementos.

1. Personagem: é o avatar que fará a ponte entre jogador e história.


Ocorre um processo de identificação a partir de uma necessidade
dramática, seja na investigação de um mistério, de pistas ou na derrota
de um oponente.
2. Cenário: o universo em que o jogador irá atuar. O cenário é essencial
para a composição do jogo: “Quanto mais inusitado, curioso e diferente
O storytelling como técnica para produção de conteúdo na web 13

for o cenário, mais atraente será para o jogador. É por meio dele que se
determina que tipo de jogo será composto” (COMPARATO, 2018, p. 442).
3. Desafio: são as etapas que o jogador precisa passar para vencer o jogo,
que seguem a classificação do próprio conflito: humanas (inimigos,
vilões, traidores, etc.), não humanas (passagens secretas, monstros,
animais, armadilhas) ou ela própria (quando o jogador, por exemplo,
perde uma luta e regride).
4. Premiação: vencer o jogo é uma sensação totalmente associada a uma
satisfação pessoal, mesmo que momentânea. O prêmio pode ser um
troféu, a libertação da mocinha, se tornar um rei, enfim, uma série de
desfechos ficcionais, mas que impulsionam os jogadores.

Mundos virtuais
Experiências do tipo Second Life foram muito famosas em meados dos anos
2000. Empresas anunciavam nesse espaço, bandas realizavam shows virtuais
e todo tipo de “espaço” era negociado. O programa tinha uma moeda própria,
cujo lastro era o dólar, tal como todo o mercado financeiro funciona.

Ao contrário de diversos jogos, entretanto, no Second Life não há objetivos espe-


cíficos a serem alcançados ou missões a serem cumpridas. Podemos dizer que no
SL os usuários determinam suas próprias atividades no mundo, sem que haja uma
linha narrativa prévia ou um plano de jogo compartilhado, anterior às vivências
no mundo (LEITAO; GOMES, 2013, p. 23-24).

Ainda que hoje esse tipo de ferramenta não pareça ter tanta força, ainda
que busquem uma simulação da realidade, oferecendo bastante controle ao
usuário sobre sua própria narrativa na plataforma, ainda assim têm como
base fundante o storytelling. Um exemplo é o projeto Cidade do conhecimento,
da Universidade de São Paulo (USP). A principal ideia é que pesquisadores
do Brasil e colegas estrangeiros se valham do ambiente virtual para realizar
todo tipo de troca. O projeto ainda está em sua fase inicial.

Novos formatos
Ainda estamos no início do processo de exploração das possibilidades do
storytelling no meio digital. Todos os meios tradicionais ganharam novos
formatos ao se associarem com as mídias digitais. Televisão e rádio se expan-
diram para plataformas e aplicativos próprios, o cinema transcendeu suas
salas próprias e o jornalismo e a publicidade se tornaram multimidiáticos.
14 O storytelling como técnica para produção de conteúdo na web

A transformação do telespectador digital que está se movendo de atividades


sequenciais, assistir e então interagir, para realizar simultaneamente duas ativi-
dades distintas, interagir enquanto assiste, e por fim, para uma experiência única:
assistir e interagir em um mesmo ambiente. Não é difícil prever as perspectivas
econômicas dessa união, o aumento dos níveis de participação que em breve nos
permitirá apontar e clicar selecionando diferentes bifurcações em um simples
programa de televisão (COMPARATO, 2018, p. 451).

Independentemente do formato, é indispensável a concepção de roteiros


criativos e fundamental que haja uma definição de seu propósito para que a
história seja coerente com as possibilidades da mídia na qual ela é contata
(ALVES; ANTONIUTTI; FONTOURA, 2012, p. 193).

Reality show
A permanência ou não de um participante estará sempre atrelada à vontade
do público, que hoje participa inteiramente pela internet, seja acompanhando
em tempo real as diversas câmeras, seja votando para eliminar ou manter
alguém. O Brasil é um dos líderes nesse tipo de formato no mundo. Tempora-
das e personagens são usados para estudos não só na área de comunicação,
mas também para empresas que procuram associar suas marcas a esse tipo
de narrativa.
As estratégias de storytelling estão, essencialmente, na forma como a
equipe de produção do programa apresenta a história, os personagens e as
subtramas. Autenticidade é elemento essencial para a atração do público.
No entanto, como é claramente observado nas diversas edições do reality
show brasileiro de maior audiência, o Big Brother Brasil:

[…] o cotidiano concebido para o programa tem outra função igualmente importante
no que diz respeito à transmissão de uma ideia de autenticidade. As dificuldades
enfrentadas pelos participantes do Big Brother Brasil funcionam como etapas a
serem vencidas dentro de um processo de autoconhecimento. Para ultrapassar
os obstáculos presentes no formato, o competidor do reality show deve mostrar
capacidade de crescer e de se autorrealizar dentro do período de duração do
BBB. O (auto) aprendizado com os erros e desafios encontrados seria, de acordo
com essa moral, prova da existência de uma originalidade individual e de uma
competência em manter ameaças externas sob controle (CAMPANELLA, 2013, p. 13).

A edição tem um papel fundamental para dar o tom narrativo nesse tipo
de formato. Entretanto, não é comum produção, edição, direção e apre-
sentadores serem questionados, de forma insistente e com recordes de
compartilhamento, por fãs insatisfeitos com os desfechos do programa e a
O storytelling como técnica para produção de conteúdo na web 15

forma como seus participantes mais queridos ou odiados são retratados. O


digital é o que possibilita toda essa interatividade.

Web série
Não importa muito qual tipo de web série, o que interessa é que o roteirista
seja capaz de identificar para qual tipo de público está apresentando seu
conteúdo, além de ser fundamental a definição de gênero:

Para conceber roteiros criativos, é preciso definir o gênero e/ou formato. O gênero
é importante porque serve de âncora para o roteiro. No cinema, por exemplo,
existem diversos gêneros: suspense, comédia romântica, drama, etc. Na televisão
são as novelas, programas de humor e mistério, comédias de situação, seriados,
noticiários, entrevistas, programas de esportes, entre outros. É comum na televisão
um mesmo programa apresentar vários gêneros, como é o caso de um programa de
variedades, ou um noticiário exibir uma série de reportagens (ALVES; ANTONIUTTI;
FONTOURA, 2012, p. 193).

As autoras explicam que as web séries vão se valer dos gêneros televisivos
e cinematográficos para se construírem. Comparato (2018) caracteriza três for-
mas de audiência: um público que demonstra, em tempo real, um engajamento
ativo; um público mais reflexivo, que busca uma coerência a história; “[...] e
uma terceira categoria de espectador [que] retira prazer da navegação entre
as conexões de diferentes partes da história e do processo de descoberta de
arranjos diversos do mesmo material disponível” (COMPARATO, 2018, p. 453).
É preciso lembrar que a web série não segue o mesmo processo da
dramaturgia padrão televisiva ou cinematográfica. Aqui, um personagem
tem sua história disposta não só nos episódios que compõem a série, mas
também em redes sociais próprias, em um canal do Youtube, que conta com
desfechos próprios, em listas do Spotify, com suas músicas favoritas, enfim,
aqui o storytelling é multiplataforma.

O storytelling se vale de estratégias distintas dependo do meio em que é


contado, mas, ainda assim, como pudemos estudar ao longo deste capítulo,
muitas técnicas valem para qualquer produto audiovisual. Por isso, todo ro-
teirista precisa entender as possibilidades da plataforma e para qual público
sua história se destina.
16 O storytelling como técnica para produção de conteúdo na web

Referências
ALVES, M. N.; ANTONIUTTI, C. L.; FONTOURA, M. Mídia e produção audiovisual: uma
introdução. Curitiba: InterSaberes, 2012.
BAITELLO JUNIOR, N. O pensamento sentado: sobre glúteos, cadeiras e imagens. São
Leopoldo: Unisinos, 2012.
BRIDGER, D. Neuromarketing: como a ciência aliada ao design pode aumentar o enga-
jamento e a influência sobre os consumidores. São Paulo: Autêntica Business, 2018.
BUENO, R. Neuromarketing digital. Curitiba: Contentus, 2020.
CAMPANELLA, B. Tirando as máscaras: o reality show e a busca pela autenticidade
no mundo contemporâneo. E-Compós, v. 16, n. 1, 2013. Disponível em: https://www.e-
-compos.org.br/e-compos/article/view/872. Acesso em: 19 jan. 2021.
CAMPBELL, J. O herói de mil faces. São Paulo: Pensamento, 2007.
COMPARATO, D. Da criação ao roteiro: teoria e prática. 5. ed. São Paulo: Summus, 2018.
HARARI, Y. N. Sapiens: uma breve história da humanidade. 3. ed. Porto Alegre: L&PM, 2015.
LEITAO, D. K.; GOMES, L. G. Estar e não estar lá, eis a questão: pesquisa etnográfica no
Second Life. Revista Cronos, v. 12, n. 2, 2013. Disponível em: https://periodicos.ufrn.
br/cronos/article/view/3159. Acesso em: 13 jan. 2021.
MENDES, C. L. Jogos eletrônicos: diversão, poder e subjetivação. Campinas: Papirus, 2006.

Leitura recomendada
MAIS velho Homo Sapiens, de 300 mil anos, é encontrado no Marrocos. Pesquisa
FAPESP, n. 256, 2017. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/mais-velho-
-homo-sapiens-de-300-mil-anos-e-encontrado-no-marrocos/. Acesso em: 16 dez. 2020.

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