Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo
Introdução
Quando se fala em filosofia, as ideias que aparecem são as mais variadas possíveis.
Pensa-se logo em algo abstrato, em pessoas que falam coisas extraordinárias, em frases que
comportam em si a verdade ou em pessoas loucas que pronunciam discursos sem nexo.
Remete-se na maioria das vezes a questões clássicas: de onde viemos? para onde vamos? O
333
filósofo é neste primeiro momento um louco entre a maioria normal. Tais representações são
falsas. Se não falsas, ao menos carecem de um cuidado especial.
Heidegger (2006) vê uma banalização do termo filosofia, propõe então discutir o que é
a philosophia. O autor utiliza-se do recurso ortográfico para chamar atenção de que a
discussão não deve ser levada pelo senso comum.
É uma prática teórica (discursiva, razoável, conceitual), mas não científica; ela se
submete unicamente a razão e à experiência – com exclusão de toda revelação de
origem transcendente ou sobrenatural – e visa menos a conhecer do que a pensar ou
questionar, menos a aumentar nosso saber do que a refletir sobre aquilo que sabemos
ou ignoramos. Seus objetos de predileção são o Todo e o homem. Seu alvo, que
pode variar segundo as épocas e os indivíduos, será com mais freqüência a
felicidade, a liberdade ou a verdade, e mesmo a conjunção das três (a sabedoria).
(COMTE-SPONVILLE, 2005, p.24.)
no entanto, que a Filosofia se apresenta como conteúdo, ela ainda não adquire o status de
disciplina na unidade curricular.
Sem a obrigatoriedade, as Instituições de Ensino Superior não promoveram a
formação de professores de Filosofia o que ocasionou a falta de professores dessa disciplina.
Essa falta é uma dificuldade presente até hoje. As Escolas de nível médio acostumaram-se
com a ausência da disciplina. A Filosofia chega ao final da década de noventa sem
reconhecimento legal como disciplina, com um número reduzido de professores, sem uma
proposta pedagógica consistente, e ausente das propostas pedagógicas curriculares e de
projetos políticos pedagógicos.
Em alguns casos a Filosofia se configurou como corpo estranho nas escolas. Não se
sabia o que ensinar e alguns professores chegaram a arriscar-se em metodologias alternativas
como a auto-ajuda. Com raras experiências bem sucedidas, a disciplina ganhou um estigma de
sem importância.
Entre as várias frentes de retomada da disciplina de Filosofia um exemplo oportuno foi
a sua inclusão em provas de vestibular de algumas universidades. A Universidade Federal do
Paraná inseriu a Filosofia na prova específica do curso de medicina.
O auge do processo de reconhecimento da Filosofia se deu com a lei 11.684 de dois de
junho de 2008, que alterou o artigo 36 da LDBn, tornando obrigatório o ensino de Filosofia e
Sociologia em todas as séries do Ensino Médio.
Entra em cena, nesta discussão, uma parte da formação integral por vezes não
considerada importante na educação profissional: a formação humana. Faz-se necessário
extrapolar a formação técnica por isso a importância da discussão do ensino de Filosofia na
educação técnica.
A Filosofia pode oferecer uma contribuição importante na formação desses novos
sujeitos. Poderá ser neste contexto uma das múltiplas áreas da formação integral de jovens e
adultos. Os cadernos do Ministério da Educação sobre a EJA verbalizam a necessidade de
uma educação para além da técnica:
tempo em que torna possível a formação de um sujeito crítico, construtor da sociedade na qual
todos vivam de modo digno, sem que ninguém seja considerado mero instrumento de
produção.
A inserção da disciplina de Filosofia parece justificar-se pelas razões apresentadas, no
entanto deve-se atentar para que não haja uma instrumentalização da Filosofia, ou seja, tomá-
la como meio para se atingir um objetivo e não considera-la como um fim em si mesmo.
Seria criticável tentar justificar a Filosofia apenas por sua contribuição como um
instrumental para a cidadania. Mesmo que pudesse fazê-lo ela nunca deveria ser
limitada a isso. Muito mais amplo é, por exemplo, seu papel no processo de
formação geral dos jovens. (BRASIL, 2006d, p. 25)
O questionário foi distribuído nas duas turmas, primeiro e segundo período do ano de
2008, do curso de Eletroeletrônica (PROEJA) da Universidade Tecnológica Federal do Paraná
(UTFPR), Campus Ponta Grossa. Ao todo vinte e cinco alunos responderam ao questionário.
339
A primeira questão feita aos alunos foi: O que é filosofia para você?
Algumas expressões se tornaram constantes nas respostas. Na maioria das vezes,
sessenta por cento do total, os alunos conceituaram filosofia como uma das possibilidades de
ver, ler e interpretar a realidade em que vivem. A filosofia está ligada a um certo
esclarecimento sobre as coisas.
Um dos alunos respondeu que filosofia é o “estudo de como vejo o mundo onde
estou”. Observem-se os dois verbos da frase: “ver” e “estar”. Ver está relacionado a idéia de
conhecer. Conhecer o quê? O mundo, a realidade, mas vai, além disso, é no mundo onde
“sou”, nas palavras do aluno “estou”, neste aspecto a existência, o participar da realidade.
Quando o homem se situa na realidade toma conta de sua existência.
Outros alunos, em torno de quarenta por cento, utilizaram palavras relacionadas ao
verbo ver: filosofia é “como vejo o mundo”, “ciência de como ver o mundo”, “saber
enxergar as entrelinhas da realidade”, “enxergar a realidade”. E outro ainda utilizou a
expressão “olhar crítico”. A filosofia para estes alunos é aquela que retira os indivíduos de
uma cegueira em relação ao conhecimento e ao mundo. Se os homens não estão cegos ao
menos é evidente, que mesmo tendo visão não conseguem enxergar. Podem estar numa
escuridão.
A filosofia é, na visão de outro aluno, aquela que tem a função de “elucidar a
percepção humana sobre os fatos”. Mais uma vez se expressa a idéia de filosofia como
clareamento sobre a realidade. É apenas em local claro que poderemos ver a verdade, essas
idéias nos levam a lembrar a alegoria da caverna feita por Platão (2005) no livro A República:
dentro da caverna, onde é escuro, os homens sobrevivem da opinião. É fora da caverna que é
possível ver a verdade à claridade solar.
340
resposta conceitual sobre a filosofia. É evidente que esperar uma resposta neste sentido é
ousado, uma vez que mesmo entre especialistas, há ressalvas em delimitar uma resposta à
questão.
É satisfatório, no entanto, notar que há um consenso entre os entrevistados sobre os
“objetos” da filosofia. Os alunos, se não arriscam uma resposta conceitual, dizem ao menos
do que ela trata, o que ela estuda.
Proporcionar a esses estudantes a disciplina de Filosofia pode ser um passo importante
na efetivação de uma educação que ultrapasse a formação profissional. A formação integral,
desejada pelo PROEJA, visa que os alunos se insiram no mundo do trabalho garantindo-lhes
que não se mantenham alheios às idéias que organizam e sustentam esse mundo.
A segunda questão foi: Você considera importante a disciplina de Filosofia no curso
de eletroeletrônica (PROEJA)? Comente.
A maioria, noventa por cento do total, respondeu afirmativamente a questão. Apenas
dois alunos responderam negativamente.
Entre as respostas afirmativas alguns alunos, vinte por cento, restringiram à
equiparação com outras disciplinas. A Filosofia é importante “como todas as outras
disciplinas”, ou “toda disciplina tem o seu valor”. Os termos mais presentes foram em
relação à visão de mundo. A Filosofia “ensina ter uma visão mais ampla”, “visão
abrangente”, “visão e entendimento em áreas diversas”, “ter uma melhor visão de mundo”.
As respostas revelam que os alunos vêem a disciplina de Filosofia como aquela que é capaz
de ampliar as possibilidades de leitura do mundo. A crítica é outra dimensão citada com
freqüência: “desenvolver o pensamento crítico”, “formar a própria opinião”. Há uma
concepção de que a Filosofia tem uma função de libertar os homens da ignorância. A
Filosofia “faz com que a pessoa pense mais, reflita mais, faz com que ela saia do mundinho
dela”.
Percebe-se pelas respostas que os alunos vêem na Filosofia uma função relacionada ao
mundo do trabalho. A Filosofia é importante para que haja “ética no trabalho”, para que a
pessoa saiba “se comportar no ambiente de trabalho”. É importante para “formação ética e
cultural do profissional”. Nas respostas desses alunos é possível perceber uma
instrumentalização da Filosofia. Os alunos perceberam que a disciplina pode contribuir na
formação profissional. Estão preocupados como agirão no mundo do trabalho. A Filosofia
poderá, na visão dos alunos, contribuir com o comportamento moral dos futuros profissionais:
342
“saber o que dizer e o que pensar”. Outras respostas corroboram afirmando que a Filosofia
vai “complementar o caráter das pessoas”. Na Filosofia se “aprende valores”, ela tem a
função de “construir um futuro com maiores valores humanísticos”.
Uma preocupação é que estas expressões revelam que os alunos vêem a Filosofia
como a disciplinadora, a guardiã da “ordem”. A disciplina de Filosofia já serviu outrora para
esta função. As novas propostas curriculares não apontam nesta direção. A manutenção da
ordem estabelecida é uma função das ideologias, a Filosofia é o questionamento das
ideologias que mantém a “ordem”.
Uma minoria, dois alunos, declarou como não importante a disciplina de Filosofia.
Estes alunos demonstram uma preocupação com a capacitação técnica. Um aluno declarou:
“para mim não pois já deparei-me com esse assunto no ensino médio, onde no curso atual
dou mais importância as materias técnicas”. Outro aluno expressou a seguinte opinião: “eu
não gosto de reflexão, eu gosto de matemática e é o que mais ocupa em eletrônica,
poderíamos estar estudando matemática pois muitos tem dificuldade e acabamos perdendo
tempo em uma diciplina que não tem nada haver”.
Nesta questão percebe-se que o papel da Filosofia na Educação de Jovens e Adultos é
extremamente importante. Além de cumprir os objetivos curriculares propostos para o curso a
disciplina terá de afirmar junto aos educando sua identidade. Será necessário apresentar aos
alunos a Filosofia como um campo de conhecimento que poderá auxiliá-los na vida
profissional. A filosofia tem uma função no curso, e em toda a educação, que é a de permitir
que as questões éticas, ideológicas sejam discutidas sob perspectivas reflexivas. Não se trata
de afirmar a importância da Filosofia no curso para que haja profissionais que saibam
conversar sobre as teorias dos pensadores, mas para que se possibilite que os profissionais
egressos sejam capazes de refletir sobre os problemas que os circundam.
A terceira questão proposta foi: Quais conteúdos você espera estudar na disciplina de
Filosofia?
Uma parcela considerável, setenta por cento, expressou termos relacionados a ética.
Nesta questão a maioria dos alunos listou conteúdos. Um item comum entre as várias
respostas foi “ética”. Em alguns casos este veio acompanhado da palavra “moral”. Há ainda
outras expressões correlatas: “valores”, “humildade”, “honestidade”, “ética dentro da
profissão”.
343
Outro item bastante citado refere-se às teorias construídas ao longo da história. Estes
alunos identificam como conteúdo as teorias formuladas pelos filósofos desde os tempos
gregos: “como pensavam os antigos filósofos”. Isto revela uma idéia muito comum de que
filosofia é o estudo de alguns pensamentos de alguém que viveu há tempos. Outros itens
como “teoria dos filósofos”, “teorias importantes”, “formas de pensamento de pessoas sobre
vários assuntos”, foram constantes. Alguns alunos chegaram a citar nomes de filósofos
importantes na história ocidental: “Origem da filosofia, Sócrates etc.”, “seguidores de
Sócrates”, “Marx e essa turma”. A última expressão “essa turma” revela a prática comum
de ensino de Filosofia que recorre aos nomes de destaque na filosofia e que para o aluno não
passa de “turma”, talvez de desconhecidos.
Outras generalidades também foram citadas, embora em casos mais isolados; No
entanto, é importante perceber que não há clareza no objeto de estudo da disciplina de
Filosofia. “relacionamento interpessoal”, “autoconhecimento”, “auto-estima”, “civismo”,
“cultura empresarial” foram termos citados. Estes assuntos podem ser estudados na
disciplina de Filosofia. É possível perceber que, neste caso, os alunos se referiam a objetos de
estudo específicos de outra disciplina. Uma parte dos alunos, dez por cento, declarou não
saber o que estudar em Filosofia e quinze por cento não responderam.
Considerações Finais
REFERÊNCIAS
BRASIL, Decreto nº. 5840 de 13 de julho de 2006. Institui, no âmbito federal, o Programa
Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de
Educação de Jovens e Adultos - PROEJA, e dá outras providências. Brasília, DF, 2008.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-
2006/2006/Decreto/D5840.htm acesso em: 02 de março de 2009.
BRASIL, Lei nº. 11684, de 02 de junho de 2008. Altera o art. 36 da Lei no 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir a
Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias nos currículos do ensino médio.
345
SANTOS, Simone Valdete. O proeja e o desafio das heterogeneidades. In: SALTO PARA O
FUTURO. EJA: formação técnica integrada ao ensino médio. Boletim 16, Rio de Janeiro:
MEC, 2006.
SINA, Mario, O Iluminismo inglês. In: ROVIGHI, Sofia Vanni. História da Filosofia
Moderna – da revolução científica a Hegel. 2. ed. Loyola, São Paulo, 2000.