A Psicopedagogia é o campo do conhecimento que tem por objeto o ser cognoscente e
por objetivo fundamental facilitar a construção da autonomia do eu cognoscente, identificando e clarificando os obstáculos que impedem que essa construção se faça. A Psicopedagogia considera o ser humano como uma unidade de complexidades, ou seja, como um ser pluridimensional, com uma dimensão racional, uma dimensão desiderativa e uma dimensão relacional - esta última implicando um aspecto contextual e um aspecto interpessoal. A Psicopedagogia ou é transformadora ou não existe porque seria apenas uma aliada do status quo. A Psicopedagogia ou está descolada do senso comum ou não existe porque estaria vinculada e comprometida com a platitude dos clichés, adaptada ao espírito bulímico do nosso momento. A Psicopedagogia ou tem um locus próprio, com objeto e objetivos próprios, ou se tornaria terra de ninguém, porque terra de todo mundo. A Psicopedagogia ou é revolucionária ou não existe, porque se diluiria em professores particulares jeitosos, auxiliares de ensino, personal trainers pedagógicos e/ou psicológicos. A revolução psicopedagógica se constitui a partir de três rupturas concomitantes, a saber: uma ruptura epistemológica, uma ruptura filosófica e uma ruptura pedagógica. A ruptura epistemológica consistiria na passagem de uma epistemologia convergente para uma epistemologia divergente. A epistemologia convergente de Jorge Visca propõe uma integração por assimilação recíproca das contribuições da Psicanálise, do Construtivismo de Piaget e da Psicologia Social de Pichon-Rivière para a percepção do processo de aprendizagem. A integração tal como foi entendida por Visca se daria pela preservação das semelhanças e eliminação das diferenças. Nesse quadro, a ruptura epistemológica consistiria no respeito, sobretudo, das diferenças, das especificidades e das particularidades de cada teoria. No entanto, para preservar as diferenças, é necessária uma mudança do objeto da Psicopedagogia. Nesse deslocamento se constituiria a segunda ruptura — a filosófica. O objeto da Psicopedagogia não seria mais o processo de aprendizagem, mas o ser cognoscente. E o ser cognoscente seria o terreno contraditório da Psicopedagogia. O ser da paixão, do desejo, da razão; o ser simbólico e racional, o ser da medida e da desmedida; o ser da enunciação e do enunciado; o ser da falta, do desejo da aventura, e da lógica o ser que procura entender e dar sentido; o ser poeta e pesquisador (nas palavras de Bachelard). A sede da ruptura filosófica é o ser cognoscente estruturalmente pluridimensional que se sustenta na psicanálise e na epistemologia genética, não eliminando, mas mantendo dialogicamente as diferenças teóricas. O campo da ruptura filosófica se torna movimentado e dramático, sobretudo pela inclusão da dimensão desiderativa como constitutiva do ser cognoscente. As mudanças paradigmáticas, epistemológicas e filosóficas engendram a ruptura pedagógica. O primeiro ponto a se destacar na ruptura pedagógica seria a ampliação do conceito de cognição. O cognitivo não seria mais apenas identificado como o que é racional, pois a cognição encarnada incluiria o desejo, a razão e a relação. O segundo ponto seria perceber o particular 1 IN: TEIXEIRA, M. Luiza e VASCONCELLOS, A. Celina (org.) O pensar e o fazer psicopedagógicos – a experiência do NOAP. R.J: Editora Lidador, 2007. dentro do universal, em outras palavras, focar um eu cognoscente singular dentro da universalidade do ser cognoscente. O terceiro ponto seria o entendimento de que o eu cognoscente está vinculado não à aprendizagem e sim ao conhecimento. A aprendizagem é uma manifestação das estruturas originárias do conhecimento. Podemos, assim, perceber que o que torna a Psicopedagogia revolucionária, e o que mantém o frescor da sua teoria e da sua prática, são as estruturas acima relacionadas na dinâmica da contradição. Há nessas contradições, talvez, um projeto profético, e por isso revolucionário, ainda não desvelado, de uma nova arquitetura educacional. O novo se daria na mudança de um foco no ensino-aprendizagem para focar o sujeito que pensa, cria e imagina, o ser cognoscente da Psicopedagogia. Com esse deslocamento poderíamos começar a pensar a Psicopedagogia como uma pedagogia da alma e a Educação como obra de arte.
BIBLIOGRAFIA:
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