Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ARTIGO ARTICLE
Alimentação escolar nas comunidades quilombolas:
desafios e potencialidades
Abstract The Brazilian School Nutrition Pro- Resumo O Programa Nacional de Alimentação
gram (PNAE) is a Food and Nutritional Security Escolar (PNAE) é uma estratégia de Segurança
(SAN) strategy for public school students. This Alimentar e Nutricional (SAN) para estudantes
article seeks to discuss the challenges and opportu- de escolas públicas. Este artigo tem por objetivos
nities of school nutrition in ‘quilombola’* com- discutir os desafios e as potencialidades da ali-
munities and report on the experience of the Co- mentação escolar nas comunidades quilombolas e
operation Center for Student Food and Nutrition relatar a experiência do Centro Colaborador em
of the Federal University of Goiás and the Mid- Alimentação e Nutrição do Escolar da Universi-
west Region (CECANE UFG/ Centro-Oeste). It dade Federal de Goiás e Região Centro-Oeste (CE-
includes a report on the experience with the sys- CANE UFG/Centro-Oeste). Relato de experiên-
tematization on PNAE, SAN and other policies. cia associado à sistematização da literatura sobre
Continued access and adequate social policies are o PNAE, SAN e outras políticas. O acesso perma-
a challenge for the ‘quilombola’* communities. nente e adequado às políticas sociais é um desafio
Some economic, structural and social barriers have para as comunidades quilombolas. Identificam-
been identified in PNAE. In this context, Law se na execução do PNAE entraves de ordem eco-
11.947/2009 encourages local development, with nômica, estrutural e social. Neste contexto, a Lei
the acquisition of food from the region, and it es- 11.947/2009 incentiva o desenvolvimento local,
tablishes differentiated values per capita, which por meio da aquisição de alimentos da região e
are translated into menus including products in- determina valor per capita diferenciado, traduzi-
herent to Afro-Brazilian culture that provide at do em cardápio com alimentos da cultura negra e
least 30% of daily nutritional requirements. In que atenda no mínimo 30% das necessidades nu-
the nutrition, health and quality of life project of tricionais diárias. O CECANE UFG/Centro-Oes-
‘quilombola’* schoolchildren, the CECANE UFG/ te no projeto alimentação, saúde e qualidade de
Midwest carry out food and nutritional security vida de escolares quilombolas realiza ações em
actions. The area of school nutrition has proven SAN. O campo da alimentação escolar mostra-se
1
Faculdade de Nutrição,
responsive to local needs and supports the develop- sensível às necessidades locais e apoia o desenvol-
Universidade Federal de
Goiás. Rua 227 s/no, Quadra ment and promotion of quality of life. vimento e a promoção da qualidade de vida.
68, Setor Leste Key words School nutrition, Group with ances- Palavras-chave Alimentação escolar, Grupo com
Universitário. 74605-080
tors from the African continent, Public policies ancestrais do continente africano, Políticas pú-
Goiânia GO.
lucilenemaria.sousa@ blicas
gmail.com
988
Sousa LM et al.
fome, dentre estas, aquelas situadas em comuni- diretamente da agricultura familiar e do empre-
dades remanescentes de quilombos [Diretriz 1]; endedor familiar rural ou de suas organizações,
- A ampliação do acesso aos serviços de as- priorizando-se os assentamentos da reforma agrá-
sistência técnica e extensão rural para os agricul- ria, as comunidades tradicionais indígenas e co-
tores familiares quilombolas, com conseqüente munidades quilombolas². A inclusão de agriculto-
aumento da participação dos mesmos no abas- res quilombolas neste mercado institucional é
tecimento de mercados institucionais [Diretriz 2]; fundamental para o desenvolvimento local sus-
- Regularização fundiária/certificação das co- tentável e para a possível superação da InSAN
munidades quilombolas e promoção da saúde e em suas comunidades.
SAN dos povos quilombolas, por meio do uso O benefício da alimentação para escolares
sustentável da agrobiodiversidade [Diretriz 4]; quilombolas inclui recurso financeiro diferencia-
- A ampliação da cobertura de ações e servi- do para execução do PNAE. O valor per capita
ços de saneamento básico e de abastecimento de atualmente repassado aos municípios com estu-
água em comunidades quilombolas, priorizan- dantes quilombolas matriculados no ensino fun-
do soluções alternativas que permitam a susten- damental e médio, além de jovens e adultos (EJA),
tabilidade dos serviços [Diretriz 6]. é de R$ 0,60 (sessenta centavos de real), enquan-
Ao evidenciar a priorização de ações do Esta- to para os demais estudantes é de R$ 0,30 (trinta
do, com foco na população quilombola, estas centavos de real)20. Já o cardápio elaborado para
políticas mostram sintonia com os condicionan- este grupo de estudantes deve atingir no mínimo
tes de renda, concentração da propriedade de ter- 30,0% das necessidades nutricionais diárias, su-
ra, dificuldade de acesso ao alimento, dentre ou- perior em 10,0% ao estipulado para o cardápio
tros, que historicamente determinaram uma alta destinado aos demais alunos da rede pública de
prevalência de InSAN nestas comunidades. educação matriculados em período parcial³.
O CECANE-UFG/Centro-Oeste é um espaço
Alimentação escolar de fortalecimento e consolidação de políticas pú-
nas comunidades quilombolas de Goiás: blicas em alimentação e nutrição, com ênfase na
para além da oferta de alimento SAN e no DHAA, cujo foco é o ambiente escolar.
As comunidades quilombolas são parte deste
Pelo exposto, é possível supor que as últimas universo, portanto, inseridas neste contexto. Um
décadas representaram um avanço, seja no au- dos projetos em execução pelo CECANE-UFG/
mento da visibilidade das questões relacionadas Centro-Oeste denomina-se Alimentação, saúde e
à qualidade de vida das comunidades quilom- qualidade de vida de escolares quilombolas, cujas
bolas, bem como nas políticas de apoio a este atividades iniciaram-se em 2010, com a identifi-
segmento. O desafio é compatibilizar o propos- cação de lideranças e entidades articuladas com
to ao executado, em especial pelas políticas rela- populações negras, povos e comunidades tradici-
cionadas à comunidade escolar e ao PNAE2,3 nas onais. Este grupo elaborou coletivamente um pro-
comunidades quilombolas. A ineficiência na im- jeto de ação, a partir de uma oficina que levantou
plementação local, em especial a irregularidade os temas de maior relevância, categorizados em
da oferta de alimentos saudáveis e adequados, oito possibilidades de ação, a partir de então con-
distantes dos hábitos regionais; a inadequação siderados como a espinha dorsal do projeto:
na distribuição dos recursos financeiros destina- (1) Condições de saúde e nutrição
dos ao Programa; as dificuldades na logística de Investigação sobre como vivem, adoecem e
distribuição, armazenamento e produção dos morrem os indivíduos das comunidades quilom-
alimentos oferecidos aos escolares quilombolas, bolas, com vistas a identificar a situação de saú-
são questões centrais nesta discussão19. de, nutrição e qualidade de vida.
Neste contexto, a Lei 11.947/2009 representa (2) Infraestrutura
um avanço por destacar em suas Diretrizes o Avaliação das condições das estradas; da es-
apoio ao desenvolvimento sustentável, com in- trutura física das escolas (unidades de alimenta-
centivo para a aquisição de gêneros alimentícios ção e nutrição) e domicílios; do saneamento bá-
diversificados, produzidos em âmbito local, com sico (acesso a energia elétrica, água, esgoto e lixo)
destaque no Artigo 14 que indica no mínimo e o estudo da cadeia de transporte do alimento
30,0% dos recursos financeiros repassados pelo para a escola.
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (3) Gestão
(FNDE), no âmbito do PNAE, deverá ser utilizado Estudo da aplicação do recurso do PNAE qui-
na aquisição de gêneros alimentícios provindos lombola; identificação do tipo de cardápio da zona
991
Referências
1. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Guia Alimentar 13. Brasil. Câmara Interministerial de Segurança Alimen-
para a população brasileira: promovendo a alimen- tar e Nutricional. Plano Nacional de Segurança Ali-
tação saudável [Internet]. Brasília: MS; 2005. [aces- mentar e Nutricional: 2012/2015. Brasília: Ministério
sado 2011 dez 12]. Disponível em: http://dtr2001. do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; 2011.
saude.gov.br//produtos/livros/pdf/05_ 1109_M.pdf. [acessado 2011 dez 10]. Disponível em: http://www.
2. Brasil. Lei n° 11.947, de 16 de junho de 2009. Dispõe mds.gov.br/gestaodainformacao/biblioteca/secretaria-
sobre o atendimento da alimentação escolar e do nacional-de-seguranca-alimentar-e-nutricional-sesan/
Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da livros/plano-nacional-de-seguranca-alimentar-e-
educação básica; altera as Leis nos 10.880, de 9 de nutricional-2012-2015/plano-nacional-de-seguranca-
junho de 2004, 11.273, de 6 de fevereiro de 2006, alimentar-e-nutricional-2012-2015.
11.507, de 20 de julho de 2007; revoga dispositivos 14. Pedroso Júnior NN, Murrieta RSS, Taqueda CS,
da Medida Provisória no 2.178-36, de 24 de agosto Navazinas ND, Ruivo AP, Bernardo DV, Neves WA.
de 2001, e a Lei no 8.913, de 12 de julho de 1994; e dá A casa e a roça: socieconomia, demografia e agri-
outras providências. Diário Oficial da União 2009; 17 cultura em populações quilombolas do Vale do
jun. Ribeira, São Paulo, Brasil. Bol. Mus. Para. Emilio
3. Brasil. Fundo Nacional de Desenvolvimento da Edu- Goeldi Cienc. Hum. 2008; 3(2):227-252.
cação. Resolução/FNDE/CD/No 38, de 16 de julho 15. Cordeiro MM, Monego ET, Alexandre VP. Relató-
de 2009. Dispõe sobre o atendimento da alimenta- rio final: (In)segurança alimentar e nutricional em
ção escolar e do Programa Dinheiro Direto na Esco- comunidades quilombolas e a execução do PNAE.
la aos alunos de educação básica e dá outras provi- Goiânia: Centro Colaborador em Alimentação e
dências. Diário Oficial da União 2009; 17 jul. Nutrição do Escolar da Universidade Federal de
4. Brasil. Presidência da República. Decreto n° 4.887/ Goiás e Região Centro Oeste; 2011.
2003, de 20 de novembro de 2003. Regulamenta o 16. Brasil. Presidência da República. Decreto no 7272,
procedimento para identificação, reconhecimen- de 25 de agosto de 2010. Regulamenta a Lei no 11.346
to, delimitação, demarcação e titulação das terras de 15 de setembro de 2006 que cria o Sistema de
ocupadas por remanescentes das comunidades dos Segurança Alimentar e Nutricional [SISAN] como
quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Dispo- vistas a assegurar o Direito Humano à Alimentação
sições Constitucionais Transitórias. Brasília; 2003. Adequada e institui a Política Nacional de Seguran-
Diário Oficial da União 2003; 21 nov. ça Alimentar e Nutricional. Diário Oficial da União
5. Brasil. Ministério da Cultura. Fundação Cultural 2010; 26 ago.
Palmares [Internet]. Comunidades Quilombolas. 17. Brasil. Presidência da República. Lei nº 11.346, de
[acesso 2011 dez 2011]. Disponível em: http:// 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de
www.palmares.gov.br/?page_id=88. Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com
6. Monego ET, Peixoto MRG, Cordeiro MM, Costa vistas em assegurar o direito humano à alimenta-
RM. (In)segurança alimentar em comunidades ção adequada e dá outras providências. Diário Ofi-
quilombolas do Tocantins. Segurança Alimentar e cial da União 2006; 18 set.
Nutricional. 2010; 17(1):37-47. 18. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Política Nacional
7. Silva JANS. Condições sanitárias e de saúde em Cai- de Alimentação e Nutrição [Internet]. Brasília: MS;
ana dos Crioulos, uma comunidade quilombola do 2011. [acessado 2011 dez 13]. Disponível em: http://
estado da Paraíba. Saúde Soc. 2007; 16(2):111-124. 189.28.128.100/nutricao/docs/geral/pnan2011.pdf.
8. Oliveira e Silva D, Guerrero AFH. Guerrero CH, Leite IB. O projeto político quilombola: desafios, con-
Toledo LMA. A rede de causalidade da inseguran- 19. quistas e impasses atuais. Revista Estudos Feministas
ça alimentar e nutricional de comunidades qui- [Internet]. 2008. [acessado 2011 dez 11]; 16(3):965-
lombolas com a construção da rodovia BR-163, 977. Disponível em: http://www.periodicos.ufsc.br/
Pará, Brasil. Rev. Nutr. 2008; 21(Supl.):83-97. index.php/ref/article/view/9951/9189.
9. Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Com- Brasil. Fundo Nacional de Desenvolvimento da
bate à Fome (MDS). Políticas Sociais e Chamada 20. Educação. Resolução/FNDE/CD/N o 67, de 28 de
Nutricional Quilombola: estudos sobre condições dezembro de 2009. Altera o valor per capita para
de vida nas comunidades e situação nutricional das oferta da alimentação escolar do Programa Nacio-
crianças. Cadernos de Estudos Desenvolvimento nal de Alimentação Escolar - PNAE. Diário Oficial
Social em Debate, nº 9. Brasília: MDS; 2008. da União 2009; 29 dez.
10. Brasil. Presidência da República. Decreto no. 7.492,
de 02 de junho de 2011. Institui o Plano Brasil Sem
Miséria. Diário Oficial da União 2011; 3 jun.
11. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Política Nacional
de Saúde Integral da População Negra [Internet].
Brasília: MS; 2007. [acessado 2011 nov 28]. Disponí-
vel em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/
politica_nacional_saude_populacao_negra.pdf.
12. Brasil. Secretaria Especial de Políticas de Promoção
da Igualdade Racial. Programa Brasil Quilombola.
Brasília: Abaré; 2005. [acessado 2011 nov 28]. Disponí- Artigo apresentado em 03/01/2013
vel em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/ Aprovado em 05/01/2013
brasilquilombola_2004.pdf. Versão final apresentada em 08/01/2013