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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE - UERN

CAMPUS CAICÓ - CaC


DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA - DFI
CURSO DE MESTRADO PROFISSIONAL EM FILOSOFIA – PROF-FILO

JACKISLANDY MEIRA DE MEDEIROS SILVA

FILOSOFIA E ALTERIDADE:
EXPERIÊNCIAS COM O RECONHECIMENTO EM SALA DE AULA

CAICÓ/RN
2019
JACKISLANDY MEIRA DE MEDEIROS SILVA

FILOSOFIA E ALTERIDADE:
EXPERIÊNCIAS COM O RECONHECIMENTO EM SALA DE AULA

Dissertação apresentada ao Programa de


Mestrado Profissional em Filosofia – PROF-
FILO, Núcleo da Universidade do Estado do
Rio Grande do Norte – UERN, como requisito
obrigatório para obtenção do título de Mestre
em Filosofia.

ORIENTADOR: Prof. Dr. Guilherme Paiva de


Carvalho

CAICÓ/RN
2019
JACKISLANDY MEIRA DE MEDEIROS SILVA

FILOSOFIA E ALTERIDADE:
EXPERIÊNCIAS COM O RECONHECIMENTO EM SALA DE AULA

Dissertação apresentada ao Programa de


Mestrado Profissional em Filosofia – PROF-
FILO, Núcleo da Universidade do Estado do
Rio Grande do Norte – UERN, como requisito
obrigatório para obtenção do título de Mestre
em Filosofia.

Aprovado em 29 de abril de 2019.

Banca Examinadora

___________________________________________________________
Prof. Dr. Guilherme Paiva de Carvalho - Orientador
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN

___________________________________________________________
Prof. Dr. José Renato de Araújo Sousa - Examinador Externo
Universidade Federal do Piauí - UFPI

___________________________________________________________
Profª. Drª. Silvana Maria Santiago - Examinador Interno
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN
À minha esposa Silmara pelo apoio e paciência.
AGRADECIMENTOS

Agradeço, antes de tudo, a Deus que me permitiu tamanha realização.


A todos os professores e colegas do Mestrado que integram o PROF-FILO da UERN,
em especial à Coordenação instalada no Campus Caicó/RN pela colaboração e ensinamentos
ao longo desses dois anos de estudos.
Ao caro Professor Dr. Guilherme Paiva de Carvalho pela disponibilidade da orientação.
À direção da Escola Estadual Teônia Amaral, Florânia/RN, na pessoa da Professora Eva
Lorena, pela oportunidade da Intervenção filosófica neste ambiente de ensino.
Aos alunos e alunas da 2ª série do Ensino Médio Técnico de Segurança do Trabalho
(Ano 2018) que prontamente atenderam ao convite para participarem desta Pesquisa.
Ao caro colega Professor Ms. Joelson Araújo pelo auxílio na organização desse
trabalho.
A sua alteridade manifesta-se num domínio que
não conquista, mas ensina. O ensino não é uma
espécie de um gênero chamado dominação,
uma hegemonia que se joga no seio de uma
totalidade, mas a presença do infinito que faz
saltar o círculo fechado da totalidade.

(LEVINAS, 2008, p. 165)


RESUMO

A escola é o ambiente por excelência da sociedade organizada, na qual é possível reunir


uma parcela significativa de sujeitos dispostos a passar por longos momentos de suas vidas
juntos. A proposta aqui é fazer isso estabelecendo o encontro entre os indivíduos e sua relação
com a filosofia assentada nas dimensões da alteridade e da socialidade. Nossa pesquisa pretende
identificar, pela observação dos conteúdos dos textos, a partir dos pontos de vista dos alunos e
dos seus conhecimentos prévios, um movimento de aproximação e distanciamento como forma
de afirmar um “aprendizado de distâncias”. Essa identificação parte da interação com a filosofia
da alteridade em Levinas, atrelada ao entendimento de reconhecimento em Axel Honneth, sob
a perspectiva de analisar a maneira como os alunos do ensino médio percebem essas questões
por meio da ideia do feminino. A partir dessa análise, pauta-se, no decorrer de todo o trabalho,
a possibilidade de um ensino em filosofia marcado pela exigência ética de responsabilidade
pelo Outro, quando este nos interpela pelo encontro perturbador de sua vulnerabilidade, tal
como nos ensina Levinas. Quando este age na função de parceiro da interação social, garantindo
e legitimando a intersubjetividade, o reconhecimento individual se desenvolve e se realiza na
família, na conquista de direitos e na estima social, tal como ensina Honneth. A tentativa desse
trabalho também é de articular a produção de textos dos alunos sobre a abordagem do feminino
na escola, com uma pauta de ensino reflexivo ancorado no respeito às individualidades, no
reconhecimento do Outro e de suas debilidades sociais, buscando desconstruir um modelo de
ensino centrado no saber técnico-científico e no fluxo racional do poder do Mesmo pela redução
do Outro. Para tanto, segue-se o caminho metodológico de tipo qualitativo de abordagem
fenomenológica para chegar aos objetivos pretendidos que são: analisar a concepção de
alteridade em Levinas; retomar o conceito de reconhecimento em Honneth; trabalhar conteúdos
com os alunos a respeito da alteridade e o reconhecimento a partir da perspectiva filosófica;
analisar, contudo, a visão dos alunos sobre a alteridade e o seu reconhecimento, levando em
consideração o aprendizado de conteúdos de filosofia relacionados a essas temáticas.

Palavras-chave: Filosofia. Ensino de filosofia. Alteridade. Reconhecimento.


RÉSUMÉ

L'école est par excellence l’environnement de la société organisée, en laquelle il est


possible réunir une quantité significative de sujets prêts à passer des longs moments de ses vies
ensemble. Notre proposition dans ce travail est de le faire en établissant l'encontre entre les
individus et sa relation avec la philosophie assise sur la dimension de l'altérité et de la socialité.
Notre recherche veut identifier, à travers de l'observation des contenus des textes, à partir des
pointes de vues des élèves et de ses connaissances préalables, un mouvement d'approximation
et d'éloignement comme façon d'affirmer un "apprentissage des distances". Cette identification
part de l'interaction avec la philosophie de l'altérité chez Levinas, liée à la compréhension de
reconnaissance chez Axel Honneth, sous la perspective d'analyser la façon selon laquelle des
lycéens s'aperçoivent de ces questions selon l'idée du féminin À partir de cette analyse, nous
proposons, au cours de ce travail, la possibilité d'un enseignement en philosophie marqué par
l'exigence esthétique de la responsabilité de l'Autre, quand celui-ci nous interpelle par le
bouleversant encontre de sa vulnérabilité, comme nous apprend Levinas. Quand il prend la
fonction de partenaire de l'interaction sociale, en garantissant et en légitimant l'intersubjectivité,
la reconnaissance individuelle se développe et dévie réelle dans sa famille, sa conquête de droits
e son estime sociale. Nous essayons aussi d'articuler la production de textes des élèves sous
l'abordage du féminin à l'école, comme sujette d'un enseignement réflexif basé sur le respect
aux individualités, la reconnaissance de l'autre et de ses fragilités sociales, en cherchant la
déconstruction d'un modèle d'enseignement centré sur le savoir techno-scientifique et sur le
fluxe rationnel du pouvoir du Même par la réduction de l'Autre. Pour cela, nous suivons un
chemin méthodologique du type qualitatif avec un abordage phénoménologique pour arriver à
nos objectifs, à savoir: analyser la conception d'altérité chez Levinas; reprendre le concept de
reconnaissance chez Honneth; travailler avec les élèves des sujets touchant le respect de
l'altérité et la reconnaissance à partir de la perspective philosophique; analyser, surtout, le
regard des élèves sur l'altérité et sa reconnaissance, prenant en considération l'apprentissage des
contenus de philosophie liés à cette thématique.

Mots-clés: Philosophie. Enseignement de philosophie. Altérité. Reconnaissance.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 9
2 ALTERIDADE E ENSINO DE FILOSOFIA ................................................................... 16
2.1 A FACE DA GUERRA, A RUPTURA COM A TOTALIDADE E O ENSINO DE
FILOSOFIA .......................................................................................................................... 17
2.2 ENSINO DE FILOSOFIA COMO RELAÇÃO DE ABERTURA AO OUTRO .......... 24
2.3 ENSINO DE FILOSOFIA E O OUTRO COMO ACONTECIMENTO ÉTICO .......... 31
2.4 ENSINO DE FILOSOFIA E RESPONSABILIDADE POR OUTREM ....................... 38
2.5 ENSINO DE FILOSOFIA E O RESPEITO PELO OUTRO ......................................... 46
2.5.1 O feminino e o ensino da diferença ...................................................................... 55
3 RECONHECIMENTO E ENSINO DE FILOSOFIA ...................................................... 61
3.1 SOCIALIDADE E ENSINO DE FILOSOFIA .............................................................. 62
3.2 IDENTIDADE E INTERSUBJETIVIDADE NO ENSINO DE FILOSOFIA .............. 70
3.3 AS TRÊS FORMAS DE RECONHECIMENTO E O ENSINO DE FILOSOFIA PARA
A EMANCIPAÇÃO ............................................................................................................. 78
3.4 RECONHECIMENTO E EMANCIPAÇÃO FEMININA ............................................. 88
4 EXPERIÊNCIAS COM O RECONHECIMENTO EM SALA DE AULA ................... 94
4.1 AS OFICINAS FILOSÓFICAS: UM ACONTECIMENTO ......................................... 94
4.2 UM APANHADO DA VISÃO COMUM DOS ALUNOS SOBRE O FEMININO ..... 98
4.3 O RECONHECIMENTO A PARTIR DA PERSPECTIVA FILOSÓFICA ................ 104
4.4 UM APRENDIZADO DE DISTÂNCIAS ................................................................... 109
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 118
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 121
ANEXOS ............................................................................................................................... 126
ANEXO A – Texto 1 .......................................................................................................... 127
ANEXO B – Texto 2 .......................................................................................................... 128
ANEXO C – Texto 3 .......................................................................................................... 129
ANEXO D – Texto 4 .......................................................................................................... 131
ANEXO E – Texto 5 .......................................................................................................... 133
ANEXO F – Texto 6........................................................................................................... 134
ANEXO G – Texto 7 .......................................................................................................... 135
ANEXO H – Texto 8 .......................................................................................................... 136
ANEXO I – Texto 9 ........................................................................................................... 137
ANEXO J – Texto 10 ......................................................................................................... 138
9

1 INTRODUÇÃO

Pretendemos na presente escrita relatar um trabalho de pesquisa de intervenção


filosófica, no qual o ensino de filosofia em sala de aula, possibilitou aos alunos experimentar o
reconhecimento do Outro1, a partir de uma certa visão comum da mulher ou do feminino em
relação com os conceitos filosóficos de alteridade em Emmanuel Levinas e de reconhecimento
em Axel Honneth.
Pensamos em nossa constante luta por reconhecimento individual, coletivo e por mais
autonomia e independência. Tomamos para isso, a figura da mulher como mediadora social.
Contudo, não nos permita esquecermos uma contrapartida que nos faz crescer individualmente,
o Outro. Se o ensino de filosofia for em promover a constante busca por identidade, pela
autonomia do sujeito ou de uma filosofia orientada pelo prisma da subjetividade, mas não
percamos de vista o Outro, tão indispensável para a renovação e ampliação da nossa visão do
ser humano.
Por isso, acreditamos na importância do exercício de um ensino de filosofia voltado para
os valores éticos de alteridade, responsabilidade, respeito e reconhecimento que se constituam
numa dimensão social. Assim, a interatividade com o Outro e a intersubjetividade devem ser
imprescindíveis para a construção de quem somos na formação da identidade.
Em contrapartida, há um conhecimento racional especulativo bastante propalado nos
dias de hoje, por uma educação cada vez mais técnica, científica, experimental e, por isso, mais
totalizante, em que o ser humano é visto como sujeito inseparável de seu pensamento. Temos,
nesse trabalho, um outro modo de ensino de filosofia que garante não só a aprendizagem e o
conhecimento dos conteúdos, mas também impede que tal conhecimento seja totalizante e
sistêmico. Privilegiamos a alteridade, a responsabilidade, a heteronomia, o respeito que
funcione como libertação da vida humana e que possibilite a construção de um ensino
filosófico, cuja configuração seja a constituição de um “humanismo do outro homem”.
Pela consideração dos limites do conhecimento racional, percebemos o quanto esses
limites transcendem para o reconhecimento incondicional do Outro. Nessa perspectiva,
podemos ensinar a filosofar sem ter que doutrinar ou dominar o Outro, mas respeitando e

1
Adotamos a grafia “Outro” com a inicial maiúscula, de acordo com o uso do autor em sua obra Totalidade e
Infinito, para destacar o seu sentido metafísico e para não confundirmos com o pronome “outro”. Contudo, tanto
nessa obra quanto em outras, o autor costuma variar entre o maiúsculo e o minúsculo, tendendo ao uso dessa
segunda forma (SUSIN, 1984).
10

reconhecendo de suas diferenças, sua singularidade, sua individualidade, para assim, promover
seu desenvolvimento, seu sucesso e realização pelas três formas de reconhecimento
intersubjetivo: a que nos proporciona autoconfiança é o amor; a que nos proporciona
autorrespeito é o direito e a que nos proporciona autoestima é a solidariedade ou a estima social.
Em certa medida, com as experiências de reconhecimento escritas pelos alunos nessa
investigação, nossa proposta é expor as concepções filosóficas decorrentes do reconhecimento
da alteridade, por meio da figura humana e social, a mulher. A ideia é priorizarmos o nosso
modo de pensar ou de conduzir o ensino de filosofia, pela atenção que se pode dar ao Outro e
pela relação de responsabilidade ética, em vez de priorizar um modo de pensar no Mesmo2,
fechado numa lógica totalizante de dominação e desprezo do Outro.
Assim em Levinas, a nossa subjetividade é constituída pela relação de alteridade. A
identidade em Honneth é confirmada ou reconhecida numa relação de intersubjetividade. No
entanto, reconhecer a debilidade do Outro independe que sejamos ou não reconhecidos de
maneira recíproca, mas deve ser uma exigência da alteridade radical, altruísta e irredutível, na
concepção de Levinas.
Dessa forma, importa a Levinas ser responsável frente à vulnerabilidade do Outro, que
solicita uma resposta. Se existe um reconhecimento em Levinas, é sempre o reconhecimento
do Outro. Ao passo que para Honneth, o reconhecimento exige a reciprocidade do outro para
fazer valer a busca por identidade que é intersubjetividade. Nesse sentido, é imprescindível a
existência de um nós para existir um eu, ou seja, o sujeito deseja ser reconhecido pelo Outro
em relação a ele e deseja, também, ser reconhecido pelo Outro em relação a ele como humano,
em sua dimensão individual e coletiva.
Desde que a sociedade experimentou o fracasso em reconhecer a humanidade do Outro
com as atrocidades ocorridas no Holocausto, bem como a inúmeras tragédias e calamidades que
marcaram todos nós ao longo do século XX, o ser humano ainda é incapaz de reconhecer o
fracasso de um projeto de poder que perpassou praticamente todo esse século, de modo a
permanecer indiferente ao Outro e ao que de mais significa como intriga, separação,
interioridade, singularidade, segredo e tudo aquilo que nos escapa porque excede nossa
compreensão. Somente ao prestarmos atenção ao Outro e acolhê-lo na sua infinita liberdade é

2
Quando nos referimos ao “Mesmo” com a inicial maiúscula, queremos assinalar que: “Damos-lhe o nome de o
Mesmo porque, na representação, o eu perde precisamente a sua oposição ao seu objeto; ela apaga-se para fazer
ressaltar a identidade do eu apesar da multiplicidade dos seus objetos, isto é, precisamente o caráter inalterável do
eu. [...] Ser inteligível é ser representado e, por isso mesmo, ser a priori. Reduzir uma realidade ao seu conteúdo
pensado é reduzi-la ao Mesmo” (LEVINAS, 2008, p. 117-118. Grifo do autor).
11

que começaremos a interromper a marcha da indiferença, do esquecimento do Outro, do


amorfo, do anônimo, que, infelizmente, recai sobre o Outro ser humano.
O holocausto, como consequência, nos mergulhou na mais degradante crise
humanitária, pela busca incessante do homem pelo poder absoluto, resultando num fechamento
egoísta do ser em si mesmo e numa solidão aterradora em direção ao niilismo, ao nada, tomado
pela neutralidade, pelo anonimato e por uma vida sem sentido, sem forma, incapaz de enxergar
o Outro que se manifesta no estrangeiro, na mulher, no pobre e em diferentes vulnerabilidades
sociais.
A melhor metáfora que traduz essa atmosfera num ambiente de guerra é a escuridão.
Segundo o que nos afirma Levinas, a escuridão não nos deixa ver a realidade, tampouco
distinguirmos os rostos, de modo que tudo parece diluído na escuridão. Quanto mais somos
tomados pela escuridão, pelo horror, pela agonia e pelo abandono, menos percebemos as formas
das coisas, menos percebemos a realidade, menos sabemos quem somos, porque fomos
destituídos de humanidade, e mais nos parecemos com objetos manipulados aleatoriamente sem
consciência.
Temos a impressão de que esse ambiente envolveu por demais Levinas que, certamente,
sentiu o peso da perda, o horror da realidade e viu a face da morte com requintes de crueldade
e muita maldade, produzindo nele uma profunda experiência de desconfiança ao que considera
semelhante ao aspecto nivelador e opressor de todo discurso totalizante proveniente da
orientação do Mesmo.
Essas experiências cortantes motivaram o pensamento filosófico de Emmanuel Levinas
a seguir uma longa e duradoura jornada a procura de humanidade. Tal procura inclui o
reconhecimento da humanidade do outro para nos fazer sair da condição de guerra, de horror e
de desumanização a que estamos constantemente em risco.
Os tempos mudaram, mas os riscos rondam o imaginário humano a cada vez que
deparamos com atitudes semelhantes àquelas do holocausto, como a defesa pública de grupos
em prol do fascismo, do racismo, da xenofobia e do sexismo. Sentimentos de eliminação do
Outro teimam em ressurgir novamente e ainda assombram a humanidade dada a sua
possibilidade, por mais absurdos que sejam.
Em sua jornada filosófica, Levinas encontrou um caminho de saída de si para outrem
com muita persistência, consistência e perseverança, de um “Outro modo que ser”. A filosofia
da alteridade que não só nos garante a saída do “Il y à”, do há, da neutralidade, do anônimo e
do amorfo, mas também nos assegura a manutenção das relações sociais e humanas, baseadas
na atenção, no respeito e na responsabilidade por outrem, de modo a reconhecer o Outro
12

enquanto Outro, na sua singularidade, em sua subjetividade, fomentando uma análise mais
crítica dessas concepções.
A vitalidade da filosofia de Levinas é alimentada por um questionamento que está
sempre vindo ou que está por vir, mediante a relação com outrem, e essa exige resposta, palavra,
discurso pela presença interpeladora do rosto. A partir do Outro vem à tona uma relação, a
alteridade humana, movida à interpelação que requer uma resposta. A maneira como
justificamos a quem respondemos constitui a grandeza da nossa responsabilidade por ele.
É com essa demanda de saída de si para outrem, abertos a uma relação de alteridade, de
respeito, responsabilidade e reconhecimento do outro que devemos potencializar nossas
atitudes no ambiente da sala de aula, no tocante ao seu ensino de filosofia, porque os problemas
do ensino da disciplina, como considera Tomazetti (2015), estão atrelados a uma determinada
concepção filosófica. Logo, no ensino filosófico, nossas concepções filosóficas são
inescapáveis. Por isso, tais concepções, com as quais nós professores de filosofia nos
identificamos, certamente nos acompanharão em sala de aula. Portanto, é urgente uma busca
pela identidade filosófica; uma busca subjetiva de construção e reconstrução filosófica.
Daí, a responsabilidade para com o ensino dessa atividade, por se tratar de trazer algo
que ficou esquecido pela tradição filosófica ocidental por centenas de anos. A preocupação com
o Outro, tal como Levinas (2008) sugere ao promover um ensino de uma ausência, movido a
encontro subjetivo com outrem que expressa desejos, palavras, sentimentos. Quem sabe
possamos dar a oportunidade, por meio das experiências de relação com Outrem em sala de
aula, com o objetivo de fazer emergir a presença de uma ausência, ou seja, permitir a voz dos
que não têm voz; o rosto dos sem-rosto; a identidade do humano; o reconhecimento da
humanidade do Outro; o verdadeiro sentido do Outro.
Nessa direção, já podemos vislumbrar na segunda seção desse trabalho uma perspectiva
de ensino de filosofia que se reflete num confronto do pensamento fundamentado no princípio
de guerra, totalidade, - o qual alimentou as experiências pré-filosóficas de Levinas e coincide
com o domínio que o ser humano exerce sobre os processos naturais e sociais, possibilitando
ainda, que a transformação das condições materiais da vida ocupasse um lugar de destaque em
suas preocupações - pelo pensamento ético-filosófico de “outro modo que ser” de Levinas. Isso
provoca também a interface com Heidegger, cuja ontologia fundamental considera o ser
inseparável de seu pensamento. Essa superação consiste numa ruptura do ser para um novo
caminho proposto por Levinas diferente de ser, persistente em ser, que se excede numa saída
de si para outrem.
13

Ainda nessa segunda seção, chamamos a atenção para o sentido da experiência como
algo que nos afeta, que nos passa, que nos acontece, conforme afirma Larrosa e da relação com
o que nos acontece em sala de aula. Assim, precisamos vivenciar a experiência do filosofar
expostos ao acontecimento do outro, vindo talvez pelo desejo de realidade que é também desejo
de acontecimento e de alteridade que, a partir da ideia de infinito e transcendência, inquieta e
estremece nossa subjetividade. Aqui também destacamos a dimensão do “religare”, uma
espécie de relação sem relação em Levinas para mostrar como se institui a socialidade pela
relação irredutível à compreensão.
Também, nessa segunda seção, acreditamos que o ensino de filosofia nos introduz algo
novo posto em questão pela estranheza, pela perturbação ou inquietação de uma altura que
significa o rosto do Outro, de um absolutamente novo que nos concerne como Outrem. Enuncia
o filósofo que a introdução do novo num pensamento é acolher a ideia do infinito, pois é o que
caracteriza a obra da razão e não se opõe ao experimentado, mas rompe com um movimento
nostálgico de retorno ao Mesmo, surpreendendo-nos com algo novo pela fecundidade, produzir-
se pela potencialidade do dizer, isto é, renovar-se.
A terceira seção surge como ponto de interseção entre a ética da alteridade de Levinas
e o problema do reconhecimento na ótica de Axel Honneth com algumas contribuições
oportunas de Nancy Fraser. De modo que alteridade e reconhecimento acabem convergindo
para um problema ético de ordem social e política. Dois conceitos filosóficos que devem estar
no horizonte de nossas relações em sala de aula, no tocante ao ensino de filosofia, pois
reconhecer e ser reconhecido por outro sujeito é a possibilidade necessária tanto para o
desenvolvimento humano, quanto para a formação de uma subjetividade sólida, realizada e
bem-sucedida.
Assim, dos prolongamentos das discussões sobre o ensino de filosofia em tensão com
diferentes formas de alteridade em Levinas, bem como dessas intrigas, traumas ou perturbações
éticas, eis que emerge a partir disso a necessidade de compreender a luta por justiça social de
mãos dadas com a ética, de uma mediação mais especificamente política da socialidade
humana.
Essa terceira seção, expõe a necessidade da entrada política em nossa discussão, não
que implique numa recusa dos pressupostos éticos no ensino de filosofia, mas, pelo contrário,
se institui, ainda mais como exigência radical e irrenunciável à nossa responsabilidade em face
do Outro, enquanto indivíduo, e de todos os outros, enquanto coletividade. Sem dúvida, o
reconhecimento entendido do ponto de vista intersubjetivo e social é decorrente também da
14

interpelação ética lançada a cada indivíduo pela simples presença do Outro (BARCELOS,
2011).
Ademais, guardadas as devidas distâncias entre Levinas e Honneth, a fenomenologia e
a teoria crítica, assim como do rompimento do círculo fechado de si mesmo, do Eu, emerge a
abertura para a alteridade; pela busca por identidade, da jornada por si mesmo ou da luta por
reconhecimento no âmbito da família, do direito e da sociedade. Todos esses conflitos com os
outros, contra os outros, contra as subjetividades também emerge a consciência crítica e social,
humana e política.
De qualquer forma, o viés de diálogo entre Levinas e Honneth parece ser a chave de
leitura, uma via de reconhecimento de identidades individuais e coletivas, como consequência
posta pela ocorrência ou evidências de ações de desrespeito e falta de reconhecimento nas
relações sociais e humanas que exigem reconhecimento. Para Levinas, reconhecer outrem é
respeitar sua humanidade. A luta cada vez mais social e, por isso, política por reconhecimento
é impulsionada e motivada por uma força ética que, pelo seu acontecimento, produz
desdobramentos sociais.
Na terceira seção, procuramos mostrar como o ensino de filosofia pode vir embarcado
pelas ideias filosóficas de Honneth em sala de aula, na qual os alunos terão uma oportunidade
única de experimentar conceitos e valores, oriundos de sua busca por reconhecimento, segundo
os quais, estão esboçados desta maneira: socialidade e ensino de filosofia; identidade e
intersubjetividade no ensino de filosofia; as três formas de reconhecimento e o ensino de
filosofia para a emancipação; reconhecimento e emancipação feminina.
A quarta seção, por sua vez, trata da descrição específica de como os alunos
experimentaram a problemática conceitual sobre o reconhecimento em Levinas e Axel Honneth
por meio de uma temática acessível e polêmica, também conhecida e bastante recorrente nas
discussões de sala de aula, a respeito da mulher. A partir da discussão, os alunos puderam
pensar, dialogar e escrever sob a perspectiva do reconhecimento à luz da alteridade, culminando
com as três formas de reconhecimento, fundamentadas por Honneth.
Consideramos a escola como o ambiente por excelência da sociedade organizada, na
qual é possível reunir uma parcela significativa de sujeitos, dispostos a passar por uma boa parte
de suas vidas juntos, encontrando-se entre si, e em relação com a filosofia, com um pensar
reflexivo e crítico, numa intensa intersubjetividade. Nossa proposta de pesquisa é a de
identificar um movimento de aproximação e distanciamento como forma de afirmar um
“aprendizado de distâncias”.
15

Fizemos com isso o resultado da observação dos conteúdos dos textos, a partir dos
pontos de vista dos alunos, dos seus conhecimentos prévios e do modo como introduzimos a
filosofia da alteridade em Levinas, balizada ao entendimento e reconhecimento em Axel
Honneth, tentarmos analisar e articular a percepção dos discentes do ensino médio com esses
problemas por meio da abordagem do feminino.
Em virtude do ensino de filosofia tal como admite Cerletti (2009, p. 19) que, oportuniza
ao aluno a vivência dessa experiência do filosofar junto com seus colegas e com o professor
“desde uma posição filosófica”. Descrevemos nessa quarta seção, o funcionamento das oficinas
em forma de roda de diálogo. Isso nos permitiu a execução da intervenção filosófica que
havíamos planejado.
Essa atividade de fazer filosofia ou forma de intervenção filosófica quer “sobre textos
filosóficos, sobre problemáticas filosóficas tradicionais”, quer “até mesmo sobre temáticas não
habituais da filosofia, enfocadas desde uma perspectiva filosófica” (CERLETTI, 2009, p. 19),
consistem nessa pesquisa em oficinas filosóficas que se constituem num espaço oportuno de
construção de reflexão, por meio da produção inquieta de perguntas e busca por respostas
fundamentadas em formas de argumentos bem construídos de relacionar teoria e prática, assim
como ensino de filosofia e aprendizagem.
Sendo assim, seguimos o caminho metodológico de tipo qualitativo de abordagem
fenomenológica, para chegarmos aos objetivos pretendidos que foram: analisar a concepção de
alteridade em Levinas; retomar o conceito de reconhecimento em Honneth; trabalhar conteúdos
com os alunos do ensino médio sobre a alteridade e o reconhecimento, a partir da perspectiva
filosófica; analisar a visão dos alunos do ensino médio sobre a alteridade e o reconhecimento,
levando em consideração o aprendizado de conteúdos de filosofia relacionados com essas
temáticas.
Por fim, demos à quarta seção a seguinte estrutura: as oficinas filosóficas: um
acontecimento; um apanhado da visão comum dos alunos sobre o feminino; o reconhecimento
a partir da perspectiva filosófica; um aprendizado de distâncias.
16

2 ALTERIDADE E ENSINO DE FILOSOFIA

A filosofia da alteridade de Emmanuel Levinas, entendida como relação com outro ser
humano, ruptura com a face da guerra, como acontecimento ético, respeito, responsabilidade e
reconhecimento por Outrem, é uma perspectiva que se traduz no encontro com outro indivíduo,
no face a face, por isso, não podemos reduzí-lo à compreensão. Se por um lado, a tradição
filosófica coloca o indivíduo inseparável de sua compreensão, por outro lado, Levinas o
reposiciona inseparável de sua anterioridade ética.
Nesse sentido, o princípio de dominação de um ser humano sobre o Outro é confrontado
aqui pela descrição da relação com outro ser humano, com outra pessoa, empenhada a
desconstruir a primazia do ser, de um único ser, pela primazia do Outro, instaurando uma
origem anárquica de todo sentido. Fundamental afirmarmos que para o pensador a filosofia
primeira é a ética3.
Mas o que significa isso? Significa admitir em meio à resistência de hoje, ao mundo
fechado em si mesmo e cego em seus próprios interesses e realizações individuais, que é
possível, sim, interromper uma corrida frenética, porém cansada do ser humano para suas
intenções muito particulares, egoístas, incapaz de reconhecer a humanidade do Outro, incapaz
de identificá-lo na massa, no rebanho, na multidão. Nesse aspecto, é como se não houvesse
nada de estranho, provocante, interessante ou absolutamente surpreendente na outra pessoa.
Vivemos embarcados num mundo onde os humanos se tornaram espectros para si mesmos e,
talvez, por isso, habitemos um mundo sem reconhecimento de outros.
Sendo assim, pensamos em estruturar essa seção a partir da obra Totalidade e Infinito
(2008) de Emmanuel Levinas, em virtude de uma possível articulação entre sua filosofia e o
ensino de filosofia, embora este filósofo não tenha uma explícita elaboração de um ensino de
filosofia em sua larga produção filosófica. Porém, nosso empreendimento é o de tentar mostrar
que vale ensinar a filosofar pela matriz filosófica da alteridade em contraposição a um ensino
marcado pela tradição tecnicista, reprodutivista e sistemática, preso a estratégias de assimilação
de teorias filosóficas. Ensinar a filosofar pela alteridade exige despertar nos alunos a

3
De que ética estamos tratando aqui? De uma ética, assim como está descrita logo no prefácio de Totalidade e
Infinito, que, já por si mesma, seja uma ótica (LEVINAS, 2008, p. 15), cujas relações éticas devam nos levar a
uma intenção transcendente de responsabilidade pelo rosto do Outro, devam nos levar a uma relação com
absolutamente Outro ou com a verdade, “da qual a ética é a via real”. Por isso, o que pressupõe, o que sustenta a
filosofia de Levinas é essa relação face a face com uma outra pessoa; uma anterioridade ética que não pode ser
reduzida à compreensão, constituindo assim a ideia chave de seu pensamento, isto é, a ética como filosofia
primeira.
17

possibilidade de pensar de um modo diferente, isto é, de pensar não apenas pelas questões
filosóficas tradicionais, mas de pensar abalado por uma condição ética, proveniente das
situações sociais de vulnerabilidade do Outro.
A fim de delinear essas como também outras abordagens, estruturamos a seção, a partir
da temática central: Alteridade e ensino de filosofia. Depois, o texto ficou dividido em subtemas
como desdobramentos para o alcance e fortalecimento da temática proposta: a face da guerra,
a ruptura com a totalidade e o ensino de filosofia; ensino de filosofia como relação de abertura
ao Outro; o ensino de filosofia e o Outro como acontecimento ético; ensino de filosofia e
responsabilidade por Outrem; ensino de filosofia e respeito pelo Outro.

2.1 A FACE DA GUERRA, A RUPTURA COM A TOTALIDADE E O ENSINO DE


FILOSOFIA

Em sua vida, foi um homem experimentado ao sofrimento. Marcado pela experiência


de duas grandes guerras mundiais do século passado e por um período entre guerras, do qual
viu germinar a formação e a concretização radical do hitlerismo na Europa, Levinas sentiu
também a perda de amigos, familiares e conhecidos nos mais inóspitos campos de concentração.
De origem judaica, esse homem foi perseguido, humilhado e consumido pelas dores da
guerra. Viveu, em sua carne, a ausência de humanidade nos rostos do outro em campos de
extermínio de judeus, para onde foi recrutado em 1939. Por sorte, não teve o mesmo destino de
seus pais e amigos, mortos tragicamente. Ao contrário, seu destino, o de prisioneiro de guerra
em Rennes, como intérprete do alemão e do russo. Meses depois, seguiu declarado como judeu,
deportado e reagrupado com outros judeus em um comando especial na Alemanha, onde viveu
em cativeiro, assimilando duramente as atrocidades e horrores da guerra até o seu esgotamento.
O pensamento filosófico de Levinas está construído sob fortes influências de dois dos
principais fatos do século XX, as duas grandes Guerras Mundiais. A experiência com a dura
realidade da guerra foi marcante em sua vida, “dura lição das coisas, a guerra produz-se como
experiência pura do ser puro” (LEVINAS, 2008, p. 07). Mesmo não tendo participado
diretamente da 1ª Guerra, ainda assim como criança, com cerca de oito anos, viu seus familiares
se refugiarem em outras terras e culturas. Portanto, já aos oito anos, Levinas tem sua primeira
experiência de guerra, de acordo com as pesquisas de Poirié (2007).
No entanto, é com a 2ª Guerra Mundial que Levinas parece ver o quanto o ser humano
se degradou e chegou a uma condição irreconhecível nas relações com os outros. Abandonado
em si mesmo, preso em suas ambições pelo progresso histórico, perdido pela orientação de um
18

racionalismo exacerbado, sozinho na busca pelo totalitarismo político, o homem teima em


legitimar a guerra como pressuposto do próprio exercício da razão. Em virtude disso, afirma
Levinas (2008, p. 07): “A arte de prever e de ganhar por todos os meios a guerra – a política –
impõe-se então como o próprio exercício da razão”.
Certamente, a guerra tenha mostrado o homem ao homem, isto é, tenha mostrado ao
homem o quanto ele é desumano, o quanto fora capaz de cometer inúmeras barbáries e
atrocidades. A maldade e a morte tornaram-se ações banais daqueles que justificam a guerra
como a origem de tudo, assim como Heráclito de Éfeso, nos alvores da filosofia, concebia a
existência dos contrários, a luta dos opostos, a guerra como o princípio de todas as coisas. De
alguma forma, esse pensamento legitima ainda hoje a violência entre os homens, quer coletiva,
quer individualmente tal como a 2ª Guerra Mundial que resultou no extremo de uma dura
competição entre nações pela hegemonia do poder.
Em decorrência disso, a Alemanha sob a liderança de Hitler, à medida que avançava,
retrocedia miseravelmente em direção ao homicídio injustificado de milhares de judeus e de
outras etnias em campos de concentração. Levinas passou cinco anos num desses campos em
cativeiro. Certamente, viu configurar-se na história dos judeus mais um holocausto cujo horror
não sairá de suas memórias. Em vista disso, declara o filósofo, ao ser entrevistado: “A minha
crítica da Totalidade surgiu, de fato, após uma experiência política que ainda não esquecemos”.
(LEVINAS, 2007, p. 64).
Por conta desse ambiente de horror e de ausência de reconhecimento humano que se
abateu por toda Europa, descreve Levinas que, enquanto cumpria uma rotina diária de trabalho
na agricultura, um cachorrinho se colocou nessa rotina diária de idas e vindas ao campo de
concentração e no local de trabalho. Diferente dos moradores do povoado que viviam próximo
do local onde trabalhavam e que os viam como judeus contaminados e contaminantes, aquele
cachorrinho ao menos os via como seres humanos e não como animais desprezíveis: “Nesse
rincão da Alemanha, onde ao atravessar o povoado éramos vistos pelos moradores como judeus,
esse cachorrinho evidentemente nos considerava como humanos”. (POIRIÉ, 2007, p. 75-76).
Devido ao sofrimento, às memórias afetivas e às perdas nessas guerras, Levinas, sem
dúvida, concebeu um pensamento de dissolução da ontologia do Mesmo, em que todas as
concepções filosóficas inspiradoras do espírito da guerra fossem revistas e retomadas à luz de
conceitos novos como os conceitos de relação, alteridade, respeito, responsabilidade e
reconhecimento.
A partir disso, pode, ainda, interromper o domínio absoluto do ser humano sobre os
processos naturais e sociais que acabam por implicar na construção de uma educação moderna
19

voltada para a formação de um saber que reproduz a submissão da natureza, de algo que está
aí, aos interesses estabelecidos pelo ser humano, e este passa a ser visto como sujeito na medida
em que se impõe sobre sua alteridade (ALVES; GHIGGI, 2011).
Por isso é tragicamente concebido para o filósofo que “a face do ser que se mostra na
guerra fixa-se no conceito de totalidade que domina a filosofia ocidental”, de modo que “os
indivíduos reduzem-se aí a portadores de formas que os comandam sem o saberem”. Daí, a
própria racionalidade e educação moderna “vão buscar nessa totalidade o seu sentido”
(LEVINAS, 2008, p. 08).
Nessa direção, o discurso filosófico de Levinas em Totalidade e Infinito, melhor ainda
nas suas primeiras páginas, como que abrindo a possibilidade do questionamento à guerra,
perturba a ordem instalada da razão Ocidental, uma “ordem” que aniquila as diferenças do
absolutamente Outro4. Do estado de guerra advém a constatação do choque dos contrários de
Heráclito de Éfeso, a exemplo do confronto militar em que as obrigações e tudo o mais fica
suspenso, sem durabilidade, permanecendo apenas a nua e dura realidade da guerra, de modo a
sobrar daí o Ser5 em meio a dor, de um peso do anonimato da existência que se traduz pelo “il
y a”, um esforço humano em tentar existir.
Como se não bastasse, mais uma constatação dessa situação, onde se vislumbra a face
da guerra, é a instalação ou consolidação de um projeto racional que reduz tudo ao saber
técnico-científico-experimental, cujo saber racional é próprio do clima de guerra em que toda
concepção da diferença já é tomada como um atentado à verdade. Ora, essa realidade acaba
contaminando os sistemas de ensino até hoje, de modo que os meios técnicos instrumentais de
aprendizagem se tornaram o diferencial e o modelo das concepções educacionais neoliberais.
Com efeito, a totalidade é, para Levinas, a face da guerra que reduz as individualidades
a sistemas de interesses mais vastos e autoritários, traduzindo-se numa atmosfera de violência
sobre o Outro e, ainda como conceito, que perpassa a história do pensamento ocidental. Nesses
termos, a guerra “totaliza tanto ou mais do que o Estado ou o ser” e, além disso, sua violência
totalizante não está só no desaparecimento da realidade que pretende persistir e que se consuma

4
Remetemo-nos aqui ao que afirma Levinas (1993, p. 52) em sua obra Humanismo do outro homem: “O
‘absolutamente outro’ não se reflete na consciência”. E mais: “O questionamento de si é precisamente o
acolhimento do absolutamente outro. A epifania do absolutamente outro é rosto em que o Outro me interpela e me
significa uma ordem, por sua nudez, por sua indigência. Sua presença é uma intimação para responder”
(LEVINAS, 1993, p. 53).
5
Que não é o nada, tampouco angústia, mas sua própria condição de horror, o “há”. Para Levinas, “defende que o
horror é o Ser. No silêncio da noite parece que não há nada, mas, na verdade, o que há não é o nada senão o Ser,
o ‘há’ [Il y a]” (ALVES, 2013, p. 95).
20

na morte das pessoas que se opõem, porém o que é pior, “pode subtrair estas mesmas pessoas
aos seus engajamentos originários pondo-as a serviço da guerra” (SUSIN, 1984, p. 132).
Por isso, o filosofar levinasiano opera uma ruptura dessa totalidade dominante, que se
configura na ontologia do Mesmo, numa espécie de fusão do Outro ao Mesmo,
consequentemente, no pressuposto da guerra. O que é anterior no filosofar de Levinas é a
possibilidade de deixar que o Outro seja como o eu não é, de permitir ser o Outro que jamais
pode ser eu, mas “ser de outro modo que ser”. O filosofar da filosofia primeira de Levinas não
é a guerra, mas a ética que questiona e depõe a soberania do Mesmo. Não é a morte, tampouco
a violência e a guerra pressupostos da filosofia de Levinas, mas o Outro como anterioridade do
seu filosofar, seu filosofar primeiro.
Considerando que o ensino de filosofia, para Levinas, consiste numa orientação que
vem da exterioridade, na qual a alteridade do Outro não domina, não é hegemônica que opera
no seio de uma totalidade, mas que se constitui num modo de ser com os outros e numa ação,
deve, nesse sentido, com sua presença que faz romper o círculo fechado da totalidade,
contrapor-se à tirania do Mesmo e abrir-se à transcendência, uma vez que, pela transcendência,
o ensino de filosofia possibilita que o Outro não se reduza ao Mesmo e não se torne um ensino
colonizado ao doutrinamento e à domesticação. Sendo assim, o ensino de filosofia “é
essencialmente acolhimento e responsabilidade pelo Outro que resiste infinitamente aos
poderes do Mesmo” (FABRI apud ALVES, 2013, p. 95).
Assim como a guerra nos remete para a possibilidade de desconstrução, através das
ações da totalidade pela maestria do Mesmo. Da mesma forma, remete-nos também para a
tentativa de uma ética, a partir da filosofia de Levinas, no sentido de confrontar a educação
baseada no saber técnico-instrumental que visa “ampliar indefinidamente a capacidade de
domínio técnico do ser humano sobre a natureza e a sociedade”. Esse saber está obstinado em
fazer da educação moderna, do próprio ensino, um produto como resultado de sua mediação,
de modo que “a construção da história passa a ser controlada, dirigida e orientada pelo próprio
ser humano”. Para a vida humana, a maior consequência disso é “a redução de toda práxis ao
fazer”. (ALVES; GHIGGI, 2011, p. 96).
Dessa forma, o confronto de um ensino filosófico assentado na ética, enquanto
acolhimento e respeito para com a alteridade frente a uma educação, converge “para a
construção de um processo de saber que coincide com a submissão da natureza aos fins
estabelecidos pelo ser humano, e este se constitui magistralmente, sujeito na medida em que se
impõe sobre o outro de si”. Sendo assim, vale afirmar que o grande desafio não é fácil. É
possibilitar ao ser humano uma experiência real com outro ser humano, um “humanismo do
21

outro homem”, expressão cara a Levinas que se traduz numa experiência cujo ensino de
filosofia se abre à atenção, ao respeito, à responsabilidade e ao reconhecimento pela alteridade.
(ALVES; GHIGGI, 2011, p. 98).
Com efeito, a compreensão desse filosofar como uma atitude pautada na ética da
alteridade visa humanizar nossas relações sociais, nossas relações de poder que, inclusive, nos
proporciona condições de humanização e compromisso ético com a transformação da
sociedade. Nessa direção de desconstrução da barbárie e de um estado de guerra presente na
sociedade é que se constitui o fim último do ensino de filosofia para Ghedin (2009, p. 38):
“Assim, o fim último do ensino de filosofia, da educação, da própria filosofia, do conhecimento,
dos paradigmas epistemológicos da ciência e da política é proporcionar condições de
humanização, e não a supremacia da barbárie”.
Daí, certamente, tem início um movimento de resgate de uma filosofia que não se
permite mais ficar girando em torno de si mesma, de suas antinomias, de suas dicotomias
tradicionais, entre ser e não-ser, saber e não-saber, idealismo e realismo, alma e corpo,
racionalismo e empirismo, pensamento e vida, e assim por diante. Levinas, contrário a essa
alteridade puramente formal da filosofia que permanece presa ao funcionamento da razão
“como um poder de manipulação, uma vez que só conquista a si mesma através de uma relação
objetivante com a Alteridade”. Pensa a educação contemporânea, por conseguinte o ensino de
filosofia, a partir de uma matriz ética de acolhimento e respeito para com a alteridade. (ALVES;
GHIGGI, 2011, p. 97).
Diante disso, após a devastação da guerra e diante de uma Europa destroçada e sem
esperança no pós-guerra, com aquele sentimento do “il y a” (há); uma espécie de sensação de
que não há mais nada, de horror, de humilhação, de vazio, de ausências de si e do Outro,
irreconhecivelmente desprovido de subjetividade, de sentido, na opacidade da destruição. De
tal modo que Levinas vai em busca de algo diferente, de uma experiência filosófica como saída,
como êxodo, como exterioridade, diferentemente daquela que o devastou e esvaziou a Europa
de humanidade. Assim podemos asseverar que:

É muito importante lembrar que Levinas está em busca de uma experiência como
saída. É a experiência como saída – e não, por exemplo, uma teologia negativa – que
tem aqui um significado importante para o conjunto de seu pensamento. Frente ao ser
não coloca um não-ser, e frente ao saber não coloca um nihilismo. Está, na verdade,
insinuando o que posteriormente será colocado como o ‘diferentemente’ de ser, que
não-ser e que saber. (COSTA, 2000, p. 45).
22

Essa nova experiência filosófica coloca em xeque o poder da razão sobre o outro. Essa
reflete as relações entre os homens de um modo diferente, despolariza a nossa relação com a
filosofia. Não é mais a razão ou o pensamento que dita a última palavra sobre o ser, mas a nossa
relação com o outro que não quer mais parar de falar. Não dá mais para filosofar preso às regras
do sujeito, numa visão autoritária cujos domínios fazem desaparecer o ser do outro ou o próprio
acontecimento do ser.
Por essa razão, tais concepções filosóficas que rompam com um pensamento conduzido
pela totalidade e guiado pelo instinto de guerra precisam nortear o ensino de filosofia em sala
de aula, à medida que dermos oportunidades para que os sujeitos, em relação uns com os outros,
tenham autonomia e, a partir de si, de suas subjetividades, expressem o sentido de suas vidas
em detrimento da totalidade.
Do mesmo modo, abrir espaço para a discussão filosófica em sala de aula caracteriza
um possível ensino de filosofia que implica estar comprometido com a atitude de hospitalidade
em Levinas. Hospitalidade esta que a vincule à noção de levar adiante, traduzir, reproduzir as
duas palavras que a precederam: “atenção” e “acolhimento”, como bem entendia Derrida (2015,
p. 40), e acrescenta: “[...] A intencionalidade, a atenção à palavra, o acolhimento do rosto, a
hospitalidade são o mesmo, mas o mesmo enquanto acolhimento do outro, lá onde se subtrai ao
tema”. Com efeito, Levinas nos desafia a receber o outro para além da capacidade de
ensinamento. Ensinar é acolher de fato o outro sem sugerir-lhe algo ou explicação. É a acolhida
de uma debilidade que ultrapassa a capacidade de um tema que dele tiraria.
Em vez do “eu penso” cartesiano, do “espírito absoluto” hegeliano, do sujeito anônimo
e inseparável de sua compreensão em Heidegger e em vez de uma “consciência de” em Husserl;
em Levinas, funciona muito mais uma filosofia voltada para a atenção e a acolhida do rosto do
Outro, hospitalidade, que não admite transformar-se em objeto, coisa ou tema. Um filosofar
que se abre à intencionalidade, desde que esteja voltada para atenção à palavra ou acolhimento
do rosto, hospitalidade e não tematização, mas que resista à tematização. Desse modo,

Porque ela é hospitalidade, a intencionalidade resiste à tematização. Ato sem


atividade, razão como receptividade, experiência sensível e racional do receber, gesto
de acolhimento, boas-vindas oferecidas ao outro como estrangeiro, a hospitalidade
abre-se como intencionalidade, mas ela não saberia tornar-se objeto, coisa ou tema. A
tematização, ao contrário, já supõe a hospitalidade, o acolhimento, a intencionalidade,
o rosto. (DERRIDA, 2015, p. 66).

Ao princípio de guerra ou de violência gratuita, pautado por algumas individualidades


anárquicas como meio de enfrentar o sistema estabelecido e mesmo como estratégia para
23

adquirir poder e respeito do ponto de vista social, Levinas reafirma o princípio de hospitalidade
que, em certa medida, é já uma reação ao “fechar a porta, a inospitalidade, a guerra, a alergia”
e que implica “uma declaração de paz original, mais precisamente pré-originária” (DERRIDA,
2015, p. 66).
Em virtude disso, o que se constitui aqui como paz, segundo Levinas, é a viabilidade da
paz perpétua e de uma hospitalidade universal que visem a interromper um estado de natureza
belicoso, bem como o recrutamento de indivíduos para o seu serviço, ou seja, e a de romper
com uma natureza que só conhece a guerra atual ou virtual.
Sendo assim, a atitude de hospitalidade reage às demais atitudes de perseguição e
exclusão ao outro, resiste ao dado mais originário de todos nós, de que a violência, a guerra é a
lei do ser e que o define essencialmente com base na filosofia da totalidade, cujo pensamento
pode nos conduzir à eclosão de uma guerra.
Daí a importância de um ensino de filosofia voltado para o sentido de acolher e dar
atenção ao outro, ao que nos é estranho, estrangeiro, exterior, ao que nos excede, ao que não
podemos conter, tampouco compreender ou abarcá-lo por conceitos ou pelo pensamento,
porque quanto mais assim nos dirigimos ao outro, mais afirmamos sua alteridade, sua diferença
talvez mais subjetiva, sua singularidade, uma vez que a guerra: “Instaura uma ordem em relação
à qual ninguém se pode distanciar. Nada, pois, é exterior. A guerra não manifesta a
exterioridade e o outro como outro; destrói a identidade do Mesmo” (LEVINAS, 2008, p. 08).
Como vimos, a totalidade nos remete a uma situação que é um todo completamente
acabado, fechado. Quando estamos submetidos a algo acabado ou fechado sobre nós mesmos,
não há lugar para a diferença, para a alteridade, para algo que rompa, subverta, por isso Levinas
imprime com sua filosofia, segundo o testemunho de Derrida (2015, p. 27), “um abalo filosófico
[...], o feliz traumatismo que lhe devemos, num sentido do termo ‘traumatismo’ que ele gostava
de lembrar, ‘o traumatismo do outro’ que vem do outro”, desdobrando-se em dois termos
bastante usados em sua filosofia, transcendência e infinito.
No ensino de filosofia, também é muito importante que tenhamos a atenção para essas
duas noções: transcendência e infinito. A transcendência, visto que nos inclui numa relação de
intersubjetividade ou de alteridade com Outrem, possibilita reconhecer que ensinamos e
aprendemos filosoficamente muito melhor pela relação social, cultural e histórica com Outrem;
e infinito porque nos abre para a possibilidade de não nos fecharmos em nossas próprias
verdades, ao pensarmos que são únicas e absolutas, questionando continuamente nossa
acomodada sensibilidade, convidando-nos a acolher o novo, o Outro que está sempre vindo.
24

2.2 ENSINO DE FILOSOFIA COMO RELAÇÃO DE ABERTURA AO OUTRO

Percebemos que Levinas advoga sim uma saída do ser para outro, na medida em que é
possível exceder-se no ser. Depois de certa persistência em ser, após cansar-se de ser ou de estar
fatigado de ser, promove então um movimento de saída de si para outro. Está disposto em
mostrar a superação do em-si do ser persistente-em-ser na gratuidade do sair-de-si-para-o-outro.
Explica o pensador:

Tudo se passa como se o surgimento do humano na economia do ser virasse o sentido,


a intriga e a classe filosófica da ontologia: o em-si do ser persistente-em-ser supera-
se na gratuidade do sair-de-si-para-o-outro, no sacrifício ou na possibilidade do
sacrifício, na perspectiva da santidade. (LEVINAS, 2004, p. 19).

Em sua busca por um caminho diferente da ontologia do ocidente, é necessário insistir


um pouco mais nessa persistência do ser para. A partir disso, impetrar uma separação, da origem
de uma eventualidade, de um acontecimento que marcará o filosofar levinasiano.
Ao confrontar-se com Heidegger, na relação de ser com o ente, Levinas enfrenta a
questão: “Como a relação com o ente poderá ser, de início, outra coisa que sua compreensão –
o fato de livremente deixá-lo ser enquanto ente?” (LEVINAS, 2004, p. 26). Mais uma vez o
filósofo afirma:

Salvo para outrem. Nossa relação com ele consiste certamente em querer compreendê-
lo, mas esta relação excede a compreensão. Não só porque o conhecimento de outrem
exige, além da curiosidade, também simpatia ou amor, maneiras de ser distintas da
contemplação impassível. Mas também porque, na nossa relação com outrem, este
não nos afeta a partir de um conceito. Ele é ente e conta como tal. (LEVINAS, 2004,
p. 26).

Tomados pela tradição ocidental, imbuídos de uma sede pela curiosidade racional,
obedecendo ao ritmo especulativo do pensamento, certamente, nossa primeira reação inevitável
na relação com Outrem é buscar compreendê-lo. Porém, essa relação com Outrem nos
surpreende e antecede, tal como a realidade, pois é da ordem do acontecimento e excede nossa
capacidade de conhecer. É, por isso, uma relação que implica sensibilidade, amor, simpatia,
afeto e responsabilidade porque considera o homem integral. Segundo Levinas (2004, p. 30),
nossa relação com Outrem não é da ordem do conceito: “O ente é homem, e é enquanto próximo
que o homem é acessível”.
Com efeito, se prestarmos atenção ao que anuncia Heidegger (1991, p. 13) na análise da
questão: “O que é isto – a filosofia?”, não seremos conduzidos ao caminho, mas a um caminho,
25

e talvez, estaremos no mínimo, a caminho. Movimentamo-nos no sentido de buscar uma


maneira diferente de pensar essa questão, sem a abandonarmos, haja vista termos pela frente
ainda um longo e difícil caminho a percorrer.
Dessa forma, seguindo na esteira da discussão do que é a filosofia para Heidegger e
observando que a questão que se coloca não exige uma definição permanente, ainda que nos
indique algumas pistas para nos arriscarmos a isso, a questão permanece em aberto. No final
do texto (1991), quando Heidegger retoma Aristóteles ao afirmar que o ser se diz de vários
modos, abre-se assim uma possibilidade concreta de pensar ou filosofar sobre o ser pelo
fenômeno.
Sendo assim, o que mais nos impressiona no texto de Heidegger (2005, p. 08) é como
ele está disposto e empenhado a demarcar sua análise do que é a filosofia pelo viés da
linguagem, “a morada do ser”. Ele nos alerta a ficarmos atentos à linguagem, e como
descrevemos a realidade pela linguagem, ao modo como dizemos o ser. Eis o desafio: como
dizer o ser de um modo diferente sem perder os critérios da correspondência, da disposição
racional e do “páthos” na análise filosófica apontados por Heidegger?
Segundo ele, “somente chegamos assim à correspondência, quer dizer, à resposta à
nossa questão, se permanecemos no diálogo com aquilo para onde a tradição da filosofia nos
remete, isto é, libera”. (HEIDEGGER, 1991, p. 20). Estaria aqui o ponto no qual se encontra a
permissão de liberação da filosofia para filosofar de outro modo?
Contudo, pela perspectiva da fenomenologia, convocamos a intercessão de Emmanuel
Levinas, que nos permite pensar o ser “de outro modo que ser”, inseparável de sua humanidade,
aberto ao acolhimento do Outro. Diríamos, ao contrário de seus críticos, que ele não abandona
a filosofia, mas a expande, amplia o seu alcance. Para ele, a filosofia deve seguir os rastros da
metafísica da alteridade e não os da ontologia tradicional, desprendendo-se de suas amarras:
“Aventura-se a dar um novo passo: desarraigar-se das amarras da ontologia para libertar o
homem, constituir a ética como filosofia primeira sobre a relação absoluta da alteridade”.
(PIVATTO apud LEVINAS, 2004, p. 13).
Desse modo, Levinas subverte a ontologia fundamental de Heidegger ao afirmar que:

O homem inteiro é ontologia. Sua obra científica, sua vida afetiva, a satisfação de suas
necessidades e seu trabalho, sua vida social e sua morte articulam, com um rigor que
reserva a cada um destes momentos uma função determinada, a compreensão do ser
ou a verdade. (LEVINAS, 2004, p. 22).
26

Assim, temos a impressão de que a ontologia de Heidegger, sua preocupação em dizer


o ser do ente enquanto existente pede ou possibilita uma metafísica da alteridade presente em
Levinas, no sentido de interessar-se muito mais à realidade dos homens e à literatura. Porém,
“o sentido em que utiliza o termo metafísica é muito peculiar. Levinas contrapõe metafísica a
ontologia. Entende por ontologia todas as formas de pensamento que reduzem a singularidade
da alteridade num universal, a uma totalidade” (RUÍZ, 2010, p. 40).
Visto que, para Levinas (2004, p. 23), “pensar não é mais contemplar, mas engajar-se,
estar englobado no que se pensa, estar embarcado – acontecimento dramático do ser-no-
mundo”, sua filosofia não é da ordem da ontologia, da razão ou da contemplação, mas da ordem
do acontecimento, das relações sociais, da ética da alteridade, por conseguinte, o seu ensino
filosófico. Consequentemente, a alteridade tem por princípio ser irredutível ao conceito,
inexaurível em categorias, de modo que sua marca é a singularidade e a diferença. Daí
podermos ousar tratá-la de metafísica da diferença (RUÍZ, 2010).
Tal como a filosofia tradicional vinha se estruturando pelo modelo de uma Ontologia
fundamental, pelo qual as formas de pensamento estavam comprometidas com o universal e
com a totalidade, consequentemente com a indiferença e o esquecimento do Outro. O ensino de
filosofia também, por causa de uma educação tradicional fundada na Ontologia, considera a
autorreflexão como sua atividade intelectual e exclusiva exigência de significação. Por outro
lado, o pensamento de Levinas se constrói como uma tentativa de colocar em questão este
ensino tradicional por meio da defesa de algo que a autorreflexão ou a compreensão não
consegue esgotar, encerrar e conceituar (ALVES; GHIGGI, 2011).
Por conseguinte, se a filosofia ocidental, bem como o ensino de filosofia e a educação,
assim como afirma Levinas, sempre se destinou em reduzir o Outro ao Mesmo. Então, é
necessário admitir que esta redução não encerre o sentido daquilo que escapa a qualquer
assimilação e a qualquer neutralização da diferença.
Nesse sentido, pela metafísica da alteridade que se opõe à Ontologia, Levinas defende
um ensino de filosofia como uma relação respeitosa, acolhedora, responsável pelo Outro e que
esteja na origem de toda construção teórica, incluindo neste ensino e na própria filosofia um
paradoxo, ou seja, sem representar o Outro, podemos encontrá-lo na sua exterioridade
irredutível à teoria. (ALVES; GHIGGI, 2011).
Sendo assim, a alteridade não se furta em promover um pensamento que tange ao seu
aspecto de “excedência” sobre o que se chamou o monopólio da relação teoria e prática. O que
excede disso certamente seria um novo acontecimento ontológico? O outro significaria esse
acontecimento de “excedência” via noção de alteridade? Após pensar o ser até as últimas
27

consequências, até seu esgotamento, por meio de um rigoroso método fenomenológico ao ponto
de mostrar a persistência ontológica dos que o precederam, Levinas não estaria nos conduzindo
ao encontro com o absolutamente Outro?
Se a relação de subjetividade entre os homens, entre nós, é uma relação fundada num
desejo infinito de outrem, certamente “somos todos culpados de tudo e de todos perante todos,
e eu mais que todos os outros” (LEVINAS, 2007, p. 82). Esta é uma referência à clássica frase
de Dostoiévski. Por isso, Levinas parte da ideia de que a ética possui uma dimensão de
reconhecimento do Outro. A consideração de que o rosto do Outro é o próprio reconhecimento
do Eu. Se existe uma dimensão de responsabilidade significa dizer que o caráter pessoal
encontra na coletividade, na relação com os outros, a sua realização.
Dessa maneira, o reconhecimento do Eu assume o reconhecimento da humanidade que
existe nele e da humanidade que reconhecemos nos outros. Isso passa pela noção de
responsabilidade, uma ética que se constitui naquilo de que somos responsáveis pelos outros.
Então, Levinas admite que é provável que a humanidade possa viver melhor se há um
reconhecimento da relação de alteridade com os outros. Diante disso, afirma o filósofo:
“Entendo a responsabilidade como responsabilidade por outrem, portanto, como
responsabilidade por aquilo que não fui eu que fiz, ou não me diz respeito; ou que precisamente
me diz respeito, é por mim abordado como rosto” (LEVINAS, 2007, p. 79).
Ultimamente, essa é a concepção filosófica que nos acompanha como natureza dessa
pesquisa. A questão da alteridade em Levinas enquanto aberta a uma relação de reconhecimento
da responsabilidade pela humanidade do Outro. Tal concepção se faz oportuna aqui, na tentativa
de procurarmos problematizar o ensino de filosofia com essas questões, pois entendemos que
os problemas do ensinar filosofia estão vinculados à uma determinada concepção filosófica.
Nesse sentido, Levinas ratifica:

A exterioridade do ser não significa, de fato, que a multiplicidade não tenha relação.
Só que a relação que liga a multiplicidade não preenche o abismo da separação, antes
o confirma. Nessa relação, reconhecemos a linguagem que só se produz no frente a
frente; e na linguagem reconhecemos o ensino. O ensino é uma maneira para a verdade
se produzir de forma que não seja obra minha, que eu não a possa manter a partir de
minha interioridade (LEVINAS, 2008, p. 291).

Nessa afirmação observamos três coisas: a primeira, é que a exterioridade confirma o


abismo, a ausência de sentido, a vulnerabilidade da separação, do eu perdido na sua profunda
interioridade, no seu profundo sofrimento ao ligar-se à multiplicidade; a segunda, quando as
exterioridades se relacionam frente a frente, eis que emerge algo importante e fundamental, a
28

linguagem, a palavra, a voz que se expressa e se reconhece como ensino, porquanto ensino
filosófico; a terceira, esse ensino traz o reconhecimento que a verdade não é obra nossa e que
não possamos mantê-la, sustentá-la, mas que a verdade vem de Outrem, na medida em que
Outrem tem prioridade sobre nós; vem antes de nós.
Retomando agora a experiência filosófica em sala de aula, sobretudo como a
consideramos após um novo conceito de filosofia, ou pelo menos enquanto busca desse
conceito, segundo a qual não dá mais para ensinar a filosofar sem “permanecer no diálogo com
aquilo para onde a tradição [...] libera” (HEIDEGGER, 1991, p. 20), dialogar com ela com
disposição racional, deixando-nos também afetar pelo que ensinamos. Ensinar filosofia requer
de nós uma atitude na forma de orientar o pensamento, como afirma Cerletti:

Vou afirmar que um professor de Filosofia é aquele que, acima de tudo, consegue
construir um espaço de problematização compartilhado com seus alunos. (...) Ensinar
Filosofia é, antes de mais nada, ensinar uma atitude em face da realidade, diante das
coisas, e o professor de Filosofia tem que ser, a todo momento, consequente com esta
maneira de orientar o pensamento. (CERLETTI, 2003, p. 62).

Há três questões que vem inquietando nossa prática de professor de filosofia, a saber:
1) Reconhecemo-nos como um professor de história da Filosofia? 2) Somos reconhecidamente
um professor de temas de filosofia? 3) Ou consideramo-nos um professor de cultura filosófica?
– algo agora soa diferente aos nossos ouvidos, porque essas questões chegam a nós com a
urgência e a necessidade de abrir-nos a algo novo, ao acontecimento, a Outrem. A busca pelo
conceito estaria ligada ao modo como nos relacionamos com este conceito6? Na prática
filosófica, o que nos acompanha como possibilidade de algo novo? O que está “suposto” ao
dialogar com a filosofia em sala de aula? Que convicções filosóficas dão consistência à nossa
prática?
As questões a respeito do conceito soam bem melhores agora do que aquelas questões
de antes quando a preocupação era dar conta de toda a história da filosofia, atender a um alcance
maior de temas filosóficos e absorver seus conhecimentos culturais. Porém, filosofar não é
simplesmente fazer história da filosofia, nem passear pelos temas de filosofia ou informar
conteúdos de forma erudita e enciclopédica, tal como quer a grande maioria dos manuais e
livros didáticos de filosofia. Temos a impressão de que a busca pelo conceito ou pelo caminho

6
A relação de Levinas com o conceito é um tanto quanto paradoxal, uma vez que, embora o critique quando visa
só a totalização e objetificação do Outro, “no entanto, ele precisa da razão, do conceito, do trabalho teórico para
expressar-se. Por conseguinte, trata-se de um permanente confronto com o que ele mesmo teceu. Ou seja, a ética
- pedagogia metafísica -, como valorização da Maestria de Outrem na produção do conhecimento, torna possível
a própria desmistificação do discurso filosófico que ele originou” (ALVES; GHIGGI, 2011, p. 110).
29

do que seja filosofia nos impulsionará a mudar a forma como tratamos o ensino de filosofia a
partir de então.
Quando nos perguntamos pelo conceito em filosofia, não estamos à procura de uma
palavra, de um termo que preencha uma proposição lógica, que sirva apenas para ocupar uma
lacuna em branco e que atendam aos interesses da representação. No entanto, “o conceito não
é dado, é criado, está por criar; não é formado, ele próprio se põe em si mesmo, autoposição”
(DELEUZE, 1992, p. 20).
Filosofar não é também apropriar-se de um conteúdo, a posse de um saber ou da
totalidade do mundo, porque não é uma doutrina com fins absolutamente especulativos, mas
uma atitude ou atividade do questionamento da nossa relação com o mundo, com os outros e
até entre nós. Filosofar é reconhecer a natureza ou a especificidade da filosofia: uma atitude de
alteridade. Assim, manifesta-se a alteridade: “A sua alteridade manifesta-se num domínio que
não conquista, mas ensina. O ensino não é uma espécie de um gênero chamado dominação,
uma hegemonia que se joga no seio de uma totalidade, mas a presença do infinito que faz saltar
o círculo fechado da totalidade” (LEVINAS, 2008, p. 165).
Na realidade, as relações entre nós e os alunos se dão de uma forma muito mais
cognitiva, em que os conteúdos enfrentados em sala são o que de fato importa. Ademais, o que
importa para Levinas na relação com o outro excede a capacidade de compreensão e exige
simpatia e amor. Desse modo, afirma o filósofo:

Nossa relação com ele [com o outro] consiste certamente em querer compreendê-lo,
mas esta relação excede a compreensão. Não só porque o conhecimento de outrem
exige, além da curiosidade, também simpatia ou amor, maneiras de ser distintas da
contemplação impassível. Mas também porque, na nossa relação com outrem, este
não nos afeta a partir de um conceito. Ele é ente e conta como tal. (LEVINAS, 2004,
p. 26).

Além disso, é certamente a busca por uma atitude que considere a paciência a
permanecer no filosofar, como afirma Heidegger (1991, p. 13), a “penetrar na filosofia,
demorarmo-nos nela, submeter nosso comportamento às suas leis, quer dizer, ‘filosofar’”, ainda
que poucas vezes nos dediquemos a isso com esmero, visto não resistirmos às metodologias
imediatas, aos projetos escolares apressados e a um sistema educacional achatado por políticas
públicas neoliberais para as quais só interessam resultados e uma disciplina voltada aos
conteúdos.
Assim, assinala Cerletti (2008, p. 28), “o que se poderia começar por ensinar é então
esse olhar agudo que não quer deixar nada sem rever, essa atitude radical que permite
30

problematizar os eventuais fundamentos ou colocar em dúvida aquilo que se apresenta como


óbvio ou naturalizado”.
Mais de uma vez, Cerletti, faz referência ao ensino de filosofia como uma atitude que
interpela as ideias prontas e estabelecidas. Porém, a sua principal argumentação que sustenta
talvez o conceito de atitude tão pertinente ao filosofar é a impossibilidade do professor de
filosofia ensinar a desejar o saber. “O essencial da filosofia é, constitutivamente, inensinável,
porque há algo do outro que é pessoal e irredutível: seu olhar pessoal sobre o mundo, seu desejo,
enfim, sua subjetividade”. (CERLETTI, 2008, p. 28).
Como não conseguimos ensinar essa disposição ou afetação (páthos) pelo filosofar, a
qual ficará sempre na dependência oportuna (kairós) da subjetividade de cada um, ainda assim
é possível mostrar, ensinar como se faz filosofia, orientar pelas atitudes do filosofar, tão
marcantes e apaixonantes, em certa medida, a um Sócrates, a um Platão, a um Agostinho, a um
Kant, enfim. Nesse sentido, é preciso abrir oportunidades e possibilidades para a realização do
pensamento filosófico em sala de aula. É preciso fazer o convite à filosofia: “Ensinar filosofia
é convidar a pensar. É convidar a compartilhar uma atividade que supõe um esforço, é certo,
mas abre uma enorme perspectiva de chegar-se a enfrentar-se com o novo” (CERLETTI, 2008,
p. 41).
Ao ensinar a filosofar, comprometemo-nos com uma continuidade ou com a
permanência de uma atitude, de um modo de pensar que se mantenha aberto para acolher até
mesmo uma postura de subversão. Tal abertura implica uma atitude de alteridade filosófica
porque nos aponta para o que pode ser humanamente peculiar no modo como fazemos filosofia
em sala de aula, por meio do diálogo, da atenção ao outro, da relação ética entre os sujeitos e
de suas inquietações.
Portanto, a alteridade é um caminho proposto, baseado na ética de Levinas (2008, p.
25), como filosofia primeira, uma atitude no ensino de filosofia que procura manter o filosofar
na sua condição de estrangeiro, “sobre ele não posso poder, porquanto escapa ao meu domínio
num aspecto essencial, mesmo que disponha dele: é que ele não está inteiramente no meu
lugar”. É receber o outro para além de nossa capacidade de ensinamento, para além do que
pretensamente pensamos em tirar algo dele, visto que muito mais pode vir do exterior, de fora
e de sua relação com o infinito, no sentido que daí algo sempre novo possa vir.
31

2.3 ENSINO DE FILOSOFIA E O OUTRO COMO ACONTECIMENTO ÉTICO

Dado que só será possível a superação de pensarmos o ensino de filosofia cerceado por
uma experiência que esteja ditada ou conduzida “pelas regras do saber objetivante ou crítico,
ou pelas regras da intencionalidade técnica ou prática” (LARROSA, 2008, p. 187). A
experiência atrelada ao acontecimento nos orienta a pensarmos não somente pelo raciocinar,
pelo calcular ou pelo argumentar, como também nos tem ensinado algumas vezes, mas é,
sobretudo, dar sentido ao que somos e ao que nos acontece, como enfatiza Larrosa.
Em nosso idioma, a palavra experiência significa justamente “o que nos acontece”, por
isso, nessa perspectiva, a experiência é uma relação com o que nos acontece. Nesse particular,
Larrosa (2008, p. 186) afirma: “A experiência não é outra coisa se não a nossa relação com o
mundo, com os outros e com nós mesmos. Uma relação em que algo nos passa, nos acontece”.
Por essa razão, ao trazermos esse sentido da experiência para o filosofar em sala de aula,
não podemos permitir que a aula se transforme numa tempestade de informações fortuitas,
gratuitas ou até intencionais, destituindo seu caráter filosófico, porque, se é preciso considerar
a experiência dos alunos para uma aula de filosofia bem-sucedida, a informação é quase o
contrário da experiência porque nos priva daquilo que nos toca, nos passa e nos acontece.
Segundo Larrosa (2002, p. 21-22), a informação não é experiência e não deixa lugar para a
experiência, ela é quase uma “antiexperiência”.
Desse modo, precisamos estar vigilantes quanto a isso, uma vez que preconizamos hoje
em dia que vivemos numa sociedade da tecnologia e da informação. Muitas vezes, pelo simples
fato de estarmos informados, cada vez mais atualizados em notícias, a impressão que temos é
de satisfação da ignorância, de uma falta que acaba voltando, a insatisfação aumenta porque
essa fome, essa sede não é de informação, mas de experiência, de acontecimento. O sujeito da
informação, tendo buscado muitas notícias, acha que encontrou sabedoria, mas o que encontrou
foi a sensação de que nada o afetou ou tocou.
Por isso, uma aula de filosofia não deve se render aos apelos de uma tradição tecnicista
e reprodutivista da educação, interessada apenas na apreensão de conteúdos e conhecimentos
teóricos, mas que seja um momento oportuno para um exercício de autonomia do outro ou de
uma heteronomia7 no filosofar, possibilitando ao aluno acolher a diferença de Outrem com
liberdade, coragem e responsabilidade.

7
Segundo observa Levinas: “a subjetividade, enquanto responsável, é uma subjetividade que é
diretamente comandada; de alguma forma, a heteronomia é, aqui, mais forte que a autonomia, ressalvando que
esta heteronomia não é escravidão, não é subjugação. [...] A consciência de responsabilidade de imediato obrigada,
32

Percebemos, entretanto, que as aulas de filosofia estão sendo conduzidas de modo muito
expositivas, tomando forma de monólogo, onde só um eu tem a palavra. Numa aula de filosofia,
a palavra tem de ser compartilhada, temos que estar sempre nos remetendo aos alunos para que
a aula de filosofia não perca sua essência dialógica. Com isso, adquirir a habilidade necessária
para aproveitar a fala do aluno e relacioná-la ao assunto, desconstruindo as informações e
opiniões, retomando o tema da aula, é uma das grandes virtudes do professor de filosofia, de
modo que não perca a força da alteridade.
Sendo assim, ao direcionarmos uma temática, um problema filosófico na sala de aula, é
muito importante que os estudantes estejam implicados no problema, senão a aula corre um
sério risco de ficar centrada no professor e de perder seu efeito de envolvimento e interação.
Por conseguinte, uma estratégia bastante pertinente para retomarmos a direção da
discussão e não permitirmos que a aula se transforme num turbilhão de opiniões é a colocação
de perguntas, não quaisquer perguntas, mas perguntas filosóficas em que o outro interpele e
seja interpelado pelo respeito e atenção à sua presença. Outrem tem autonomia. Temos a
impressão de que essas perguntas e as trocas de experiências em sala constituem o espírito da
disciplina de filosofia na sala de aula, algo que jamais podemos esquecer.
Dessa forma, temos aprendido que é preciso nos concentrar naquilo que queremos
trabalhar em sala de aula com a filosofia, nas propostas e sugestões, persegui-las sem perder a
direção, a intencionalidade pela hospitalidade, a alteridade. Aí entra o aspecto da pergunta,
porque ela é um elemento direcionador da aula e ajuda a trazer a aula para tal abordagem.
Por outro lado, não podemos ir a sala de aula, desprovidos de um “desejo de
acontecimento”, que é também um “desejo de realidade”, nos dizeres de Larrosa (2008, p. 187):
“O sujeito da experiência é um sujeito ex-posto, ou seja, receptivo, aberto, sensível e vulnerável.
Além de ser também um sujeito que não constrói objetos, mas que se deixa afetar por
acontecimentos. O desejo de realidade seria, então, um desejo de acontecimento”.
Possivelmente, o Outro como acontecimento do ser é mais uma tentativa de recuperar o
alcance da filosofia de Levinas como uma atividade ética, anterior a qualquer forma de
representação teórica, livre das amarras lógicas do pensamento, haja vista uma filosofia que se
liberte dos padrões ontológicos tradicionais e a supere por meio de um movimento exterior de
saída de si, de abertura infinita para o Outro e livre da totalidade.
Ademais, a dinâmica do ser de saída de si para outrem se produz ou acontece também a
partir da ideia de infinito que inquieta a subjetividade humana. Desde a constatação clássica de

por certo, não está no nominativo, está antes no acusativo”. (LEVINAS, 2004. p. 152). O princípio da heteronomia
concebe uma responsabilidade no sujeito, escolhendo-o como responsável a dar uma resposta ao Outro.
33

Aristóteles, que inicia o livro “A” de sua Metafísica, “Todos os homens desejam por natureza
conhecer”, percebemos o ser inquieto nessa disposição racional, porém não é possível conhecer
tudo, daí a necessidade de considerar a presença do infinito em nós. Segundo Levinas (2008, p.
39), “a análise da ideia do Infinito, à qual só se tem acesso a partir de um Eu, culminará com a
ultrapassagem do subjetivo”.
Sem dúvida, o acontecimento aqui se faz como consequência da ideia de infinito, da
qual está comprometida a filosofia levinasiana. É importante notar que na dura existência, no
movimento da vida, ente e ser, objeto e sujeito não se adequam mais. Então, o que está posto
ou pressuposto na ótica de Levinas, sobretudo o que se produz a partir dela, é um saber tomado
pela ideia de infinito e que se reconhece como inadequação por excelência.
Dessa maneira, seguimos os rastros do caminho levinasiano que nos conduz ao
acontecimento do outro como subversão do mesmo ou da especulação racional que vise apenas
ao esvaziamento de si. Para Levinas, Heidegger sempre falou o mesmo sobre o mesmo.
Heidegger entendia que não podíamos mais ser filósofos porque não conseguíamos mais
trabalhar os conceitos de totalidade e essência, visto que mal percebemos o conceito de infinito
em sua obra, uma vez que preferira trabalhar com o conceito de nada. Assim, como o mundo é
caótico e desesperado, não iríamos mais precisar desses conceitos. Contudo, Levinas subverte
esse pensamento.
Sendo assim, diferente dos entes, das outras coisas, somente o homem – O mundo que
constitui é diferente, não é mundo que constituímos, pois não constituímos o Outro, mas ele
nos constitui. Ele está lá desde sempre – que constitui e é constituído de ser, sentido; que
concebe o próprio mundo à sua volta pela linguagem, expressa seus desejos e suas intenções,
separa-se do mesmo, transcende a Outro. Esses dois termos, separação e transcendência,
merecem aqui bastante atenção, à medida que o Outro acontece quando separação e
transcendência se exercem no interior do ser, como estremecimento, “traumatismo” do homem.
A esse respeito leiamos:

O feliz traumatismo que lhe devemos (num sentido do termo ‘traumatismo’ que ele
gostava de lembrar, o ‘traumatismo do outro’) […] deslocava lentamente o eixo, a
trajetória ou a própria ordem da fenomenologia ou da ontologia que ele havia
introduzido na França a partir de 1930 […]. Ele abalou assim uma vez mais a
paisagem sem paisagem do pensamento; ele o fez dignamente, sem polemizar, ao
mesmo tempo do interior, fielmente, e de muito longe, a partir da afirmação de um
lugar completamente diferente. (DERRIDA, 2015, p. 27-28).

A propósito, considerando a pura eventualidade vivida pelo humano, começa um


“devotar-se-ao-outro”, passando pela consistência tradicional do ser e do estremecimento sobre
34

si, acontece a preocupação pelo outro até o sacrifício, uma responsabilidade por outrem. No
dizer de Levinas, “de modo diferente que ser” se constitui como um ensino capaz de romper
com a indiferença tão comum entre nós. Por essa razão, valida o filósofo:

E eis que surge, na vida vivida pelo humano – e é aí que, a falar com propriedade, o
humano começa, pura eventualidade, mas desde logo eventualidade pura e santa – do
devotar-se-ao-outro. Na economia geral do ser e de sua tensão sobre si, eis que surge
uma preocupação pelo outro até o sacrifício, até a possibilidade de morrer por ele;
uma responsabilidade por outrem. De modo diferente que ser! É esta ruptura da
indiferença – indiferença que pode ser estatisticamente dominante – a possibilidade
do um-para-o-outro, um para o outro, que é o acontecimento ético. (LEVINAS, 2004,
p. 18-19).

Certamente, seu novo caminho é apresentar como um encadeamento que culminará


nesse acontecimento ético que acabamos de mencionar, ainda assim aberto à surpresa do que
está por vir. Ao analisarmos seu conceito de alteridade, passamos pela noção de relação como
saída de si em direção ao outro, consideramos seu sentido de responsabilidade com o outro, que
nos ligará à noção de reconhecimento no universo de sua filosofia primeira, a ética. Trata-se,
portanto, de um acontecimento subversivo porque é uma ruptura como possibilidade de um-
para-o-outro, de um para o outro, como acontecimento ético.
Dessa forma, não dá para perseguir o caminho encontrado por Levinas, sem
considerarmos a noção prática da alteridade sem, contudo, deixarmos de considerar que o
desejo do invisível é um desejo insaciável, portanto, infinito, é produtor de alteridade, porque
tem a força de mover o ser para “uma coisa inteiramente diversa, para o absolutamente outro”,
o que ele chama de “desejo metafísico”. Em virtude disso, afirma o autor:

O desejo metafísico não aspira ao retorno, porque é desejo de uma terra onde de modo
nenhum nascemos. De uma terra estranha a toda a natureza, que não foi nossa pátria
e para onde nunca iremos. O desejo metafísico não assenta em nenhum parentesco
prévio; é desejo que não poderemos satisfazer. […] Os desejos que podemos satisfazer
só se assemelham ao desejo metafísico nas decepções da satisfação ou na exasperação
da não-satisfação e do desejo, que constitui a própria volúpia. O desejo metafísico tem
uma outra intenção – deseja o que está para além de tudo o que pode simplesmente
contemplá-lo. É como a bondade – o Desejado não cumula, antes lhe abre o apetite.
(LEVINAS, 2008, p. 20).

Tal desejo provoca na subjetividade uma abertura que a constitui como sujeito de
alteridade, cuja relação com o outro é anterior a tudo. Essa exasperação da não-satisfação de
que fala Levinas faz com que nos relacionemos com o outro não pelo que lhe falta, mas pelo
que sempre lhe excede, mesmo quando aparentemente algo lhe falte. Como o filósofo anuncia,
é um desejo que lhe abre o apetite. Daí é possível afirmar que, “para o desejo, a alteridade,
35

inadequada à ideia, tem um sentido. É entendida como alteridade de Outrem e como a do


Altíssimo” (LEVINAS, 2008, p. 21).
A relação que parte da dimensão de desejo do absolutamente Outro é oriunda de um
afastamento, de uma separação e, como se alimenta, vem positivamente da sua fome. Essa que
é anterior e está para além de minha identidade de pensante e de possuidor. Esse Outro na linha
da concepção de Levinas é insaciável, invisível; inadequação pura porque nos escapa de
qualquer medida e compreensão; é infinito porque ruptura com a totalidade.
Por conseguinte, o rumo da alteridade em Levinas (2008, p. 19) pressupõe que “o desejo
metafísico tende para uma coisa inteiramente diversa, para o absolutamente outro”. Um desejo
que quebra com a lógica do Mesmo, da consciência de uma volta para o que foi perdido,
libertando o sujeito de um sistema preso ao que é essencialmente nostalgia e saudade. Como
não aspira ao retorno, o desejo é desejo do absolutamente outro, leve de desejos satisfeitos,
“para além da fome que se satisfaz, da sede que se mata e dos sentidos que se apaziguam, a
metafísica deseja o Outro para além das satisfações [...]” (LEVINAS, 2008, p. 20-21).
Abrirmo-nos a este desejo metafísico, como vimos, a um desejo de outra ordem, da
ordem do acontecimento, da ordem das relações entre Outros, da alteridade que requer assumir
um compromisso com a ruptura do sistema que visa simplesmente colocar-se contra o Mesmo,
fazendo-o resistência ou apenas limitando-o e ainda tratando-o simploriamente pelo inverso da
identidade. É, de fato, desejar uma alteridade cuja relação não é de natureza da representação
propriamente dita, uma vez que o Outro se dissolveria no Mesmo, muito menos formalidade
que se deixa interpretar o Outro como mero inverso da identidade. Assevera o pensador que:

O Outro metafísico é outro de uma alteridade que não é formal, de uma alteridade que
não é um simples inverso da identidade, nem de uma alteridade feita de resistência ao
Mesmo, mas de uma alteridade anterior a toda iniciativa, a todo imperialismo do
Mesmo; outro de uma alteridade que constitui o próprio conteúdo do Outro; outro de
uma alteridade que não limita o Mesmo, porque nesse caso o Outro não seria
rigorosamente Outro; pela comunidade da fronteira, seria, dentro do sistema, ainda o
Mesmo. (LEVINAS, 2008, p. 25).

Talvez, uma das grandes questões da filosofia de Levinas que incomoda a suposta
tranquilidade do eu é como ser Outro permanecendo o Mesmo, como construir uma outra
Metafísica sem deixar de ser Metafísica. É possível ser Outro pela identidade do Mesmo,
inclusive afirmando tal identidade? Eis a questão: “como é que o Mesmo, produzindo-se como
egoísmo, pode entrar em relação com um Outro sem desde logo o privar da sua alteridade?”
(LEVINAS, 2008, p. 25).
36

Todavia, para que a relação do eu com o Outro não passe de um número, de uma
encenação ou pura formalização, precisamos considerar a originalidade da relação entre o eu e
o Mesmo impetrada por Levinas como relação concreta entre um eu e um mundo. Afirma ele:
“Este [mundo] estranho e hostil, deveria, em boa lógica, alterar o eu. Ora, a verdadeira e original
relação entre eles, e onde o eu se revela precisamente como o Mesmo por excelência, produz-
se como permanência no mundo” (LEVINAS, 2008, p. 23-24).
Sendo assim, muito embora sejamos Mesmo e Outro, isto não quer dizer que esses
termos estejam envolvidos numa relação de adição ou de poder sobre o Outro. A conjunção “e”
aí expressa uma relação com a linguagem entre o Mesmo e o Outro, no sentido de que “o Outro,
apesar da relação com o Mesmo, permanece transcendente ao Mesmo”. A partir disso, ensina
Levinas: “A relação do Mesmo e do Outro – ou metafísica – processa-se originalmente como
discurso em que o Mesmo, recolhido na sua ipseidade de ‘eu’ - de ente particular único e
autóctone – sai de si” (LEVINAS, 2008, p. 26).
A insistência em fazer com que o Outro permaneça numa relação de transcendência ao
Mesmo segue uma coerência filosófica, uma vez que a atividade ou o esforço deste pensador
está implicado em desconstruir todo um sistema que vigorou sob a égide da ideia de Totalidade.
Ao incluir o discurso da relação que nos faz transcender para Outro, Levinas pretende promover
uma ruptura com a totalidade baseado num discurso que mantenha a distância entre mim e
Outrem, reforçando a separação radical que impede a reconstituição de uma Totalidade.
Por isso, a ruptura com a Totalidade vem a ser uma operação do pensamento diferente,
um pensamento cuja relevância está em falar: “Em vez de constituir com ele, como com um
objeto, um total, o pensamento consiste em falar. Propomos que se chame religião ao traço que
se estabelece entre o Mesmo e o Outro, sem constituir uma totalidade” (LEVINAS, 2008, p.
27).
Em virtude disso, há uma dimensão de religião entre mim e Outro. Um religare; uma
alteridade entre mim e o Outro que me constitui um sujeito religioso sem Deus, mas responsável
por outro. Temos a impressão de que, ao eleger o termo religião, Levinas institui uma
socialidade por uma relação irredutível à compreensão. Segundo ele, “a relação com outrem,
portanto, não é ontologia”. E continua afirmando que este vínculo com outrem não se reduz à
representação de outrem, mas à sua invocação, na medida em que esta não venha precedida de
compreensão. A esta invocação chama de religião (LEVINAS, 2004, p. 29).
Nesse particular, Levinas justifica o uso do termo religião para fundamentar o traço que
se estabelece entre o Mesmo e o Outro ao pensar no sentido que lhe confere Augusto Comte no
início de sua Politique Positive. Assim, afirma o pensador:
37

[…] o objeto do encontro é ao mesmo tempo dado a nós e em sociedade conosco, sem
que este acontecimento de socialidade possa reduzir-se a uma propriedade qualquer a
se revelar no dado, sem que o conhecimento possa preceder a socialidade. Se o termo
religião deve contudo anunciar que a relação com homens, irredutível à compreensão,
se afasta por isto mesmo do exercício do poder, mas nos rostos humanos logra
alcançar o Infinito. (COMTE apud LEVINAS, 2004, p. 29-30).

O ser tem lugar agora na relação entre os homens. Entre os homens e entre nós, a
linguagem desempenha uma função tal em que os limites entre o Mesmo e o Outro transcendem,
impedindo a formação de uma Totalidade. A transcendência como movimento de relação para
outrem indica que não posso abordá-lo sem lhe falar, admitindo que o pensamento aqui é
inseparável da expressão. Expressarmo-nos, porém, não é a mesma coisa que partilhar um
conteúdo comum ou compreender este conteúdo, mas consiste em instituir a socialidade como
relação imprescindível à compreensão (LEVINAS, 2008).
Além disso, contrapondo-se à ideia da possibilidade de se totalizar a todo o sentido num
único saber. Afirma, Levinas (2007, p. 63), a expressão “não-sintetizáveis”. “O não-sintetizável
por excelência é, certamente, a relação entre os homens”. Como não posso pensar Deus e o ser
conjuntamente porque admito uma relação de transcendência, também aqui não se trata de
pensar o eu e o outro conjuntamente, mas de estar diante, numa junção do frente a frente. Por
isso, segundo Levinas (2007, p. 63), “a verdadeira união ou a verdadeira junção não é uma
junção de síntese, mas uma junção do frente a frente”.
Como vimos, principalmente a partir da obra Totalidade e Infinito, a noção de
socialidade parece assumir um caráter fundamental; primeiro porque o termo religião efetiva
um movimento transcendente de saída do eu para o Outro, abrindo-nos mais ainda para uma
relação intersubjetiva; depois, “saber se a sociedade, no sentido corrente do termo, é o resultado
de uma limitação do princípio de que o homem é um lobo para o homem [guerra] ou se, pelo
contrário, resulta da limitação do princípio de que o homem é para o homem.” (LEVINAS,
2007, p. 65).
Certamente, a intersubjetividade ou a relação entre nós que Levinas quer fundar é
baseada neste último caso em que a socialidade vem de se ter limitado o infinito que se abre na
relação ética do homem com o homem. A partir disso, então, até mesmo a política pode ser
controlada e criticada pela ética. Em virtude disso, afirma o escritor:

Esta segunda forma de socialidade faria justiça ao segredo que é, para cada um, a sua
vida, segredo que não consiste numa clausura que isolaria algum domínio
rigorosamente privado de uma interioridade fechada, mas segredo que consiste na
responsabilidade por outrem, que no seu acontecimento ético é contínua, a que não
nos furtamos e que, por isso, é princípio de individuação absoluta. (LEVINAS, 2007,
p. 66).
38

Além disso, o segredo a que Levinas se refere é o segredo da subjetividade


ridicularizado por Hegel porque satisfazia ao movimento romântico, mas muito caro a Leibniz
ao afirmar que “a verdadeira subjetividade humana é indiscernível.” (LEVINAS, 2007, p. 64).
Portanto, nessa relação de intersubjetividade o que está em jogo é uma relação de justiça com
cada um e, portanto, com outrem. É a vida de cada um que se constitui princípio de nossas
relações sociais e o motivo de sermos responsáveis por outrem.

2.4 ENSINO DE FILOSOFIA E RESPONSABILIDADE POR OUTREM

Ao tocarmos na questão da responsabilidade, precisamos também tocar no problema


que atravessou a modernidade, que é a subjetividade. Levinas, então, propõe uma nova
percepção de subjetividade baseada na responsabilidade inalienável para com o Outro, o que
acaba subvertendo a concepção moderna de subjetividade como “fonte de todo sentido e ela se
determina e põe a si mesma na medida em que determina o Outro [a natureza, o ser humano] e
exerce seu domínio sobre ele”, de modo que, para Levinas, não é a razão subjetiva fonte de
alteridade, mas a alteridade fonte de subjetividade, cuja autonomia está no Outro. (ALVES;
GHIGGI, 2011, p. 97).
Nessa perspectiva, afirma Susin (1984, p. 409): “Uma autonomia provém da
heteronomia. Ser é uma responsabilidade dentro da responsabilidade de encarnação e
devotamento”. Esse voltar-se para o Outro como um devotamento de modo responsável, que
parte do familiar e íntimo para o estrangeiro, exterioridade, por isso a heteronomia está no seio
da filosofia da alteridade, uma vez que recebe sua norma, sua lei de fora, de outrem, do
estrangeiro, quebra uma possível obsessão da razão de permanecer no círculo fechado de si
mesma.
Por conseguinte, tal movimento contrapõe-se à ideia de uma razão subjetiva e autônoma,
cujas normas, são do sujeito, como os imperativos categóricos kantianos dão a si mesmos as
normas para suas ações. A filosofia de Levinas, ao fazer isso, recebe sua norma de algo exterior,
mas se recusa alienar-se nesta adesão ao fim do processo.
Contudo, a modernidade tem acelerado seu processo de domínio técnico do ser humano
sobre a natureza e a sociedade, o que evidentemente modifica a atitude do ser humano em
relação à realidade, uma vez que, diferente de algo dado, natureza e sociedade, aparecem como
algo que o homem pode manipular e, por isso, encerrar sob o seu domínio, de modo que não
pertencem mais à ordem natural, porém fruto de um processo da própria razão e ação humana.
39

Consequentemente, tal processo passa a querer transformar o mundo e o Outro como


instrumentos de saber científico-experimental, reduzindo-os a objetos ou produtos mediados
pela intervenção do novo saber técnico. Assim, toda a realidade passa a ser vista pela ótica do
saber fazer, excluindo do processo o que não for redutível à esfera técnica do saber.
Com isso, a educação moderna – ou ensino filosófico – sofre as influências desse amplo
processo de domínio técnico do ser humano, ancorando seu objetivo na construção de uma
história inteiramente controlada, dirigida e orientada pelo próprio ser humano (ALVES;
GHIGGI, 2011).
Por essa razão, urge repensar uma educação e, por conseguinte, um ensino de filosofia
cuja estrutura e finalidade estejam assentadas no modelo de conhecimento científico e seu único
sentido para a vida humana, até porque hoje em dia, temos uma visão cada vez mais ampla da
vida humana e da própria realidade. Em virtude disso, “volta-se a refletir sobre a razão
fundamental, sobre uma nova aliança do ser humano com a natureza, sobre uma nova
racionalidade ética enquanto acolhimento do Outro” (ALVES; GHIGGI, 2011, p. 97).
Ainda, frente ao problema da subjetividade, podemos acrescentar que, ao nascermos,
nossa subjetividade é constituída pela abertura ao Outro, porque “nascer é irrupção”, abertura
para a alteridade infinita de sair de nós mesmos para Outro quando procuramos, por exemplo,
o alimento no seio de nossas mães.
Desse modo, a forma como vemos o mundo não é meramente cognitiva, mas relacional,
numa ótica do desejo, como bem nos afirma Susin (1984, p. 36): “O mundo é um dado como
alimento e não como objeto”. Isso funda sua metafísica da alteridade, pois o que sempre está
pressuposto na filosofia de Levinas é a realidade da relação com outrem. Segundo Ruiz (2010,
p. 40), “A alteridade, enquanto relação primeira, é constitutiva da subjetividade”.
Por isso, a alteridade levinasiana deve ser entendida como metafísica, justamente porque
o eu de cada sujeito é constituído desde o primeiro momento de sua existência pela relação com
a alteridade. Assim como, na metafísica, o infinito e a transcendência são conceitos articulados
para a compreensão ou para pensar a existência do sujeito, a alteridade também se propõe como
uma chave de leitura em que a relação constitui o sujeito e na relação o sujeito é constituído.
(RUÍZ, 2010).
Sendo assim, pelo princípio ético da alteridade pensado por Levinas, somos investidos
de uma subjetividade aberta à relação de intersubjetividade entre liberdades e unicidades,
sujeitos de uma separação radical, absolutamente Outros que, perturbados e feridos, acolhem a
linguagem nutrida de transcendência, da estranheza dos interlocutores e da revelação do Outro
40

a mim. Por essa razão, o ensino de filosofia se faz aí nessa produção, nesse acontecimento em
que se concebe a alteridade de uma responsabilidade por Outrem.
Tal discurso é já filosofar, porque exprime uma responsabilidade destes absolutamente
estranhos pelo pensamento que trazem, pela experiência pura e pelo traumatismo de espanto
(LEVINAS, 2008, p. 63). Nessa perspectiva, o ensino de filosofia advém de um homem, do
humano absolutamente estranho.
Assim, a dimensão de intersubjetividade proporciona e nutre o ensino de filosofia na
sala de aula, na medida em que o ambiente extremamente social, povoado de relações humanas,
possibilita uma infinidade de encontros humanos suscetíveis de acontecimentos éticos. Ao nos
responsabilizarmos por Outrem, tocados e incomodados pela fragilidade humana que nos diz
respeito. É certamente possível construirmos uma relação de ensino e aprendizagem filosófica
em que cada um traz algo novo de sua alteridade radical, em tensão relacional e social com a
história e suas experiências singulares partilhadas ali no ambiente de sala de aula.
O ensino de filosofia atrelado a essa perspectiva filosófica da responsabilidade por
Outrem supõe uma nova forma de pensar que se constrói a partir do reconhecimento da
manutenção da intersubjetividade entre nós, do olhar e do sentido do Outro que nos perturba e
interpela, porque é um modo diferente de ser que nasce do encontro de pessoas concretas,
históricas, com suas narrativas diversas.
Além disso, admitimos que essa relação de subjetividade entre os homens, entre nós, é
uma relação fundada num desejo infinito de outrem, de modo que tal relação funda entre os
homens uma dimensão de intersubjetividade ética, na qual nos sentimos responsáveis pelos
outros numa relação gratuita e desinteressada. Na citação a seguir, Levinas insiste na ideia de
que não é preciso esperar a recíproca para agir com responsabilidade, uma vez que a relação
mútua não nos diz respeito, tampouco é assunto nosso. Na verdade, é o sujeito que deve suportar
tudo independentemente do Outro, da recíproca. Trata-se aqui de uma responsabilidade radical
do Eu pelo Outro. Assim, confirma o filósofo:

[...] a relação intersubjetiva é uma relação não-simétrica. Neste sentido, sou


responsável pelo outro sem esperar a recíproca, ainda que isso me viesse a custar a
vida. A recíproca é assunto dele. Precisamente na medida em que entre o outro e eu a
relação não é recíproca é que eu sou sujeição ao outro; e sou ‘sujeito’ essencialmente
neste sentido. Sou eu que suporto tudo. Conhece a frase de Dostoievski: ‘Somos todos
culpados por tudo e por todos perante todos, e eu mais do que os outros’. Não devido
a essa ou àquela culpabilidade efetivamente minha, por causa de faltas que tivesse
cometido; mas porque sou responsável de uma responsabilidade total, que responde
por todos os outros e por tudo o que é do outro, mesmo pela sua responsabilidade. O
eu tem sempre uma responsabilidade a mais do que todos os outros. (LEVINAS, 2007,
p. 82).
41

Levinas parte da ideia que a ética possui uma dimensão de responsabilidade com o outro.
A consideração de que a presença do Outro é o meu próprio reconhecimento. Há uma dimensão
da responsabilidade de caráter pessoal que encontra na coletividade, na relação com os outros
a sua realização. A culpa não se refere a uma falta cometida, mas ao reconhecimento da
humanidade pessoal e coletiva na subjetividade e na intersubjetividade. Isso passa pela noção
de responsabilidade. É uma ética que se constitui naquilo de que somos responsáveis pelos
outros. Levinas admite que é provável que a humanidade possa viver melhor se há um
reconhecimento da relação de alteridade com os outros.
Ademais, a subjetividade vem entendida agora como engajamento da justiça para com
o Outro, numa espécie de altruísmo. Em certa medida, ela é sacrifício para-outro,
responsabilidade por ele, porque realmente encontrou a liberdade que consiste na entrega e na
resposta ao Outro. Nesse particular, afirma Fabri (1997, p. 94): “A subjetividade levinasiana
pressupõe um sujeito que encontrou a liberdade, na medida em que se entrega e responde ao
Outro”.
Sendo assim, a responsabilidade está inscrita na estrutura fundamental da subjetividade
que se abre como uma fenda na perspectiva da ética e que se caracteriza, segundo Fabri (1997,
p. 115), pelo dizer, como também pela responsabilidade inalienável ao Outro, de modo que
haja, assim, um processo contínuo de “ruptura do jogo do ser”.
De acordo com Levinas, temos agora um sujeito refém do Outro por causa de uma
responsabilidade infinita e insubstituível. Tal responsabilidade, por isso, não é fruto de uma
escolha livre do sujeito, uma vez que ela é anárquica. Decorre disso que a subjetividade é para
Outro, e significa responsabilidade por ele. Segundo Levinas, o dizer é uma espécie de “des-
situação” do sujeito que coloca no centro da discussão filosófica um movimento de
responsabilidade pelo Outro, a saída de si, a expulsão de si. “O Dizer é a expulsão de toda
morada, de toda habitação. […] Trata-se de uma verdadeira extradição, de uma evasão de si
como expulsão sem retorno” (FABRI, 1997, p. 125).
Quando dirigimos a palavra a outrem numa relação face a face, é muito comum algumas
vezes só conseguirmos dizê-lo no sentido de descrevê-lo como ele se mostra, talvez, porque
estejamos sendo inclinados a fazer uma espécie de análise fenomenológica do rosto do outro,
descrevendo primeiro o que nos aparece sob a afetação do olhar. Porém ser abordado ou ter
acesso ao rosto significa, antes de percebê-lo ou conhecê-lo, acolhê-lo na sua condição de
estrangeiro, de alguém que está sempre vindo, numa relação ética e aberta, contrariando
qualquer tentativa de redução do rosto que ofusque sua presença. Fundamentado nisso,
confirma o autor:
42

Penso antes que o acesso ao rosto é, num primeiro momento, ético. Quando se vê um
nariz, os olhos, uma testa, um queixo e se o pode descrever, é que nos voltamos para
outrem como para um objeto. A melhor maneira de encontrar outrem é nem sequer
atentar na cor dos olhos! Quando se observa a cor dos olhos, não se está em relação
social com outrem. A relação com o rosto pode, sem dúvida, ser dominada pela
percepção, mas o que é especificamente rosto é o que não se reduz a ele. (LEVINAS,
2007, p. 69).

Diante disso, o que não se reduz a ele é o que mais lhe interessa numa relação de
alteridade, uma vez que não se trata de falar de um olhar voltado para o ser, no sentido de
reduzí-lo à compreensão. Recorrer à temática do rosto parece uma tônica na filosofia de
Levinas, talvez para nos indicar como acontece sua proposta no pensamento contemporâneo ao
considerar a concepção de que o rosto do outro é nosso próprio reconhecimento. Se há uma
condição de responsabilidade, significa afirmar que é quando o caráter singular encontra na
coletividade a sua realização.
Em razão disso reconhecermo-nos no outro ou responsabilizarmo-nos pelo Outro é
reconhecer que a condição de humanidade também existe na humanidade que se reconhece nos
outros. Assim, o discurso sobre o rosto na filosofia de Levinas nos direciona aqui para o
problema da responsabilidade.
A pertinência ética do rosto, de fato, nos chama à atenção. Sua existência ou o
reconhecimento de sua existência, de sua importância na relação com os outros é a condição
que nos proíbe de matar: “o rosto é o que não se pode matar ou, pelo menos, aquilo cujo sentido
consiste em dizer: ‘tu não matarás’” (LEVINAS, 2007, p. 70).
Sem dúvida, ao reconhecermos essa dimensão ética de nossa relação com o rosto do
Outro, certamente as pretensões de abarcá-lo com o pensamento numa satisfação imediata de
transformá-lo em conhecimento, em saber, preso aos domínios da razão caem por terra, visto
que, é impossível conter o rosto do Outro. É justamente isso que nos ensina Levinas ao afirmar
que o rosto é a impossibilidade de transformar num conteúdo, cujo pensamento abarcaria, pois
é o incontível e conduz-nos além. Assim, há nele um caráter para além de nossa compreensão,
adequação ou satisfação.
De acordo com a perspectiva do rosto do Outro, temos a impressão de que, assim como
a pergunta na filosofia está sempre nos direcionando para os problemas que devemos enfrentar,
a desconcertante presença do rosto do Outro nos inquieta à responsabilidade pelo Outro. O rosto
reclama essa responsabilidade, de modo que a humanidade do homem é uma ruptura no ser, é
também uma ruptura com a totalidade.
Dessa forma, vamos concebendo o rosto como significação, na medida em que o próprio
rosto direciona o discurso para a responsabilidade com o Outro. Por isso, Levinas insiste na
43

relação, na ligação ao discurso do rosto. Para ele, o rosto fala, porque é o rosto que possibilita
e dá início a todo o discurso, tornando assim, por esse aspecto, a relação com outrem uma
relação autêntica. A partir disso, o filósofo acrescenta: “Recusei, agora mesmo, a noção de visão
para descrever a relação autêntica com outrem, o discurso e, mais exatamente, a resposta ou a
responsabilidade, é que é esta relação autêntica” (LEVINAS, 2007, p. 70).
O que move e dá impulso às questões ou à atividade filosófica não é a insatisfação de
respostas adequadas, mas uma interrogação que na sua origem é responsabilidade, relação com
algo em que resposta alguma consegue conter. A questão originária ultrapassa a garantia de
uma resposta. Nessa direção, o mais importante para Levinas “não é a resposta, o resultado
final, mas a própria questão; que não é mais posta pelo ego cogito”. (apud KUIAVA, 2004, p.
330).
O eu já não tem mais domínio sobre a questão, uma vez que a pergunta se apodera dele.
A questão provoca uma relação que preenche os espaços de uma possível resposta. A pergunta
é anterior a qualquer espécie de tematização introduzida por uma resposta que visa ordenar uma
determinada teoria. A resposta está aquém de satisfazer ou de ser suficiente para um problema,
sobretudo porque sua intenção é de amenizar o que é a pergunta e o que está em questão.
É importante destacar que, para Levinas, a questão originária não flerta com a
tematização de um conceito, do outro ou da lei moral em relação ao eu. Questionar é, antes de
tudo, perceber-se responsável. Não é esperar por uma resposta, tampouco contemplá-la.
Segundo Kuiava (2004, p. 330), “a responsabilidade é o dizer antes de anunciar um dito. O ‘eis-
me aqui’, expresso ao próximo, significa antes de toda experiência. A manifestação de um
sentido num tema já decorre de seu significar que ordena uma ordem, isto é, o sentido ético
como imperativo”.
Dissemos aqui que a responsabilidade está inscrita na estrutura do sujeito, de nossa
subjetividade, porém somente quando nos percebemos responsáveis e nos permitimos acolher
a abordagem do rosto, nos dizeres de Levinas (2007, p. 79): “Entendo a responsabilidade como
responsabilidade por outrem, portanto, como responsabilidade por aquilo que não fui eu que
fiz, ou não me diz respeito; ou que precisamente me diz respeito, é por mim abordado como
rosto”.
Nesse particular de que a responsabilidade não é um simples atributo da subjetividade,
continua Levinas: “Com efeito, a responsabilidade não é um simples atributo da subjetividade,
como se esta existisse já em si mesma, antes da relação ética. A subjetividade não é um para si:
ela é, mais uma vez, inicialmente para outro” (LEVINAS, 2007, p. 80).
44

Se a abordagem do rosto não é da ordem da percepção pura e simples, da


intencionalidade que se dirige para uma adequação, muito menos da ordem da tematização que
se volta para a alteridade a partir do Mesmo, implica dizer que sua abordagem é de ordem ética,
cuja responsabilidade inicia-se para Outro, vai além do que podemos fazer pelo Outro, vai além
do que podemos assumir por ele, uma vez que, segundo Levinas, é uma resposta que nos
incumbe. Considerando que há uma dimensão de responsabilidade em nossa humanidade,
devemos, por isso, ser responsáveis por ela, por nossa própria responsabilidade.
Às vezes pensamos que quanto mais próximos estamos do outro mais o conhecemos.
Não é assim. Num encontro face a face, o que deve prevalecer é um aprendizado de distâncias,
isto é, aprender a respeitar as diferenças, pois quando nos aproximamos do Outro descobrimos
quão Outro é o Outro, quão diferente é o meu semelhante, porque o que se mantém na relação
entre iguais é a diferença, a alteridade, a socialidade quando a relação está sob a ordenação da
responsabilidade. Assim, afirma o pensador:

O laço com outrem só se aperta como responsabilidade, quer esta seja, aliás, aceite ou
rejeitada, se saiba ou não como assumi-la, possamos ou não fazer qualquer coisa de
concreto por outrem. Dizer: eis-me aqui. Fazer alguma coisa por outrem. Dar. Ser
espírito humano é isso. A encarnação da subjetividade humana garante a sua
espiritualidade (não vejo como os anjos se poderiam dar ou como entreajudar-se).
Diaconia antes de todo diálogo: analiso a relação inter-humana como se, na
proximidade com outrem para além da imagem que faço de outro homem –, o seu
rosto, o expressivo no outro (e todo o corpo humano é, neste sentido mais ou menos,
rosto), fosse aquilo que me manda servi-lo. Emprego esta fórmula extrema. O rosto
pede-me e ordena-me. A sua significação não é uma ordem significativa. Permita-me
dizer que, se o rosto significa uma ordem a meu respeito, não é da maneira como um
signo qualquer significa o seu significado; esta ordem é a própria significância do
rosto. (LEVINAS, 2007, p. 81).

A encarnação ou habitação da subjetividade humana entre nós, como pensa o filósofo,


é a garantia de uma vida pautada na disponibilidade para o serviço, a ajuda ao outro. A presença
do rosto do Outro nos põe em condições para acolher uma ordenação diferente de ser ou uma
postura de outra ordem, da ordem do discurso, da palavra, do serviço, da doação de si. A atitude
de servo é a própria significância do rosto que nos pede responsabilidade; chama-nos ao
reconhecimento do outro pela dimensão da solidariedade humana.
A voz do Outro encontra as condições para ser ouvida, acolhida, nessa possibilidade de
fazer qualquer coisa de concreto a outrem; a possibilidade de fazer justiça e praticar a bondade
por outrem, numa atitude de responsabilidade infinita. Tal aspecto se desdobra na sua
radicalidade ao ponto de vislumbrarmos aí uma motivação utópica de altruísmo. Na prática, na
vida mesma do humano, algumas circunstâncias até que exigem justiça, atenção e respeito por
45

nós mesmos, mas é preciso conservar o espírito de desinteresse que anima a ideia da
responsabilidade pelo outro homem. Eis a radicalidade de que fala o filósofo:

Em princípio, o eu não se arranca à sua ‘primeira responsabilidade’; sustém o mundo.


A subjetividade, ao constituir-se no próprio movimento em que lhe incumbe ser
responsável pelo outro, vai até à substituição por outrem. Assume a condição ou
incondição – de refém. A subjetividade como tal é inicialmente refém; responde até
expiar pelos outros. (LEVINAS, 2007, p. 83).

Quando a voz do outro passa a ser ouvida, acolhida em suas necessidades humanas,
despertando o eu de sua indiferença, de seus interesses mesquinhos e egoístas, na medida em
que se deixa escandalizar, a humanidade do humano, a verdadeira vida, antes ausente faz-se
presente, de modo que a ontologia se desfaz, o ego entra em dissolução e as categorias do ser
são invertidas num “de outro modo que ser” afirmado por esse acontecimento ético.
Na verdade, o que Levinas está fazendo é nada menos do que afirmar a própria
identidade do eu humano a partir da responsabilidade por outrem, segundo a qual, acontece a
deposição do eu soberano na consciência de si, destituindo seu caráter reducionista e nos
encarregando de uma suprema dignidade do único, não recusável e exclusivamente humana:
“eu, não intercambiável, sou eu apenas na medida em que sou responsável” (LEVINAS, 2007,
p. 84).
Da mesma forma que existe um segredo quando se mergulha na pluralidade social onde
se é possível respeitar as liberdades individuais, cujo segredo para isso é a vida de cada um e
consiste na responsabilidade por outrem, também encontramos nessa responsabilidade ilimitada
e infinita, radical, um segredo que é essa suprema dignidade do único. Por isso, é próprio da
responsabilidade guardar a socialidade. É o que assinala Levinas (2004, p. 198):
“Responsabilidade que guarda, sem dúvida, o segredo da socialidade, cuja gratuidade total,
mesmo que vã em última análise, se chama amor ao próximo, amor sem concupiscência, mas
tão irrefragável como a morte”.
Para não ficarmos ou nos sentirmos indiferentes à vida de Outro homem é
imprescindível que possamos respondê-lo. Sem dúvida, aí está a grandeza de cada sujeito, na
capacidade de responder a outrem, na capacidade de responsabilidade pelo Outro. Sem nos
relacionarmos com outro, sem considerarmos as relações, sem nos abrirmos à socialidade,
certamente será impossível responder às suas questões ou, sequer, elas existirão. No entanto, a
relação com Outro é algo inescapável porque é anterior à autonomia do sujeito, anterior à sua
vontade e liberdade.
Nessa direção, as palavras de Ruíz são precisas:
46

A relação com outro, que é prévia à minha vontade, me interpela. Toda relação é
interpelação. Ela me afeta em muitos sentidos, me enriquece e desafia. A interpelação,
ainda prévia à minha liberdade, me responsabiliza especialmente quando o outro é
necessitado. A responsabilidade pelo outro aparece para mim na relação antes que eu
possa evitá-la. Uma vez responsabilizado tenho que dar uma resposta. Não posso
evitar a resposta. (RUÍZ, 2010, p. 40).

Logo, entendemos em que consiste a liberdade para Levinas. Ela está atrelada à
sensibilidade pelo rosto do Outro, à sensibilidade pela presença que aborda, pede, ordena,
questiona, fala, responde, respeita, reconhece. Uma liberdade que se realiza sob a ótica da
responsabilidade por outrem; a verdadeira liberdade da atenção e da preocupação pelo Outro;
que se realiza plenamente como justiça. Por isso, a liberdade configura-se como o modo de
justificação da resposta que damos à interpelação do Outro. Ainda que essas respostas sejam
contrárias, negativas e evasivas ou até vazias. Mesmo assim, estaremos dando uma resposta à
interpelação do Outro.
O princípio ético que norteia nosso caminho até aqui está ancorado num pressuposto
cujo lugar é o da relação entre os homens. Nessa relação ou nesse encontro com o outro há uma
clara possibilidade de crescermos cada vez mais em humanidade. Esta é uma condição que nos
atravessa a todos, donde vem nosso reconhecimento, respeito e responsabilidade para com
Outrem. Convocados quase que permanentemente a viver em sociedade. A partir da alteridade
humana, experimentamos o sentido de uma responsabilidade corajosa no acolhimento do Outro
que se traduz em justiça, solidariedade e amor.

2.5 ENSINO DE FILOSOFIA E O RESPEITO PELO OUTRO

Como lemos de Levinas, em sua obra Entre nós: ensaios sobre a alteridade, certamente
do prolongamento da dialética hegeliana acerca do conceito de reconhecimento8. A retomada
dessa questão possivelmente é articulada à noção de respeito, porém com um discurso bem
diferente daquele preconizado por Hegel. O sentido do reconhecimento só tem valor, para

8
O conceito de reconhecimento é uma discussão de matriz hegeliana porque deu-se a partir da obra de Friedrich
Hegel, mais especificamente da clássica dialética entre Senhor e Escravo que integra parte do livro Fenomenologia
do Espírito. Afirma, então, o filósofo moderno fundador dessa discussão: “Consideremos agora este puro conceito
de reconhecimento, a duplicação da consciência-de-si em sua unidade, tal como seu processo se manifesta para a
consciência-de-si. Esse processo vai apresentar primeiro o lado da desigualdade de ambas [as consciências-de-si]
ou o extravasar-se do meio-termo nos extremos, os quais, como extremos, são opostos um ao outro; um extremo
é só o que é reconhecido; o outro, só o que reconhece”. (HEGEL, 2014, p. 144). Segundo Bruno (2009, p. 96):
“Para Hegel, o primeiro momento da humanidade caracterizava-se por uma consciência ingênua e passiva. Não
havia um verdadeiro conhecimento de si. Foi preciso que ultrapassássemos essa fase. Isso se deu a partir de um
confronto por reconhecimento. Hegel teatraliza essa passagem falando de uma luta entre dois indivíduos que
arriscam a vida. Nessa luta ‘de morte’, um deles torna o reconhecimento possível. Ele olha para o outro e o
reconhece como seu senhor. Essa luta é denominada ‘dialética do senhor e do escravo’”.
47

Levinas se a dignidade for mantida e garantida, numa possível relação de submissão a Outrem.
Tal submissão não retira, não anula a nossa dignidade humana numa relação de alteridade ética.
O fluxo das relações humanas e dos acontecimentos nos condiciona a ver as coisas em
si mesmas, isto é, representá-las para nós, o que significa para Levinas uma espécie de
libertação da própria posse na figura “que o acolhimento da casa instaura”, rejeitando tanto a
fruição como a posse, “é preciso que eu saiba dar o que possuo” (LEVINAS, 2008, p. 164).
Mais adiante, o próprio Levinas vai afirmar que o que paralisa de fato, é a posse e a
fruição de si, a preocupação consigo mesmo, também é o encontro do rosto indiscreto de
Outrem, que nos põe em questão, põe as coisas em questão numa dimensão de doação. Segundo
o filósofo da alteridade, somos tomados de reconhecimento por um olhar que suplica e exige
privado de tudo, visto que só nos reconhecemos nele dando. O gesto de dar é um gesto de
reconhecimento de Outrem. Por isso, a epifania do rosto, a manifestação desconcertante do
rosto nos contesta aqui, porque reconhecer Outrem é reconhecer uma fome. É dar a partir de
uma dimensão de altura, do mestre, como anuncia o pensador:

O olhar que suplica e exige – que só pode suplicar porque exige – privado de tudo
porque tendo direito a tudo e que se reconhece dando [tal como ‘se põem as coisas em
questão dando’] –, esse olhar é precisamente a epifania do rosto como rosto. A nudez
do rosto é penúria. Reconhecer outrem é reconhecer uma fome. Reconhecer outrem –
é dar. Mas é dar ao mestre, ao Senhor, àquele que se aborda como ‘o senhor’ numa
dimensão de altura (LEVINAS, 2008, p. 65).

Dessa forma, é o absolutamente Outro que nos questiona porque há nele a presença do
que nos excede e, por isso, para que nos separemos de nós mesmos, afirma Levinas, é preciso
que nos encontremos com um rosto que pergunte, suplique, exija e solicite. De fato, “falar, em
vez de ‘deixar estar’, solicita Outrem” (LEVINAS, 2008, p. 189).
Sendo assim, as figuras que melhor caracterizam a alteridade e que chamam à atenção
de nosso respeito como consequência da responsabilidade por Outrem são as figuras da
debilidade trazidas por Levinas ao debate filosófico, ao nosso filosofar, de suas experiências
pré-filosóficas, sobretudo, por ser judeu, de sua experiência bíblica: a viúva, o órfão, o pobre e
o estrangeiro. À viúva lhe carecia o esposo, o sustento da família na cultura judaica; ao órfão
lhe carecia o pai; ao pobre lhe faltava o recurso, o conforto; ao estrangeiro, cuja figura talvez
seja a mais emblemática de todas, faltava-lhe a permanência e o convívio com sua pátria. Sua
nacionalidade, sem dúvida, é o que lhe excede.
A figura do estrangeiro no discurso de Levinas ocupa um lugar de destaque e significa
também estranho, contrariando o que nos é comum. O outro é marcadamente um estrangeiro
48

devido ao seu lugar de debilidade na sociedade, seja por que não fala o mesmo idioma, seja por
que não tem uma terra natal, seja por que é imigrante e foge da guerra, da fome e da perseguição
religiosa, seja por que sofre a exclusão social de qualquer tipo, para não esquecer, os que sofrem
pela dimensão da sua sexualidade. Daí o Outro é sempre débil, por isso nos interpela a
reconhecê-lo ou não. Assim, denota o escritor:

A transcendência de Outrem, que é a sua eminência, a sua altura, o seu domínio


senhorial, engloba no seu sentido concreto a sua miséria, a sua expatriação e o seu
direito de estrangeiro. O olhar do estrangeiro, da viúva e do órfão e que eu só posso
reconhecer dando ou recusando, livre de dar ou recusar, mas passando
necessariamente pela mediação das coisas. (LEVINAS, 2008, p. 66).

Ora, é dessa debilidade que se produz uma responsabilidade infinita para Outrem.
Diante da debilidade ou fragilidade humana do Outro. O eu decide por destruí-lo ou libertá-lo.
Quando decidimos por libertá-lo, acabamos por exercer uma responsabilidade infinita com a
debilidade do Outro. A questão do respeito ancora-se na noção de que não podemos ficar
indiferentes à debilidade, à miséria ou à necessidade de Outrem, como sujeitos contemplativos
e alheios, mas atentos e despertos pela responsabilidade e respeito que acolha tanto uma relação
como uma ruptura, um novo despertar. Em virtude disso, assevera:

Despertar de Mim por outrem, de Mim pelo Estranho, de Mim pelo apátrida, isto é,
pelo próximo. Despertar que não é nem reflexão sobre si nem universalização:
despertar que significa responsabilidade por outrem a nutrir e a vestir, minha
substituição a outrem, minha expiação pelo sofrimento e, sem dúvida, pela falta de
outrem. Expiação a mim atribuída sem possibilidade evasiva e à qual se eleva,
insubstituível, minha unicidade de eu. (LEVINAS, 2004, p. 97).

A relação entre liberdade e responsabilidade e, por isso, respeito, é uma discussão que
está na ordem do dia do contemporâneo. Permeia, sem dúvida, boa parte dos debates filosóficos
de nosso tempo. Tal relação, a partir da expressão ao apelo da epifania de outrem, ao invés de
limitar ou restringir a liberdade, a promove para uma dimensão de bondade séria e severa frente
à inumanidade fatal. A esse respeito, afirma o pensador:

O ser que se exprime impõe-se, mas precisamente apelando para mim da sua miséria
e da sua nudez – da sua fome – sem que eu possa ser surdo ao seu apelo. De maneira
que, na expressão, o ser que se impõe não limita, mas promove a minha liberdade,
suscitando a minha bondade. A ordem da responsabilidade ou a gravidade do ser
inelutável gela todo o riso, é também a ordem em que a liberdade é inelutavelmente
invocada de modo que o peso irremissível do ser faz surgir a minha liberdade. O
inelutável não tem inumanidade do fatal, mas a seriedade severa da bondade.
(LEVINAS, 2008, p. 195).
49

Parece que não é possível levar a cabo ou perseverar no movimento ético de


desconstrução de uma filosofia do Mesmo proposto por Levinas sem, contudo, não rompermos
com o que pensamos corriqueiramente sobre a liberdade. Que, para nós, não é fazermos o que
queremos, mas resistirmos a isso, de modo que a vontade não cegue ou não se esvazie de tanto
fazer o que se quer. Contrariamente ao que pensam alguns, o exercício da liberdade na ordem
da responsabilidade pode muito bem aumentá-la ao invés de diminuí-la, promovendo-a,
afirmando-a de tal modo que, dela se produza respeito e bondade.
Seguir o rastro da responsabilidade em Levinas, passando pela noção de bondade,
chega-se, certamente, ao respeito por Outrem como condição do sujeito de constituir o traço de
uma relação desinteressada, aberta e acolhedora da diferença, exercitando uma categoria que é
a chave nesse filosofar, a hospitalidade. É o que acontece quando um sujeito se abre à alteridade
e passa a respeitar Outrem. Por essa razão, afirma Melo:

A alteridade do rosto permitiu a Levinas no seu discurso um grito de solidariedade


com todos os rostos famintos e marginalizados. Nesse ponto, dá-se a ruptura entre
Levinas e a filosofia da existência e de diálogo. A abertura ao Outro conta, ainda, com
um terceiro, fazendo do discurso originário um discurso universal, transformando a
ética da alteridade em uma filosofia solidária, uma filosofia da abertura, da acolhida,
da hospitalidade. (MELO, 2003, p. 378-379).

É por isso que receber Outrem na sua singularidade, tal como chega para uma visita
inesperada, implica acolher a própria perturbação. Porque acolher alguém com quem me
identifico, segundo o qual me traz conforto não me desperta, tampouco incomoda, é muito
simples. Não é assim com a alteridade. A alteridade trabalha com a relação para além da minha
condição de conformidade e de conforto, portanto, respeitar o outro na sua diversidade, na sua
diferença real sem concessões traz uma perturbação que lhe é inevitável, é bem mais complexo.
Portanto, é preciso respeitar Outrem, principalmente quando somos aborrecidos e perturbados
por sua presença, por sua proximidade, inclusive quando este Outro nos persegue. (LEVINAS,
2004).
Dessa forma, é muito próprio da sua natureza, do discurso original da alteridade, para
que ele se realize de fato, que interrompa a situação acomodada da subjetividade de alguém
com uma certa intriga e perturbação, desconforto, transformando a intriga ética da alteridade
numa filosofia solidária aberta à justiça, por causa de um terceiro que nos chega faminto e
marginalizado.
Por isso, o respeito por Outrem advém de certo grau de consciência que cada um deve
ter numa relação ética de frente a frente, da qual seja possível sensibilizar-se por sua debilidade,
50

por sua condição de vulnerabilidade. O respeito por Outrem emerge daí, dessa intriga e
perturbação advinda de uma altura do rosto de Outrem, tal como afirma o filósofo: “Há no
aparecer do rosto um mandamento como se algum senhor me falasse. Apesar de tudo, ao mesmo
tempo o rosto de outrem está nu; é o pobre por quem posso tudo e a quem tudo devo”
(LEVINAS, 2007, p. 72).
A partir disso, muitas vezes não dá para o sujeito se autocolocar, uma vez que não há
escolha a não ser receber, acolher passivamente. Talvez, respeitar Outrem implique destituir o
eu de sua posição privilegiada, prioritária. A prioridade passa a ser Outrem. Ele vem sempre
primeiro. Ao recebermos uma visita de alguém não muito próximo, no momento da refeição é
costume que primeiro o visitante tenha prioridade, numa atitude de respeito. Nessa ocasião, a
prioridade é do Outro, do estrangeiro que veio nos visitar.
Assim como acontece na fila do ônibus, na fila de um banco ou até mesmo na fila do
self service, podemos ser eleitos, escolhidos a dizer: “primeiro o senhor”, como uma atitude
legítima de respeito, gentileza e afeto, de modo que essa relação sustenta a manutenção da
socialidade, singularidade e alteridade entre nós. Na verdade, o Outro é anterior a nossa
subjetividade; Outrem já decidiu por nós. Nessa ótica do respeito, o Outro está sempre em
primeiro lugar, diminuindo nas relações humanas e sociais a loucura da racionalidade
competitiva.
Não podemos esquecer que o rosto também se manifesta como linguagem. O rosto fala,
enquanto possibilidade de origem de todo discurso, e como forma de resposta da minha
responsabilidade por Outrem (LEVINAS, 2007). Nessa mesma ótica, na qual o rosto nos põe
em questão, afirma Levinas: “A palavra é, portanto, relação entre liberdades que não se limitam
nem se negam, mas se afirmam reciprocamente”. Acrescenta: “Ela [a condição ética] é
linguagem, ou seja, responsabilidade” (LEVINAS, 2004, p. 61).
Posto isso, o termo respeito vem compreendido aqui na sua condição ética ao retomar a
reciprocidade deste respeito não como uma relação indiferente e insensível, semelhante a uma
contemplação serena, apegada ao resultado, porém como uma reciprocidade ordenada pela
ética, cuja linguagem é a responsabilidade.
Inelutavelmente, a reação ou resposta do sujeito por respeitar o significado do rosto do
Outro passa por nossa liberdade, se ela está ou não aberta à responsabilidade indeclinável pela
necessidade de Outrem. Respeitar não é uma submissão que obstaculiza e nega a liberdade. Não
é isso. O respeito por Outrem afirma a liberdade comprometida com a responsabilidade e que
não se fecha na esfera do eu, reduzida apenas aos seus interesses e preocupações individuais.
51

Nessa direção, o respeito perderia talvez seu caráter de dignidade humana, caso não admitisse
em sua dimensão o poder de decisão do sujeito.
Na esteira da metafísica, da filosofia primeira reconhecida como ética, é que o respeito
se vincula a uma linguagem constituída pela dimensão da responsabilidade. Por isso mesmo
que o respeito vincula o homem justo a associar-se na justiça, também vinculado àquele que
reclama justiça. “O respeito vincula o homem justo a seu sócio na justiça, antes de vinculá-lo
ao homem que reclama justiça” (LEVINAS, 2004, p. 61).
É importante considerar o respeito como condição ética do sujeito, ainda que esteja sob
suspeita de sujeição e de humilhação, ainda que pense estar inclinado diante da lei, pelo
contrário, o respeito quer dizer “reconhecimento como capaz de uma obra” (LEVINAS, 2004,
p. 62). Prossegue Levinas (2004, p. 62), respeitar é “inclinar-se diante de um ser que me ordena
uma obra”. Respeitar também é colocar-se numa posição de igualdade, numa relação entre
iguais, uma vez que há uma responsabilidade justa de “comandar aquele que me comanda e de
ordenar aquele que me ordena”. Não é uma relação de um lá e outro cá, mas sim o fato de
constituir um nós. Afirma ainda Levinas (2004, p. 62): “Mas somos nós enquanto nos
ordenamos para uma obra pela qual precisamente nos reconhecemos”.
Todavia, o respeito é irredutível à ideia de justiça, haja vista que o respeito está na linha
da responsabilidade, da alteridade e, portanto, da singularidade responsável por manter a
socialidade entre nós, ao passo que a justiça é de ordem da totalidade porque “supõe a igualdade
original” (LEVINAS, 2004, p. 62). Ainda que o respeito se constitua de uma relação entre
iguais, sua essência, sua origem é da ordem do amor e, por isso, se estabelece entre desiguais,
vive da desigualdade.
Importa a Levinas, nesse aspecto, descrever a relação homem a homem, uma alteridade
humana que não é constituída pela justiça, menos ainda reduzida à totalidade, pelo contrário é
ela que torna a justiça possível, tal como afirma: “Quero descrever a relação homem a homem.
A justiça não a constitui, é ela [a relação de alteridade] que torna a justiça possível. A justiça
rende-se à totalidade” (LEVINAS, 2004, p. 62).
Percebemos que a filosofia de Levinas não abre mão dessa relação frente a frente, rosto
a rosto, homem a homem, porque é um acontecimento ético e vem antes do conhecimento
objetivo. Por isso, a cada encontro, nessa esfera do traço, do entre é que se constitui uma
responsabilidade e consequentemente um respeito devido à manifestação de Outrem no rosto
pela impugnação de mim Mesmo. Dessa altura (vulnerabilidade) emerge a palavra (linguagem)
designada como ensino. Assevera o filósofo que:
52

A impugnação de mim próprio, co-extensiva da manifestação de Outrem no rosto –


denominamo-la linguagem. A altura donde vem a linguagem designamo-la palavra
ensino. A maiêutica socrática vencia a resistência de uma pedagogia que introduzia
ideias num espírito, violando ou seduzindo (o que vem a ser o mesmo) esse espírito.
Não exclui a abertura da própria dimensão do infinito que é a altura no rosto do
Mestre. A voz que vem de uma outra margem ensina a própria transcendência. O
ensino significa todo o infinito da exterioridade, que não se produz primeiro para
ensinar depois – o ensino é a sua própria produção. O ensinamento primeiro ensina
essa mesma altura que equivale à sua exterioridade, a ética. (LEVINAS, 2008, p. 165).

Ensinar filosofando atende, ouve a um sentido de manifestação que respeita a ordem da


linguagem, como responsabilidade pelo sentido ético de que o Outro tem prioridade ou sempre
tem direito à palavra, porque falar é ensinamento: “ter um sentido é ensinar ou ser ensinado,
falar ou poder ser dito” (LEVINAS, 2008, p. 88). Nesse aspecto, enfatiza o filósofo, porque
falar é manifestar-se na sua alteridade como ensinamento: “A linguagem tem de excepcional o
fato de assistir à sua manifestação. A palavra consiste em explicar-se sobre a palavra, em ser
ensinamento” (LEVINAS, 2008, p. 88).
Sem dúvida, não há uma sistematização teórica de um ensino de filosofia na obra de
Emmanuel Levinas. No entanto, podemos apontar filosoficamente algumas colaborações suas
quando deixa externar que a alteridade tem a possibilidade de nos ensinar a receber “a presença
do infinito que faz saltar o círculo fechado da totalidade” (LEVINAS, 2008, p. 165).
A relação de sua filosofia com o ensino de filosofia parece deixar traços ou sugere
elementos de como deve ser um possível ensino a partir de sua filosofia primeira, a ética. Um
ensino de filosofia, filosofando, sustentado na manutenção do princípio da alteridade, que
inclua as exigências éticas decorrentes daí.
É recorrente em Levinas, ao menos em seu livro Totalidade e Infinito, tratar o ensino
como discurso que não opera de forma socrática: “A palavra, melhor que um simples sinal, é
essencialmente magistral. Ensina primeiro que tudo esse ensinamento, graças ao qual ela pode
ensinar [e não, como a maiêutica, despertar em mim] coisas e ideias” (LEVINAS, 2008, p. 58).
Por mais de uma vez, ele afirma que o ensino não se reduz à maiêutica. É um discurso
que vem do exterior e se expressa numa relação não-alérgica com Outrem, mas de atenção a
alguém, como ponto de partida da exterioridade que lhe é essencial, sendo a escola o lugar onde
necessariamente o pensamento se explicita como ciência; é a própria tensão do eu. É na escola
também que se afirma a exterioridade do mestre e a exterioridade que contempla a liberdade
em vez de a ferir. Aí um pensamento só se faz a dois; não se limita a encontrar o que já possuía.
(LEVINAS, 2008). Desse modo, conforme Fabri:
53

A palavra do mestre [viver humanamente é poder colocar-se diante do outro como


aquele que me ensina] torna possível o significar, o mostrar, o objetivar. Ela marca a
origem da busca de universalização, pois indo do eu ao outro, ela faz que o mundo
interior se faça mundo partilhado, ou comum. É a palavra do mestre que faz a síntese,
que dá início a uma realização teórica. No entanto, é essa mesma palavra que,
paradoxalmente, desestabiliza e inquieta. Sua função é por em questão as verdades
possuídas. (FABRI, 2015, p. 86).

Para não nos limitarmos ao que já possuímos, uma vez que ensinar filosoficamente é
acolher mais do que contém em nós, é imprescindível acolher o que é diferente; receber muito
mais do que o despertar o método maiêutico do pensamento comum a todos nós. Porém, essas
duas dimensões da atividade filosófica não estão dissociadas, pois, sem a consistência do
sujeito, do eu, da própria formação da subjetividade é quase impossível o exercício da
alteridade, porque é pela afirmação da subjetividade que a alteridade acontece, transcende, num
movimento de saída de nós mesmos para Outrem, em que é possível nos encontrarmos com o
infinito, com algo ou alguém inabarcável, incontido, excedente, interminável. Assim, para
Fabri:

O desejo do filósofo ‘racionalista’ foi, desde sempre, seguir o logos, a razão, o


discurso que supera as contingências, as situações e a fragilidade da vida. O saber é,
por isso, reminiscência, exercício de rememoração, de apropriação, de redução
daquilo que é outro à esfera de imanência do próprio saber. Mas, eis o outro lado da
moeda: aquilo que motiva ou torna viva essa busca é um transcender, um ir além de,
numa palavra, é o amor como aspiração a algo de que jamais poderemos tomar posse,
ou a ele retornar, como lugar de origem, como pátria perdida. Eis a ambiguidade, ou
paradoxo, fundamental do ato filosófico: o desejo de unidade, ou motivado, pelo
choque da diferença, do inabarcável de uma autêntica prática filosófica, ou ainda: é
decisiva para a subjetividade em formação. (FABRI, 2015, p. 85).

Ao falar sobre o ensino em sua filosofia, Levinas faz alusão a Sócrates, quer dizer, para
reforçar a ideia de que a filosofia é sempre mais do que ousamos ou aspiramos pensar. É uma
outra modalidade de ensino filosófico, ou seja, um outro-modo-que-ser de ensino filosófico
comprometido com a crítica do saber, cuja satisfação é a acumulação de uma subjetividade
conhecedora: “No fundo todo saber que pensamos possuir, e que devemos transmitir, é a
manifestação patente de um ensino impossível, de uma verdade inalcançável, de um
conhecimento irrealizável” (FABRI, 2015, p. 87).
Sócrates estava certo, não conseguiremos ensinar pela impossibilidade da linguagem se
expressar, a experiência moral e existencial inerente ao filosofar. Eis o que afirma Levinas em
relação ao ensino que vem de Outrem como correlativo da experiência: “aquele que
essencialmente em si pode falar e não se impõe de maneira nenhuma como objeto, conciliamos
54

a novidade que a experiência traz com a velha exigência socrática de um espírito que nada pode
violentar” (LEVINAS, 2008, p. 215).
Então, é preciso admitir com Sócrates a partir dessa provocação de Levinas ao seu
ensino, que a filosofia exerce um poder sobre nós semelhante a Eros quando nos captura e nos
seduz pelo amor, do qual não podemos escapar ao descobrirmos duas coisas, quais sejam: que
viver filosoficamente é mais fundamental que todo suposto saber; que abrir-se ao pensamento
é não só descobrir o Eu como relação sem ingenuidade, mas também, e principalmente, como
estranho em questão. Dessa inquietação, afirma Fabri (2015, p. 88) sobre o ensino de filosofia:
“Daí poder-se dizer que não se forma ninguém em filosofia. Pode-se apenas articular a busca
de clareza e de conhecimentos com o esforço para despertar a inquietude que nos constitui”.
Contudo, Levinas acredita que o ensino filosófico nos introduz algo novo nesse
pensamento posto em questão pela estranheza, pela perturbação ou inquietação de uma altura
que significa o rosto do Outro, de um absolutamente novo que nos concerne é Outrem. Anuncia
o filósofo que a introdução do novo num pensamento é acolher a ideia do infinito, pois é o que
caracteriza a obra da razão e não se opõe ao experimentado, mas rompe com um movimento
nostálgico de retorno ao Mesmo, surpreendendo-nos com algo novo pela fecundidade9 da
palavra, da linguagem. Para o filósofo é:

No acolhimento do rosto, a vontade abre-se à razão. A linguagem não se limita ao


despertar maiêutico de pensamentos, comuns aos seres; não acelera a maturação
interior de uma razão comum a todas. Ensina e introduz algo de novo num
pensamento; a introdução do novo num pensamento, a ideia do infinito – eis a própria
obra da razão. O absolutamente novo é Outrem. O racional não se opõe ao
experimentado. A experiência absoluta, a experiência daquilo que a nenhum título é
a priori – é a própria razão. (LEVINAS, 2008, p. 215).

Portanto, o ensino de filosofia ou ato do filosofar, como queiram deve assumir um


pressuposto ou uma base filosófica que direcione ou oriente este ensino, de tal modo que a
disposição filosófica em sala de aula lance suas bases, isto é, seja responsável, no sentido de
possibilitar ao aluno uma oportunidade absolutamente Outra, diferente e fecunda para
experimentar infinitas formas de abordagens do Mesmo, numa fértil experiência de
intersubjetividade que não precise reduzir-se ao Eu identificado consigo mesmo e tampouco
encerrar-se a um conceito frio e desumano. Que promova, se possível, não só uma resposta
racional pela palavra ao apelo do rosto do Outro, e, sobretudo, reconheça que a ideia de infinito
implica uma alma capaz de conter mais do que ela pode tirar de si.

9
Segundo o próprio Levinas, a fecundidade se traduz pelo produzir-se, pela potencialidade do dizer, de renovar-
se. (LEVINAS, 2008, p. 266-268).
55

2.5.1 O feminino e o ensino da diferença

O Outro numa relação de alteridade exige resposta, porque a relação não é mais
meramente horizontal, porém assume o apelo de uma altura vinda da voz do pobre, da viúva,
do órfão, do estrangeiro, do feminino, de um reconhecimento pela diferença. Figuras humanas
que significam o rosto da debilidade, numa situação que clama responsabilidade e respeito.
Numa sociedade extremamente marcada pelo domínio do masculino, o maior desafio do ensino
de filosofia é propor a reconstrução de um novo homem, de um novo ser humano que respeite
a alteridade e o acolhimento da diferença.
Vale ainda ressaltar o caráter da presença reservada à mulher que se percebe num
movimento de alteridade bem peculiar que se abre e se recolhe. “Trata-se de uma presença
reservada que se revela e se retira. Uma misteriosa aproximação que não se instala de fato e que
não se anula” (RIBEIRO, 2015, p. 59).
Considerando o alcance da filosofia de Levinas com seus escritos sobre o Talmude, onde
aparecem um pouco mais de suas análises sobre o feminino inspiradas na tradição judaica, sem
querermos com isso reduzir o aspecto filosófico às suas experiências pré-filosóficas,
destacamos de modo mais contundente o papel da mulher na relação com um mundo hostil
produzido pela autoridade masculina, tal como aponta Ribeiro:

A figura feminina que de imediato aparece em um papel secundário em um mundo


masculinizado é referida como a protagonista que eleva tanto o mundo quanto o
homem ao status de humanidade. O feminino, portanto, vem se apresentar como
suavidade e abertura para acolher o homem, tornando o mundo mais habitável. O que
interessa aqui é evidenciar que a dimensão do feminino aparece como um silêncio que
se faz ouvir. (RIBEIRO, 2015, p. 58. Grifo da autora).

Ademais, ao referir-se ao feminino, Levinas está referindo-se muito mais à doçura de


uma familiaridade em que o sujeito disponibiliza sua Casa10 e sua intimidade ao hóspede do
que a uma dimensão de altura que se revela no rosto de uma certa vulnerabilidade. (RIBEIRO,
2015, p. 59).
Em Totalidade e infinito, sobretudo na seção denominada de “Interioridade e
Economia”, percebemos como Levinas articula o termo “mulher” com a descrição que faz do

10
“A casa que funda a posse não é posse no mesmo sentido que as coisas móveis que ela pode recolher e guardar.
Ela é possuída, porque ela é, doravante, hospitaleira ao seu proprietário. O que nos remete à sua interioridade
essencial e ao habitante que a habita antes de todo habitante, ao acolhedor por excelência, ao acolhedor em si – ao
ser feminino”. (LEVINAS apud DERRIDA, 2015, p. 60).
56

rosto feminino, segundo o qual é possível significar harmoniosamente a morada do sujeito


vinculada a uma condição de hospitalidade, cuja discrição é patente.
Nesse caso, a metáfora da Casa parece recorrente para descrevermos o perfil do
feminino que, para o autor, não se relaciona exclusivamente com a mulher, mas aponta para
uma dimensão humana que se traduz como Casa.
Essa dimensão influencia ou condiciona o modo como nos relacionamos com o próprio
mundo. Segundo Levinas, não é a intencionalidade da consciência que chama mais a sua
atenção, mas a intencionalidade da vida que proporciona ao sujeito uma relação diferente com
o mundo. Para ele, o mundo é fruição pura e não há coisas, objetos como elementos prontos
para serem compreendidos, dominados, mas sim, alteridade “elemental”, irredutível à
compreensão e à dominação de qualquer tipo. “Toda a relação ou posse se situa no âmbito do
não possível que envolve ou contém sem poder ser contido ou envolvido.” (LEVINAS apud
MENEZES, 2008, p. 25). É o mundo da experiência sensível que interrompe o fluxo da
consciência, cuja natureza é conhecer, dominar, especular, enfim, dando passagem para “viver
de...”, uma vida de puro gozo onde não há consciência (LEVINAS, 2008, p. 145).
Nessa perspectiva, a relação de fruição com o mundo nos conduz a uma relação de
alteridade com os outros, porque a experiência sensível de felicidade afirma o Eu em sua Casa.
Como assegura Levinas, a Casa no sentido de “morada” possui essa dimensão do
feminino de que falávamos há pouco, intimidade, recolhimento, repouso, humanidade, por isso
que não é um lugar qualquer, tampouco algo abandonado, desprotegido, mal cuidado, trata-se
de uma Casa que habita, que há sempre a presença de alguém aberto a fazer o convite para outro
entrar. Esse alguém que habita a casa antes de outra pessoa é a mulher. Nesse sentido, “Lévinas
utiliza pela primeira vez o termo ‘mulher’, rosto feminino, e não apenas ‘feminino’ para falar
desse habitante, que não invade a Morada de forma violenta, mas é doçura, familiaridade”.
(MENEZES, 2008, p. 26).
Mesmo que a ênfase dada à mulher nessa obra seja a de uma mulher ligada à morada, à
hospitalidade como aquela que está pronta para acolher outrem na sua intimidade, é preciso
considerar também que ela carrega a definição de alteridade. “E Outro... é a mulher”: “E o
Outro, cuja presença é discretamente uma ausência e a partir da qual se realiza o acolhimento
hospitaleiro por excelência que descreve o campo da intimidade, é a Mulher. A mulher é a
condição de recolhimento, da interioridade da Casa e da habitação” (LEVINAS, 2008, p. 147-
148).
A citação anterior deixa patente que Levinas qualifica a mulher, antes, como um ser de
alteridade e, depois, afirma que é condição de reconhecimento, por isso: “O feminino se
57

apresentava anteriormente como alteridade; agora alteridade é feminina” (MENEZES, 2008, p.


26).
O feminino guarda ainda, mesmo em Totalidade e Infinito, o que Levinas já vinha
afirmando, “a mulher é presença e ausência”, “linguagem sem ensinamento”, “silenciosa”,
“presença sempre discreta”, “segredo”, “mistério”. Por essa razão, se a mulher emerge agora
como a hospitalidade por excelência, o acolhedor em si, não quer dizer que ela tenha perdido o
sentido da alteridade por excelência. Ou seja, a questão do feminino na perspectiva da Morada
e da relação erótica, nessa obra, nos faz retomar e manter a dimensão da mulher como alteridade
por excelência.
Contudo, a característica que a mulher tem de reservar-se potencializa a formação da
interioridade de um sujeito cada vez mais humano, pois a irrupção da mulher possibilita um
doce desfalecimento do ser, sem ameaça ou violência, na medida em que se retira para que o
outro possa nascer. Em virtude dessa presença/ausência da mulher, na relação amorosa, o ser
fragiliza-se e perde sua força, pois não tem a mesma intensidade.
Ao deixar claro que a mulher guarda consigo a Morada por excelência pela sua presença,
Levinas repensa essa questão e chama atenção para que a morada possa se dar ou se realizar
sem a necessidade da presença do sexo feminino. Assim, reposiciona essa questão:

O feminino foi descoberto nesta análise como um dos pontos cardeais do horizonte
em que se coloca a vida interior – e a ausência empírica do ser humano de ‘sexo
feminino’ numa morada nada altera a dimensão de feminidade que nela permanece
aberta, como o próprio acolhimento da morada. (LEVINAS, 2008, p. 150).

Em certa medida, talvez aqui esteja esboçada a objeção de Levinas contra um possível
androcentrismo, segundo Derrida, serviria também de uma espécie de manifesto feminista, uma
vez que é “a partir da feminilidade que ele afirma o acolhimento por excelência, o acolher ou a
acolhida da hospitalidade absoluta, absolutamente originária, pré-originária mesmo, quer dizer,
a origem pré-ética da ética, e nada mais que isso” (DERRIDA, 2015, p. 60). O alcance desse
pensamento é de uma radicalidade essencial e meta-empírica, de uma certa profundidade que
leva em consideração a diferença sexual numa ética emancipada de uma provável redução à
compreensão.
Sem dúvida, estamos diante de um pensamento do acolhimento lembrado pela diferença
sexual que jamais será neutralizada, até porque o feminino como o acolher por excelência,
acolhimento absoluto, absolutamente originário, pré-original, tem lugar numa interioridade,
cujo senhor ou proprietário recebe a hospitalidade que em seguida ele queria dar.
58

Dessa forma, é possível até confiar a abertura do acolhimento ao “ser feminino” e não
às mulheres empíricas de fato. Por isso, assegura Derrida (2015, p. 60): “O acolhimento, origem
an-árquica da ética pertence à ‘dimensão de feminilidade’ e não à presença empírica de um ser
humano do ‘sexo feminino’”.
Por essa razão, independente do que se possa especular sobre o feminino em Levinas,
tanto pelo viés extremo do androcêntrico, quanto pelo viés extremo da feminista, guardemos
apenas isto, como orienta Derrida (2015, p. 61): “devemos lembrar, mesmo em silêncio, que
este pensamento do acolhimento, na abertura da ética, está necessariamente marcado pela
diferença sexual”.
Levinas assume o feminino como um dos pontos cardeais de seu pensamento filosófico
porque é uma questão que aparece constantemente em seus escritos, quer filosóficos quer
religiosos, também muito importante para ter uma noção geral de sua obra. Visto ser um tema
que atravessa sua obra, com várias nuances e abordagens. O feminino é remetido aqui à
Totalidade e Infinito visando sua articulação com a alteridade.
De qualquer forma, é a partir do feminino que a interioridade se forma e se desenvolve.
Em Levinas, o feminino vai se apresentando em relação à mulher, à morada de uma forma
misturada em alguns casos, e em outros, de forma separada, mas com características diferentes
de acordo com lugares e momentos específicos.
Já no final da obra Totalidade e Infinito, mais precisamente na última secção, cujo título
é “Para além do rosto”, o feminino vem traduzido como Outro da relação erótica que acaba
possuindo um rosto específico, isto é, um “rosto feminino”.
À medida que o Outro se mostra como rosto feminino numa relação erótica, o Eu se
apresenta como subjetividade amorosa ou subjetividade da fecundidade. Dessa forma, só é
possível falarmos de relação erótica se falarmos de amor, muito embora saibamos que é um
tema, cujo sentido autêntico se perdeu ou está bastante desgastado. Amor e fecundidade
perturbam o Eu, mas a perturbação que o outro provoca no Eu é diferente. Na ambiguidade do
Eu, a equivocidade do erótico se revela, afirma Levinas. Em consequência disso, no feminino
o Outro se afirma com a “Amada”; no masculino, o Eu se mostra porque aponta a forma de
amar a diferença sexual.
Sendo assim, munido dos cuidados necessários para não tratarmos o rosto como fonte
de compreensão, ao falarmos do feminino, damos características próprias a esse rosto. Por isso
que, ao referir-se à “Amada”, Levinas a descreve como ternura, fragilidade, vulnerabilidade,
um “não-ser-ainda”.
59

O amor se coloca num plano diferenciado do outro quando visa a Amada. Esta é
ambiguidade por excelência, na medida em que não mostra um significado em si mesmo,
contrário ao Outro, cujo significado não admite mudança ou deslocamento de sua própria
palavra. Por conseguinte, o rosto feminino é “insignificância”, não tem palavra. Não há
significação para sua forma de ser: “a simultaneidade ou equívoco dessa fragilidade e do peso
de não-significância, mais pesado do que o peso do real informe, denominamos feminidade”.
(LEVINAS, 2008, p. 256).
Diz Levinas que, quando nos deparamos com o feminino, visamos à satisfação,
percebemos algo que vai além da necessidade ou da consumação da necessidade. Assim é a
linguagem da carícia: a forma dos amantes se buscarem que é feita de necessidade e desejo.
A carícia interrompe o curso do poder, de tal modo que consiste em não se apoderar de
nada. Quando procura a fraqueza da feminidade, sem compaixão pura e sem impassibilidade,
deleita-se na compaixão, visando à complacência da carícia.
Para Levinas, o que nos reconduz à virgindade do feminino, para sempre inviolada, a
carícia, na sua satisfação como um desejo que anima, renasce. Ensina o filósofo da alteridade:

A carícia procura, para além do consentimento ou da resistência de uma liberdade - o


que ainda não é, um 'menos que nada', fechado e adormecido para além do futuro e,
por consequência, que domina de um modo totalmente diferente do possível, o qual
se ofereceria à antecipação. (LEVINAS, 2008, p. 256-257).

Em vez de se confundir ou misturar-se com a dimensão física do corpo, muito menos


com o corpo na sua expressão, tampouco com o corpo dominado pelo “eu posso”, o carnal,
termo por excelência correspondente da carícia, ou seja, a amada, na sua relação sensível, o
corpo desnuda-se já da sua própria forma, tendo em vista oferecer-se como nudez erótica.
A carícia não busca o que está numa situação de perspectiva, à luz do captável, mas
numa situação de antecipação onde se capta possíveis. Nesse contexto, a amada, intacta na sua
nudez, é também captável, para além do objeto, do rosto e assim para além do ente, permanece
na virgindade.
Esse aspecto da manutenção da virgindade como um incessante recomeço do que é
virgem, é o “Eterno feminino”, essencialmente violável e inviolável. Mesmo no contato com a
volúpia, permanece intocável e perde-se num ser, sem resistência, incaptável, impessoal, não
se deixa segurar ou capturar, tal é o feminino na sua relação erótica, semelhante à noite como
murmúrio anônimo do há é a noite do erótico, noite da insônia, noite do escondido, do
60

clandestino, misterioso, pátria do virgem, ao mesmo tempo descoberto e renunciando ao Eros,


a própria profanação.
61

3 RECONHECIMENTO E ENSINO DE FILOSOFIA

Situamo-nos no ponto de interseção entre a ética da alteridade de Levinas e o problema


do reconhecimento sob os cuidados de Axel Honneth11 e, possivelmente, com as
complementações de Nancy Fraser. Alteridade e reconhecimento. Ambos se assentam no
entendimento de que o reconhecimento é um problema ético. Dois conceitos filosóficos que
devem estar no horizonte de nossas relações em sala de aula no tocante ao Ensino de filosofia,
pois reconhecer e ser reconhecido por um outro sujeito é possibilidade necessária tanto para o
desenvolvimento humano quanto para a formação de uma subjetividade sólida e realizada.
Dos prolongamentos das discussões que fizemos até aqui sobre o Ensino de filosofia,
em tensão com diferentes formas de alteridade em Levinas, bem como: a ruptura com a
totalidade; a abertura ao Outro; o acontecimento ético; a responsabilidade; e o respeito, isto é,
dessas intrigas, traumas ou perturbações éticas, eis que emerge agora a necessidade de
compreender a luta por justiça social de mãos dadas com a ética, de uma mediação mais
especificamente política da socialidade humana.
No entanto, tal necessidade da entrada política em nossa discussão não implica uma
recusa dos pressupostos éticos no Ensino de filosofia, mas, pelo contrário, se institui, ainda
mais como exigência radical e irrenunciável, a nossa responsabilidade em face do Outro,
enquanto indivíduo, e de todos os outros, enquanto coletividade. Sem dúvida, o reconhecimento
entendido do ponto de vista intersubjetivo e social é decorrente também da interpelação ética
lançada a cada indivíduo pela simples presença do Outro (BARCELOS, 2011, p. 67).
Além disso, guardadas as devidas distâncias entre Levinas e Honneth, fenomenologia e
teoria crítica, assim como do rompimento do círculo fechado de si mesmo, do Eu, emerge a
abertura para a alteridade; da busca por identidade, da jornada por si mesmo ou da luta por
reconhecimento no âmbito da família, do direito e da sociedade, em conflito com os outros,
contra os outros, contra as subjetividades, também emerge a consciência crítica e social,
humana e política.
Se em Levinas, é possível, como vimos, por uma espécie de intriga ética, romper com
qualquer construção de totalidade, desde as práticas de redução do outro ao nosso pensamento
até às formas mais variadas de exclusão pelo Estado ou outra comunidade de valor, para

11
Filósofo ainda em atividade na Escola de Frankfurt, Alemanha. Desde o século passado, Axel Honneth tem se
dedicado ao estudo da categoria reconhecimento de lastro hegeliano, retomando a ideia de autoconsciência pela
relação de dependência da experiência intersubjetiva de reconhecimento social, de modo que a construção da
identidade pessoal e coletiva vem confirmada por uma luta por reconhecimento ético.
62

fazermos emergir a alteridade, a singularidade; em Honneth, por sua vez, podemos


experimentar o nascimento da consciência pela busca incessante por reconhecimento.
De qualquer forma, o viés de diálogo entre Levinas e Honneth parece ser a chave de
leitura via reconhecimento de identidades individuais e coletivas como consequência posta pela
ocorrência ou evidências de ações de desrespeito e falta de reconhecimento nas relações sociais
e humanas que exigem reconhecimento. Para Levinas, reconhecer outrem é respeitar sua
humanidade. A luta cada vez mais social e, por isso, política por reconhecimento é
impulsionada e motivada por uma força ética que, pelo seu acontecimento, produz
desdobramentos sociais.
Nessa seção, procuramos mostrar como o ensino de filosofia pode vir embarcado pelas
concepções filosóficas de Honneth em sala de aula, na qual os alunos terão uma oportunidade
única de experimentar conceitos e valores, oriundos de sua busca por reconhecimento, segundo
os quais, estão esboçados desta maneira: socialidade e ensino de filosofia; identidade e
intersubjetividade no ensino de filosofia; as três formas de reconhecimento e o ensino de
filosofia para a emancipação; reconhecimento e emancipação feminina.

3.1 SOCIALIDADE E ENSINO DE FILOSOFIA

Desde que começamos a falar do Ensino de filosofia até aqui, não nos esquivamos em
tratá-lo sob a ótica de uma concepção de ensino, ou seja, para ensinar filosofia é indispensável
assumirmos, de modo claro ou não, certas posições filosóficas, alguns conceitos filosóficos.
Por isso, o envolvimento da filosofia com o qual nos ocupamos, com os alunos da escola de
Florânia/RN, é por demais especial e importante, uma vez que os conceitos, os problemas
alicerçados sobre o ensino de filosofia preservam uma relação bem familiar com a concepção
de filosofia que se comunga (GALLO, 2003).
Desse modo, ainda que tenhamos um enorme capital histórico e cultural das produções
filosóficas, bem como uma gama de variações temáticas, contando também com alunos que
apresentam temas de seus interesses, mesmo assim é viável que o professor adote a concepção
de filosofia capaz de conduzir sua atividade em sala de aula, sem dispensar uma atitude cada
vez mais aberta diante do aluno.
“Todos nós, professores e alunos, e até mesmo os filósofos, temos pressupostos que
marcam nosso pensar” (CAMPANER, 2012, p. 32). Nesse particular, não ensinamos filosofia
de modo neutro, tampouco de lugar nenhum, pelo contrário, nossa filosofia ganha sentido
quando procuramos ensinar e aprender a partir de um diálogo com os alunos, abrindo espaço
63

também para o exercício do diálogo entre eles. Isso contribui, em certa medida, para que o
professor de filosofia se veja como filósofo, cuja atividade de fato exprima o filosofar na relação
social com os alunos, numa posição diferente daquela do mestre monólogo e explicador, porém
semelhante àquele que filosofa com os alunos.
Nesse sentido, o ensino de filosofia na sala de aula apresenta-se bem participativo
porque convoca seus alunos a fazer algo juntos, tal como pretende ser o ato de participar de
uma aula de filosofia, pois não deve ser um ato isolado, que fazemos sozinho e sem a companhia
de alguém, contudo, deve ser um ato que fazemos com os outros, ou até mesmo, em conflito
com os outros.
É justamente numa relação conflituosa desde o início que se assenta a concepção de
reconhecimento de Hegel, de cuja fonte bebem aqueles que se identificam com a ideia de que
o indivíduo só pode ter uma relação consigo mesmo a partir do outro, porém conflituosa, e que
vai constituir as primeiras relações humanas de dominação. Por essa razão, Honneth coloca
como objeto central da Teoria Crítica o conflito social, extraindo daí seus pressupostos
filosóficos que fundamentam também seus critérios normativos. Precisamos destacar, segundo
Hegel, que o mais importante no reconhecimento, quando os indivíduos lutam entre si, é o
desejo do reconhecimento do outro a respeito de sua existência livre.
Na verdade, é essa dimensão de socialidade que nos concerne, é a presença perturbadora
do outro que nos concerne, da qual não conseguimos escapar e, sem a qual, é praticamente
impensável lutar por reconhecimento. Nossa vida está condicionada a uma vida em grupo, a
qual é praticamente inevitável.
É dessa forma que a humanidade se socializa, ainda que a sociedade carregue consigo
inúmeras questões, dentre elas o fato de saber até que ponto, ao pertencermos a um determinado
grupo, não ferimos nossa individualidade e autonomia crítica, o que poderia resultar em atitudes
grupais homogêneas e opressoras, desaparecendo assim a força das liberdades individuais.
Outro risco que corremos ao buscarmos reconhecimento por meio das relações em conflitos
sociais com os outros, na forma de grupos sociais, é discernir em que medida as diferenças
identitárias legítimas não são distorcidas num mero pretexto para o desrespeito e a
inospitalidade.
Assim, como não podemos fugir da vida e de suas circunstâncias, contingências,
também não podemos fugir dessa condição humana imprescindível, a socialidade. O ato de
socializar-se, o ato de participar ou de encontrar-se com outros não é uma escolha, porque
independe de nossas vontades. Quem pensa que o domina, controla e manipula, escapando da
surpresa, está enganando a si mesmo.
64

A socialidade é uma verdade que nos atravessa, está ao nosso derredor e por mais que
teimamos escapar, fugir para uma ilha longínqua e inabitável, supostamente intocável, ainda
assim a sociedade estará sempre atrás de nós, à nossa frente, em volta de nós. E para fortalecer
essa verdade em nós, estamos bem servidos das palavras de Aristóteles, que nos definiu
acertadamente: “somos animais políticos”, somos seres sociais, de modo que nos conduz
necessariamente a tomar parte, a participar de grupos sociais e humanos, como também a viver
nossas vidas juntamente com tantas outras pessoas semelhantes e diferentes de nós.
Por essa razão, a sala de aula, em que se fala de filosofia, ainda é um dos poucos espaços
de plena socialidade, aberta ao encontro das pessoas, fomentando a formação de grupos sociais
e de uma vivência coletiva entre os alunos, por isso tudo ajuda a quebrar a ilusão do isolamento
entre as pessoas. Mas, não só uma aula de filosofia pode quebrar a ilusão do isolamento das
pessoas, outros espaços também podem dar esta oportunidade, como o próprio trabalho, uma
festa no clube ou um evento religioso na igreja e assim por diante.
Ao retomarmos o que afirma Honneth em seu texto “O eu no nós: reconhecimento como
força motriz de grupos”, veremos que uma das palavras-chave é a questão da socialização, que
passa, certamente, pela noção de grupos sociais para sustentar ainda mais sua teoria crítica de
luta por reconhecimento.
Para Honneth (2013, p. 60), diferente de outras imagens12 do século XX, do ponto de
vista da sociologia e da teoria política, “prevalece atualmente uma imagem predominantemente
positiva do grupo, totalmente impregnada pela manifestação da comunidade cultural, ou seja,
pelo pequeno ou grande grupo integrado por linguagem, tradições e valores”. Ademais, a ênfase
aqui se volta para a geração de identidades coletivas, cujo dever seja dar ao indivíduo segurança
e integridade psíquica, embora pareçam unilateral, sob processos segundo os quais se
configurem na forma de desvio face aos sistemas predominante de valor.
Essa imagem positiva das relações sociais, dos encontros com os outros, ou mesmo da
manutenção da alteridade que se exprime também pela afirmação e interesse dos agrupamentos
sociais, em Honneth se constrói frente a uma gama de concepções negativas, oriundas das
construções de grupo típicas de cada época, mas que se apega em apenas um dos possíveis
atributos de agrupamentos sociais e moldá-los em torno de uma concepção definidora e
generalizante de tudo. Quanto a isso, assim se refere esse filósofo:

12
Como ocorre, lamentavelmente, na psicanálise, segundo a qual ainda prevalece uma imagem
predominantemente negativa do grupo, cuja existência, em seguimento a Freud, é explicada geralmente pelos
impulsos de uma compensação da fraqueza do eu. (HONNETH, 2013, p. 60).
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Nas concepções negativas, os traços grupais regressivos, ameaçadores do eu, foram


generalizados a tal ponto que, da multiplicidade de suas manifestações sociais, restou
tão somente a tediosa massa; enquanto nas concepções positivas, os elementos
civilizados, fortalecedores do eu, foram idealizados a tal ponto que,
imperceptivelmente, os riscos da perda de autonomia tiveram que passar
despercebidos. (HONNETH, 2013, p. 59).

Ele confronta aqui as duas concepções, a negativa e a positiva, para expor os problemas
que envolvem ambas. Os que defendem a primeira estão imbuídos, quase totalmente, da
imagem de massa regressiva. Paralelamente às concepções negativas, estão os que defendem
as construções positivas, “nas quais se refletem esperanças de um efeito benéfico dos
agrupamentos sociais” (HONNETH, 2013, p. 58).
Posteriormente, ainda que influenciado ou motivado pela psicologia social
estadunidense “ao descobrir as funções civilizatórias dos grupos de jogos e de vizinhança”,
somado ao estudo revolucionário de Piaget acerca do desenvolvimento moral da criança que
prova a relevância socializadora do grupo de pares, Honneth admite nessas teorias “expectativas
exageradas sobre a existência de grupos sociais primários, nos quais se via uma garantia natural
de relações sociais livres de conflito” (HONNETH, 2013, p. 58-59).
Como vimos, por um lado, a exemplo da psicanálise que não consegue admitir que a
imersão no grupo social possa beneficiar as forças do eu do indivíduo, por outro lado, a exemplo
da pesquisa sociológica sobre grupos, carece a consciência dos riscos que podem ameaçar o
indivíduo pela reativação inconsciente de antigas relações com objetos. Temos de um lado, o
risco do indivíduo dissolver-se na massa, nos agrupamentos sociais, é o risco da atomização do
eu. De outro, vemos o risco de surgirem relações sem conflitos como garantia natural de
relações sociais livres.
Com o passar do tempo, de acordo com as análises de Honneth, esse ideal de grupo vem
perdendo lugar, muito por causa, hoje em dia, da popularização do comunitarismo, na qual a
figura da comunidade cultural assume um lugar diferente, onde se encontra um ambiente
impregnado de valores, de modo que o indivíduo possa desencadear uma personalidade forte,
impossível de atingir nas meras relações jurídicas da sociedade (HONNETH, 2013).
Para o teórico da luta por reconhecimento, são nossas dependências individuais por
experiências de reconhecimento social ou até mesmo as possíveis necessidades individuais que
nos arrastam quando almejamos participar de grupos sociais. Segundo ele, há uma
correspondência entre as formas individuais de reconhecimento no desenvolvimento do ser
humano e o desejo de participar, de envolver-se em diferentes grupos.
66

Outro aspecto importante, pelo qual Honneth (2013, p. 62) procura “retirar
gradativamente aquelas idealizações que estavam na base da premissa inicial de uma diluição
harmônica do eu no nós do grupo”, é a influência da psicanálise de Donald Winnicott ao
tematizar as tendências regressivas que frequentemente codeterminam a vivência no grupo.
Embora sabendo que todo esse esforço ainda não é suficiente para ajustar seu pensamento de
grupo social à realidade social, Honneth não se furta em promover explicitamente sua
convicção: “Eu parto da convicção de que a formação do eu do sujeito se realiza através da
gradual internalização de um comportamento social reativo, que tem o caráter do
reconhecimento intersubjetivo”. E mais: “Às reflexões que quero expor com relação às
diferentes formas de criação de grupos, subjaz uma concepção sobre o desenvolvimento social
e da personalidade humana vinculada à teoria do reconhecimento” (HONNETH, 2013, p. 62).
Desse modo, o processo de socialização que se realiza nos estágios de desenvolvimento
de interação do ser humano com seus pais na infância vai construindo um sujeito cada vez mais
autônomo, à medida que este sujeito participa também de diferentes grupos sociais. Ao
contrário do que muitos pensam, o sujeito, o eu, não se dissolve ou desaparece num grupo social
em contato com o outro generalizado, mas aumenta seu grau de autonomia, como afirma
Honneth (2013, p. 62-63): “Podemos diferenciar mais este processo de socialização, se
distinguirmos analiticamente esta autorrelação em vários estágios, em cada um dos quais
aumenta o grau da capacidade de autonomia”.
Por isso, a interação social entre as pessoas é tão importante para a formação da
autonomia que a autorrelação positiva possibilita - advinda da diferença entre três estágios,
quais sejam: a autoconfiança, o autorrespeito e a autoestima - tornar mais complexo e exigente
o comportamento de reconhecimento. A partir disso, da internalização desse processo, a criança
e consequentemente o sujeito em desenvolvimento acaba tomando consciência de suas
capacidades e direitos. Corroborando com essa ideia, afirma o filósofo:

O quadro que resulta dessas reflexões sobre o processo de socialização (Sozialization)


humana contém a ideia de um entrelaçamento entre individualização e socialização
(Vergesellschaftung) que já permite tirar algumas conclusões sobre a importância dos
grupos sociais para o amadurecimento individual. (HONNETH, 2013, p. 64).

A importância dos grupos sociais para o desenvolvimento e o amadurecimento da


pessoa humana enquanto indivíduo é resultado de um processo de socialização humana que
compreenda a noção de um entrelaçamento entre individuação e socialização. A possiblidade
67

do sujeito compreender-se, de fato, pelo processo de socialização cuja relação consigo mesmo
lhe diga alguma coisa, ressignificando e melhorando a sua vida.
Nesse aspecto, o sujeito vai se concebendo aos poucos como um membro competente
de seu ambiente social que, na afirmação de Honneth (2013, p. 64) , vem confirmado pela
internalização da relação de reconhecimento que “gradativamente se diferencia, leva ao
surgimento de uma forma complexa de autorrelação”.
Sendo assim, Honneth está convencido, em certa medida, de que o processo de
socialização está conjugado com o “devir da autonomização”, visto que, para cumprir com as
normas e habilidades socialmente esperadas, só é possível o sujeito que as assumir para si, como
o núcleo prático de sua própria autocompreensão.
A partir do que ensina Honneth sobre a diferença dos três estágios da autorrelação
positiva, tal como se expressa nas formas de autoconfiança, autorrespeito e autoestima,
sugerimos então, que o sujeito ou o aluno quando interage num grupo semelhante ao de uma
sala de aula com outros sujeitos, pode encontrar aí uma fonte de humanização para desenvolver
suas potencialidades e tornar-se, por esse processo de socialização, um sujeito mais autônomo.
Certamente, um ensino de filosofia que favoreça o aluno a experimentar práticas
positivas de participação em grupos, inserindo-o num processo de socialização em que as
formas de reconhecimento se fortaleçam cada vez mais, representa um reflexo do
comportamento original de reconhecimento. Que o ensino de filosofia venha acompanhado de
uma consciência obstinada que possibilite o exercício da filosofia em sala de aula como
experiência a ser considerada importante nas próprias carências, na sua capacidade de
julgamento e, principalmente, nas suas habilidades que necessitam de renovação e reconstrução
pelos sujeitos sociais ali empenhados em participar de uma vida em grupo.
E, nessa direção, considerar um ensino de filosofia que assuma seu compromisso com
uma atividade do filosofar ainda mais aberta ao processo de socialização e ao contato com o
outro na perspectiva de que ela siga experimentando aquela postura direta do reconhecimento
da humanidade do Outro, mediada por gestos e palavras. Empenhados nisso, possamos dar
oportunidade aos alunos de filosofia, no ambiente social da sala de aula, para satisfazer suas
necessidades quase naturais, na visão de Honneth (2013, p. 65), de serem reconhecidos “como
membros em grupos sociais nos quais eles possam ver confirmadas duradouramente, através de
interações diretas, suas necessidades, sua capacidade de julgamento e suas diversas
habilidades”.
Nesse sentido, podemos dizer ainda que a autoconfiança, o autorrespeito e a autoestima
possam se concretizar no ambiente da sala de aula, no qual o ensino de filosofia aconteça. É
68

preciso que, para isso, as condições sociais sejam propícias e favoráveis ao cultivo de valores
que correspondam à humanização do sujeito.
Por isso, muito mais do que possibilitarmos um ambiente social oportuno para a
aprendizagem de conceitos filosóficos e suas antinomias, além disso, somos responsáveis por
disseminar o que podemos não só conhecer filosoficamente, mas reconhecer. Reconhecer a si
mesmo, numa busca incessante por identidade, dentro das relações sociais em grupos, onde os
outros ensinem a tratar a si mesmo como sujeitos ou pessoas, detentoras de certas qualidades,
competências e habilidades.
Como a nossa proposta aqui é expor as principais formas de reconhecimento em
Honneth pela figura praticamente irreconhecida da mulher ou do feminino em nossas relações
sociais, aproximamos os principais conceitos deste filósofo à luta da mulher por
reconhecimento social. Dessa forma, retomamos a concepção filosófica de Honneth que expõe
a problemática do reconhecimento presente nas relações sociais de amor, direitos e estima social
toda vez que falarmos da mulher em sala de aula.
Infelizmente, a mulher vem sendo tratada muito mais como objeto sexual e de
dominação social do que como um ser que inspira respeito, afeto, competências e habilidades.
Ela vem sofrendo também uma visível discriminação no modo como é remunerada. O
tratamento desigual nesse campo salarial em relação ao modo como o masculino é remunerado
e imensamente valorizado é incomparável e extremamente injusto.
Inclusive, a busca por reconhecimento salarial da mulher em condições de trabalho
semelhantes ao do homem é legítima. Assim como é legítima a luta por respeito quando sua
dignidade é fortuitamente consumida pela violência masculina. Muitas vezes, não só violência
de controle, dominação e desigualdade de direitos por parte do masculino, consequências de
uma injusta desigualdade de condições sociais, mas também violência física de destruição do
outro feminino, visto como inferior, fraco, invisível e vulnerável.
Por essa razão, é preciso criar condições mais humanas e sensíveis nas relações sociais
entre nós em que a mulher possa reafirmar aquilo que Honneth denomina de “dignidade” (2013,
p. 66), isto é, um tipo de autorrelação positiva de “autorrespeito” que o sujeito pode ir
construindo diretamente consigo mesmo, numa espécie de “autoconfiança” à medida que as
formas de reconhecimento vão se repetindo em contato com os outros num face a face ou em
grupos ou em movimentos sociais ao ponto do sujeito conseguir discernir, separar seu
discernimento próprio do discernimento dos outros. Segundo Honneth (2013, p. 66), o sujeito
passa a aprender isso no fim da adolescência.
69

Se há, nesse sentido, um sujeito que exaure, o tempo todo, suas relações face a face, este
sujeito é a mulher, cujas condições de vulnerabilidade a coloca num lugar de reivindicação
constante. É um ser que mais luta por autonomia e emancipação diante de uma sociedade em
que os valores masculinos se sobrepõem aos do feminino.
Independente disso, as pessoas, os sujeitos em geral, incluímos aqui a mulher,
encontram muito cedo, já na infância, a realização de relações sociais bem-sucedidas quando
os pais, os irmãos ou amigos confirmam a disposição “de um punhado de talentos e habilidades
importantes” (HONNETH, 2013, p. 67).
Como sabemos, nem todos encontram relações bem-sucedidas quando criança e, por
isso, aumenta o número de vulnerabilidades com desejo de reconhecimento social, pela busca
de afirmação de seus valores. Não só a família e amigos assumem esse papel de fortalecimento
da identidade individual por meio do reconhecimento social, mas principalmente a escola.
Leiamos o que o pensador afirma a esse respeito:

Mas, com o ingresso na escola e, sobretudo, mais tarde na vida profissional, cresce
muito o círculo daqueles de cuja estima a própria autoestima depende, de modo que,
em reação à maior vulnerabilidade, também aumenta o desejo de aprovação e
confirmação concretas. (HONNETH, 2013, p. 67).

Desse modo, observamos que o processo de socialização desde a família, passando pela
vida profissional, pela inserção na escola, nos grupos e movimentos sociais. Destacamos a sala
de aula como círculo social importante. Esse responsável ou é um solo fértil para acolher as
vulnerabilidades de autoconfiança, autorrespeito e autoestima que dependem de mais
confiança, mais respeito e mais estima.
Constata Honneth que à medida que vamos crescendo e nos desenvolvendo, mais e mais
percebemos o quanto nossos círculos de amizade aumentam, fazendo-nos cada vez mais
participantes de grupos sociais, envolvidos pelas necessidades que nos afetam e intrigam
eticamente. Os clamores das vulnerabilidades passam a ser ouvidos com mais intensidade à
medida que saímos do ambiente familiar e entramos, de acordo com Honneth (2003, p. 118),
num “processo de formação, descrito na qualidade de um movimento de reconhecimento,
mediado pela experiência da luta, como um processo intramundano, realizando-se sob as
condições iniciais contingentes da socialização humana”.
Com isso, a luta por reconhecimento se torna cada vez mais intensa e inescapável, pois
necessitamos, enquanto indivíduo e sociedade, dos conflitos uns com os outros e dos conflitos
70

com as diferentes culturas, resultado dessas interações sociais, por meio das quais todos nós
buscamos desenvolvimento e constante reconstrução.
Portanto, como vimos, a cada nova busca por reconhecimento no curso da formação de
nossas identidades, somos ainda mais compelidos a entrar num conflito intersubjetivo, porque
estamos sequiosos de autonomia, como consequência de uma confirmação ou de uma
correspondência social a ser alcançada. Veremos mais adiante como o conflito é inerente à
construção social do sujeito, bem como à formação das nossas relações de intersubjetividade.

3.2 IDENTIDADE E INTERSUBJETIVIDADE NO ENSINO DE FILOSOFIA

Uma das palavras-chaves para se entender a dimensão do reconhecimento entre nós é a


identidade de uma pessoa. Nossa identidade está em jogo quando entramos em conflito com os
outros em busca de reconhecimento. O ser humano diferentemente dos animais é o único ser
que é capaz de perder sua autoconservação pelo reconhecimento do outro. Para mostrar-se ou
viver socialmente, o humano precisa muito do reconhecimento do outro, uma vez que é a única
maneira de sua consciência emergir. É o reconhecimento do outro que faz a consciência
emergir.
Na esteira do que pensava o jovem Hegel sobre o reconhecimento, conceito central no
seu projeto filosófico de juventude, Honneth segue invertendo o modelo hobbesiano e
maquiaveliano da “luta social” que apregoava a ênfase na perspectiva da autopreservação
material, da preservação da integridade física dos sujeitos e da manutenção do seu bem-estar
futuro, em favor de uma concepção que parte das motivações morais, dos estímulos e afetos
humanos e de uma vida intersubjetiva aberta às ciências empíricas. Portanto, Honneth é
contrário à lógica atomista da sociedade que se limita a autopreservação física.
Contudo, para Hegel, é preciso dois movimentos em relação ao reconhecimento do
outro: o ser humano quer reconhecimento do outro em relação a ele e o reconhecimento do
outro em relação a ele como ser humano. Na função do reconhecimento, o ser humano arrisca
a própria vida, põe a sua vida em jogo ou arrisca a própria vida em função do reconhecimento,
coisa que o animal não consegue fazer. É justamente do reconhecimento do outro que advém
sua consciência de homem, de ser humano. Se não fizesse isso, não seria ser humano, humano.
Só se é humano porque busca o reconhecimento do outro.
Com efeito, a abordagem corriqueira de reconhecimento segue a compreensão do
“modelo de identidade”, tal como a filósofa Nancy Fraser (2010) apresenta, no sentido de que,
conforme a ideia de Hegel, a identidade é construída na forma de diálogo por meio de um
71

processo de reconhecimento mútuo que sinaliza para uma reciprocidade ideal entre sujeitos,
“na qual cada um vê o outro como seu igual e também separado de si” (FRASER, 2010, p. 117).
A partir daí, Axel Honneth, filósofo contemporâneo da teoria crítica, diz que o
reconhecimento surge da ideia de que para você fazer parte de uma sociedade e para ter até
certo ponto a experiência de ser livre você precisa ser reconhecido como tal, como uma pessoa
livre ou como membro de uma sociedade.
É possível notar, pela filosofia de Honneth, que o reconhecimento na sua acepção
moderna ganhou um espaço de grande repercussão, muito por causa dos conflitos sociais não
se restringirem apenas ao âmbito moral, individual, mas se ampliarem ao nível social e político,
assumindo assim um status de causa social coletiva.
Com isso, a visão filosófica de reconhecimento colada à ideia de intersubjetividade
hegeliana se alarga ainda mais, na medida em que Honneth retoma a relevância do
reconhecimento intersubjetivo na autonomia e autorrealização de sujeitos na construção de
justiça social.
Desde Hegel, a intersubjetividade será responsável por conduzir o reconhecimento
como “matriz”13 ética onde acontecem os conflitos e embates sociais. Nas três tarefas
fundamentais apresentadas por Honneth, em sua escrita Luta por reconhecimento, aparece a
intersubjetividade colada a uma teoria de teor normativo e descolada da situação teórica
atribuída a Hegel. Da primeira tarefa advém a crítica: “não considera a relação intersubjetiva
como um curso empírico no interior do mundo social, mas a estiliza num processo de formação
entre inteligências singulares” (HONNETH, 2003, p. 120).
Por sua vez, a segunda tarefa fundamental de teor normativo, levantada por Honneth
(2003, p. 121) para reivindicar uma intersubjetividade mais atualizadora mediante a
necessidade de “uma fenomenologia empiricamente controlada de formas de reconhecimento”,
afirma que:

Para Hegel, esse leque sistemático de formas de reconhecimento apresenta uma


necessidade, uma vez que só com sua ajuda ele pode obter o quadro categorial para
uma teoria capaz de explicar o processo de formação da eticidade como uma
sequência de etapas de relações intersubjetivas. (HONNETH, 2003, p. 121).

Por conseguinte, a terceira tarefa sustenta a necessidade de colocar à prova a tese de


Hegel, ainda não confirmada socialmente, que “no curso da formação de sua identidade e a cada

13
Preferimos usar o termo “matriz” para dar ênfase ao seu caráter interativo e recíproco ao que estamos falando,
isto é, Honneth transforma a intersubjetividade, mas também é transformado por ela.
72

etapa alcançada de sua comunitarização, os sujeitos são compelidos, [...], a entrar num conflito
intersubjetivo, cujo resultado é o reconhecimento de sua pretensão de autonomia”. O filósofo
da teoria crítica visualiza, dessa tese, duas afirmações muito fortes, quais sejam: 1) “que faz
parte da condição de um desenvolvimento bem-sucedido do Eu uma sequência de formas de
reconhecimento recíproco”; e 2) “cuja ausência se dá, a saber, aos sujeitos pela experiência de
um desrespeito, de sorte que eles se veem levados a uma ‘luta por reconhecimento’”
(HONNETH, 2003, p. 121-122).
De qualquer forma, é preciso investigar, segundo Honneth, se a sequência ordenada das
etapas de reconhecimento em Hegel pode resistir a considerações empíricas; ainda, “se é
possível atribuir às respectivas formas de reconhecimento recíproco experiências
correspondentes de desrespeito social”; e, portanto, “se podem ser encontradas comprovações
históricas e sociológicas para a ideia de que essas formas de desrespeito social foram de fato
fonte motivacional de confrontos sociais” (HONNETH, 2003, p. 122).
O próprio Honneth herda de Hegel essa noção de intersubjetividade, na qual nos
possibilita a oportunidade de nos reconhecermos tanto em nossas potencialidades quanto em
nossas competências e qualidades. Daí, a possibilidade de uma intersubjetividade desenvolver
nos sujeitos uma espécie de comunhão, reconhecendo no outro a sua singularidade e
originalidade, capaz de motivar novas lutas de reconhecimento.
Ademais, o aparecimento de novas experiências de reconhecimento social, além de
formar o indivíduo para apreender mais de si e de suas dimensões de identidade, também
fortalece sua estrutura psíquica para suportar os conflitos sociais.
Tais conflitos, segundo a perspectiva Honnethiana, não obedecem apenas ao viés da
autoconservação ou autopreservação dos indivíduos como pensavam os contratualistas,
inclusive Hobbes, Maquiavel e outros, no entanto, sua perspectiva dos conflitos sociais destoa-
se destas justamente pelo fato de, ao buscar construir uma teoria social de caráter normativo,
admite uma luta moral assentada na organização da sociedade pautada por deveres
intersubjetivos.
Dessa forma, a luta dos sujeitos por reconhecimento recíproco de suas identidades,
diferentemente de Levinas, cujo reconhecimento não estava ancorado necessariamente na
reciprocidade, produz “uma pressão intra-social para o estabelecimento prático e político das
instituições garantidoras de liberdade” (HONNETH, 2003, p. 29).
O esforço crítico de Honneth, no que diz respeito ao conceito filosófico de
reconhecimento, procura atualizar o que já havia dito Hegel ao ligar este conceito à noção de
intersubjetividade, sem a qual o reconhecimento não construiria uma imagem coerente do
73

sujeito, tampouco instauraria um processo em que as relações éticas da sociedade seriam


liberadas de unilateralismos e particularismos.
Assim, a atualização das formas de reconhecimento impetrada por Honneth só será
possível mediante as colaborações avançadas e pertinentes da psicologia social de George H.
Mead:

Uma teoria que constitui uma ponte entre a ideia original de Hegel e nossa situação
intelectual encontra-se na psicologia social de George Herbert Mead; visto que seus
escritos permitem traduzir a teoria hegeliana da intersubjetividade em uma linguagem
teórica pós-metafísica. (HONNETH, 2003, p. 123).

Enquanto sujeitos humanos, devemos nossa identidade à experiência de um


reconhecimento intersubjetivo, uma vez que nos defrontamos com outros ou com culturas
diferentes para consubstanciar nosso crescimento cognitivo e formar os principais traços de
nossa personalidade e comportamento.
O psicólogo norte-americano também comunga da mesma ideia de Hegel do período de
Jena, segundo a qual, defende a gênese social da identidade do Eu e partilha da evolução moral
da sociedade na luta por reconhecimento. Sendo assim, ao investigar a relevância das normas
morais nas relações humanas e ao defender a existência de um diálogo interno entre os impulsos
individuais e entre uma cultura internalizada, Mead contribui para um mergulho cognitivo no
olhar intersubjetivo.
Essa contribuição para a formação da subjetividade pela intersubjetividade, da
construção ou desconstrução do olhar de si pelo olhar do outro, via tensão social, é muito
importante para os rumos de uma teoria do reconhecimento sistematizada por Honneth. Em
consonância com Mead, é possível enxergar que, nas interações sociais, acontecem conflitos
entre o Eu e a cultura e os outros, de modo que os indivíduos e a sociedade se desenvolvem
naturalmente.
Com isso, Mead observa que aquilo que força os sujeitos a se conscientizarem de sua
própria subjetividade ao perceberem o surgimento de alguns problemas é o comportamento
humano de interação, representado como ponto de apoio particularmente apropriado. Para ele,
diferentemente das nossas reações às condições climáticas que não têm nenhuma influência
sobre o próprio clima, um comportamento humano social bem-sucedido nos conduz a um
domínio em que a consciência de nossas atitudes influencia, auxilia no controle do
comportamento dos outros.
74

A propósito, o ponto de partida do qual Mead assenta a observação de que um sujeito


dispõe de um saber a respeito do significado intersubjetivo de suas ações somente “quando ele
está em condições de desencadear em si próprio a mesma reação que sua manifestação
comportamental causou, como estímulo, no seu defronte”, um comportamento de resposta: “do
que meu gesto significa para o outro, eu posso me conscientizar ao produzir em mim mesmo,
simultaneamente, seu comportamento de resposta” (HONNETH, 2003, p. 128-129).
Para Mead, tal capacidade de desencadear em si mesmo o comportamento reativo
causado no outro está atrelado ao pressuposto evolucionário do surgimento de uma nova forma
de comportamento humano.
Por esse caminho, conseguimos perceber que, conforme as análises de Honneth sobre o
alcance da psicologia social do teórico estadunidense, várias inferências vão executando no
processo de evolução do ser humano até discernir sobre as condições de surgimento da
autoconsciência humana, de modo que a constituição da consciência de si mesmo liga-se ao
desenvolvimento da consciência de significados. Daí, então, somos conduzidos a outro
caminho, o do processo da experiência individual.
A respeito desse processo, prossegue Honneth (2003, p. 129): “através da capacidade
de suscitar em si o significado que a própria ação tem para o outro, abre-se para o sujeito, ao
mesmo tempo, a possibilidade de considerar-se a si mesmo como um objeto social das ações de
seu parceiro de interação”. Assim como o outro reage a mim mesmo da forma como ele, meu
defrontante faz, também posso obter uma imagem de mim mesmo, alcançando, desse modo, a
uma consciência de minha identidade. Eis o que diz Mead nesta passagem:

O fato de que o animal humano pode estimular a si mesmo da mesma maneira que os
outros e reagir aos seus estímulos da mesma maneira que aos estímulos dos outros
insere em seu comportamento a forma de um objeto social da qual pode surgir um
‘Me’, a que podem ser referidas as assim chamadas experiências subjetivas. (MEAD
apud HONNETH, 2003, p. 130).

De fato, a concepção intersubjetiva aqui assume uma dimensão de autorrelação


originária, uma vez que a posição de objeto do indivíduo é o que vai lhe assegurar como
consciente de si mesmo, ou seja, é quando o Self entra em seu campo de visão por ter reagido a
si mesmo, constituindo-se assim parceiro da interação, visto ou percebido da perspectiva de seu
defrontante, porém nunca sujeito atualmente ativo e dono das suas manifestações práticas.
Avançando cada vez mais nessa problemática intersubjetiva, diferentemente das
características do “Me” que assume a identidade das experiências subjetivas como parceiro da
interação social e que conserva a atividade momentânea como algo já passado, na medida em
75

que representa a imagem que o outro tem de mim, porém Mead traz à discussão o “Eu” que,
segundo ele, é a fonte não regulamentada de todas as ações atuais.
Por um lado, o “Me” se traduz como uma identidade consciente de si mesma, objetiva,
porque desempenha um papel operante no relacionamento social. A depender de um processo
de reação contínuo, a relação social pode constituir-se de vários “Mes”, incapaz de entrar no
próprio campo de visão. Por outro lado, o “Eu” se refere à instância mesma da personalidade
humana, cuja responsabilidade é uma resposta criativa aos problemas práticos e, também, de
jamais poder entrar no campo de visão. Todavia, como atividade espontânea, esse “Eu” se refere
renovadamente às manifestações práticas sustentadas conscientemente no “Me”, comentando-
as, além disso, precede a consciência que o sujeito possui de si mesmo do ângulo de visão de
seu parceiro de interação.
Há um aspecto relevante entre o “Eu” e o “Me” que precisamos evidenciar, é o caráter
dialógico de nossa experiência interna, pois existe entre eles, na personalidade do indivíduo,
uma relação semelhante ao relacionamento entre parceiros de um diálogo. Sobretudo o “Eu”
que tem essa função muito peculiar de ser um processo em curso, segundo o qual “respondemos
à nossa própria fala e que implica um ‘Eu’ que responde, atrás do palco, aos gestos e símbolos
que aparecem em nossa consciência”. (MEAD apud HONNETH, 2003, p. 130-131).
Até aqui, temos acompanhado as questões que embasam uma concepção intersubjetiva
da autoconsciência humana, a partir dos estudos de Mead com enorme influência da psicologia
social. O curioso é que há uma ideia chave que dialoga com a filosofia da alteridade em
Emmanuel Levinas, no sentido de que o outro precede e tem grande importância sobre o
processo de desenvolvimento da autoconsciência. Para Levinas (2008), o que constitui a nossa
subjetividade é a alteridade, o que constitui a nossa identidade é a nossa relação com outra
pessoa, a relação ética com outro ser humano.
Notamos, nessa mesma direção, que o desenvolvimento da identidade humana para
Mead e, consequentemente para Honneth, torna-se inviável sem a experiência de um parceiro
da interação social: “um sujeito só pode adquirir uma consciência de si mesmo na medida em
que ele aprende a perceber sua própria ação da perspectiva, simbolicamente representada, de
uma segunda pessoa”. (HONNETH, 2003, p. 131). Com isso, a formação e o desenvolvimento
da autoconsciência dependem da existência de um outro sujeito, de um segundo sujeito,
invertendo assim a relação de Eu e mundo social ao afirmar uma precedência da percepção do
outro sobre o desenvolvimento da autoconsciência. Retomemos aqui as palavras de Mead a
respeito disso:
76

Um tal “Me” não é, portanto, uma formação primeira que depois fosse projetada e
ejetada nos corpos de outros seres humanos para lhes conferir a plenitude da vida
humana. É antes uma importação do campo dos objetos sociais para o campo do
amorfo, desorganizado, do que nós designamos experiência interna. Através da
organização desse objeto, da identidade do Eu, esse material é por sua vez organizado
e colocado na forma da assim chamada autoconsciência, sob o controle de um
indivíduo. (MEAD apud HONNETH, 2003, p. 131-132).

Após ter conquistado um avanço exemplar no que diz respeito ao desenvolvimento de


um conceito intersubjetivo da autoconsciência quando afirma que a identidade de cada um de
nós é organizada anteriormente pela importação do campo dos objetos sociais, sobretudo
quando nos defrontamos com nossos parceiros de interação que respondem aos nossos
estímulos e percebem nossas ações.
Haveremos, com isso, de aprender a nos conceber, conceber a nós mesmos como
indivíduos, conscientes do que estamos fazendo, falando, sentindo, trabalhando e assim por
diante, desde a perspectiva do outro generalizado, capaz de contribuir para a formação de uma
identidade cada vez melhor.
Talvez aqui, a partir do conceito de intersubjetividade, encontremos o horizonte do qual
possamos falar de um ensino de filosofia segundo as concepções filosóficas de Honneth.
Ensinar filosofia ou ensinar a filosofar acompanhado de uma preocupação com a
intersubjetividade requer que o ensino venha junto com uma dimensão coletiva de
aprendizagem; que a base das propostas para o ensino de filosofia em sala de aula seja imbuída
de respeito ao pensamento do outro, de modo que o aprender filosófico seja uma reflexão
compartilhada e não solitária.
Como indica Cerletti (2009, p. 87) uma vez mais, “ensinar filosofia é dar lugar ao
pensamento do outro”. É como pensa Honneth, influenciado por Mead, ao considerar que é
preciso aprender a perceber-se na perspectiva do outro, ou seja, um sujeito só adquire a
consciência de si mesmo quando aprende sua própria ação do ângulo de uma segunda pessoa.
Para Cerletti (2009), não faz sentido transmitir dados ou informações filosóficas
isoladas para os jovens, sem qualquer relação com suas realidades, semelhante a peças de um
antiquário que guarda joias, objetos preciosos, demais antiguidades e as oferece a alguns
privilegiados, silenciando o filosofar e mutilando sua dimensão pública. No entanto, só faz
sentido o ensino dessas informações se tentarmos transmitir e vivificar no perguntar dos alunos.
Por isso, ensinar e aprender filosofia ou a filosofar é uma tarefa intersubjetiva com a
qual o professor aprende a dar importância ao saber dos seus alunos, transformando o monólogo
de uma aula em uma roda de diálogo, na qual é possível exercitar a discussão e suscitar sempre,
renovadamente, o surgimento do pensamento do outro, numa atitude de inclusão social, cuja
77

ação e reação são capazes de ajudar a desenvolver a identidade uns dos outros, formando assim
nossa dimensão de autoconsciência, no dizer de Mead.
Um pouco mais com as contribuições de Cerletti (2009, p. 86-87), para quem o outro
não importa pela afirmação de sua ignorância, mas pelo que sabe e pensa na medida em que é
o lugar de partida em todo ensino filosófico, “o pensar dos outros é a irrupção aleatória do
diferente e constitui o desafio filosófico do professor-filósofo”. Aluno algum deve ser tratado
como “tábula rasa”, pelo contrário, há nele certos saberes, certas experiências com os quais
poderá construir algo novo e subjetivo.
Nesse sentido, antes de entabularmos uma discussão filosófica em sala de aula, uma
sondagem da personalidade dos sujeitos envolvidos, bem como um diagnóstico das dificuldades
e adversidades que a escola enfrenta é superimportante, haja vista não vivermos numa realidade
insular, mas num contexto social. A sala de aula está inserida dentro de uma realidade social,
política e econômica de sua escola, bairro e cidade. Por isso, pensar uma ação de ensino ou uma
aula significa relacionar o eu individual com o eu social. Que a minha prática em sala de aula
reflita em certa medida as demandas do mundo, problematizando-as e apontando saídas.
Além disso, duas expressões parecem ser bem-vindas e vitais nas experiências com o
ensino de filosofia na sala de aula: as memórias afetivas; o olhar para si e o olhar para o outro.
O resgate das memórias afetivas é muito válido à medida que quebramos o ritmo fechado do
ego e do ativismo, do peso de uma certa rotina em sala de aula. Nesse particular, é uma atitude
que vem agregar ao ensino de filosofia os valores de uma educação reflexiva, crítica e
emancipatória, aberta a contribuir com a formação social dos sujeitos envolvidos.
Se o processo de desenvolvimento da identidade humana está condicionado à existência
de um outro, parceiro de interação social que, percebido pelo seu defrontante, constitui a
autoconsciência, o ensino de filosofia passa por essa concepção dialógica entre duas instâncias
sociais, das quais é imprescindível a intersubjetividade para o filosofar.
É eticamente incoerente ensinar filosofia atrelado a uma política neoliberal de educação
que limite sua liberdade e seu acesso ao outro em função dos interesses capitalistas e egoístas.
Há que se considerar uma série de demandas externas e sociais que nos tirem de um olhar para
si, dominante e exclusivo, subvertendo este olhar em direção ao outro, às minorias
desfavorecidas, aos excluídos, aos estrangeiros, que incorporam um discurso ou temática virada
para a manutenção da alteridade, para o respeito, o reconhecimento, o acolhimento e o amor.
Decerto, a figura humana e social que possibilite essa virada em nosso olhar é, sem
dúvida, a mulher. Ela responde ao sujeito como sujeito, numa relação de intersubjetividade,
cuja ação realmente importa quando o assunto é reconhecer e ser reconhecida num ambiente
78

familiar de satisfação das necessidades físicas; quando o foco é também a defesa digna e justa
de seus direitos sociais junto ao conjunto de leis de uma determinada sociedade; quando for
possível lutar por mais estima social no seu ambiente de trabalho no que diz respeito a
oportunidades de condições iguais em relação ao masculino, envolvendo inclusive a
reivindicação de salários iguais conforme a função.
Como vimos, influenciado por Mead, Honneth passa a ter instrumentos suficientes para
construir, com base em sua teoria crítica, os três tipos de reconhecimento.

3.3 AS TRÊS FORMAS DE RECONHECIMENTO E O ENSINO DE FILOSOFIA PARA A


EMANCIPAÇÃO

De acordo com sua estrutura das relações sociais de reconhecimento, o filósofo ensina
que a necessidade ou busca por reconhecimento assume formas muito diferentes, o que é
possível distingui-las. É preciso deixar claro que mais adiante, trataremos de explicitar melhor
essas formas assim como estão descritas no capítulo II de sua obra Luta por reconhecimento: a
gramática moral dos conflitos sociais. Agora nos deteremos apenas em recapitular, grosso
modo, as etapas de reconhecimento atreladas, quando possível, ao ensino de filosofia.
Pretendemos, pelo viés da emancipação, articular o ensino de filosofia ao conceito de
reconhecimento em Honneth, visto que sua crítica normativa de caráter intersubjetivo imanente
supere o âmbito das instituições sociais e se alargue ainda mais para o âmbito das lutas sociais
por emancipação. Assim, é preciso pressupor, ao pretender ensinar filosofia em sala de aula,
uma emancipação do outro, de uma outra pessoa que possa colaborar ativamente para o
surgimento da consciência.
Segundo Kohan (2010, p. 203), numa sociedade democrática, o tema da emancipação
relacionado ao ensino de filosofia é ainda mais complexo porque a própria filosofia e o seu
ensino são colocados como um caminho que conduz à emancipação. Porém, concorda com
Adorno ao afirmar que “a exigência de emancipação parece ser evidente numa democracia”
(ADORNO apud KOHAN, 2010, p. 203). Para Kohan, sem pessoas emancipadas não há
democracia, o que é óbvio.
Todavia, seria este um caminho viável para a filosofia e o seu ensino? É uma posição
válida retomar o ensino da filosofia pelo viés da emancipação segundo as concepções filosófica
de Honneth? Como nos posicionarmos diante desse caminho proposto?
Na tradição crítica da primeira geração, sobretudo com Adorno, a emancipação precisa
ser retomada desde Kant, porque é com este que se dá o apelo por uma educação emancipadora.
79

É bem verdade que Kant não faz uso do termo “emancipação” e sim “esclarecimento”. Ao lado
do conceito de esclarecimento, Kant emprega outras duas palavras que traduzem muito bem a
ideia de emancipação, como menoridade e tutela.
Como aponta Adorno e o próprio Kant, no seu decantado ensaio “O que é o
Esclarecimento?”, é entender justamente o esclarecimento como a “saída dos homens de sua
autoinculpável menoridade”. Esta culpa vem da falta de coragem e decisão para fazer uso de
seu próprio entendimento. Ele nos convoca a fazer uso de seu próprio entendimento. Pensar por
contra própria. Pensar por si mesmo sem a tutela alheia. Para Adorno, à medida que uma
democracia se sustenta no exercício do pensamento pela livre vontade dos cidadãos, o programa
do esclarecimento deve estar associado a toda democracia que se preze como tal.
O que Adorno está propondo é como pensar uma educação que contribua para a
formação de uma verdadeira democracia e, de que modo ainda, teria como ajudar a desterrar o
nazismo da sociedade alemã. Comprometido com essa empreitada de uma educação contra a
barbárie, Honneth parece determinado em seguir com o projeto emancipatório, sob a exigência
primeira de Adorno: “A exigência de que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a
educação” (ADORNO apud KOHAN, 2010, p. 205).
Adorno responsabiliza a falta de consciência, bem como a ausência do uso pleno de seu
entendimento por parte de milhares de cidadãos alemães que participaram do massacre do povo
judeu. Daí, a necessidade para que a educação se volte para a formação da autorreflexão crítica.
Nessa direção, é preciso admitir que o ensino de filosofia para a emancipação é um
ensino também contra a barbárie porque cuida para que os habitantes de uma democracia se
sirvam de seu próprio entendimento, pensem por conta própria, sem a tutela alheia, por um
pensar livre e rigoroso que lhes permitam decidir corretamente ou não numa determinada
situação, evitando serem conduzidos à guerra, ao holocausto, à barbárie, como na recente
história da Alemanha.
Com isso, podemos afirmar, a partir do que diz Adorno quando relaciona educação e
emancipação, que o ensino de filosofia para a emancipação venha entendido como um ensino
para a autonomia, para a reflexão, para a resistência e a autodeterminação. Segundo ele, a
ferramenta mais adequada para combater a irracionalidade que tomou conta da história europeia
no século passado seria o uso livre e soberano do pensar conforme cada indivíduo.
Realmente, na percepção de Adorno, a falta de consciência aonde toda aquela
monstruosidade poderia levar foi crucial:
80

Se a Alemanha caiu na barbárie, se os alemães participaram de um processo histórico


monstruoso e irracional foi porque não tinham consciência dele, porque não podiam
perceber aonde levaria tudo aquilo do qual tomavam parte sem ter plena consciência.
(KOHAN, 2010, p. 205).

De qualquer forma, as relações entre ensino de filosofia e emancipação se mostram


como um nexo que leva da primeira à segunda: para a emancipação individual e social, o ensino
de filosofia é um caminho necessário e imprescindível. A emancipação só é possível com ensino
de filosofia crítico que inclua uma formação política e cultural capaz de criar as condições para
um exercício autônomo, livre e soberano da consciência. A partir de um ensino de filosofia
crítico, é possível a emancipação, em qualquer sentido interessante da palavra, dos indivíduos
e dos coletivos. Também faz algum sentido dizer que o ensino de filosofia oferece um espaço
de encontro do indivíduo com a sociedade, na medida em que permite a emancipação individual
por meio da formação crítica, configurando-se como a condição e o caminho mais sólido para
a emancipação social.
Sob a perspectiva da tese da emancipação em Adorno, podemos afirmar que, assim
como no âmbito geral da Teoria Crítica, a questão da emancipação também se constitui em um
conceito relevante na teoria de Honneth.
Sendo assim, reconhecimento e emancipação estão imbricados no centro da crítica de
Honneth. Veremos como é possível abordar a emancipação à luz das formas por
reconhecimento, considerando a relação com a intersubjetividade responsável pela formação
da identidade.
A difícil tarefa de Honneth é mostrar de que modo o indivíduo pode alimentar uma ideia
positiva de si mesmo ao ser objeto de reconhecimento nas esferas do amor, do direito e da
estima social. Estas, circunscritas no âmbito familiar, jurídico e social, se constituem
basicamente numa integração relacional sob a qual se estrutura quem é cada um de nós.
Sem dúvida que a maneira como nos relacionamos com essas esferas do reconhecimento
influencia bem ou mal a articulação do sujeito consigo mesmo para uma formação mais segura
de sua própria identidade, pois, o reconhecimento emerge justamente das nossas relações
interpessoais e incide diretamente na formação dos aspectos necessários para a realização
pessoal.
Ademais, “ser reconhecido [Anerkanntsein] se constitui em um pressuposto
fundamental e insubstituível para a formação da identidade dos indivíduos” (SPINELLI, 2016,
p. 85).
81

Por essa razão, a emancipação só é realizada e alcançada se o reconhecimento assumir,


de fato, sua função instrumental de formação da personalidade, de uma identidade forte e
segura.
Honneth admite que o indivíduo, para desenvolver uma autorrelação prática positiva e
assim formar uma identidade pessoal sadia e tornar-se um sujeito autônomo, precisa
experimentar sucessivamente em cada esfera o tipo de reconhecimento correspondente. Trata-
se aqui de um reconhecimento que não é dado generosamente, mas conquistado por meio de
processos de luta que em cada esfera assumem formas distintas, e nem por isso é aceito, uma
vez que pode ser negado, rejeitado.
De cada forma peculiar de reconhecimento resultam as formas distintas de negação. É
o que podemos perceber quando: da violação, “a integridade do corpo é desrespeitada”; da
privação de direitos, “são negados direitos que naquela coletividade foram incluídos no status
de cidadania ou que correspondem a direitos reconhecidos pela comunidade internacional”; e,
portanto, da degradação moral ou injúria, “a contribuição individual é menosprezada ou mesmo
a dignidade pessoal é negada a ponto de que o indivíduo ou todo o grupo a que pertence não
possa desenvolver uma estima positiva de si mesmo” (SOBOTTKA, 2013, p. 156-157).
Segundo essa concepção, nem sempre aqueles valores que orientam normativamente as
interações sociais dentro da própria sociedade são efetivados na vida cotidiana. Isso porque é
do direito de cada um não ser impedido para o desenvolvimento de suas potencialidades, para
o pleno desenvolvimento do conjunto de autorrelações práticas sadias e, com isso, de uma
identidade intacta. (HONNETH apud SOBOTTKA, 2013).
Desse modo, a frustração ou a indignação do curso normativo e legítimo dessa
expectativa produz no sujeito uma percepção de injustiça que consiste justamente num projeto
de uma teoria fundamentada da justiça como justificação para os critérios da análise crítica da
realidade social e, paralelo a isso, é das percepções de injustiça que Honneth espera o impulso
para as lutas por reconhecimento.
Por conseguinte, o que subjaz o impulso das lutas por reconhecimento não é um sujeito
coletivo portador da transformação social, mas sim, a percepção de frustração das expectativas
legítimas, percepção de injustiça, que impulsionará a mobilização.
Em virtude disso, a emancipação é muito mais um projeto de vida voltado para os
indivíduos do que para uma organização coletiva. No dizer de Honneth (2003), “a emancipação
é vista como a possibilidade do indivíduo poder criar e levar a cabo o seu próprio plano de
vida”.
82

Para tanto, há duas condições: ampliar a emancipação à medida que novas esferas da
vida passem a ser livremente determinadas, como é o caso, por exemplo, de gradativamente
uma pessoa passar a ser aceita, na esfera da sua sexualidade, de maneira a poder autodeterminar
como quer vivê-la. A outra, a possibilidade da emancipação se ampliar posto que novas pessoas
ou grupos conquistem o direito de determinar por si mesmos os seus projetos de vida.
Nessa perspectiva, passemos a olhar as três formas de reconhecimento social sob a ótica
do sujeito, no processo de construção de sua identidade, poder ampliar sua independência ou
sua emancipação na interação com os outros parceiros sociais dentro dos ambientes familiares,
jurídicos e de solidariedade que produzam autonomia por meio das relações de autoconfiança,
autorrespeito e autoestima. Isso marca a característica de Honneth em dar ênfase a uma
articulação estreita entre a identidade do indivíduo e as esferas do reconhecimento.
Sendo assim, Honneth distingue três tipos de reconhecimento: ser reconhecido como
um ser humano com determinadas necessidades (amor); como um ser humano de status igual
(direitos); e como um ser humano com competências e habilidades que contribuem para a
reprodução da sociedade (estima).
O amor, incialmente, é concebido como uma gama de relações primárias e está
identificado com a esfera afetiva de um pequeno e restrito grupo de pessoas que, geralmente,
podem ser amantes, amigos e pais e filhos, cujas relações contribuem para o processo de
amadurecimento pessoal. No entendimento de Honneth (2003, p.159), as relações amorosas são
aqui todas as relações primárias, “na medida em que consistam em ligações emotivas fortes
entre poucas pessoas, segundo o padrão de relações eróticas entre dois parceiros, de amizades
e de relações pais/filho”.
O que chama atenção de Honneth são as propostas psicanalíticas alternativas como a de
Donald Winnicott, pois admite, além das articulações de pulsões libidinosas enquanto tais, a
relação afetiva intersubjetiva como um outro elemento essencial para o processo de
amadurecimento pessoal. Somente por uma relação bem-sucedida entre mãe e filho, conforme
admite Winnicott, é permitida a solução satisfatória da complexa relação entre simbiose14 e
autonomia ao longo da vida do adulto.

14
“A criança só está em condições de um relacionamento com objetos escolhidos no qual ‘ela se perde’ quando
pode demonstrar, mesmo depois da separação da mãe, tanta confiança na continuidade na dedicação desta que ela,
sob a proteção de uma intersubjetividade sentida, pode estar a sós, despreocupada; a criatividade infantil, e mesmo
a faculdade humana de imaginação em geral, está ligada ao pressuposto de uma ‘capacidade de estar só’, que por
sua vez se realiza somente através da confiança elementar na disposição da pessoa amada para a dedicação”.
(HONNETH, 2003, p. 172).
83

O peso entre simbiose e autonomia nessa relação amorosa de mãe e filho encontrou
reflexo nas pesquisas de Winnicott que, ao demonstrar em seus estudos a retirada do carinho
materno, ainda que todas as outras necessidades corporais tenham sido atendidas, compromete
o comportamento dos bebês ao acarretar graves distúrbios.
Ele percebe ainda, fases distintas entre mãe e filho. A primeira fase é identificada por
uma alta relação de dependência recíproca. Devido ao filho ainda não conseguir comunicar suas
necessidades, a mãe sente um desejo ou compulsão interna que a faz dedicar-se absolutamente
ao bebê. Esta é marcada como a fase do “colo”. Lá pelos seis meses de idade, por começar a
ser capaz de se diferenciar em relação ao ambiente e a perceber alguns sinais que traduzem
atendimento de necessidades futuras, como é o caso de poder suportar a progressiva ausência
da mãe, configura-se a fase da faculdade da criança, a segunda fase. Esta corresponde também
à fase de “relativa independência”, decisiva, uma vez que tal faculdade é o pressuposto de toda
forma madura de relação afetiva e abre a possibilidade de “ser-se si próprio no outro” (SOUZA,
2000, p. 153).
Concernente a esta segunda fase, Winnicott prossegue apresentando que é muito comum
o “ataque físico” da criança à mãe, concebido já como uma atitude de independência. No
entanto, o que vai permitir à criança uma vida social em companhia dos outros com direitos
iguais é precisamente a não “vingança” da mãe. Desse modo, permanece aberta à criança a
possibilidade de amar a mãe como ela é, sem exageros sobre sua imagem.
Nessa relação, em que ora se evidencia a simbiose e ora se evidencia a independência
da criança, é importante para uma existência bem-sucedida a construção de um “bom objeto”
em sua memória, a de uma mãe que não se vingou dos ataques da criança por causa da retirada
do carinho e da atenção. Por isso, a mais primária de todas as lutas se dá dessa forma.
Uma luta na qual a “confiança em si mesmo” vem atrelada à segurança do amor materno
em companhia da criança, o que lhe assegura a “ficar só” sem problemas. Emerge daí a
possibilidade do indivíduo ficar sozinho sem perda de segurança do amor do outro ao longo da
vida, constituindo-se assim a autoconfiança, a forma primária de reconhecimento.
Nesse particular das relações amorosas, é possível conceber, desde já, o elemento
essencial próprio da eticidade, a “autoconfiança”, cuja construção é o resultado da intensa
dialética entre simbiose e autonomia, será indispensável para a participação na sociedade.
Se o amor por si só, para Honneth, proporciona autoconfiança, o direito, como a segunda
forma de reconhecimento, proporciona autoestima. Esta relação é marcada por algo que lhe é
bem peculiar, a reciprocidade que, ao contrário do amor, acontece a partir de algum
desenvolvimento histórico. Na verdade, temos um conjunto de direitos e deveres muito restrito
84

ao compararmos com toda a existência, principalmente em contextos pós-tradicionais de


princípios morais universalmente válidos (SOUZA, 2000).
Nessa dimensão de reconhecimento, os sujeitos de direitos se reconhecem
reciprocamente, enquanto submetidos às mesmas leis e detentores de autonomia pessoal para
decidir responsavelmente entre as normas. Além disso, o que é fundamental ressaltar, com certo
resgate a Hegel sobre este ponto, é a possibilidade da relação jurídica de coordenar ações
individuais, embora aconteça desligamento de contextos emotivos e particulares como os que
são construídos por simpatia e afeição, isto é, ainda que ocorram limitação e imposição de
obstáculos internos aos estímulos afetivos.
Com efeito, a fim de alargar a concepção dos direitos individuais no que diz respeito ao
ponto de vista histórico, Honneth remete-se a aspectos da teoria de T.H. Marshall, nos quais a
descontinuidade entre o status e o acesso ao direito é o reflexo da mudança de perspectiva entre
a sociedade tradicional e a moderna que implica na ideia de que todo o membro da sociedade
goza de “igual valor” e, por isso, deve possuir igual acesso ao direito.
Isso contribui relativamente para uma forte pressão quanto aos rumos dos direitos
individuais, de modo que passam a ser vistos em três classes: “direitos liberais de liberdade –
séc. XVIII [protegem os indivíduos das intervenções do Estado]; direitos políticos de
participação – séc. XIX [defendem a participação em processos de formação pública da
vontade]” e, portanto prossegue: “direitos sociais de bem estar – séc. XX [defendem os direitos
na distribuição dos bens básicos]” (SPINELLI, 2016, p. 90-91).
Com essa investigação de Marshall, o objetivo de Honneth é explicitar que as
imposições por novas formas de direitos individuais são frutos de reivindicações por
reconhecimento, de tal modo que esses direitos atingem uma dimensão ainda maior no domínio
civil, político e social.
Todavia, a negação desses direitos incorre numa denegação do reconhecimento na
esfera jurídica. Quando privados de liberdade, somos feridos na autonomia, cuja consequência
é a perda da liberdade. Quando sofremos pela falta de espaço público e participação em debates,
somos feridos politicamente, cuja consequência é a exclusão. Quando necessitamos do material,
privados de participação, a consequência é a desigualdade.
Um pouco diferente da relação de reconhecimento recíproco por amor, que reclama por
simpatia, atração e se impõe aos sujeitos de modo involuntário, é a relação de reconhecimento,
também recíproco, por direitos, dada sua mediação por uma ampla relação através do
reconhecimento dos outros, livre de quaisquer tendências ou gostos pessoais.
85

“À medida que o indivíduo reconhece os outros como portadores de direitos, passa a se


reconhecer igualmente nesses termos” (SPINELLI, 2016, p. 89). Na esfera do direito, essa é a
ideia de referência do autor da “Gramática” por reconhecimento, segundo a qual resgata de
Hegel, como já mencionamos, a noção de que o sistema jurídico passa a estar ligado aos
interesses universalizáveis de todos os membros da sociedade.
Ainda sob esse aspecto, Honneth faz questão de resgatar também contribuições
importantes para a esfera do direito quanto à noção de “outro generalizado”, o que corresponde
ao seguinte pensamento: “à proporção que o indivíduo reconhece os seus parceiros de interação
como passíveis de direitos, passa a considerar-se também como pertencente a esse círculo,
sentindo-se seguro no que tange à realização de algumas das suas pretensões”. (SPINELLI,
2016, p. 89-90).
Tal como apresentadas acima, as duas concepções nos descrevem, com estilos e
objetivos muito próprios, algo em comum que as aproximam: a ideia de referência ao outro.
Esse recurso chama a atenção de Honneth ao identificar a concepção de direito ao
reconhecimento recíproco que os indivíduos nutrem uns relativamente aos outros no que conduz
à realidade de se constituírem em portadores de direito. A partir disso, o indivíduo adquire a
“consciência de poder se respeitar a si próprio, porque ele merece o respeito de todos os outros”.
(HONNETH, 2003, p. 195).
Vimos, com o reconhecimento jurídico, no que se refere ao autorrespeito, que toda
pessoa, afora às questões de status, seja considerada capaz de julgamento em igualdade de
condições. Quando sofremos visivelmente alguma privação, somente em situações assim
negativas, é que é possível uma investigação empírica do autorrespeito.
Contudo, temos agora uma terceira esfera emancipada ou independente, denominada de
“estima social”, solidariedade. Na visão de Honneth, a estima social caminha de mãos dadas
com o direito que só na perspectiva do “outro generalizado” ou de condições universais pode
processar interiormente o que é valorizado socialmente, restando assim tudo o que é valorizado,
porém não generalizável.
À medida que a valorização social reconhece certas qualidades diferenciais entre os
sujeitos de acordo com formas culturais genéricas, o direito reconhece as características
universalizáveis das pessoas de acordo com formas particulares. Ademais, as qualidades
diferenciais não são arbitrárias, visto que se restringem às qualidades que concretizam fins
sociais reconhecidos relevantes por todos.
Honneth (2003) é enfático ao falar da estima social como uma necessidade dos sujeitos
se referirem afirmativamente às suas propriedades e capacidades concretas, de modo a poder
86

alcançar uma autorrelação inviolável, na qual precisam ainda, além da experiência da dedicação
afetiva e do reconhecimento jurídico, de uma estima social que lhes permitam tal afirmação
positiva.
O progresso da noção de estima social juntamente com a de história tem implicado
diretamente na mudança do conceito de honra para o de reputação ou prestígio social. Em
particular, no contexto das sociedades tradicionais, formas específicas de vida são criadas em
virtude da atribuição de honra aos indivíduos. Sobre isso, afirma Honneth:

Nesse aspecto o termo ‘honra’ designa em sociedades articuladas em estamentos a


medida relativa da reputação social que uma pessoa é capaz de adquirir quando
consegue cumprir habitualmente expectativas coletivas de comportamento atadas
‘eticamente’ ao status social. (HONNETH, 2003, p. 201).

Dessa maneira, ao conquistarmos a honra, estamos vinculados intimamente com o


seguimento de um padrão de comportamento largamente difundido e reconhecido. Pelo simples
fato de aceitarmos uma estrutura de comportamento com modelos de referência, garantimos
“valor social” e conseguimos nos manter dentro do círculo da sociedade articulada.
Quanto mais nos encaminhamos para a dimensão de um grupo, mais esse
reconhecimento de estima social tende a ser considerado singularmente, uma vez que é
conquistado mediante à coletividade a qual pertencemos. Todavia, tal como observa Honneth,
sentimo-nos pouco reconhecidos como sujeito individuado em função da imposição e do
destaque da identidade de um grupo.
Dessa forma, ou alimentamos a honra coletiva ou nutrimos um sentimento de orgulho
do grupo para nos sentirmos participantes de uma coletividade na qual somos capazes de
realização e de importância reconhecida socialmente.
Com isso, Honneth traz à tona aquilo que ele chama de relações solidárias, aquelas
relações internas tecidas entre os membros do grupo, às quais expressam a estima que os
membros nutrem igualmente entre si. (apud SPINELLI, 2016, p. 93).
E nessa direção vamos ao encontro do que trata Honneth sobre a solidariedade, como
“uma espécie de relação interativa em que os sujeitos tomam interesse reciprocamente por seus
modos distintos de vida, já que eles se estimam entre si de maneira simétrica” (HONNETH,
2003, p. 209). Exposta como uma ligação entre a luta partilhada por todos os membros e o
reconhecimento que nutrimos cada qual reciprocamente, no tocante às particularidades dos
outros, a solidariedade se constrói, principalmente, em grupos que passam por problemas
difíceis, de injustiça, perseguição e exclusão.
87

Para prosseguirmos nutrindo a autoestima, alguns pressupostos são necessários na


concepção de Honneth, como a solidariedade e as relações simétricas, responsáveis não só em
despertar a tolerância para com as particularidades de um sujeito, além disso, para sustentar
também um interesse para com essas particularidades.
Sendo assim, a tolerância traz consigo uma segurança positiva de aceitar algo importante
de modo a fomentar e direcionar certa solicitude para o acolhimento das diferenças,
independente de não traduzir uma imagem negativa ao admitir ou assentir essas diferenças. Por
essa razão, afirma Honneth: “só na medida em que eu cuido ativamente de que suas
propriedades, estranhas a mim, possam se desdobrar, os objetivos que nos são comuns passam
a ser realizáveis” (HONNETH, 2003, p. 211).
Além do mais, somos preenchidos de estima social a partir do momento em que nos
concedem valor simétrico por nossas peculiaridades, habilidades e capacidades no interior da
práxis social. Por isso, “todo o sujeito recebe a chance, sem graduações coletivas, de
experienciar a si mesmo, em suas próprias realizações e capacidades, como valioso para a
sociedade” (HONNETH, 2003, p. 211). Pelo visto, a característica da simetria não é a de uma
estima nutrida reciprocamente na mesma medida. Ao contrário, a valorização social, sob a
perspectiva da solidariedade e de relações simétricas, acontece quando reconhecemos no outro
particularidades úteis e valiosas junto aos valores partilhados pelo grupo.
Em função do movimento de transformação da sociedade tradicional para a moderna, a
concepção de “individualização”, que antes era mediada pelo modelo de estima social por
estamentos ou mediada por grupos, passa a dar lugar ao modelo de estima diretamente
vinculado aos indivíduos singularmente aceitos. A partir disso, Honneth observa: “agora o
indivíduo não precisa mais atribuir a um grupo inteiro o respeito que goza socialmente por suas
realizações conforme os standards culturais, senão que pode referi-lo si próprio” (HONNETH,
2003, p. 210).
Como vimos, um novo modelo de autorrelação prática se impõe de acordo com uma
referência diferenciada de estima social, uma vez que, enquanto a valoração hierárquica e
coletivista vai se dissolvendo, emerge o critério das particularidades e habilidades dos
indivíduos. Por essa razão, enquanto nos sentimos valorizados, o “valor” assume um caráter
mais subjetivo que responde de modo profundo e genuíno à necessidade humana quanto à
afirmação positiva de si mesma. Assim, a estima social passa a ser tratada em sua acepção
genuína, visto que se traduz como um reconhecimento restrito e endereçado a um sujeito
demarcado historicamente.
88

Como consequência dessa transformação social em favor de mais autonomia do


indivíduo com relação ao grupo, a estima social aparece na sua forma embrionária: um
fenômeno que corresponde às peculiaridades de cada um, observadas socialmente, ao ponto de
conceber uma relação positiva do indivíduo para consigo mesmo (SPINELLI, 2016, p. 94).
Até aqui, percorremos, grosso modo, pelas esferas de uma luta por reconhecimento
procurando encontrar eco no outro pelo amor, pelo direito e pela estima social, mantenedoras
de um processo regenerador da consciência individual a cada autorrelação experienciada no
interior da realidade social, mediada pelos parceiros da interação que respondem ou reagem de
três formas: autoconfiança, autorrespeito e autoestima. O reconhecimento, para ser alcançado,
implicará o preenchimento dessas três esferas de atribuição valorativa de um indivíduo a outro,
ou de um grupo a outro. Em meio a essa intensa luta social por reconhecimento, descobrimos
que o outro permanece imprescindível.

3.4 RECONHECIMENTO E EMANCIPAÇÃO FEMININA

Deste momento em diante, podemos mudar a tônica da discussão em torno da temática


do reconhecimento que, na perspectiva de Honneth, ganhou notoriedade no mundo moderno
devido propor o respeito ou a concepção da igualdade e da autonomia como ideia moral,
norteada por um regime de eticidade fundamental que é a base de seu pensamento filosófico
para mediar os casos de conflitos entre as diversas reivindicações valorativas.
No entanto, outras questões de ordem política acabam por ser mais apelativas no sentido
de que diversas formas de humilhação e desrespeito tornam-se motivos para uma reação
política. Assim, muitos grupos ou pessoas oprimidas e carentes de reconhecimento social não
encontram meios de articulação, reivindicação social, solidariedade que possam associá-las às
possíveis lutas por reconhecimento (SOUZA, 2000).
Nesse contexto, Nancy Fraser sugere uma posição sobre o reconhecimento voltada para
uma temática mais eficaz, cujo “modus operandi” é o esclarecimento dos conflitos políticos da
modernidade. Considerando a luta por reconhecimento seu argumento principal como a forma
paradigmática do conflito político no final do século XX, ela acredita que “as demandas por
reconhecimento da diferença estão na base de lutas nacionalistas, étnicas, raciais, de gênero e
sexuais” (SOUZA, 2000, p. 156).
Essas lutas, logo após a derrocada de uma visão de mundo geopolítica entre capitalistas
e socialistas, são motivadas muito mais por uma busca da identidade do que por interesse de
classe: “a questão da identidade grupal suplanta a dimensão do interesse de classe como
89

motivação primária da mobilização política”, o que “significaria que a dominação cultural


estaria suplantando a exploração econômica como injustiça fundamental no mundo
contemporâneo” (SOUZA, 2000, p. 156).
Na esteira dos desdobramentos de uma luta por justiça social, na qual está empenhada
com seu pensamento orientado para a paridade social, Nancy Fraser coloca dialeticamente
redistribuição e reconhecimento como componentes importantes para a constituição da ideia de
justiça que, juntas, em comum e em múltiplas relações, trabalham numa norma de paridade na
participação.
Tal norma de paridade de participação exige uma forma que busque aos membros de
uma sociedade a condição de interagir uns com os outros como parceiros. O que dá sustentação
para essa norma existir é a garantia da independência e o direito de voz, de fala aos
participantes, da qual denomina Fraser (apud NASCIMENTO; BARREIROS, 2018) de
condição objetiva da paridade participativa. Ademais, tendo em vista a necessidade de que os
padrões institucionalizados de valorização cultural expressem o mesmo respeito para todos os
participantes e assegurem oportunidades iguais para alcançar a estima social, Fraser (apud
NASCIMENTO; BARREIROS, 2018) então concebe aquilo que chama de condição subjetiva
de paridade participativa.
Sendo assim, essas duas condições, tanto a objetiva como a subjetiva, pelo teor de suas
reivindicações, são imprescindíveis para a realização da paridade participativa, posto que, com
isso, vai se configurando o que Fraser (apud NASCIMENTO; BARREIROS, 2018) acredita
ser o cerne de sua ideia de justiça, ou seja, a noção de paridade de participação.
Mas, retomando as questões que envolvem diretamente o binômio conceitual
redistribuição-reconhecimento, ela sustenta que está alicerçado por uma das abordagens mais
profundas da filosofia que é a relação entre ética e moralidade, bom e correto, vida boa e justiça.
A questão é verificar se é preciso atender aos apelos da ética para que os parâmetros da justiça,
alinhados com a moralidade, dão conta realmente das reivindicações do reconhecimento pela
diferença.
Ao que diz respeito às questões de justiça e de boa vida, faz uma distinção:

É hoje uma prática comum na filosofia moral distinguir questões de justiça de


questões da boa vida. Interpretando as primeiras como um problema do que é o
‘correto’ e as segundas como um problema do que é o ‘bem’, a maioria dos filósofos
alinha a justiça distributiva com a Moralität [moralidade] kantiana e o reconhecimento
com a Sittlichkeit [ética] hegeliana. (FRASER, 2007, p. 104).
90

Ela prossegue aprofundando a distinção do ponto de vista das normas universais para a
justiça, afora o compromisso dos atores com valores mais específicos, quanto a quem busca o
reconhecimento da diferença é muito mais restrita: “Normas de justiça são pensadas como
universalmente vinculatórias; elas sustentam-se independentemente do compromisso dos atores
com valores específicos. Reivindicações pelo reconhecimento da diferença, ao contrário, são
mais restritas” (FRASER, 2007, p. 104).
Tais reivindicações estão submetidas ainda a horizontes de valor historicamente
específicos, impossibilitadas de serem universalizadas, por causa das avaliações qualitativas
sobre o valor relativo de experiências culturais com características e identidades variadas.
Embora possamos estreitar a relação entre a dimensão econômica e a dimensão
simbólica, é importante fazer a distinção. Nancy Fraser (apud NASCIMENTO; BARREIROS,
2018) não abre mão dessa distinção, qual seja: a primeira está destinada a tratar de uma doença
na base da estrutura político-econômica da sociedade, que são as injustiças econômicas como
a eliminação da exploração, da marginalização econômica e da falta de condições materiais, o
necessário para viver em igualdade social com os outros; já a segunda, a dimensão simbólica
também tenta cuidar de uma outra doença, por sua vez, destina-se a reparar uma injustiça
cultural, ou seja, eliminar a dominação cultural, o ocultamento (silenciamento) e o desrespeito
social.
Em favor da integração do campo da redistribuição que se vincula mais à moralidade
com o campo do reconhecimento que se vincula bem mais à ética, Fraser (2007) dissolve esta
aparente incompatibilidade e recorre à estratégia de tratar as reivindicações por reconhecimento
que exigem o julgamento de valores, características e identidades diversas como demandas por
justiça. Por essa razão, reposiciona a política do reconhecimento do campo da ética para o da
moralidade, alargando assim a noção de reconhecimento.
Dessa maneira, sua noção de reconhecimento vai tomando forma no intuito de romper
com a ideia de reconhecimento ligada à identidade. Segundo Fraser, há um problema nessa
política da identidade: a estrutura psíquica ganha destaque ao privilegiarmos a identidade, ao
passo que as instituições sociais e a interação social seriam subsumidas. Nesse aspecto, o que
reclama reconhecimento é a identidade de um grupo.
Acrescentamos a isso, pelo modelo identitário, o fato de submetermos os indivíduos à
conformação das características gerais de um grupo porque o reconhecimento concentra-se na
posição das peculiaridades de um grupo. Isso, porém, acarretaria danos no sentido de que a
complexidade da vida dos indivíduos e as múltiplas identificações fossem negadas, como
também seria responsável por reificar a cultura, além de tratá-la como definida e fixa, tendo em
91

vista promover o separatismo e o isolamento dos grupos, o que incorreria em outro efeito
nefasto, o de encobrir disputas de poder internas aos grupos (FRASER, 2007).
A autora passa a enfrentar agora a questão do reconhecimento pelo viés do status social,
afastando-se de possíveis controvérsias. Como o status trata da condição dos membros do grupo
na interação social, não diz respeito às identidades de um grupo. O não reconhecimento passa
a ser a impossibilidade de participação igualitária na vida social, subordinação, sujeição social,
mas não um prejuízo à identidade de um grupo.
De acordo com seu modelo de status social, uma política de reconhecimento pode
acabar com a injustiça, diferente da política identitária que não tem este poder. Para tanto, é
necessário tornar o sujeito autônomo para participar na vida social como os outros membros e
enfrentar a subordinação social (FRASER, 2007).
Baseada ainda em seu modelo de status, Nancy Fraser (2007) evita muitas dificuldades
apontadas no modelo de identidade que acabam servindo como elementos de reforço da
subordinação dos grupos. Por essa razão, o modelo de status age para impedir os padrões
institucionais de travar a paridade de participação e promover outros que a possibilitem.
Sem dúvida, o ganho principal que se tem com o modelo de status é a possibilidade de
deslocar ou retirar o reconhecimento do campo da ética para uma abordagem moral do
reconhecimento. Na visão de Fraser (2007), o reconhecimento é compreendido como igualdade
de status e como potência de paridade participativa, uma vez que, ao contrário do modelo
identitário, deixa de submeter-se a um horizonte de valor específico e passa a priorizar o correto
em detrimento do bem.
Ademais, o modelo de status nos proporciona o reconhecimento autêntico em
participarmos como membros de fato da sociedade e não falsamente, visando à superação da
subordinação com plenas condições de igualdade na participação com os outros. É isso que diz
Fraser (2007, p. 107) com outras palavras: “No modelo de status, ao contrário, isso significa
uma política que visa a superar a subordinação, fazendo do sujeito falsamente reconhecido um
membro integral da sociedade, capaz de participar com os outros membros como igual”.
Nesses termos, podemos falar, sim, em igualdade de status e em reconhecimento
recíproco, por isso ressalta ela: “Se e quando tais padrões constituem os atores como parceiros,
capazes de participar como iguais, com os outros membros, na vida social, aí nós podemos falar
de reconhecimento recíproco e igualdade de status” (FRASER, 2007, p. 107).
Na contramão da afirmação de reconhecimento, temos uma sociedade que dissemina
não reconhecimento e subordinação de status, cujos padrões são altamente negativos,
92

excludentes e destrutivos, e pior, são padrões institucionalizados pela cultura que desqualifica
a pessoa ao nível inferior de um parceiro na interação social:

Quando, ao contrário, os padrões institucionalizados de valoração cultural constituem


alguns atores como inferiores, excluídos, completamente ‘os outros’ ou simplesmente
invisíveis, ou seja, como menos do que parceiros integrais na interação social, então
nós podemos falar de não reconhecimento e subordinação de status. (FRASER, 2007,
p. 107).

Infelizmente, como exemplo de não reconhecimento e de subordinação, a mulher sofre


tremendamente pela desvalorização material ou econômica quando ocupações de baixa
remuneração são geralmente reservadas a elas, produzindo assim modos de exploração,
marginalização e privação especificamente marcados pela diferença sexual. Esse não
reconhecimento e subordinação da mulher por valores negativos institucionalizados
socialmente é também marcado pela desvalorização cultural com privilégios associados à
masculinidade e à desqualificação do “feminino” que se traduz em vários danos sofridos pelas
mulheres, entre os quais, os inúmeros tipos de violência, desmoralização, humilhação, assédio
e desqualificação em todas as áreas do cotidiano.
Quanto ao modelo de status no que se restringe ao não reconhecimento das mulheres,
sujeitas a uma estrutura social que trata de maneira desigual na participação social homens e
mulheres, Fraser (2007, p. 108) acrescenta:

No modelo de status, então, o não reconhecimento aparece quando as instituições


estruturam a interação de acordo com normas culturais que impedem a paridade de
participação [...] famílias chefiadas por homens são corretas, 'famílias chefiadas por
mulheres' não o são [...].

Demais casos, mas inclusive esse exemplo reflete o que Fraser insiste na possibilidade
de falarmos de não reconhecimento e de subordinação de status. Por essa razão, afirma Fraser
(2007, p. 108): “Em todos esses casos, a interação é regulada por um padrão institucionalizado
de valoração cultural que constitui algumas categorias de atores sociais como normativos e
outros como deficientes ou inferiores”.
Quando depreciam o “feminino”, quer dizer que padrões institucionalizados de
valoração cultural costumam depreciar também a abordagem de reconhecimento proposta por
Honneth (apud FRASER, 2007, p. 114), onde afirma que “todas as pessoas, moralmente,
merecem estima social”. Tal afirmação, porém, não é nenhum absurdo, visto que daí resulta
que “todos têm igual direito a buscar estima social sob condições justas de igualdade de
oportunidades” (FRASER, 2007, p. 114).
93

Em virtude disso, o reconhecimento é tratado muito mais como uma questão de justiça,
de moralidade em vez de uma questão de boa vida, de ética, na medida em que mulheres
enfrentam obstáculos na conquista de estima que não são encontrados pelos demais. Obstáculos
injustos e institucionalizados que causam sofrimentos, opressão e uma vida com menos
participação social precisam ser superados pela busca incansável por reconhecimento, tal como
a própria Fraser (2007, p. 114) chegou a dizer ao conceder reconhecimento positivo a um grupo
especificamente desvalorizado, como é o caso das mulheres: “enfrentam maiores obstáculos se
elas optam por perseguir projetos e cultivar características que são culturalmente codificadas
como femininas”.
No contexto de um sistema patriarcal capitalista, a construção de libertação das
mulheres enquanto coletivo se apoia na categoria de emancipação feminina como
desdobramentos para o reconhecimento de uma emancipação ainda mais humana, segundo
Nancy Fraser. Assim como outros grupos, o grupo das mulheres é um dos mais marginalizados
da sociedade, pois não só a emancipação política em seus diretos lhe é negada quanto ao
exercício pleno de sua cidadania, mas também a emancipação humana na sua dignidade quanto
ao enfrentamento das opressões, preconceitos e humilhações de violência.
Com isso, para ultrapassar os obstáculos de uma sociedade de dominação do masculino
sobre o feminino do ponto de vista cultural, econômico e político, as mulheres precisam de
estratégias que, de acordo com Fraser, evocam a busca por justiça social sob as perspectivas da
distribuição, do reconhecimento e da representação.
Dessa forma, pela distribuição, a mulher deve reivindicar sua justa posição na
distribuição da renda e do poder em virtude da organização social, não aceitando a partilha do
poder e do econômico baseados no gênero. Pelo reconhecimento, a mulher precisa cobrar seu
valor cultural, sua posição de interagir em condições de paridade com os outros, devido à falta
de reconhecimento numa relação social institucionalizada. Pela representação, a mulher tem a
possibilidade de ascender a cargos de ordem política, exercendo o poder legislativo e executivo,
bem como liderar movimentos sociais, partidos políticos, sindicatos, instituições, empresas,
enfim, de modo que paira sobre ela a sombra de uma falsa representação por causa das injustiças
sofridas.
Com efeito, as injustiças sofridas têm causas bem complexas, mas são consequências
de um sistema profundamente dominante pelo predomínio do patriarcado, do racismo e do
capitalismo, contra o qual é preciso lutar, resistir e superar essa ordem imposta na direção da
conquista de uma liberdade tão sonhada, pela qual seja possível construir uma emancipação
política e, por conseguinte, uma emancipação humana.
94

4 EXPERIÊNCIAS COM O RECONHECIMENTO EM SALA DE AULA

Com esta seção, pretendemos apresentar como os alunos experimentaram a


problemática conceitual sobre o reconhecimento em Levinas e Axel Honneth por meio de um
tema acessível, conhecido e bastante recorrente nas discussões de sala de aula, a Mulher. A
partir dela, os alunos puderam pensar, dialogar e escrever filosoficamente sob a perspectiva do
reconhecimento à luz da alteridade, culminando com as três formas de reconhecimento,
concebidas por Honneth.
Admitirmos a escola como o ambiente por excelência da sociedade organizada, em que
é possível reunir uma parcela significativa de sujeitos, dispostos a passar por longos momentos
de suas vidas juntos, encontrando-se entre si e em relação com a filosofia. Nossa proposta de
pesquisa será a de identificar um movimento de aproximação e distanciamento como forma de
afirmar um “aprendizado de distâncias”.
Ademais, pela observação e análise dos conteúdos dos textos, a partir dos pontos de
vista dos alunos15, dos seus conhecimentos prévios, e do modo como percebem a introdução da
filosofia da alteridade em Levinas atrelada ao entendimento de reconhecimento em Axel
Honneth. Tentaremos articular como os alunos do ensino médio percebem esses problemas
filosóficos com a temática do feminino.
Sendo assim, seguimos o caminho metodológico de tipo qualitativo de abordagem
fenomenológica para chegar aos objetivos pretendidos: analisar a concepção de alteridade em
Levinas; retomar o conceito de reconhecimento em Honneth; trabalhar conteúdos com os alunos
do Ensino Médio sobre a alteridade e o reconhecimento a partir da perspectiva filosófica;
analisar a visão dos alunos do ensino médio sobre a alteridade e o reconhecimento, levando em
consideração o aprendizado de conteúdos de filosofia relacionados com essas temáticas.

4.1 AS OFICINAS FILOSÓFICAS: UM ACONTECIMENTO16

Semelhante a qualquer outra estratégia, a oficina filosófica também procura articular


ação e reflexão por meio da tensão entre ensinar e aprender, de modo que o cerne desse processo

15
Como todos os alunos e alunas envolvidos na pesquisa são menores de idade, decidimos não identificá-los,
seguindo as orientações do comitê de ética.
16
A ideia de acontecimento aqui aponta para a noção de produção. “O termo produção indica tanto a realização
do ser [acontecimento ‘produz-se’, um automóvel ‘produz-se’] como a sua elucidação ou a sua exposição [um
argumento ‘produz-se’, um ator ‘produz-se’]”. (LEVINAS, 2008, p. 16).
95

não é o professor nele mesmo, mas o aprendiz que tem a oportunidade de descobrir o que deseja
e o que necessita aprender.
Nessa intervenção filosófica, as oficinas funcionam como: produção de textos a partir
da visão comum dos alunos sobre a mulher; roda de diálogo, segundo as concepções filosóficas
de Levinas e Axel Honneth; e, por último, produção textual a respeito da mulher, a partir dessas
concepções filosóficas abordadas nas oficinas de roda de diálogo.
Como já asseveramos, nosso tipo de pesquisa é a qualitativa porque estamos lidando
com o humano em sua inteireza, de modo integral, implicado em suas relações intersubjetivas
no ambiente da sala de aula. Nessa direção afirma Minayo:

Ela [a pesquisa qualitativa] se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de


realidade que não pode ser quantificado... Trabalha com um universo de significados,
motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais
profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos
à operacionalização de variáveis. (MINAYO, 2002, p. 21-22).

Tal abordagem nos possibilita, em certa medida, a respeitar as concepções do Outro ou


as formas de ver o reconhecimento do feminino pelos alunos implicados na pesquisa, pois ao
final, o que deverá prevalecer é uma concepção construída por eles mesmos a partir de como
perceberam o problema.
Com as oficinas filosóficas, a ideia é provocá-los a expressar ao máximo suas opiniões
ou concepções por meio de palavras condensadas num texto que possa reunir seus pontos de
vista naturalmente, sem qualquer aferição de conteúdos formais sobre o assunto. E, mesmo
depois de trabalhados os conteúdos, ainda assim teremos de considerar como conceberam suas
novas concepções. Daí, então, interpretá-las à luz de um esquema conceitual. Afirmam Bogdan
e Biklen:

Portanto, ‘ponto de vista’ é um construto de investigação. Entender os sujeitos com


base nesta ideia pode, consequentemente, forçar a experiência que os sujeitos têm do
mundo a algo que lhes é estranho. Contudo, esta forma de intrusão do investigador no
mundo do sujeito é inevitável em investigação. Para todos os efeitos, o investigador
faz interpretações, devendo possuir um esquema conceptual para as fazer.
(BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 48).

Uma semana antes da intervenção, tal como está contemplado no cronograma da


pesquisa, abordamos os alunos da turma da 2ª série do Ensino Médio, modalidade
profissionalizante, segurança do trabalho, matutino, para a importância da realização desse
projeto na escola, apresentando a pertinência, os objetivos, a temática envolvida e suas
implicações na sala de aula, chamando-os a atenção para a percepção de que eles precisam ter
96

acerca do reconhecimento do Outro. Nesse período, aproveitamos para divulgar o Projeto de


pesquisa com esclarecimentos e conscientização da proposta a fim de despertar o interesse.
Visto que contamos com apenas 1 (uma) aula de filosofia por semana, na estrutura
curricular da escola, procuramos apresentar o Projeto de intervenção filosófica em forma de
slides (PowerPoint) uma semana antes das atividades principais, para que os alunos se
sensibilizem, tomem conhecimento e, consequentemente, adquiram interesse pela proposta em
questão. Observamos com cuidado o agendamento dessas atividades a fim de evitarmos
recessos e feriados que pudessem atrapalhar as aulas de filosofia no percurso da intervenção.
A aplicação do projeto em si começou a partir dessa apresentação, logo após, na aula
seguinte, procedemos com o recrutamento de 15 alunos de uma turma de 36, cujo critério, por
aclamação, segundo o maior interesse de cada um. Assim, os 15 alunos mais interessados em
participar foram selecionados. Da Escola Estadual Teônia Amaral, a turma escolhida para
realizar essas experiências foi a 2ª série profissionalizante, como já mencionamos, por
demonstrar certo interesse na produção textual e por estar começando agora a ver filosofia.
A primeira oficina filosófica versou sobre o tema da produção de texto a respeito da
Mulher. Elegemos a temática do feminino como mediação para problematizar a alteridade e o
reconhecimento, no ensino de filosofia em sala de aula, porque é uma figura emblemática de
radical alteridade que aparece com muita frequência e explicitamente nos principais textos de
Emmanuel Levinas, inclusive em sua obra de maior relevância, Totalidade e Infinito. Sem
dúvida, a presença do feminino nas principais obras deste filósofo é bastante relevante.
Assim, iniciamos no horário previsto das aulas de filosofia, a primeira oficina que se
concentrou em instigar os alunos a escrever um texto de 25 a 30 linhas acerca de seus pontos
de vista sobre a temática da mulher. Para essa atividade, disponibilizamos um tempo de 50
(cinquenta) minutos com tolerância de 10 (dez) minutos, portanto, tivemos 1 (uma) hora para a
construção textual. Depois de recolhermos os textos, haveremos de observar como estão vendo
a questão do feminino a partir de seus conhecimentos prévios, sem qualquer desconstrução.
Sessão: 1h aula de 50min mais um tempo de tolerância de 10 min.
A segunda oficina filosófica tem o caráter de introduzir, com alunos e alunas, os termos
filosóficos de Levinas sobre a alteridade que correspondam à responsabilidade, ao respeito, à
atenção e os conceitos de Honneth sobre o reconhecimento que correspondam ao amor, ao
direito e à estima social. Dividimos essa oficina em 4 encontros de 50 min cada uma. Os dois
primeiros encontros foram reservados para aulas no tocante à filosofia de Levinas, duraram
duas semanas, uma aula por semana. Os outros dois encontros, por sua vez, foram reservados
97

para trabalharmos as concepções filosóficas de Honneth, que também duraram mais duas
semanas.
Sendo assim, os dois encontros previstos para discutirmos as formas de alteridade em
Levinas aconteceram numa roda de diálogo. No primeiro encontro, pedimos que os alunos
sentassem no chão da sala de aula, fazendo um círculo, e fomos passando e comentando
imagens de pessoas em situações de vulnerabilidade, como jovens em meio a destroços de
guerra, crianças dentro de lixões catando restos de comida, idosos em situação de abandono nas
praças, mulher sendo amordaçada por uma mão masculina, impedindo-a de falar, homens sem
rostos, mãe negra abraçando, emocionada, seu pequeno filho, enfim. Em seguida, colocamos
todas as imagens no centro do círculo e as misturamos, depois, cada aluno ou aluna escolheu
sua própria imagem e comentou sua escolha.
Para esse mesmo encontro, preparamos também umas tags filosóficas com termos-
chave da filosofia da alteridade em Levinas. Procedemos da mesma forma, ainda em círculo,
fomos passando as palavras digitalizadas em folhas de papel A4, formato paisagem, bastante
destacadas, com o intuito de relacionar as imagens discutidas na roda de diálogo aos conceitos
advindos da filosofia da alteridade, ou seja, responsabilidade, abertura, Outro, atenção, respeito,
morada, hospitalidade e assim por diante. Esse foi o primeiro encontro, um acontecimento.
Em nosso segundo encontro sobre as concepções filosóficas de Levinas, também em
roda de diálogo, propomos aos alunos a leitura de um texto acerca do feminino. A leitura foi
feita de modo compartilhado, tendo cada aluno a oportunidade de ler um parágrafo do texto.
Logo após, chamamos a atenção de alguns pontos para a discussão em sala, comentário e
análise. O texto, cujo título é “O feminino” (RIBEIRO, 2015, p. 57-61), corresponde a uma das
formas da alteridade em Levinas.
Por sua vez, no primeiro encontro, para problematizar as questões filosóficas de
Honneth sobre o reconhecimento, sugerimos que assistíssemos uma entrevista desse pensador,
ainda vivo e em plena atividade filosófica na Escola de Frankfurt, Alemanha. Os alunos
concordaram, a projeção da entrevista durou apenas 11 min, na primeira parte do vídeo. Fonte:
https://www.youtube.com/watch?v=VV_0tspEvvY&t=672s, visto em maio de 2018. Após a
entrevista, fizemos uma pequena discussão na roda de diálogo, onde todos puderam participar
e fazer suas colocações.
No encontro seguinte, com os alunos dispostos novamente em forma de roda de diálogo,
levamos umas tags para a sala de aula, uma palavra-chave em cada folha de papel, com letra
bem destacada ao ponto de chamar a atenção dos alunos. Conceitos como amor,
reconhecimento, direito, estima, solidariedade, socialização, intersubjetividade, consciência,
98

identidade, enfim, escritos no papel, passaram rapidamente por nós em círculo ao mesmo tempo
em que comentamos brevemente cada uma. Na sequência, procedemos com a socialização da
leitura da entrevista da aula anterior, transformada em transliteração em forma de texto.
Portanto, toda a segunda oficina foi composta de 4 sessões: 50 min. cada.
Finalizamos, então, com a terceira e última oficina: uma nova produção de textos sobre
a mesma temática da mulher, desta vez relacionada com as concepções filosóficas de Levinas
e Honneth, para que os discursos reflexivos dos alunos sobre o reconhecimento tenham, em
certa medida, um apelo à alteridade filosófica e ao reconhecimento do Outro. Sessão: 50 min
com tolerância de 10 min.

4.2 UM APANHADO DA VISÃO COMUM DOS ALUNOS SOBRE O FEMININO

Dos 15 (quinze) textos recolhidos com a realização da 1ª oficina de produção textual,


para uma espécie de sondagem, ou seja, para percebermos como os alunos veem a questão do
feminino em relação a suas vidas e em relação ao que diz a sociedade sobre esse tema nas vozes
destes alunos, escolhemos 05 (cinco) textos que servem de amostra e de análise nesse tópico.
Embora distantes dos conteúdos abordados na 2ª oficina, ainda assim, os textos podem sugerir
algo das concepções filosóficas de uma forma muito comum e sem qualquer desconstrução.
Propomos que escrevessem, livremente, um texto de 25 a 30 linhas que pudesse expor suas
ideias sobre a Mulher.
Os 15 (quinze) textos estavam bons, o que dificultou nossa avaliação, porém, os 05
(cinco) textos selecionados não significam apenas que são os mais bem escritos, mais bem
comunicativos e articulados, mas também são os que refletem ou transmitem os pontos em
comum entre todos. Além disso, para chegar a esses 05 textos, observamos se havia uma certa
coerência do pensamento no texto escrito e se, de fato, a escrita estava comunicando ou
expressando o pensamento.
Em certa medida, é importante considerar também uma escrita que nos afete, que nos
toque. Com efeito, é preciso examinar ainda as competências e habilidades relacionadas à
articulação dos conteúdos, isto é, no aspecto da filosofia, “a capacidade de compreender,
problematizar e interpretar os textos, estruturar logicamente o raciocínio, expressar o
pensamento numa redação coerente” (RODRIGO, 2009, p. 94).
Passamos, então, a analisar os textos que os alunos produziram, expondo suas
impressões comuns e corriqueiras sobre a temática da mulher. É preciso ressaltar que se tratam
de escritas muito espontâneas, baseadas apenas à luz de suas experiências no tocante ao
99

problema do feminino em que o conhecimento daí observado é fruto de uma visão bem
subjetiva e particular da realidade na qual está inserida a mulher.
De acordo com o primeiro texto (anexo A), a aluna afirma que as mulheres, “desde a
antiguidade até os dias atuais, desempenham um papel decisivo para a nossa sociedade, embora
nem sempre tenham o seu devido reconhecimento”. O curioso aqui é perceber que o termo
reconhecimento já aparece nesse texto de modo despretensioso, no entanto, parece claro à aluna
que o papel desempenhado pela mulher não é reconhecido socialmente. Com isso, temos a
impressão que o texto antecede ou sinaliza para uma problemática que virá posteriormente, uma
vez que nem isso fará desaparecer o ponto de vista do outro.
É assim mesmo que prosseguirá o texto (anexo A), no qual a aluna dá ênfase ao direito
e ao dever da mulher expressar sua opinião, seu questionamento e o seu ponto de vista em vários
quesitos da sociedade. Como exemplo disso, faz referência ainda ao direito de escolher os seus
governantes.
Nesse mesmo texto, a aluna lembra que o “sexo frágil”, ironicamente, constitui-se como
“a base da família, responsável pelo zelo, cuidado e educação da sua família”. Contudo, critica
a aluna: “são discriminadas ainda pela sociedade, que a julga inferior ao homem”.
Desse lugar de inferioridade, continua o texto (anexo A) em que reclama: “a mulher
deve ter os mesmos direitos que os homens, devem ter as mesmas funções e receber igual pelo
seu trabalho, pois só construiremos uma sociedade justa e igualitária para todos se tivermos os
mesmos direitos”.
Para finalizar, a escrita dessa autora vai na direção de valorizar a garantia do espaço
social da mulher, uma vez que a sociedade só tem a ganhar com a sua participação, através de
suas opiniões e argumentos. Destarte, poderemos ter uma sociedade melhor e mais humana.
O segundo texto que corresponde ao anexo B traz à tona os costumes e rotinas
responsáveis por colocar a mulher na sociedade como se ela não fosse capaz de entrar no
mercado de trabalho. Assim, a preocupação com a inserção da mulher no mercado de trabalho
parece ser a tônica desta escrita. Leiamos o que afirma a aluna:

Hoje em dia a sociedade carrega costumes e “rotinas” que eram nosso dia a dia em
anos passados, estes costumes e rotina colocão a mulher na sociedade como se ela não
fosse capaz de trabalhar e assim tornam elas simples “escravas” tendo que cuidar dos
filhos e da comida além de deixar tudo organizado para quando o homem chegar, ou
seja enquanto o homem trabalha para sustentar a família a mulher cuida da casa e dos
filhos. (texto 2, anexo B).
100

Ele chama atenção para a situação em que a mulher foi colocada pela sociedade, numa
situação de escravidão dos costumes e da rotina como se ela fosse incapaz de trabalhar ou de
exercer o mesmo papel do homem para a família, que é o de trabalhar para sustentá-la. Para
esse aluno, “as mulheres lutam para que esses costumes e essa rotina se quebrem, pois hoje em
dia a mulher não precisa de um homem para sobreviver”. Por isso, acrescenta com precisão:
“nada mais justo que igualar os direitos entre um homem e uma mulher”.
Ainda mais especificamente com relação ao mercado de trabalho, o texto aponta para a
preocupação do aluno com a igualdade salarial entre homens e mulheres. A esse respeito,
confirma o autor:

Com o mercado de trabalho sendo bem diverso uma mulher tem varias opções de
trabalho, mesmo assim sua luta não para, pois foi com ela que liberaram o mercado
de trabalho e é com essa luta que buscam igualdade de salario, pois uma mulher com
a mesma capacidade que um homem ganha menos que ele, por isso ela deve continuar
a luta. (texto 2, anexo B).

Muito marcante a forma como esse aluno se coloca no texto ao insistir que a luta não
para, a luta por igualdade salarial entre homens e mulheres, com a mesma capacidade, deve
continuar.
Como desfecho de seu texto, esse aluno expressa a opinião de que a mulher luta com
razão, pois o mundo deve ser justo, “a vida é para ser justa”, afirma ele. Segundo sua visão, a
exigência de uma vida justa, a transformação da vida juntamente com as ideologias existentes
dão apoio basicamente para que ele sustente a luta pela igualdade feminina.
Por fim, apresenta no texto sua preocupação com o feminino: “Ultimamente me
preocupo com a essência feminina o carinho sua alegria, ou seja, sua essência esta sumindo as
mulheres estão deixando sua alegria para dar lugar ao ódio isso e o que me preocupa”.
A terceira escrita (anexo C) começa ressaltando que a mulher é uma palavra forte e de
grande importância. A partir do momento em que percebe o quanto seu valor tinha sido
desmerecido, a mulher vem lutando pelos seus direitos de maneira mais forte e unida. Ressalta
ainda que a mulher é o princípio de tudo, porém, às vezes, não recebe o devido valor.
É oportuno salientar que, entre os textos, há algumas impressões ou percepções em
comum que acabam se cruzando. Uma delas é a impressão de que a mulher não recebe o devido
valor ou nenhum valor.
Tal como o aluno do texto 2 (anexo B), fez referência à mulher “escrava” do lar por seus
afazeres diários, a aluna do texto 3, anexo C, também menciona o fato de que, por algum tempo,
101

a sociedade considerou a mulher como um nada ou quase isso, porque só servia para os afazeres
de casa.
Segundo essa aluna, à medida que o tempo passava, as mulheres foram percebendo que
“poderiam fazer tudo que quisessem e que tiverem vontade”. Além disso, foram percebendo
também que “era direito delas trabalharem e receberem seus salários igualmente, que poderiam
trabalhar em cargos públicos”. A partir daí, “começaram a querer e puderam ter voz na
sociedade”.
Sem dúvida, a aluna reconhece que toda essa mudança não aconteceu de um dia para o
outro; “houve muita luta por trás de cada conquista alcançada”.
Em contraponto aos avanços do séc. XXI, ela afirma que “nós mulheres ainda sofremos
preconceito, seja pela cor da pele, pelo jeito que nos vestimos ou até mesmo por não seguir os
padrões de beleza que a sociedade impõe”. Com efeito, reafirma de modo contundente:
“sofremos preconceitos com coisas bestas”.
Mais adiante, continua dando ênfase ao problema do preconceito. Para ela, as mulheres
ainda são alvo de preconceitos, como o racismo, diretamente falando, embora tendo uma boa
voz na sociedade.
Uma vez mais retoma a questão do padrão de beleza que recai sobre a mulher. Não deixa
por menos e associa essa questão a um preconceito ainda maior. Quanto a isso, afirma a autora
do texto:

O preconceito maior que poderíamos passar é o da sociedade com seus padrões


ridículos de beleza. Para a sociedade, a mulher não pode usar um short curto, uma
saia, ou até mesmo um vestido porque está sendo vulgar, e se os sem respeito fizer
algo com elas é culpa da roupa e não dele. Para a sociedade, a mulher tem que ter um
corpo métrico que eles impõe, um cabelo do jeito que eles impõe e se comporta do
jeito que eles impõe. (texto 3, anexo C).

A crítica acima, em tom de desabafo, expõe a imposição que a sociedade exerce sobre
a mulher, reprimindo sua liberdade ao ponto, como bem disse a aluna, de não poderem expressar
aquilo que querem, mas sim o que a sociedade impõe. Diante disso, conclama às mulheres que
sejam fortes e derrubem tudo isso que estão pondo em cima delas.
Finalmente, após ter dito o que pensa sobre o peso do preconceito que recai sobre a
mulher, a aluna não recua e declara seu orgulho por ser mulher: “Sou orgulhosa de ser mulher,
de lutar pelos nossos direitos e saber que cada vez mais estamos mais forte, ganhando mais
empoderamento na nossa sociedade, que estamos todas juntas nessa batalha”.
102

“A mulher exerce um papel fundamental na sociedade, seja através da família, do


trabalho e até mesmo pelo simples fato de ser mulher”. Com essa declaração de identidade da
mulher é que a aluna começa o texto 4 (anexo D) sublinhando a natureza da mulher articulada
com a família, sociedade e trabalho.
Consequentemente, reforça essa ideia no sentido de que “a mulher cada vez mais
preenche papéis que anteriormente era exercido apenas pelo homem”. É da opinião de que a
mulher vem quebrando estereótipos como “dona do lar”, aquela que depende do seu marido.
Além disso, acaba ressaltando a sua liberdade: “As mulheres atualmente são o que querem ser”.
Assim como o texto 1 (anexo A), denunciou em sua escrita o aspecto da desigualdade
salarial em que homens e mulheres estão submetidos ao realizarem ou desempenharem o
mesmo serviço, o texto 4, que ora se apresenta, também denunciou a desigualdade salarial na
qual vivem homens e mulheres, cabendo à mulher, normalmente, receber o salário mais inferior
pela mesma função trabalhada.
A peculiaridade desse texto 4 (anexo D), certamente, é chamar atenção para as formas
de violência a que estão submetidas as mulheres. E, por isso, a autora expõe o quanto sofrem
as mulheres ao lidarem com o machismo, o preconceito, o estupro, as vítimas de feminicídio
“por homens insatisfeitos com a sua relevância na sociedade”.
E, mais uma vez, temos um texto, cuja escrita toca na questão das roupas que elas usam
e do modo como são julgadas por isso e pelo poder que exalam.
Por essa razão, a aluna considera terrível associar o estupro às roupas que usam as
mulheres, e ainda se acharem culpadas: “É terrível o fato da mulher ser vista como culpada de
tudo, um exemplo é culpar que as vestes de uma mulher violentada influenciou no estupro”.
Nesse particular, a aluna reproduz algumas frases de uso comum: “Com essa saia ela está
pedindo para ser estuprada”; “Quem mandou ser tão gostosa assim”. Segundo ela, são frases
preconceituosas como essas que somos obrigados a ouvir com frequência.
Todavia, afirma positivamente a aluna que “as mulheres estão cada vez mais
cultivadoras do amor próprio, não buscam em homens a sua metade, elas são inteiras por
completo”. Ademais, as armas mais importantes para as mulheres são o empoderamento
feminino e o feminismo por aprenderem sobre seus direitos e a serem encorajadas a não ficarem
caladas.
Em seu final, o texto 4 (anexo D), agrega contornos de destaque em relação ao papel da
mulher na sociedade. É o que afirma a aluna: “o poder chegou para as mulheres e ficou, seu
papel na sociedade está em ascensão, ocupando cargos inimagináveis, como bombeiras,
mecânicas, engenheiras e etc., assim como os cargos públicos”. Sob esse aspecto das funções
103

da mulher na sociedade, insiste afirmando: “a mulher exerce um papel importante na sociedade


seu papel é cada vez mais crescente e seu poder é notável”.
Por sua vez, o quinto e último texto dessa nossa descrição, cujo objetivo é mostrar a
visão comum e espontânea dos alunos acerca da mulher, bem como os outros textos, merece
ser considerado e respeitado enquanto experiência de conhecimento da visão do outro, sempre
irredutível.
Dessa forma, o texto 5 (anexo E) nos brinda, em seu início, com algumas perguntas,
quais sejam: “A mulher na sociedade não é muito ouvida, mais porque será? Ela não pode da
opiniões que possa valer a pena? Ela não pode falar tudo que acha sem ser criticada?”. Esse
aluno já começa fazendo uso da filosofia, uma vez que a pergunta, além de nos fazer parar para
pensar, orienta também o próprio pensamento. Não sem razão, assinala para isso ao afirmar:
“todas essas perguntas nos faz pensar o porque a mulher não é sempre ouvida, e assim é difícil
chegar a uma conclusão contraria de que o país é bem machista”.
Nesse contexto de crítica a uma cultura machista, essa escrita é ainda mais explícita:
“Na maioria das vezes só o homem pode tudo”. Em contrapartida, acrescenta: “já a mulher é
mais uma pessoa olhada como só uma dona de casa, que tem que fazer comida, cuidar de filhos,
mas já o homem exerce o trabalho, muito deles digno, com salário bom e carteira assinada”.
Esse mesmo texto segue reproduzindo as desigualdades sociais entre homens e mulheres
no que diz respeito ao tratamento desigual quanto ao salário e quanto às oportunidades de
emprego. Reparemos no que afirma esse aluno:

A mulher que está ali lutando para conseguir um simples emprego, que o salário nem
é essas coisas só pra não deixar falta comida, mas as vezes mesmo a mulher exercendo
o mesmo papel do homem, tendem a ganhar menos que eles, porém isso acaba sendo
injusto, existe poucas mulheres que lutam por direitos iguais nessa sociedade em que
não esta nem ai pra nada nem ninguém. (texto 5, anexo E).

O autor dessa escrita, para não deixar escapar um certo crédito social em relação à
mulher, enaltece sua capacidade em passar por cima daqueles que olhavam a mulher como
incapaz de ser igual ao homem para administrar uma cidade, até mesmo um país. Para ele, “hoje
em dia temos mulheres com cargos públicos, como prefeita, presidente, vereadora... que lutaram
até conseguir”.
Uma ideia presente no texto, já no seu desfecho, que talvez precise pontuar, é o modo
como o aluno enxerga a diferença do sexo da pessoa. A partir de seu ponto de vista, a diferença
por causa do sexo da pessoa não define qualidade, tampouco força de vontade para lutar,
trabalhar, cuidar de casa, dos filhos e, com isso, ter direitos iguais.
104

4.3 O RECONHECIMENTO A PARTIR DA PERSPECTIVA FILOSÓFICA

Neste tópico, como veremos, há uma descrição daqueles 05 (cinco) textos, escolhidos
do conjunto dos 15 (quinze) textos como resultado ou resposta dos alunos pela participação em
toda a 2ª oficina, na qual compartilhamos das concepções filosóficas de Levinas com suas
formas da alteridade e das concepções filosóficas de Axel Honneth com sua perspectiva moral
das comunidades de valor que diz respeito ao reconhecimento.
Nessa oficina, procuramos interagir as concepções filosóficas de ambos com a proposta
de abordagem temática desenvolvida da escrita dos textos sobre a mulher. Certamente, das
produções textuais que envolvem a filosofia desses dois filósofos em relação ao feminino, surge
a presente descrição.
Dessa maneira, o texto 6 (anexo F), que corresponde ao par de texto (anexo A) do tópico
anterior, abre sua argumentação destacando o reconhecimento da força feminina em
contraposição ao que a sociedade julga como um ser frágil e, além disso, chama a atenção para
o interior da mulher com as seguintes palavras: “ela traz em seu interior a essência do amor, e
a capacidade de se doar ao outro”. Como vimos, não deixa de pontuar sua “capacidade de
doação ao outro”, uma marca importante da humanidade do feminino.
Parece aqui que a aluna deseja passear pelo conceito da alteridade filosófica ao escrever
sobre o interior feminino e a sua capacidade de doação.
Por conseguinte, nesse mesmo texto, a aluna se remete ao momento de atuação social
da mulher e assinala: “a mulher está ganhando cada vez mais reconhecimento”. Justifica: “os
movimentos feministas, cada vez mais presentes em nossa sociedade, só reforça a luta das
mulheres durante nossa história para que seus direitos, como mulher, sejam garantidos e
respeitados”. Na verdade, o que ela está ressaltando é a presença da mulher na sociedade e o
reconhecimento da luta pelos seus direitos.
Talvez, o ponto alto do texto seja o terceiro parágrafo, no qual expõe o feminino em
relação à alteridade. Nesse aspecto, sublinha a maternidade e suas qualidades, além de
mencionar Emmanuel Levinas: “a alteridade tão estudada e falada por Emmanuel Levinas, é
traduzida no dia a dia da mulher, seja no cuidado com o lar, o zelo pelo marido e a forma mais
expressiva do amor feminino: a maternidade”. Essa é uma visão um tanto quanto polêmica da
figura da mulher nos dias de hoje, pois a associação da mulher ao espaço interior do lar, à
familiaridade, à doçura ou, até mesmo, à sua intimidade vem dando lugar a uma imagem da
mulher associada ao espaço público, ao trabalho fora de casa e a conquista de seus direitos.
105

Embora a sociedade a identifique culturalmente ao cultivo dos valores de uma vida


interior, voltada para a morada e para o cuidado dos filhos, ainda assim, este não deve ser um
espaço ocupado apenas pela mulher, mas também pelo masculino, cuja responsabilidade precisa
ser compartilhada no cuidado do lar e no cuidado para com a maternidade. Atitudes essas,
absolutamente emancipatórias.
A autora do texto ainda afirma que “a alteridade do ser feminino nunca foi deixado de
lado, muito pelo contrário, a mulher continua a ser a figura de maior doação na sociedade”. Em
certo sentido, ela aponta para a manutenção da alteridade da mulher, mesmo com tantas lutas e
resistências na busca por espaço e direitos sociais, muito legítimos até, ainda assim, continua a
doar-se pelo outro em sua dimensão de interioridade.
Portanto, o texto 6 (anexo F) conclui sua abordagem reivindicando reconhecimento da
mulher em sua dimensão da sensibilidade, bem como no aspecto de suas escolhas e respeito à
sua liberdade: “o amor, carinho e zelo das mulheres precisam ser reconhecidos (...). A mulher
tem todo o direito de escolher ser quem quiser ser, e não cabe a nenhum de nós fazer suas
escolhas. A mulher é dona de si e deve ser respeitada e admirada por tudo que é e representa”.
A ênfase do próximo texto é um pouco mais social, no sentido de valorizar a visão de
que a mulher, hoje em dia, identifica-se por uma “busca de direitos iguais, de reconhecimento,
reconhecimento de suas habilidades”, independente de ser mulher, “mas sim por suas
capacidades e qualidades, essa sua luta por reconhecimento inspira a todos”. É uma luta por
qualidades individuais, mas também coletiva, porque diz respeito a todos.
Por isso, assinala o texto 7 (anexo G): “pois todas queremos um lugar na sociedade um
lugar que representa a sua história a sua luta as suas habilidades, e você lutar por isso é muito
inspirador”. De qualquer forma, a luta das mulheres por reconhecimento é a luta da humanidade
inteira por um lugar ao sol, por mais dignidade e realização humanas.
Na sequência, esse aluno ressalta que, embora na mulher habite um ser humano, ainda
assim terá raiva, tristeza, angústia, porém esses sentimentos são mais superficiais, pois busca,
segundo ele: “sua alma sua essência que emana amor carinho calma, isso é o feminino o qual
considero sinônimo de amor”.
Em meio ao desenvolvimento do seu texto, esse aluno expressa, em certa medida, sua
admiração pela luta do feminismo, enquanto sua arma for o amor, mas se sua arma for o ódio,
a consequência é a guerra em detrimento do desaparecimento do feminino. A esse respeito,
afirma o aluno:
106

Hoje em dia sua luta sua busca por reconhecimento, absorve uma brutalidade um ódio
que acaba escondendo sua essencia escondendo seu lado feminino e colocando em
pratica o feminismo, admiro sua luta enquanto empunha como arma o amor, mas a
partir do momento que sua arma passa a ser o ódio, a partir desse momento ela esconde
o seu lado feminino, e a partir da quele momento temos como consequencia uma
guerra não uma luta. (texto 7, anexo G).

O autor do texto 7 (anexo G) é muito claro que não simpatiza com uma guerra de
gêneros, pois compara essa guerra a uma guerra com armas. Assim, assevera: “viver em um
mundo onde tem guerra de gêneros, onde homens julgam as mulheres, e as mulheres julgam os
homens seria pior que viver em um mundo de guerra com armas, pois a morte é inevitável e o
amor é uma necessidade”.
Passo seguinte, o texto 8 (anexo H) trata da mulher em busca de reconhecimento dos
seus direitos de uma forma bem mais forte, denunciando inclusive a sociedade que, segundo a
autora do texto, uma aluna da 2ª série do ensino médio, ficou contra as questões voltadas ao
feminismo. Eis como ocorre isso na escrita dessa aluna:

A mulher cada vez mais está em busca do reconhecimento dos seus direitos, cada vez
mais está conquistando o seu posto na sociedade, de uma forma mais forte. O
empoderamento está sendo seu sobrenome, sua identidade está sendo exposta para
todos da sociedade, sociedade esta que já apoiou ou já ficou contra todas essas
questões voltadas ao feminismo. (texto 8, anexo H).

Com efeito, acrescenta um ponto a mais em relação à mulher sob a perspectiva do


feminismo: “algumas pessoas acreditam que o feminismo é só uma questão de gênero sexual,
mas, vai muito além disso, podemos dizer que o feminismo é a essência da mulher em si”. Daí
destaca o amor como principal valor de sua essência, o amor da família. Certamente aqui deve
pensar no reconhecimento da família, porém segue enfatizando a relação da mulher com sua
dimensão feminina junto aos filhos. Por isso, leiamos o texto abaixo:

É muito amorosa em relação aos filhos, a maioria da pra ver no brilho do seus olhos
o quanto ficam orgulhosas e completas com algo que seus filhos conquistam, para elas
a felicidade deles é a sua própria felicidade. Essa é a verdadeira essência da mulher,
tornar as pessoas mais humanas. (texto 8, anexo H).

Dessa forma, percebemos o quanto é flagrante a relação de reconhecimento entre mães


e filhos; o quanto essas mulheres na sua condição de mãe se veem neles numa relação de
cumplicidade e reciprocidade incondicional.
De maneira gradativa, para nossa feliz surpresa, a aluna retoma o termo alteridade e o
associa ao coração, sede dos sentimentos e de reconstrução do interior humano. Afirma ela:
107

A mulher se caracteriza pela sua alteridade. A alteridade máxima da mulher começa


no seu próprio lar, na sua própria morada, a quem diga que a morada da mulher é sua
casa física, mal sabem que seu verdadeiro lar é seu próprio coração que está sempre
pronto para acolher alguém que tem necessidades, seja ela qual for. (texto 8, anexo
H).

Por fim, acrescenta a dificuldade e o peso que é em seu ser uma mulher cidadã, diz a
aluna: “não é fácil ser mulher, não é fácil carregar todo o peso de ser uma cidadã feminina, peso
esse que significa toda a trajetória que as mulheres carregam”. Ademais, quando a mulher se
aceita como feminina e quanto mais carrega o feminino, mais “descobre as três formas de
reconhecimento como o amor, o direito e a estima social”, afirma a aluna. E prossegue: “as
mulheres são vitoriosas e pelo seu feminismo elas carregam um troféu chamado
reconhecimento”.
Mais uma aluna da 2ª série do ensino médio crava significativamente que “ser mulher
na sociedade atual é ser empoderada e forte para lutar contra o preconceito existente, o
machismo, o feminicídio e a desigualdade de gênero”. De fato, é uma luta contra esse modelo
autoritário de cultura e de sociedade, instituído nos moldes velados de preconceito entre homens
e mulheres.
Em seu texto 9 (anexo I), essa aluna, de modo crítico e franco, ressalta que a mulher,
muitas vezes, é tratada com inferioridade e, por isso, sofre humilhações as mais diversas. Daí
porque “está em constante luta por reconhecimento no amor e na afetividade, luta pela
igualdade de direito e pelo reconhecimento por sua habilidade”.
Acresce que: “a mulher busca independência, e a igualdade salarial, não aceitamos
homens e mulheres exerceno o mesmo trabalho e recebam salários inferiores”. Desde os
primeiros textos dos alunos com a primeira oficina de produção textual que percebemos
frequentemente tal reclamação.
Na sequência do texto, chama a atenção para a presença da mulher na sociedade, bem
como para a sua efetiva liberdade. Assim, afirma: “a presença da mulher é notória, seja na sua
família, no ambiente político ou social. A mulher possui a liberdade e o direito de ser o que
quiser, estar presente em todos os lugares em ela queira estar, fazer o que vontade livre de
opressão, estereótipos e padrões”.
Numa certa altura do texto, aproximando-se de sua culminância, a autora se serve do
conceito de alteridade e assinala: “a mulher é o maior exemplo de alteridade, como na
maternidade o afeto da mãe com seu filho, o cuidado e o respeito é o maior gesto de amor
existente no mundo”. Com efeito, a relação da mulher com a alteridade, nesse caso, expressa-
se de modo sensível e existencial.
108

À guisa de conclusão, a aluna faz questão de reputar ao feminino alguns valores de sua
alteridade: “o ser feminino reconhece no outro a si mesmo, acolhe o outro e supre sua
necessidade, sem lugar para sua diferença, apenas dando atenção e respeito”. E, por fim,
acrescenta: “a mulher possui sua própria identidade e essência, sua delicadeza, seu eu feminino,
seu poder acolhedor e de reconhecimento”.
No último texto – texto 10 (anexo J) que encerra uma série de descrições textuais
porquanto a 2ª oficina foi tão produtiva em relação às concepções filosóficas de Levinas e
Honneth com a temática da mulher –, a aluna começa escrevendo, para nossa surpresa, a partir
do que havia escrito antes na sua primeira produção textual sobre a mulher, o que a mulher tem
significado para a sociedade, a necessidade de ser ouvida, a fim de desconstruir a imagem de
um sexo frágil e de uma sociedade machista. Quanto a isso, a aluna assegura:

No meu texto anterior falou que a mulher na sociedade não é muito ouvida, por achar
ela um sexo frágil, alguém com opiniões que pode não valer a pena e assim o meu
pensamento continua sendo de um pais machista, porém a mulher busca ser mais
autoritária e está com mais essência, querendo sempre esta de bem com a sociedade.
(texto 10, anexo J).

Adiante, o texto lembra os debates em sala de aula que nos ensinam a existência de três
formas de reconhecimento que, para essa aluna da 2ª série do ensino médio, mostra-se assim:
“a primeira é o amor que diz que a mulher sempre esta buscando a perfeição nas coisas que faz,
dar e receber carinho de pessoas, como até mesmo os seus filhos”. E continua com a segunda
forma de reconhecimento: “segunda é o direito, onde a mulher vai lutar para entrar na política
e ser reconhecida como um poder público”. Por conseguinte, prossegue: “e em terceiro vem a
estima que é as habilidades que contribuem para a sociedade”.
Pouco antes de sua conclusão que se alinhará novamente com a teoria crítica do
reconhecimento social em Honneth, a aluna escreve que, segundo seu pensamento, “se no
mundo não existisse o machismo a sociedade seria bem melhor e a mulher seria ouvida,
respeitada, e não seria julgada”. Somando-se à necessidade de ser ouvida e respeitada, a aluna
ressalta que “por mais que tenha mulher exercendo o trabalho do homem, ela ainda é julgada e
isso deveria ser diferente”.
O texto 10 (anexo J) atinge sua conclusão atrelado ao pensamento contemporâneo da
teoria crítica sobre o reconhecimento, cujo expoente de forte expressão é Axel Honneth que, de
acordo com essa aluna, “o reconhecimento vai surgir quando você quer fazer parte de uma
sociedade que valorize a minha experiência de ser livre para reconhecer a mim mesmo”, visto
109

que “se nós mulheres nos reconhecermos como tal, vamos também estar querendo reconhecer
as oportunidades sociais para que também a sociedade possa nos reconhecer”.

4.4 UM APRENDIZADO DE DISTÂNCIAS17

Até o momento, procuramos descrever os textos por meio de algumas estratégias


oportunas: escolhemos os cinco (05) melhores pares de textos a partir da leitura, da forma como
dialogam os textos, guardando as devidas proporções entre eles, ou seja, mantendo a alteridade
(outridade - relação) entre cada um dos textos, antes e depois dos conteúdos filosóficos
trabalhados em sala de aula, de modo que preservemos o caráter singular, diferente e plural dos
textos no tocante à visão da mulher em nossas relações humanas e sociais.
Depois disso, parece oportuno nesse tópico avaliarmos os textos não somente pelo
quanto retomam as ideias de ambos os filósofos, mas pelo modo como retomam essas
concepções. Quem sabe, também seja possível com os textos fazer uma interface entre o antes
e o depois, para dar ênfase ao que melhoraram ou não.
Contudo, temos aqui a pretensão de analisar os textos ou os pares de textos considerando
um aprendizado que respeite as diferenças, também conhecido como “aprendizado de
distâncias”, segundo o qual, o ensino não tem como responsabilidade aproximar o aluno ao
mundo ou ao pensamento de alguém, mas que os textos nos orientem para descobrirmos quão
outro era o pensamento de Levinas ou de Honneth em relação à mulher, ao feminino e ao
pensamento dos próprios alunos. Observar como os pares de textos se encontram e tornam-se
diálogos (dia-lógos), expressando suas vozes de abertura ao encontro, à relação com outrem,
sem que sejamos obrigados a nos reduzir, sem que sejamos obrigados a abandonar o Outro.
Pela maior participação social do feminino, poderíamos respeitar as relações de
alteridade e responsabilidade com o Outro, no caso a mulher, tão presentes no filosofar de
Levinas? Como sensibilizar os alunos para perceber a importância da manutenção da alteridade
entre nós pelas demandas do feminino? Não seria importante compreender os conceitos de
responsabilidade, respeito, acolhimento e atenção em Levinas, mediados pelo feminino? E
ainda, como as três formas de reconhecimento: amor, direito e estima social em Honneth

17
A exemplo do que Cornelli faz aqui com os autores da história da filosofia, cujo ensino é muito mais um
“aprendizado de distâncias” do que uma aproximação entre eles. Aprendemos à medida que descobrimos quão
outro é Platão, Aristóteles em relação a nós. Cf. CORNELLI, G. A lição dos clássicos: algumas anotações sobre
a história da filosofia na sala de aula. In: GABRIELE CORNELLI; SILVIO GALLO; MÁRCIO DANELON.
(Org.). Ensino de filosofia: teoria e prática. Ijuí: Editora Unijuí, 2004, p. 183-201.
110

aproximam e ao mesmo tempo nos distanciam da noção de alteridade em Levinas, articulados


com o feminino?
Uma vez que a filosofia da alteridade possibilita o nosso aluno a perceber quão distantes
somos uns dos outros, o quanto somos nós por causa deles e ao mesmo tempo não somos,
certamente os textos nos mostrem uma interface ou nos apresentem uma produção filosófica
cuja escrita nos apontem para uma aprendizagem filosófica da alteridade, do reconhecimento e
do respeito pelo Outro.
Desse modo, poderemos intercalar as vozes dos alunos às vozes de Levinas e Axel
Honneth em relação ao reconhecimento do Outro, cuja abordagem é o feminino descrito nos
textos.
A partir do par de textos 1 e 6 (ver anexos A e F), a autora, aluna da 2ª série do ensino
médio, matutino, apresenta duas percepções da mulher como “sexo frágil”. No primeiro texto,
ela ironiza afirmando que a mulher é o alicerce da sua família, responsável pelo zelo, cuidado
e educação da família. No segundo texto, denuncia o que ele chama de julgamento da mulher
como um “ser frágil” pela sociedade, que também a julga como inferior ao homem.
Essas percepções são oportunas para abordarmos a dimensão da acolhida, da abertura
ética ou, até mesmo, da atenção ao Outro tão preconizada por Levinas no tocante à figura do
feminino, uma vez que seu pensamento desafia a neutralização e o anonimato sobre a mulher.
Independente de um tratamento irônico da “fragilidade” da mulher, para Levinas, “o Outro é
frágil, mas paradoxalmente sua fragilidade é uma fortaleza que clama, reclama e resiste ao
poder, à soberania, ao orgulho do eu” (ALVES, 2013, p. 94).
Mesmo com toda polêmica, a visão de Derrida acerca do feminino nos ajuda a
compreender a mulher naquilo que ela se torna: “acolhimento por excelência”. Ou seja, o
acolhimento hospitaleiro por excelência, o acolhedor por excelência, o acolhedor em si, uma
linguagem sem ensinamento, uma linguagem humana que a transformaria numa espécie de
“manifesto feminista” (DERRIDA, 2015, p. 60).
Sob esse aspecto, o feminino em Levinas é eminentemente emancipatório, anterior ao
ético, à transcendência da linguagem, da altura e da eleidade do Rosto, do ensino. Trata-se, de
fato, de um acolhimento pré-original, antes da ética, despossuído de todo poder, como dissemos,
é o ser feminino como o acolhedor por excelência, o acolhedor em si, de modo que a casa não
é possuída. Eis, por isso, a descrição do feminino numa perspectiva radicalmente emancipatória,
marcada inclusive pela diferença sexual. Eis a opinião de Derrida:
111

É a partir da feminilidade que ele define o acolhimento por excelência, o acolher ou a


acolhida da hospitalidade absoluta, absolutamente originária, pré-originária mesmo,
quer dizer, a origem pré-ética da ética, e nada menos que isso. O gesto atingiria uma
profundidade de radicalidade essencial e meta-empírica que leva em conta a diferença
sexual numa ética emancipada da ontologia. Iria até a confiar a abertura do
acolhimento ao ‘ser feminino’ e não às mulheres empíricas de fato. O acolhimento,
origem an-árquica da ética pertence à ‘dimensão de feminilidade’ e não à presença
empírica de um ser humano do ‘sexo feminino’. (DERRIDA, 2015, p. 60).

Todavia, após escrever sobre o interior feminino e sua capacidade de doação na


sequência de seu texto, a aluna faz referência também à luta das mulheres no decorrer da história
para que seus direitos sejam garantidos e respeitados. Essa ideia nos remete ao anseio
inalienável de cada um, de cada indivíduo, cujo reconhecimento, além de ultrapassar os limites
de identidade do feminino, representa o sujeito de direitos como constitutivo de seu direito
absoluto e primacial, o “direito a ter direitos”, tal como afirmou Hegel.
Por fim, relacionar a alteridade com a interioridade do lar, da morada, bem como à forma
mais expressiva de amor feminino, a maternidade, parece ser o ponto alto do texto dessa aluna,
que assim se coloca: “a alteridade tão estudada e falada por Emmanuel Levinas, é traduzida no
dia a dia da mulher, seja no cuidado com o lar, o zelo pelo marido e a forma mais expressiva
do amor feminino: a maternidade”.
Tal abordagem sobre a maternidade, essa ligação mãe e filho no horizonte da alteridade,
urge resgatar uma certa familiaridade e intimidade da mulher, cuja doçura “se espalha sobre a
face das coisas”, pois é proveniente de um amor por ela mesma, seu próprio eu. O que vem
suposto nessa familiaridade é a “intimidade com alguém”. Com efeito, dirá Levinas, “a
interioridade do recolhimento é uma solidão num mundo já humano. O recolhimento refere-se
a um acolhimento” (LEVINAS, 2008, p. 147).
Essa relação mãe e filho proporciona à mulher uma relação com sua alteridade feminina
que se compreende e exerce na perspectiva da plena personalidade humana pela função de sua
interiorização. Nesse particular, a mulher pode reservar-se para abrir a dimensão de sua
interioridade, na medida em que se apresenta “uma possibilidade nova e irredutível, um
desfalecimento delicioso no ser e fonte da doçura em si” (LEVINAS, 2008, 148).
Os textos 2 e 7 (anexos B e G) são dois textos que refletem a rotina e os costumes da
mulher em comparação com os do homem, mostrando que há relação de desigualdade social
entre homens e mulheres, porém, o que acontece hoje em dia por parte das mulheres é uma luta
por direitos iguais, uma luta por reconhecimento. De acordo com o aluno, escritor do texto, essa
luta é bem específica e reclama reconhecimento de suas habilidades particulares não por ser
mulher, mas por suas capacidades e qualidades.
112

Sem dúvida, há uma busca, cada vez mais intensa, das pessoas por reconhecimento de
suas competências, sejam homens ou mulheres. Em sintonia com essa noção de
reconhecimento, Honneth complementa a ideia de reputação no sentido privado como
substituição ao sentido de honra no uso público.
Dessa forma, a posição que o conceito de honra havia preenchido antes no espaço
público da sociedade dá lugar então a ser ocupado gradativamente pelas categorias de
‘reputação’ ou de ‘prestígio’, “com as quais se deve apreender a medida de estima que o
indivíduo goza socialmente quanto a suas capacidades individuais”. Ou seja: “reputação e
prestígio referem-se somente ao grau de reconhecimento social que o indivíduo merece para a
sua forma de autorrealização, porque de algum modo contribui com ela à implementação prática
dos objetivos da sociedade, abstratamente definidos” (HONNETH, 2003, p. 205-206).
Aproveitando um trecho em seu texto 7, no qual chega a dizer que a luta das mulheres
por reconhecimento “inspira a todos, pois todos queremos um lugar na sociedade...”, para trazer
à memória uma importante mensagem de Pascal presente em Entre nós: ensaios sobre a
alteridade, importante obra de Levinas (2004, p. 193) que assegura: “Meu lugar ao sol, eis o
começo e a imagem da usurpação de toda a terra”. O que pode significar, para esse filósofo, o
temor do meu livre existir ocupar o lugar de alguém, o temor que vem do rosto de outrem, a
incapacidade de ter um lugar, o temor por tudo o que meu existir pode realizar como assassinato
e violência (LEVINAS, 2004).
Para finalizar, vale destacar o que esse aluno trouxe em seu texto como metáfora de uma
guerra com armas. Nesse sentido, escreveu: “viver em um mundo onde tem guerra de gêneros,
onde homens julgam as mulheres, e as mulheres julgam os homens seria pior que viver em um
mundo com armas, pois a morte é inevitável e o amor é uma necessidade”. Sem dúvida, quanto
mais queremos reduzir o outro ao que pensamos sobre ele, mais esse outro nos escapa, excede.
Por isso, a necessidade do amor e do respeito para aprendermos a reconhecer nossas distâncias,
diferenças e alteridade.
Por outro lado, a guerra destrói as alteridades e reduz as individualidades a sistemas de
interesses mais vastos e autoritários, disseminando ódio, violência e inúmeras atrocidades. Com
isso, evocamos o próprio Levinas:

Tal como a guerra moderna, toda e qualquer guerra se serve já de armas que se voltam
contra o que as detém. Instaura uma ordem em relação à qual ninguém se pode
distanciar. Nada, pois, é exterior. A guerra não manifesta a exterioridade e o outro
como outro; destrói a identidade do Mesmo. (LEVINAS, 2008, p. 08).
113

Dos textos 3 e 8 (anexos C e H), desponta uma questão que atravessa ambas as escritas:
o empoderamento feminino. Mas, não se trata de um empoderamento solto e inconsciente. Ao
contrário, a aluna, autora dos textos, investe de identidade a emancipação do feminino, tratando-
o por um sobrenome, ou seja, empoderamento é sobrenome de mulher.
Para confirmar ainda mais esse sobrenome, essa identidade da mulher, é possível que
ela encontre correspondência social. Nessa direção, “a formação prática da identidade humana
pressupõe a experiência do reconhecimento intersubjetivo” (HONNETH, 2003, p. 155).
No decorrer de seu texto 8, mais precisamente no desenrolar do 2° parágrafo, a aluna
consegue sinalizar para a primeira forma de reconhecimento recíproco em Honneth, o amor.
Sabemos que, pelo amor, “os sujeitos se afirmam mutuamente na natureza concreta de suas
carências, reconhecendo-se como seres carentes”, quanto a isso, Honneth prossegue: “na
experiência recíproca da dedicação amorosa, dois sujeitos se sabem unidos no fato de serem
dependentes, em seu estado carências, do respectivo outro” (HONNETH, 2003, p. 160).
Para a aluna, o feminismo deve estar muito além das questões de gênero sexual, porque
dentro da mulher há muitos valores e um deles é o amor, o amor da família. Assim, assegura:

A mulher feminina é muito amorosa em relação a seus filhos, a maioria da pra ver no
brilho dos seus olhos o quanto ficam orgulhosas e completas com algo que seus filhos
conquistam, para elas a felicidade deles é a sua própria felicidade. Essa é a verdadeira
essência da mulher, tornar as pessoas mais humanas. (texto 8, anexo H).

Diante dessa cumplicidade amorosa em relação aos filhos, só podemos evocar mais uma
vez Honneth sobre a primeira comunidade de valor, o amor. “Toda relação amorosa, seja aquela
entre pais e filho, a amizade ou o contato íntimo, está ligada, por isso, à condição de simpatia e
atração, o que não está à disposição do indivíduo”. Contudo, segue afirmando Honneth: “só
aquela ligação simbioticamente alimentada, que surge da delimitação reciprocamente querida,
cria a medida de autoconfiança individual, que é a base indispensável para a participação
autônoma na vida pública” (HONNETH, 2003, p. 178).
Vimos que a aluna expressou, de maneira autêntica, a relação afetiva e amorosa das
mulheres para com seus filhos e o modo como elas se reconheciam neles, confirmando assim,
um sentimento de reciprocidade, a felicidade de ambos, numa espécie de simbiose.
Outro ponto desse mesmo texto se mostra relevante, é a declaração de que não é fácil
ser mulher e de que não é fácil carregar o “peso” de ser uma cidadã feminina, principalmente
quando aceita sua identidade com o feminismo. Para ela, o reconhecimento dessa identidade
vem da descoberta das três formas de reconhecimento em Honneth: amor, direito e estima
114

social. Com efeito, as mulheres são vitoriosas pelo seu feminismo e o troféu é chamado de
reconhecimento, afirma a aluna.
Temos mais uma aluna do ensino médio que descreve para nós, em seu par de textos 4
e 9 (anexos D e I), as condições de inferioridade com as quais vivem as mulheres. Condições
essas que vão desde os costumes culturais, relegadas ao trabalho do lar, presas ao estereótipo
de dona de casa, passando por duros preconceitos de machismo, desigualdade social e salarial
até aos bárbaros atos de feminicídio.
Apesar de tudo, ainda que sofram por serem tratadas com inferioridade, as mulheres
permanecem lutando por reconhecimento, respaldadas pelas três modalidades de
reconhecimento diretamente relacionadas com as três formas de desrespeito em Honneth que
defende, pelas condições de inferioridade e desrespeito descritas aqui, em casos de maus-tratos
e violação física onde se coloca em jogo a integridade física do indivíduo, desrespeita-se o
amor; quando o desrespeito se manifesta na privação de direitos e exclusão social, infringindo
a integridade social do indivíduo, desrespeita-se o sujeito de direitos; quando o desrespeito
surge em casos de degradação e ofensa, por isso, a honra e a dignidade do indivíduo são
desrespeitadas, desrespeita-se a solidariedade, a estima social.
Já que a aluna insiste na cobrança por mais igualdade salarial entre homens e mulheres
ao exercerem o mesmo trabalho, intercedemos Fraser ao que diz sobre esse aspecto. As
mulheres, por exemplo, compreendem uma coletividade tida, para Fraser, como ambivalente
porque necessitam tanto de reconhecimento quanto de redistribuição ao mesmo tempo. No caso
das mulheres, existe um tratamento desigual devido ao gênero e devido à raça, o que dificulta
por demais a superação das estruturas econômico-políticas que engendram mecanismos de
exploração, dominação, marginalização e privação, estritamente marcados pelo gênero.
Por essa razão, a mulher pode ser considerada como parte dessa estrutura interna
desigual de um trabalho remunerado ou não remunerado, quando remunerado ocupa funções
de baixa remuneração reservadas exclusivamente para elas. Semelhante à classe, a injustiça
sobre a mulher aparece como um tipo de injustiça distributiva que carece de compensações
redistributivas. Aqui, como argumenta Fraser (2007), diz respeito a algo como a “lógica do
remédio” comparável à lógica concebida pela classe, ou seja, cuida em acabar com esse negócio
de gênero. Segundo ela, se o gênero não é nada mais do que uma diferenciação econômico-
política, a justiça obriga, portanto, que ele seja banido.
Ainda, sob a perspectiva do trabalho, nas sociedades capitalistas clássicas, dominadas
pelo masculino, há uma estreita conexão da identidade masculina com o papel de ganha-pão,
115

cuja masculinidade teria a função de deixar o lar todos os dias para ir a um local de trabalho
remunerado e voltar com um salário que sustente seus dependentes.
Para Fraser (2003), isso explica não só por que razão o desemprego é tão devastador
para o masculino nessas sociedades, porquanto significa a relação interna entre ser homem e
ser aquele que sustenta seus dependentes, mas explica também a centralidade da luta por um
salário familiar na história dos movimentos dos trabalhadores e dos movimentos sindicais nos
dois últimos séculos, o que não significou uma luta pelo pagamento de um salário a um
indivíduo sem gênero pela sua força de trabalho, mas significou o pagamento a um homem pelo
apoio à sua esposa economicamente dependente junto com seus filhos. De acordo com Fraser,
tal concepção legitimou a prática de pagar menos às mulheres por um trabalho igual ou
semelhante (FRASER, 2003).
Quanto ao que afirma a aluna no aspecto da liberdade, ao escrever em seu texto 9 que
“a mulher possui a liberdade e o direito de ser o que quiser, estar presente em todos os lugares
em que ela queira estar, fazer o que ela tem vontade livre de opressão, estereótipos e padrões”,
é visível uma orientação centrada no primado de uma ética da liberdade absoluta, sem limites
e fronteiras, inútil e insuficiente.
Contudo, nossa subjetividade ética, tal como adotamos de Levinas, não é um simples
refúgio na autonomia, pois respondemos pela nossa responsabilidade. Por isso, quando
exercitamos nossa autonomia, enquanto sujeitos, exercemos nossa liberdade e não nos
envergonhamos de nada. Segundo Levinas, só a partir de uma ação responsável o sujeito é
sujeito ético, visto que a interpelação do Outro é um mandato moral que nos obriga a uma
resposta.
Antes de tudo, é bom pensar se realmente a mulher é livre para fazer o quiser, haja vista
que sua liberdade deve vir precedida de sua responsabilidade. É na sua relação com a alteridade
que se funda o princípio da responsabilidade. Por esse princípio nos dirigimos para o desfecho
desse texto, ressaltando o caráter do feminino: “a mulher possui sua própria identidade e
essência, sua delicadeza, seu eu feminino, seu poder acolhedor e de reconhecimento”.
O último par de textos dessa seleção, que corresponde aos textos 5 e 10 (anexos E e J)
dão conta de uma certa cobrança de que a mulher não é muito ouvida por se achar diminuída
num país machista. Certamente, parece ser uma cobrança por estima social, em que a mulher
precise ganhar autoestima. Por sua ótica, Honneth tem muito a nos ajudar, visto que os sujeitos
humanos carecem mais ainda, depois da experiência do cuidado afetivo e do reconhecimento
jurídico, de uma nova experiência de reconhecimento, conhecida como estima social que lhes
116

possibilite referir-se positivamente a suas propriedades e capacidades concretas. (HONNETH,


2003).
Além disso, visando elevar a autoridade da mulher na sociedade e querendo estar de
bem com essa mesma sociedade é fundamental que as lutas por reconhecimento venham
acompanhadas do “poder de dispor dos meios da força simbólica de determinados grupos e de
uma atmosfera, raramente influenciável, das atenções públicas” (HONNETH, 2003, p. 207).
As mulheres organizadas em movimentos contribuem também para o crescimento e
fortalecimento do reconhecimento em forma de estima, valor social, tanto coletiva quanto
individualmente.
Por esse ângulo, Honneth (2003, p. 207-208) afirma: “quanto mais os movimentos
sociais conseguem chamar a atenção da esfera pública para a importância negligenciada das
propriedades e das capacidades representadas por eles de modo coletivo”, a consequência é
mais reconhecimento, pois “tanto mais existe para eles a possibilidade de elevar na sociedade
o valor social, ou mais precisamente, a reputação de seus membros”.
Outro aspecto do texto 10 (ver anexo J) que vale a pena destacar é uma condicional: “se
no mundo não existisse machismo a sociedade seria bem melhor e a mulher seria ouvida,
respeitada, e não seria julgada”. A aluna parece atribuir ao machismo o fato da mulher não ser
ouvida, nem respeitada e até julgada.
Se a solução para o machismo ou patriarcalismo é extirpá-lo da sociedade, temos a
impressão de que a filósofa Nancy Fraser sugere ao menos um remédio. Para ela, o movimento
social feminista é portador de um ativismo cuja tendência encara a redistribuição como um
remédio para a dominação masculina. Grupos sociais feministas e também outros admitem que
a luta por justiça social através de mais igualdade na distribuição de renda é um remédio eficaz
contra o machismo. (FRASER, 2007, p. 102). Dessa forma, o reconhecimento é um remédio
para a injustiça social que, segundo Fraser, pode ser tanto a reparação de um dano material,
econômico, que fira a dignidade da mulher, por exemplo, quanto a reparação de um tipo de
desrespeito, humilhação, constrangimento moral que exige o reconhecimento da diferença.
Assim, o texto 10 (anexo J) culmina na identificação da aluna, autora do texto, com a
ideia de reconhecimento no pensamento de Honneth, por isso escreve ela: “o reconhecimento
vai surgir quando você quer fazer parte de uma sociedade que valorize a minha experiência de
ser livre para reconhecer a mim mesmo”. Enquanto mulher, assinala: “vejo que se nós mulheres
nos reconhecermos como tal, vamos também estar querendo reconhecer as oportunidades
sociais para que também a sociedade possa nos reconhecer”.
117

Portanto, o desfecho desse texto é pertinente porque retoma de forma bem precisa a
experiência de reconhecimento, em Honneth, inseparável da compreensão de uma busca pela
afirmação de identidade, garantida pelo processo de intersubjetividade. O reconhecimento da
mulher consigo mesma, no caso dessa aluna, está condicionado ao Outro social para garantir-
lhe confiança, respeito e valor. Até mesmo sua condição de liberdade está na dependência ou é
constituída pelas relações intersubjetivas, de modo que sua liberdade só se autorrealiza pela
ajuda de seu parceiro de interação.
Na voz de reconhecimento da aluna, é curioso perceber também não só a atitude de
alguém que deseja e recebe reconhecimento, mas de uma mulher que se reconhece como tal e,
por isso, exige reconhecimento social.
118

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pautamos no curso desse trabalho que nominamos de filosofia e alteridade: experiências


com o reconhecimento em sala de aula, nosso intuito foi a possibilidade de um ensino filosófico
marcado pela exigência ética de responsabilidade pelo Outro, quando este Outro nos interpela
pelo encontro perturbador de sua vulnerabilidade, tal como nos ensina Levinas. Quando o Outro
age na função de parceiro da interação social, garantindo e legitimando a intersubjetividade, o
reconhecimento individual se desenvolve para a sua realização na família, na conquista de
direitos e na estima social, tal como ensina Honneth.
Com efeito, entre Levinas e Honneth, há elementos de união e de separação. Um
elemento importante de união é a ética que, pela interpelação lançada a cada indivíduo
decorrente da simples presença do Outro, produz uma busca por justiça ao ponto de acarretarem,
para suas posições filosóficas, consequências políticas. Temos a impressão de que foi possível
juntar ética e política nas duas abordagens filosóficas, uma vez que não nos contentamos
somente em melhorar a nós mesmos, a relação com a família e com a sociedade, mas buscamos,
também, melhorar e transformar o mundo.
Por isso que Levinas, das intrigas éticas do face a face, passando pelo respeito das
alteridades com a socialidade, funda uma nova subjetividade pela responsabilidade infinita
perante o Outro, emerge, desse diálogo entre dois sujeitos, a esfera política. Daí, não seria
razoável encerrar sua filosofia num diálogo relacional entre dois sujeitos, sem prosseguir para
uma dimensão de justiça, porquanto de reconhecimento social.
Dentre os pontos que os separam, a ênfase ou não de reconhecimento recíproco é um
deles. Mesmo inserido numa dimensão de justiça na busca por reconhecimento, Levinas
pressupõe a ética da responsabilidade na aplicação da justiça. Para ele, independente da
reciprocidade, importa reconhecer o Outro, sua voz, sua fome, sua diferença. Honneth, pelo
contrário, admite um reconhecimento recíproco porque o ser humano busca o reconhecimento
do Outro em relação a ele e o reconhecimento do Outro em relação a ele como ser humano.
Além dessa demanda filosófica que nos acompanhou na intervenção filosófica realizada
em sala de aula, pautamos em um ensino de filosofia emancipatório que não se esqueceu de
incluir o Outro no processo de aprendizagem, podemos ainda, contar com o fortalecimento da
identidade que veio pela afirmação da experiência intersubjetiva, cujo objetivo é a formação
filosófica responsável dos estudantes articulada com a presença ou ausência do feminino.
119

Contudo, algumas hipóteses nos motivaram a levar adiante essa investigação. Uma delas
foi possibilitar que a perspectiva inicial dos alunos sobre a questão do feminino se relacione
com a reflexão filosófica à luz dos conceitos de alteridade em Levinas e do reconhecimento em
Honneth. E assim, a partir disso, nos perguntamos qual a visão dos alunos antes e depois das
contribuições filosóficas sobre o feminino, atrelado à alteridade e ao reconhecimento,
considerando a problematização destas concepções filosóficas?
Diante disso, talvez, tenha sido possível oportunizar relações de trocas de experiências
entre os alunos para uma dimensão mais humana com a participação em oficinas, através das
rodas de diálogo, na medida em que tais experiências serviram para discutir sobre as questões
decorrentes do reconhecimento inalienável do Outro, como a presença, a atenção, o
acolhimento, o respeito, a responsabilidade, a justiça, o amor. Tudo isso articulado aqui com a
figura da mulher. Ainda que não encerre a reflexão filosófica sobre essa questão, pois, trata-se
da reflexão sobre a máxima alteridade e o máximo acolhimento de um filosofando que não
termina nunca.
De acordo com as análises das produções textuais desses estudantes, pudemos observar
uma maior participação social do feminino, lutando cada vez mais por respeito em suas relações
de alteridade. De um modo geral, os textos corresponderam ao darem voz à mulher no aspecto
Outro, tão presentes no filosofar de Levinas.
Em certa medida, os textos da perspectiva filosófica, 3ª oficina, destacaram a
importância da manutenção da alteridade entre nós pelas demandas do feminino. Grosso modo,
os alunos deram ênfase à busca por mais igualdade salarial entre homens e mulheres que
ocupam as mesmas funções ou semelhantes, como também, a luta por mais reconhecimento
profissional de suas competências e qualidades. E ainda, as três formas de reconhecimento:
amor, direito e estima social em Honneth foram frequentemente mencionadas nesses textos, os
quais nos aproximaram e ao mesmo tempo nos distanciaram da noção de alteridade em Levinas,
articulados com o feminino.
De alguma forma, basta lançarmos o olhar no tópico do reconhecimento a partir da
perspectiva filosófica, seção quarta, e observar que os objetivos traçados na pesquisa foram
contemplados pelas produções textuais dos alunos, de modo que conseguimos positivamente,
com base no caminho metodológico de tipo qualitativo de abordagem fenomenológica, analisar
a concepção de alteridade em Levinas; retomar o conceito de reconhecimento em Honneth;
trabalhar os conteúdos com os alunos do ensino médio sobre a alteridade e o reconhecimento a
partir da perspectiva filosófica; analisar a visão dos alunos do ensino médio sobre a alteridade
120

e o reconhecimento, levando em consideração o aprendizado de conteúdos de filosofia


relacionados com essas abordagens.
Vimos emergir, como resultados desta pesquisa, a possibilidade de articular a visão
comum e espontânea dos alunos sobre o reconhecimento do universo feminino com as
contribuições conceituais de dois filósofos, cujo aproveitamento é fruto de um exercício de
diálogo e escrita dos textos. Essas atividades foram um dos maiores ganhos e benefícios de
aprendizagem para esses jovens. O fato de podermos observar o quão diferentes somos em
relação a nós e aos outros. Eles tiveram oportunidade de exercitar a discussão e o debate nas
oficinas de roda de diálogos, bem como a possibilidade de trabalhar com a escrita as questões
relacionadas à prática do respeito e do acolhimento do outro em detrimento a qualquer tipo de
rejeição, preconceito, desrespeito e isolamento no processo do ensino e do aprender.
Por fim, numa época em que estamos sendo encorajados a não olhar para o Outro, a não
reconhecer a sua presença, a não acolher a sua diferença, a nos isolarmos diante do desencanto
com a política, resignados com o sofrimento e as debilidades sociais, insistimos em pautar, no
ensino médio, um ensino de filosofia ancorado no respeito às individualidades. Assim como,
no reconhecimento do Outro e suas debilidades e em suas relações sociais, tentando
desconstruir um modelo de ensino centrado no saber técnico-científico e no fluxo racional do
poder do Mesmo pela redução do Outro.
121

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126

ANEXOS

Do universo de 30 (trinta) textos escritos pelos alunos no decorrer de toda essa


intervenção, chegamos a eleger estes 10 (dez) que correspondem ao que há de mais
representativo entre eles. Não significa apenas que são os mais bem escritos, comunicativos e
articulados, pois todos estavam muito bons, o que dificultou nossa avaliação. Contudo, são os
que mais refletem ou transmitem os pontos em comum entre todos, os que mais apresentam
coerência das ideias no texto escrito e os que mais expressam o pensamento.
Eles nos permitem fazermos um apanhado da visão comum dos estudantes acerca da
mulher. Além disso, com os anexos, podemos descrever as produções dos alunos a partir das
concepções filosóficas. Eles também nos garantem a possibilidade de um diálogo com os pares
de textos por meio da temática do feminino. Isso nos permite fazer emergir os conceitos de
alteridade e de reconhecimento em sala de aula.
Os anexos são as produções textuais dos alunos que participaram da pesquisa. Seguem
aqui dez textos: cinco da primeira oficina de intervenção (anexos A a E) antes de trabalhados
os conteúdos, e mais cinco da terceira oficina (anexos F a J) depois de aplicadas as concepções
filosóficas.
127

ANEXO A – TEXTO 1
128

ANEXO B – TEXTO 2
129

ANEXO C – TEXTO 3
130
131

ANEXO D – TEXTO 4
132
133

ANEXO E – TEXTO 5
134

ANEXO F – TEXTO 6
135

ANEXO G – TEXTO 7
136

ANEXO H – TEXTO 8
137

ANEXO I – TEXTO 9
138

ANEXO J – TEXTO 10

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