DIGITAIS E
PRODUÇÃO DE
CONTEÚDO
O storytelling
como técnica
para produção de
conteúdo na web
Nádia Maria Lebedev Martinez Moreira
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Introdução
A contação de história é uma tática evolutiva, uma das principais garantias de
sobrevivência da humanidade. Essa estratégia está presente em praticamente
todos os produtos de comunicação e design veiculados na internet. O jornalismo,
a publicidade, as relações públicas, o cinema e audiovisual, o rádio expandido, os
games e mais uma série de outros produtos da comunicação e do design precisam
da criação de histórias para dar suporte, sentido e audiência a seus produtos.
Neste capítulo, você vai estudar a importância do storytelling não só para as
mídias digitais, mas também para a história e o desenvolvimento de nossa espécie.
Vai também ver como aplicar o storytelling em diversos formatos e conteúdos
para a web.
2 O storytelling como técnica para produção de conteúdo na web
Importância do storytelling
Storytelling para produtos audiovisuais, inclusive os veiculados nos meios
digitais, são narrativas envolventes, histórias bem-elaboradas e que se valem
de recursos técnicos tanto no processo de produção quanto no de transmissão.
Entretanto, o storytelling envolve uma perspectiva ainda maior, porque faz
parte da história da humanidade (COMPARATO, 2018).
A organização de nossa vida, do nosso trabalho e da sociedade como
um todo passa pelo desenvolvimento de narrativas. Respostas, ainda que
incompletas e insatisfatórias para perguntas fundamentais, como quem eu
sou, quem eu fui e quem quero ser, são estruturadas na forma de história. Essa
habilidade de contar histórias é única; somos — pelo menos ao que se sabe
até hoje — os únicos seres vivos capazes de narrar, ainda que não sejamos os
únicos a desenvolverem formas de linguagem. Como explica o Harari (2015,
p. 30-31), o Homo sapiens tem habilidades de linguagem e cognitivas únicas.
Todos os animais têm alguma forma de linguagem. Até mesmo os insetos, como
abelhas e formigas, sabem se comunicar de maneiras sofisticadas, informando
uns aos outros sobre o paradeiro de alimentos. Tampouco foi a primeira linguagem
vocal. Por exemplo, macacos-verdes usam gritos de vários tipos para se comuni-
car. Os zoólogos identificaram um grito que significa: “Cuidado! Uma águia”. Um
grito um pouco diferente alerta: “Cuidado! Um leão! ”. Quando os pesquisadores
reproduziram uma gravação do primeiro grito para um grupo de macacos, estes
pararam o que estavam fazendo e olharam para cima assustados. Ao ouvir uma
gravação do segundo grito, o grupo subiu rapidamente em uma árvore. Os sapiens
podem produzir muitos mais sons do que os macacos-verdes, mas as baleias e os
elefantes têm habilidades igualmente impressionantes. Um papagaio pode dizer
qualquer coisa proferida por Albert Einstein, além de imitar o som de telefones
chamando, portas batendo e sirenes tocando. Qualquer que fosse a vantagem de
Einstein sobre um papagaio, não era vocal. O que, então, há de tão especial em nossa
linguagem? A resposta mais comum é que nossa linguagem é incrivelmente versátil.
(HARARI, 2015, p. 31). Essa cooperação social ocorreu por meio da fofoca.
Como explica o próprio autor, a fofoca é uma de nossas primeiras formas
narrativas, juntamente aos mitos, que fundaram nossa cultura.
Para que você possa visualizar melhor a função da contação de histórias
para a evolução da nossa espécie, observe o Quadro 1.
13,5 bilhões de anos Início do Universo. Estima-se que nesse período é que
surgem energia e matéria, além do começo da física e
da química com o surgimento dos primeiros átomos e
moléculas.
(Continua)
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(Continuação)
rápido. Quanto mais complexo esse processo foi se tornando, mais determi-
nante o storytelling passou a ser para nós. Ele é absolutamente cotidiano,
mesmo que às vezes não sejamos capazes de percebê-lo:
O que é virtual? Do latim escolástico virtuale, que existe como faculdade, porém
sem exercício ou efeito atual, real. É apenas potencial. Todavia, no sentido ci-
bernético, mesmo acontecendo e se passando num espaço conceitual “não real”
ou palpável pelos nossos dedos, tanto recebe do mundo real como influi nele. É
transformador e suscetível de ser transformado […]. Vimos que virtualidade é o
somatório de imagem, objeto dramático e interatividade, com portas de entrada
e saída múltiplas e variadas. Em outras palavras, o acesso a ela se dá por meio de
celulares, computadores, tablets, games portáteis, palmtops, consoles de games
e outros a serem inventados (COMPARATO, 2018, p. 441).
Baitello Junior (2012, p. 89) alerta para a dependência que temos das telas
digitais contemporaneamente. Ele denomina o fenômeno como “tela-depen-
dência” e pontua que a tela mantém nossos corpos parados e domesticados
e nossa mente, nômade. Conhecemos outros mundos por meio das telas, mas
essa é uma forma de conhecimento bastante limitada, porque não é uma
experiência de mundo, apenas uma experiência da imagem: “Já há estudos
que comprovam que são as telas ou écrans o objeto da dependência. Falar
em objeto de dependência significa falar em objeto do desejo ao qual não
se consegue resistir” (BAITELLO JUNIOR, 2012, p. 89).
A presença das telas em nossas vidas é, portanto, determinante. O pesqui-
sador cita um estudo feito em 2012 (a tendência é que hoje os resultados sejam
ainda mais exacerbados), que investigou o tempo médio em que as pessoas
passam, diariamente, na frente dos mais variados tipos de tela. Esse estudo
monitorou indivíduos de 30 países desenvolvidos no mundo, incluindo Estados
O storytelling como técnica para produção de conteúdo na web 9
Unidos, China e Reino Unido. O tempo total superou 6,5 horas por dia, boa
parte do tempo em que as pessoas estão acordadas (BAITELLO JUNIOR, 2012).
Efeito umbral
Imagine a seguinte cena: você está na sala e vai buscar algo na cozinha.
Quando chega lá, esquece completamente o que tinha ido pegar. Essa é uma
situação comum. Não é apenas uma falha de memória, mas uma consequência
de como nosso cérebro processa informações. Agora pense em outra cena:
você está na sala de casa estudando em seu computador. Seu celular toca no
quarto, e você vai atendê-lo. É um amigo seu, e vocês passam algum tempo
conversando. Depois disso, você vai até a cozinha e bebe um copo de água.
Você vai se lembrar dos três eventos separadamente. Os psicólogos chamam
isso de processo de segmentação de eventos.
É como se nossa mente percebesse nossa existência como um concatenar
de cenas: “O momento em que uma cena em curso está terminando e uma
nova cena está começando é chamado fronteira de evento, e as informações
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Efeito Zeigarnik
Esse efeito diz respeito à tendência do cérebro de lembrar com mais faci-
lidade situações que não foram concluídas, pois “[...] atuam na mente até
as concluirmos e as esquecermos” (BRIDGER, 2018, p. 201). Esse efeito atua
no usuário forçando-o a preencher lacunas que foram deixadas, mantendo
sempre fresco em sua memória. O storytelling se vale disso a todo momento,
basta pensarmos no que ocorre na maioria das séries, tanto de um capítulo
para o outro, quanto de uma temporada para outra. Esse também é um
efeito bastante explorado nas franquias audiovisuais, como Marvel e DC,
principalmente em seus spin-offs.
Esse efeito geralmente é associado à “regra de fim de pique”, que determina
que, ao relatar qualquer experiência passada, a análise das pessoas sobre o
episódio é mais influenciada pela forma como se sentiram no final do pique
emocional da experiência vivida do que na conclusão do próprio episódio.
Nos roteiros produzidos para qualquer produto de comunicação, seja no
meio digital ou não, vale a pena dedicar-se à construção desse momento de
pique emocional, do clímax, porque nossa mente é condicionada a lembrar
esses episódios.
Por exemplo, uma das séries mais assistidas no início dos anos 2000, foi
The Sopranos, que conquistou muitos prêmios e audiência em vários países
do mundo. O efeito Zeigarnik foi muito explorado ao longo da série como
um todo, mas teve seu momento mais marcante justamente no seu último
episódio, até hoje parodiado por diversas mídias. A última cena mostra o
protagonista em uma encruzilhada sem resposta. O final foi inconclusivo
propositalmente e é lembrado por seus fãs justamente por isso.
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Efeito desinibição
Muito do que antes era presencial, hoje é conduzido pelas telas. Isso causa
o que os psicólogos e neurocientistas chamam de efeito desinibição, uma
tendência que temos de nos sentirmos mais livres e com menos restrições
sociais por meio das telas. Embora sabemos que isso pode acabar revelando
comportamentos violentos e agressivos de alguns usuários que se protegem
atrás do aparente anonimato — aparente porque estamos desenvolvendo
formas cada vez mais eficazes de identificar quem tem esse tipo de com-
portamento —, as empresas podem se valer da opinião verdadeira de seus
consumidores, porque as pessoas se comportam com mais honestidade
nesse contexto. O digital facilita formas de se expressar que muitas vezes
não ocorreriam presencialmente. É por isso que o storytelling pode ser usado
de maneira estratégica, estimulando a interação entre os consumidores e as
marcas, entre os leitores e os jornalistas, entre os usuários e os produtores
de conteúdo.
Por exemplo, muitas redações de veículos tradicionais e grandes portais
de notícia têm se adaptado e se valido da colaboração da audiência, princi-
palmente em casos extremos, como desastres naturais ou crimes de grande
proporção. Esse efeito desinibição faz com que o indivíduo filme a própria
casa, por exemplo, após uma enchente devastar seu bairro. A veiculação de
materiais produzidos pelos usuários comuns é cada vez mais cotidiana e
tem colaborado para aproximar jornalismo e sociedade civil como um todo.
O storytelling precisa se adaptar às várias telas e, como vimos, pesquisas
das áreas de marketing e neurociência nos apresentam estratégias eficazes
para atrair a audiência. Os roteiristas precisam considerar as especificidades
dos usuários, dos formatos de tela e dos conteúdos veiculados na elaboração
de narrativas relevantes.
Jogos
Os roteiros para jogos virtuais requerem uma elaboração simultânea, ainda
mais se considerarmos os jogos digitais contemporâneos.
Comparato (2018) lista oito temáticas de roteiro para jogos: ação, in-
vestigação, enigma, mistério, mitologia, esporte, ficção científica, misto e
erótico. O tipo misto é o mais comum, e muito da estrutura dramática nesse
tipo de storytelling é análoga ao que se faz em histórias em quadrinho. Outra
questão importante é compreender se é um jogo individual ou coletivo, pois
o peso dramático precisa ser o mesmo, seja para protagonistas, seja para
antagonistas. Todo roteiro de jogo conta com quatro elementos.
for o cenário, mais atraente será para o jogador. É por meio dele que se
determina que tipo de jogo será composto” (COMPARATO, 2018, p. 442).
3. Desafio: são as etapas que o jogador precisa passar para vencer o jogo,
que seguem a classificação do próprio conflito: humanas (inimigos,
vilões, traidores, etc.), não humanas (passagens secretas, monstros,
animais, armadilhas) ou ela própria (quando o jogador, por exemplo,
perde uma luta e regride).
4. Premiação: vencer o jogo é uma sensação totalmente associada a uma
satisfação pessoal, mesmo que momentânea. O prêmio pode ser um
troféu, a libertação da mocinha, se tornar um rei, enfim, uma série de
desfechos ficcionais, mas que impulsionam os jogadores.
Mundos virtuais
Experiências do tipo Second Life foram muito famosas em meados dos anos
2000. Empresas anunciavam nesse espaço, bandas realizavam shows virtuais
e todo tipo de “espaço” era negociado. O programa tinha uma moeda própria,
cujo lastro era o dólar, tal como todo o mercado financeiro funciona.
Ainda que hoje esse tipo de ferramenta não pareça ter tanta força, ainda
que busquem uma simulação da realidade, oferecendo bastante controle ao
usuário sobre sua própria narrativa na plataforma, ainda assim têm como
base fundante o storytelling. Um exemplo é o projeto Cidade do conhecimento,
da Universidade de São Paulo (USP). A principal ideia é que pesquisadores
do Brasil e colegas estrangeiros se valham do ambiente virtual para realizar
todo tipo de troca. O projeto ainda está em sua fase inicial.
Novos formatos
Ainda estamos no início do processo de exploração das possibilidades do
storytelling no meio digital. Todos os meios tradicionais ganharam novos
formatos ao se associarem com as mídias digitais. Televisão e rádio se expan-
diram para plataformas e aplicativos próprios, o cinema transcendeu suas
salas próprias e o jornalismo e a publicidade se tornaram multimidiáticos.
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Reality show
A permanência ou não de um participante estará sempre atrelada à vontade
do público, que hoje participa inteiramente pela internet, seja acompanhando
em tempo real as diversas câmeras, seja votando para eliminar ou manter
alguém. O Brasil é um dos líderes nesse tipo de formato no mundo. Tempora-
das e personagens são usados para estudos não só na área de comunicação,
mas também para empresas que procuram associar suas marcas a esse tipo
de narrativa.
As estratégias de storytelling estão, essencialmente, na forma como a
equipe de produção do programa apresenta a história, os personagens e as
subtramas. Autenticidade é elemento essencial para a atração do público.
No entanto, como é claramente observado nas diversas edições do reality
show brasileiro de maior audiência, o Big Brother Brasil:
[…] o cotidiano concebido para o programa tem outra função igualmente importante
no que diz respeito à transmissão de uma ideia de autenticidade. As dificuldades
enfrentadas pelos participantes do Big Brother Brasil funcionam como etapas a
serem vencidas dentro de um processo de autoconhecimento. Para ultrapassar
os obstáculos presentes no formato, o competidor do reality show deve mostrar
capacidade de crescer e de se autorrealizar dentro do período de duração do
BBB. O (auto) aprendizado com os erros e desafios encontrados seria, de acordo
com essa moral, prova da existência de uma originalidade individual e de uma
competência em manter ameaças externas sob controle (CAMPANELLA, 2013, p. 13).
A edição tem um papel fundamental para dar o tom narrativo nesse tipo
de formato. Entretanto, não é comum produção, edição, direção e apre-
sentadores serem questionados, de forma insistente e com recordes de
compartilhamento, por fãs insatisfeitos com os desfechos do programa e a
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Web série
Não importa muito qual tipo de web série, o que interessa é que o roteirista
seja capaz de identificar para qual tipo de público está apresentando seu
conteúdo, além de ser fundamental a definição de gênero:
Para conceber roteiros criativos, é preciso definir o gênero e/ou formato. O gênero
é importante porque serve de âncora para o roteiro. No cinema, por exemplo,
existem diversos gêneros: suspense, comédia romântica, drama, etc. Na televisão
são as novelas, programas de humor e mistério, comédias de situação, seriados,
noticiários, entrevistas, programas de esportes, entre outros. É comum na televisão
um mesmo programa apresentar vários gêneros, como é o caso de um programa de
variedades, ou um noticiário exibir uma série de reportagens (ALVES; ANTONIUTTI;
FONTOURA, 2012, p. 193).
As autoras explicam que as web séries vão se valer dos gêneros televisivos
e cinematográficos para se construírem. Comparato (2018) caracteriza três for-
mas de audiência: um público que demonstra, em tempo real, um engajamento
ativo; um público mais reflexivo, que busca uma coerência a história; “[...] e
uma terceira categoria de espectador [que] retira prazer da navegação entre
as conexões de diferentes partes da história e do processo de descoberta de
arranjos diversos do mesmo material disponível” (COMPARATO, 2018, p. 453).
É preciso lembrar que a web série não segue o mesmo processo da
dramaturgia padrão televisiva ou cinematográfica. Aqui, um personagem
tem sua história disposta não só nos episódios que compõem a série, mas
também em redes sociais próprias, em um canal do Youtube, que conta com
desfechos próprios, em listas do Spotify, com suas músicas favoritas, enfim,
aqui o storytelling é multiplataforma.
Referências
ALVES, M. N.; ANTONIUTTI, C. L.; FONTOURA, M. Mídia e produção audiovisual: uma
introdução. Curitiba: InterSaberes, 2012.
BAITELLO JUNIOR, N. O pensamento sentado: sobre glúteos, cadeiras e imagens. São
Leopoldo: Unisinos, 2012.
BRIDGER, D. Neuromarketing: como a ciência aliada ao design pode aumentar o enga-
jamento e a influência sobre os consumidores. São Paulo: Autêntica Business, 2018.
BUENO, R. Neuromarketing digital. Curitiba: Contentus, 2020.
CAMPANELLA, B. Tirando as máscaras: o reality show e a busca pela autenticidade
no mundo contemporâneo. E-Compós, v. 16, n. 1, 2013. Disponível em: https://www.e-
-compos.org.br/e-compos/article/view/872. Acesso em: 19 jan. 2021.
CAMPBELL, J. O herói de mil faces. São Paulo: Pensamento, 2007.
COMPARATO, D. Da criação ao roteiro: teoria e prática. 5. ed. São Paulo: Summus, 2018.
HARARI, Y. N. Sapiens: uma breve história da humanidade. 3. ed. Porto Alegre: L&PM, 2015.
LEITAO, D. K.; GOMES, L. G. Estar e não estar lá, eis a questão: pesquisa etnográfica no
Second Life. Revista Cronos, v. 12, n. 2, 2013. Disponível em: https://periodicos.ufrn.
br/cronos/article/view/3159. Acesso em: 13 jan. 2021.
MENDES, C. L. Jogos eletrônicos: diversão, poder e subjetivação. Campinas: Papirus, 2006.
Leitura recomendada
MAIS velho Homo Sapiens, de 300 mil anos, é encontrado no Marrocos. Pesquisa
FAPESP, n. 256, 2017. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/mais-velho-
-homo-sapiens-de-300-mil-anos-e-encontrado-no-marrocos/. Acesso em: 16 dez. 2020.