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ENSINO DE FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONALIZANTE

INTEGRADA AO ENSINO MÉDIO NA MODALIDADE JOVENS E


ADULTOS

GROKORRISKI, Carlos Ricardo – SEED-PR


carlosricardo@seed.pr.gov.br

Eixo Temático: Didática: Teorias, Metodologias e Práticas


Agência Financiadora: Não contou com financiamento

Resumo

O novo paradigma de educação profissional nos adverte para a necessidade da formação


integral. A educação humana deve cumprir o objetivo de extrapolar a mera capacitação de
mão de obra, pois uma educação de Jovens e adultos se dá a partir dos conhecimentos que
compõem suas vidas cotidianas. Nesse contexto, vislumbra-se o papel da disciplina de
Filosofia como um contraponto à formação técnica. Assim, o presente trabalho é uma
discussão a respeito da relevância da inserção da disciplina de Filosofia na Educação
Profissionalizante Integrada à Educação Básica na Modalidade de Jovens e adultos. Para isso
foi aplicado um questionário em duas turmas do PROEJA da Universidade Tecnológica
Federal do Paraná – campus Ponta Grossa, a fim de identificar a concepção e importância da
Filosofia. A partir do discurso discente se pode vislumbrar uma justificativa para que a
Filosofia contribua na formação dos futuros técnicos. A pesquisa foi realizada em duas etapas.
A primeira consistiu na revisão bibliográfica sobre a conceituação de filosofia e seu ensino, a
partir da leitura de autores que tratam da filosofia e de orientações para o ensino de Filosofia e
do PROEJA. A segunda consistiu na análise qualitativa das respostas do questionário aplicado
aos alunos de duas turmas do Curso de Eletroeletrônica PROEJA da Universidade
Tecnológica Federal do Paraná, campus Ponta Grossa. Para a obtenção da opinião dos alunos
foi elaborado um questionário com três questões abertas, o qual foi aplicado em sala de aula
em novembro de 2008. A ação educativa profissionalizante para jovens e adultos é uma
realidade pouco discutida nas pesquisas. O ensino profissionalizante, por tradição, pretende
dar aparato técnico aos educandos, surgindo aí a necessidade de um estudo que investigue o
papel da disciplina Filosofia na formação de um profissional humano, ético, autônomo e
cidadão.

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Ensino de Filosofia. Ensino


profissionalizante.
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Introdução

Em meados do século XX organizações populares iniciaram uma mobilização para


que se oferecesse aos analfabetos a possibilidade de ler. As conquistas por parte de jovens e
adultos se tornaram visíveis. Com o desenvolvimento da tecnologia, as empresas viram que
essa mão de obra barata e desqualificada não atendia aos requisitos da indústria. As mudanças
hodiernas exigem um profissional qualificado e flexível.
Hoje o Estado, na tentativa de promover o desenvolvimento social e econômico,
consolida políticas públicas à qualificação profissional de jovens e adultos. Essas políticas
merecem atenção para que a educação seja cada vez mais eficiente. O PROEJA - Programa
Nacional de Integração da Educação Profissional à Educação Básica na Modalidade de
Educação de Jovens e Adultos – é a efetivação de tais políticas.
Qualificar não significa apenas capacitar, instrumentalizar tecnicamente. Qualificar
deve estar associado à garantia de que o educando de EJA – Educação de Jovens e Adultos -
ingresse no mundo do trabalho não alheio aos processos sociais, à discussão política, ao
exercício da cidadania, às relações de poder, aos discursos ideológicos.
Neste sentido, apresentamos aqui algumas discussões que podem contribuir para essa
educação que quer ultrapassar a instrumentalização técnica. O ensino das humanidades nos
cursos técnicos auxilia na formação integral dos novos trabalhadores.
A filosofia tem muito a contribuir nessa formação integral, para isso algumas
distinções são apresentadas. Primeiro a distinção da filosofia como conhecimento e a
Filosofia como unidade curricular.
Não se trata de levantar uma bandeira a favor da Filosofia, mas de proporcionar
reflexões que levem os educadores a desenvolver tanto a técnica quanto o humanismo.

O Ensino de Filosofia na Educação técnica de Jovens e Adultos

A filosofia e o ensino de Filosofia

Quando se fala em filosofia, as ideias que aparecem são as mais variadas possíveis.
Pensa-se logo em algo abstrato, em pessoas que falam coisas extraordinárias, em frases que
comportam em si a verdade ou em pessoas loucas que pronunciam discursos sem nexo.
Remete-se na maioria das vezes a questões clássicas: de onde viemos? para onde vamos? O
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filósofo é neste primeiro momento um louco entre a maioria normal. Tais representações são
falsas. Se não falsas, ao menos carecem de um cuidado especial.
Heidegger (2006) vê uma banalização do termo filosofia, propõe então discutir o que é
a philosophia. O autor utiliza-se do recurso ortográfico para chamar atenção de que a
discussão não deve ser levada pelo senso comum.

A palavra philosophia está, de certa maneira, na certidão de nascimento de nossa


própria história; podemos mesmo dizer: ela está na certidão de nascimento da atual
época da história universal que se chama era atômica. Por isso somente podemos
colocar a questão: que é isto – a filosofia? Se começamos um diálogo com o
pensamento do mundo grego. (HEIDEGGER, 2006, p. 17)

O filósofo alemão considera a filosofia como pensamento grego voltado para a


discussão no campo da metafísica. Toda discussão voltada à metafísica é uma continuidade da
discussão grega.
Atribui-se aos gregos o início da atitude de filosofar. O desenvolvimento daquela
sociedade permitiu que em determinado momento alguns homens dedicassem seu tempo para
investigar questões ligadas à natureza, à origem das coisas. Com o advento da polis, o
surgimento do comércio e da democracia um espaço foi aberto para que o pensamento
filosófico se desenvolvesse. O povo grego distanciou-se do discurso mito-poético para se
aproximar do discurso racional. Passaram a filosofar, e

Filosofar é pensar de preferência a conhecer, questionar de preferência a explicar. A


filosofia não é um saber a mais; é uma reflexão sobre os saberes disponíveis (e,
portanto, também sobre os limites deles; sobre aquilo que ignoramos). Ela visa
menos a ciência do que a sabedoria, menos aumentar nosso conhecimento do que a
pensá-lo ou ultrapassá-lo[...] (COMTE-SPONVILLE, 2005, p.22)

É comum na atualidade associar o filósofo ao sábio. No entanto, a contribuição desse


autor não reforça esta crença, ao contrário distancia o douto do filósofo. O que diferencia o
sábio do filósofo é o modo como cada um deles se relaciona com o saber.
Sem o objetivo de fechar a questão, a conclusão a que chega o autor é digna de ser
anotada. Segundo ele, a filosofia.
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É uma prática teórica (discursiva, razoável, conceitual), mas não científica; ela se
submete unicamente a razão e à experiência – com exclusão de toda revelação de
origem transcendente ou sobrenatural – e visa menos a conhecer do que a pensar ou
questionar, menos a aumentar nosso saber do que a refletir sobre aquilo que sabemos
ou ignoramos. Seus objetos de predileção são o Todo e o homem. Seu alvo, que
pode variar segundo as épocas e os indivíduos, será com mais freqüência a
felicidade, a liberdade ou a verdade, e mesmo a conjunção das três (a sabedoria).
(COMTE-SPONVILLE, 2005, p.24.)

É evidente que a retomada das discussões de Heidegger, Comte-Sponville entre


outros, não trazem a resolução da questão “o que é filosofia?”, mas proporcionam uma
discussão que não se restringe ao senso comum.
Já o ensino de Filosofia no Brasil apresenta momentos de negação e afirmação. A
disciplina foi acompanhada de ideologias políticas. Algumas viam no seu ensino subversão,
optaram então pela sua supressão. Outras viam na Filosofia um instrumento de luta,
defenderam então sua implementação.
A preocupação com a Filosofia surge na história recente do Brasil. Segundo as
orientações curriculares para o Ensino Médio (2006d) em 1961 ela deixou de ser obrigatória e
é excluída definitivamente do currículo escolar em 1971, com a lei número 5692/71.
O tratamento dado a Filosofia no período militar revela uma visão de educação
despreocupada com a formação integral do educando. O programa desenvolvimentista da
ditadura militar demonstrou uma preocupação com a capacitação técnica. O importante era
qualificar mão de obra para um país que pretendia industrializar-se. A sociedade brasileira
herdou desta época uma despreocupação com o pensamento humanista.
Com o movimento de redemocratização surge a esperança de um novo Brasil e nele
uma nova educação. Segundo as Diretrizes Curriculares da Educação Básica – Filosofia – do
Estado do Paraná (2009) esse momento histórico pode ser exemplificado com a ação dos
professores, da Universidade Federal do Paraná ligados à Filosofia, que lutaram contra a
educação tecnicista implantada no período do governo militar.
As discussões em torno da Filosofia, sem espaço desde 1964, surgem tímida na década
de oitenta com a reabertura política. A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
LDBn, 9394/96, demonstra o fruto das conquistas quando traz em seu texto que ao final do
ensino médio o estudante deverá dominar os conteúdos de Filosofia e Sociologia necessários
ao exercício da cidadania. A lei reconhece e anuncia a importância do conhecimento
filosófico numa sociedade em que os indivíduos foram espoliados de sua cidadania. Note-se,
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no entanto, que a Filosofia se apresenta como conteúdo, ela ainda não adquire o status de
disciplina na unidade curricular.
Sem a obrigatoriedade, as Instituições de Ensino Superior não promoveram a
formação de professores de Filosofia o que ocasionou a falta de professores dessa disciplina.
Essa falta é uma dificuldade presente até hoje. As Escolas de nível médio acostumaram-se
com a ausência da disciplina. A Filosofia chega ao final da década de noventa sem
reconhecimento legal como disciplina, com um número reduzido de professores, sem uma
proposta pedagógica consistente, e ausente das propostas pedagógicas curriculares e de
projetos políticos pedagógicos.
Em alguns casos a Filosofia se configurou como corpo estranho nas escolas. Não se
sabia o que ensinar e alguns professores chegaram a arriscar-se em metodologias alternativas
como a auto-ajuda. Com raras experiências bem sucedidas, a disciplina ganhou um estigma de
sem importância.
Entre as várias frentes de retomada da disciplina de Filosofia um exemplo oportuno foi
a sua inclusão em provas de vestibular de algumas universidades. A Universidade Federal do
Paraná inseriu a Filosofia na prova específica do curso de medicina.
O auge do processo de reconhecimento da Filosofia se deu com a lei 11.684 de dois de
junho de 2008, que alterou o artigo 36 da LDBn, tornando obrigatório o ensino de Filosofia e
Sociologia em todas as séries do Ensino Médio.

A Educação de Jovens e Adultos

Entre a variedade de problemas educacionais existentes, vimos no século passado


educadores preocupados com a Alfabetização de Jovens e Adultos - EJA.
A EJA brasileira não tem as mesmas motivações que tem nos países desenvolvidos,
onde a continuidade de estudos não é para suprir uma falha do passado, mas uma ocupação à
população de idade avançada, portanto continuação. No Brasil ela se apresentou mais como
medida paliativa do que como educação continuada. Tem-se o estigma de “pagar a divida”
para com aqueles que não tiveram a educação em momento apropriado. Além de não
receberem uma educação básica foram privados de profissionalizar-se.
A educação profissional que não deve ser tomada como assistencialismo. A negação
desta concepção educacional se expressa nas Referências nacionais para educação
profissional:
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Não se concebe, atualmente, a educação profissional como simples instrumento de


política assistencialista ou linear ajustamento às demandas de mercado de trabalho,
mas sim, como importante estratégia para que os cidadãos tenham efetivo acesso às
conquistas científicas e tecnológicas da sociedade. Impõe-se a superação do enfoque
tradicional da formação profissional baseado apenas na preparação para execução de
um determinado conjunto de tarefas. A educação profissional requer, além do
domínio operacional de um determinado fazer, a compreensão global do processo
produtivo, com a apreensão do saber tecnológico, a valorização da cultura do
trabalho e a mobilização dos valores necessários à tomada de decisões (BRASIL,
2000, p.78)

Profissionalizar jovens e adultos é concretizar a possibilidade de que, homens e


mulheres excluídos pelas políticas econômicas e sociais injustas, se tornem cidadãos.
A defesa da existência de políticas públicas que atendam à necessidade educacional
vem ganhando visibilidade em nosso país. A conseqüência disto foi o anúncio de ações como
o PROEJA que visa integrar a Educação profissional à educação básica.
A modalidade PROEJA, criada pelo decreto federal nº 5840 de 13 de julho de 2006,
tem como objetivo unificar a educação profissionalizante com a educação de nível médio.
Esta modalidade é dirigida aos jovens e adultos que não freqüentaram a escola em idade
convencional. O público desta modalidade de ensino, na sua maior parte, é oriundo de uma
classe desfavorecida. Ele é composto por pessoas que já em suas adolescências foram
obrigados, por variadas diversidades, a optar pelo trabalho abandonando a vida escolar.
Discutir o PROEJA é garantir que jovens e adultos tenham a possibilidade de
tornarem-se sujeitos na construção da sociedade em que vivem. Não basta, portanto, ensinar
um ofício aos alunos, é preciso proporcionar-lhes uma educação integral. Isso se faz com o
devido reconhecimento das várias dimensões que compõem o ser humano e o
desenvolvimento de potencialidades que até agora se mantiveram ocultas.
A educação humana cumpre o objetivo de extrapolar a mera capacitação de mão de
obra, pois uma educação de Jovens e Adultos se dá a partir dos conhecimentos que compõem
suas vidas cotidianas. Segundo Machado (2006, p. 3.)

além do atendimento às exigências da formação técnica, é preciso garantir a


sedimentação das bases de formação geral requeridas para o exercício da cidadania,
o acesso à atividades produtivas e a continuidade dos estudos e o desenvolvimento
pessoal.
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Entra em cena, nesta discussão, uma parte da formação integral por vezes não
considerada importante na educação profissional: a formação humana. Faz-se necessário
extrapolar a formação técnica por isso a importância da discussão do ensino de Filosofia na
educação técnica.
A Filosofia pode oferecer uma contribuição importante na formação desses novos
sujeitos. Poderá ser neste contexto uma das múltiplas áreas da formação integral de jovens e
adultos. Os cadernos do Ministério da Educação sobre a EJA verbalizam a necessidade de
uma educação para além da técnica:

Transformar a sala de aula da EJA num espaço de reflexão, de pensamento, nem


sempre é uma tarefa fácil. Numa sociedade tão hierarquizada como a brasileira,
nossos alunos e alunas, geralmente desenvolvem as ocupações mais subalternas, nas
quais mais se tem a fazer é obedecer uma série de chefes, patrões, gerentes...
Treinados a seguir orientações, não é de estranhar que ao chegarem à escola desejam
encontrar atividades em que predominem a cópia, a repetição do que disse o (a)
professor e outras situações do mesmo tipo. Pensar e tomar decisões é bem diferente
e dá muito trabalho, principalmente para quem tem pouco exercício dessa prática.
(BRASIL, 2006c, p. 7)

Uma educação humanizada não deverá furtar-se à reflexão, à crítica e à oferecer


instrumentos para a construção da autonomia dos educandos. Entenda-se por autonomia a
capacidade de protagonizar a própria história, criticando os determinismos, não se deixando
guiar por interesses de alguns.
A ansiedade por uma capacitação técnica priva os estudantes da experiência de
perspectivas diversificadas. Corre-se o risco de uma instrumentalização, uma formação
humanóide e não humana. O risco que se corre é da mecanização dos sujeitos, pessoas que
desempenham satisfatoriamente, do ponto de vista técnico, funções repetitivas que não
exigem um ato pensante. Estas pessoas suprem necessidades industriais do mundo
contemporâneo. Apenas executam ordens e se mantém alheios aos processos industriais, às
idéias que fundamentam seu trabalho e seu sistema de organização ao qual estão inseridos.
Estas pessoas deixam de exercer sua cidadania e sua vocação política uma vez que são
impedidos de participarem como sujeitos, mantendo-se como instrumentos: força de trabalho,
força produtiva ou mão de obra.
A formação profissional não visa à produção de mão de obra eficiente ao mercado, ao
contrário o novo paradigma de qualificação profissional visa ao aparato técnico ao mesmo
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tempo em que torna possível a formação de um sujeito crítico, construtor da sociedade na qual
todos vivam de modo digno, sem que ninguém seja considerado mero instrumento de
produção.
A inserção da disciplina de Filosofia parece justificar-se pelas razões apresentadas, no
entanto deve-se atentar para que não haja uma instrumentalização da Filosofia, ou seja, tomá-
la como meio para se atingir um objetivo e não considera-la como um fim em si mesmo.

Seria criticável tentar justificar a Filosofia apenas por sua contribuição como um
instrumental para a cidadania. Mesmo que pudesse fazê-lo ela nunca deveria ser
limitada a isso. Muito mais amplo é, por exemplo, seu papel no processo de
formação geral dos jovens. (BRASIL, 2006d, p. 25)

A Filosofia desempenha um papel fundamental na educação integral do sujeito. Um


sujeito que deve ser visto a partir da sua realidade.
O alicerce das possíveis reflexões sobre uma Educação para jovens e adultos é baseada
nas reflexões sobre os protagonistas desta modalidade. Os sujeitos que dão existência à
referida Educação formam um grupo com características especificamente diversas. O
primeiro passo para discussão sobre os alunos em questão é conhecê-los:

Valorizar e compreender a beleza de nossas diferenças de idade, de nossas opções


sexuais, da nossa relação com o trabalho, das nossas escolhas religiosas e de nossas
matrizes étnicas... Essas múltiplas identificações compõem uma classe regular de
EJA. Essa “desordem” gesta uma ordem fecunda, a fim de entender um pouco do
que somos, onde estamos e o que queremos. (SANTOS, 2006, p.2)

A compreensão de que um grupo de jovens e adultos é heterogêneo desafia uma


educação que carrega em seu senso comum o mito da homogeneidade. Uma uniformidade que
anula as histórias individuais deve ser negado, ao passo que as peculiaridades sejam
valorizadas e respeitadas, a fim de que o grupo enriqueça.

A Filosofia na visão dos alunos entrevistados

O questionário foi distribuído nas duas turmas, primeiro e segundo período do ano de
2008, do curso de Eletroeletrônica (PROEJA) da Universidade Tecnológica Federal do Paraná
(UTFPR), Campus Ponta Grossa. Ao todo vinte e cinco alunos responderam ao questionário.
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Quanto à idade o grupo pesquisado pode ser identificado no quadro a seguir:

Tabela 1 - Faixa etária dos entrevistados


Quantidade de
Faixa Etária
alunos
Entre 17 e 18 anos 6 (seis)
Entre 19 e 21 anos 5 (cinco)
Entre 22 e 25 anos 4 (quatro)
Entre 26 e 29 anos 2 (dois)
Mais de 30 anos 8 (oito)

A primeira questão feita aos alunos foi: O que é filosofia para você?
Algumas expressões se tornaram constantes nas respostas. Na maioria das vezes,
sessenta por cento do total, os alunos conceituaram filosofia como uma das possibilidades de
ver, ler e interpretar a realidade em que vivem. A filosofia está ligada a um certo
esclarecimento sobre as coisas.
Um dos alunos respondeu que filosofia é o “estudo de como vejo o mundo onde
estou”. Observem-se os dois verbos da frase: “ver” e “estar”. Ver está relacionado a idéia de
conhecer. Conhecer o quê? O mundo, a realidade, mas vai, além disso, é no mundo onde
“sou”, nas palavras do aluno “estou”, neste aspecto a existência, o participar da realidade.
Quando o homem se situa na realidade toma conta de sua existência.
Outros alunos, em torno de quarenta por cento, utilizaram palavras relacionadas ao
verbo ver: filosofia é “como vejo o mundo”, “ciência de como ver o mundo”, “saber
enxergar as entrelinhas da realidade”, “enxergar a realidade”. E outro ainda utilizou a
expressão “olhar crítico”. A filosofia para estes alunos é aquela que retira os indivíduos de
uma cegueira em relação ao conhecimento e ao mundo. Se os homens não estão cegos ao
menos é evidente, que mesmo tendo visão não conseguem enxergar. Podem estar numa
escuridão.
A filosofia é, na visão de outro aluno, aquela que tem a função de “elucidar a
percepção humana sobre os fatos”. Mais uma vez se expressa a idéia de filosofia como
clareamento sobre a realidade. É apenas em local claro que poderemos ver a verdade, essas
idéias nos levam a lembrar a alegoria da caverna feita por Platão (2005) no livro A República:
dentro da caverna, onde é escuro, os homens sobrevivem da opinião. É fora da caverna que é
possível ver a verdade à claridade solar.
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Constantemente utilizaram a palavra “realidade” em suas respostas, ela aparece em


trinta por cento do total. Se há algo para ver, este algo é a realidade, o mundo, as coisas. As
ciências tentam explicar, entender os fenômenos, descrever a realidade. Os alunos
demonstraram, nos seus pontos de vista, que a filosofia tem um papel importante na
explicação, no esclarecimento dessa realidade. A realidade, o mundo, não está visível a todos.
Estas respostas se aproximam de uma concepção metafísica da Filosofia. Em parte os alunos
vêem a filosofia como aquela que explica para além da realidade. Um aluno respondeu que a
filosofia é “o estudo das coisas inexplicáveis”.
Há uma compreensão de que a filosofia tem uma característica totalitária: filosofia é
“pensar em tudo”, “tentar explicar tudo”, “formação de teorias sobre tudo e todos”, como
afirmaram outros alunos. A ansiedade por uma explicação da totalidade é uma característica
dos primórdios da filosofia. É uma busca, não apenas da realidade que nos é apresentada, mas
ultrapassa aquilo que já conseguimos explicar. Na concepção do aluno é a “busca da
realidade”.
Outras respostas, setenta por cento, revelam a proximidade com uma concepção de
filosofia nos remete à ética ou à moral. Nas respostas os alunos expressaram que a filosofia é
o “ensino de valores”, é a “concepção de valores dos conjuntos sociais”, “reflexão sobre as
atitudes”. Os alunos vêem na filosofia uma função prática. De fato este é um dos campos de
estudo da filosofia: o estudo do agir, do mundo da prática, da moral. Este campo, inaugurado
por Sócrates quando questionava o caráter dos atenienses, denomina-se ética.
Outros alunos, vinte por cento, manifestaram em suas respostas o aspecto do debate
existente na filosofia. Expressões como “modo de debate”, “ter uma opinião e saber
sustentá-la ou defendê-la”, “debate dos assuntos relacionados ao homem”, revelam que
existe uma idéia de que a filosofia se dá pelo confronto de idéias.
Por fim há uma referência a conceituação clássica, etimológica, da filosofia “amor ao
saber” e “amor pela sabedoria”. No entanto esta não foi a expressão mais presente nas
respostas, apenas dois alunos a utilizaram.
A conclusão possível a respeito das opiniões dos alunos nesta questão pode ser
satisfatória aos critérios do senso comum. No entanto, deixa a desejar em relação à filosofia
como parte da formação integral. Há nas “falas” dos alunos a demonstração de uma visão
genérica a respeito da filosofia. Esse resultado não surpreende uma vez que a disciplina não
ocupa um espaço significativo em nossa tradição educacional. Os alunos não arriscaram uma
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resposta conceitual sobre a filosofia. É evidente que esperar uma resposta neste sentido é
ousado, uma vez que mesmo entre especialistas, há ressalvas em delimitar uma resposta à
questão.
É satisfatório, no entanto, notar que há um consenso entre os entrevistados sobre os
“objetos” da filosofia. Os alunos, se não arriscam uma resposta conceitual, dizem ao menos
do que ela trata, o que ela estuda.
Proporcionar a esses estudantes a disciplina de Filosofia pode ser um passo importante
na efetivação de uma educação que ultrapasse a formação profissional. A formação integral,
desejada pelo PROEJA, visa que os alunos se insiram no mundo do trabalho garantindo-lhes
que não se mantenham alheios às idéias que organizam e sustentam esse mundo.
A segunda questão foi: Você considera importante a disciplina de Filosofia no curso
de eletroeletrônica (PROEJA)? Comente.
A maioria, noventa por cento do total, respondeu afirmativamente a questão. Apenas
dois alunos responderam negativamente.
Entre as respostas afirmativas alguns alunos, vinte por cento, restringiram à
equiparação com outras disciplinas. A Filosofia é importante “como todas as outras
disciplinas”, ou “toda disciplina tem o seu valor”. Os termos mais presentes foram em
relação à visão de mundo. A Filosofia “ensina ter uma visão mais ampla”, “visão
abrangente”, “visão e entendimento em áreas diversas”, “ter uma melhor visão de mundo”.
As respostas revelam que os alunos vêem a disciplina de Filosofia como aquela que é capaz
de ampliar as possibilidades de leitura do mundo. A crítica é outra dimensão citada com
freqüência: “desenvolver o pensamento crítico”, “formar a própria opinião”. Há uma
concepção de que a Filosofia tem uma função de libertar os homens da ignorância. A
Filosofia “faz com que a pessoa pense mais, reflita mais, faz com que ela saia do mundinho
dela”.
Percebe-se pelas respostas que os alunos vêem na Filosofia uma função relacionada ao
mundo do trabalho. A Filosofia é importante para que haja “ética no trabalho”, para que a
pessoa saiba “se comportar no ambiente de trabalho”. É importante para “formação ética e
cultural do profissional”. Nas respostas desses alunos é possível perceber uma
instrumentalização da Filosofia. Os alunos perceberam que a disciplina pode contribuir na
formação profissional. Estão preocupados como agirão no mundo do trabalho. A Filosofia
poderá, na visão dos alunos, contribuir com o comportamento moral dos futuros profissionais:
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“saber o que dizer e o que pensar”. Outras respostas corroboram afirmando que a Filosofia
vai “complementar o caráter das pessoas”. Na Filosofia se “aprende valores”, ela tem a
função de “construir um futuro com maiores valores humanísticos”.
Uma preocupação é que estas expressões revelam que os alunos vêem a Filosofia
como a disciplinadora, a guardiã da “ordem”. A disciplina de Filosofia já serviu outrora para
esta função. As novas propostas curriculares não apontam nesta direção. A manutenção da
ordem estabelecida é uma função das ideologias, a Filosofia é o questionamento das
ideologias que mantém a “ordem”.
Uma minoria, dois alunos, declarou como não importante a disciplina de Filosofia.
Estes alunos demonstram uma preocupação com a capacitação técnica. Um aluno declarou:
“para mim não pois já deparei-me com esse assunto no ensino médio, onde no curso atual
dou mais importância as materias técnicas”. Outro aluno expressou a seguinte opinião: “eu
não gosto de reflexão, eu gosto de matemática e é o que mais ocupa em eletrônica,
poderíamos estar estudando matemática pois muitos tem dificuldade e acabamos perdendo
tempo em uma diciplina que não tem nada haver”.
Nesta questão percebe-se que o papel da Filosofia na Educação de Jovens e Adultos é
extremamente importante. Além de cumprir os objetivos curriculares propostos para o curso a
disciplina terá de afirmar junto aos educando sua identidade. Será necessário apresentar aos
alunos a Filosofia como um campo de conhecimento que poderá auxiliá-los na vida
profissional. A filosofia tem uma função no curso, e em toda a educação, que é a de permitir
que as questões éticas, ideológicas sejam discutidas sob perspectivas reflexivas. Não se trata
de afirmar a importância da Filosofia no curso para que haja profissionais que saibam
conversar sobre as teorias dos pensadores, mas para que se possibilite que os profissionais
egressos sejam capazes de refletir sobre os problemas que os circundam.
A terceira questão proposta foi: Quais conteúdos você espera estudar na disciplina de
Filosofia?
Uma parcela considerável, setenta por cento, expressou termos relacionados a ética.
Nesta questão a maioria dos alunos listou conteúdos. Um item comum entre as várias
respostas foi “ética”. Em alguns casos este veio acompanhado da palavra “moral”. Há ainda
outras expressões correlatas: “valores”, “humildade”, “honestidade”, “ética dentro da
profissão”.
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Outro item bastante citado refere-se às teorias construídas ao longo da história. Estes
alunos identificam como conteúdo as teorias formuladas pelos filósofos desde os tempos
gregos: “como pensavam os antigos filósofos”. Isto revela uma idéia muito comum de que
filosofia é o estudo de alguns pensamentos de alguém que viveu há tempos. Outros itens
como “teoria dos filósofos”, “teorias importantes”, “formas de pensamento de pessoas sobre
vários assuntos”, foram constantes. Alguns alunos chegaram a citar nomes de filósofos
importantes na história ocidental: “Origem da filosofia, Sócrates etc.”, “seguidores de
Sócrates”, “Marx e essa turma”. A última expressão “essa turma” revela a prática comum
de ensino de Filosofia que recorre aos nomes de destaque na filosofia e que para o aluno não
passa de “turma”, talvez de desconhecidos.
Outras generalidades também foram citadas, embora em casos mais isolados; No
entanto, é importante perceber que não há clareza no objeto de estudo da disciplina de
Filosofia. “relacionamento interpessoal”, “autoconhecimento”, “auto-estima”, “civismo”,
“cultura empresarial” foram termos citados. Estes assuntos podem ser estudados na
disciplina de Filosofia. É possível perceber que, neste caso, os alunos se referiam a objetos de
estudo específicos de outra disciplina. Uma parte dos alunos, dez por cento, declarou não
saber o que estudar em Filosofia e quinze por cento não responderam.

Considerações Finais

As respostas afirmativas em relação à importância atribuída à filosofia revela que os


alunos do curso técnico em Eletroeletrônica estão abertos ao envolvimento com a filosofia.
Além da formação técnica os alunos estão abertos a uma formação humana.
É satisfatório, neste momento, observar que os alunos têm uma noção, ainda que
generalizada, do que é filosofia. Por isso a disciplina de Filosofia precisa afirmar sua
identidade, bem como sua importância.
A formação de um campo de conhecimento não se dá rapidamente. A reorganização
da Filosofia será um processo. Muitas das opiniões apresentadas pelos alunos são
conseqüências da ausência histórica da Filosofia na escola. A retomada da disciplina sugere
que os conceitos sobre filosofia sejam retomados, assim como o campo de estudo da
disciplina.
Fica evidente que a maioria dos alunos já perceberam que além de saberem dominar a
técnica precisam dominar os conhecimentos necessários ao comportamento ético. Neste
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sentido a contribuição da Filosofia pode ser significativa. Um resultado positivo é perceber


que a maioria dos alunos do curso técnico em Eletroeletrônica vê a filosofia como algo capaz
de mudar o “olhar” sobre o mundo. Um mundo, que apenas com a técnica não pode ser visto.
Aliam-se nesta discussão dois campos que demonstram o quanto avançamos na
educação brasileira e o muito que devemos avançar. Por um lado temos a discussão sobre o
restabelecimento de uma disciplina que tem em sua vocação a discussão democrática, o
debate livre. Discutir a Filosofia é a demonstração de que a escola brasileira conquista aos
poucos sua liberdade. Desvencilhamo-nos de um regime político em meados da década de
oitenta e só agora, duas décadas mais tarde, a Filosofia retorna amparada legalmente.
Sobrevive em nossas escolas a esperança de que alunos “filosofem” sobre nossa sociedade.
Por outro lado a discussão em torno da Educação Profissional de Jovens e Adultos nos
leva a reflexão sobre os desvios da escola pública, que muitas vezes, permitiu que muitos se
mantivessem excluídos do letramento. Tem-se por fim a demonstração de que a escola
brasileira tem como função social o ensino para todos, independente de idade ou classe social,
fazendo cumprir nossa Constituição Federal para então atingir um sonho de todos: uma
sociedade humana e solidária.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Constituição (1988), Constituição da República Federativa do Brasil: Texto


constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas
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