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FERNANDO PESSOA

CÓDIGO DE CONDUTA:
FERNANDO PESSOA escreveu este código de conduta
quando tinha 17 anos de idade, veja quais são:

1- Nunca deixar ou retrair-se do propósito de fazer o bem à


humanidade.

2- Nunca escrever coisas sensuais ou de outro tipo, más que


possam ser causa de dano e ofensa aos que as lerem.

3- Nunca esquecer, ao atacar a religião em nome da verdade,


que a religião só é substituída com dificuldade e que o pobre
ser humano chora nas trevas.

4- Nunca esquecer os sofrimentos e as doenças dos homens.


(Fernando Pessoa)
Fernando Pessoa (1888-1935) ORTÔNIMO:

 Avesso ao sentimentalismo;
 Emoções pensadas;
 Não possui uma filosofia nítida;
 A poesia Histórico Nacionalista;
 Devido à educação recebida em
Durban, África do Sul com ênfase
na língua inglesa, e a leitura de
Byron, Shelley, Keats, Poe e,
sobretudo, Shakespeare; os
primeiros poemas de Fernando
Pessoa, como não podia deixar de
ser, foram escritos em Inglês.
O Sal é amargo no sabor e as lágrimas

ANÁLISE são amargas não só no sabor, mas


também no que elas traduzem de
sofrimento e dor. ⇒ Símbolo do
sofrimento, de tantas tragédias
MAR PORTUGUÊS provocadas pelo mar. A confirmar esse
sofrimento aparecem as mães, os
Ó mar salgado, quanto do teu sal filhos, as noivas ⇔ três elementos
São lágrimas de Portugal! importantes da família ⇒ Sugere que
Por te cruzarmos, quantas mães foi no plano do amor familiar que os
choraram, malefícios do mar mais se fizeram
Quantos filhos em vão rezaram! sentir.
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar! Pergunta se valeu a pena suportar tais
desgraças, respondendo ele próprio
Valeu a pena? Tudo vale a pena que tudo vale a pena ao ser humano
Se a alma não é pequena. dotado de uma alma de aspirações
Quem quer passar além do Bojador infinitas. → É que toda a vitória implica
Tem que passar além da dor. passar além da dor e, se Deus fez do
Deus ao mar o perigo e o abismo deu, mar, o local de todos os perigos e
Mas nele é que espelhou o céu. medos, a verdade, é que, conquistado,
(Fernando Pessoa) é ele o espelho do esplendor do
céu. As grandes dores são o preço das
grandes glória.
Nesse caso, navegar
ANÁLISE é preciso no sentido
de ser uma
NAVEGAR É PRECISO atividade, uma
ciência precisa;
Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: Já viver não é
"Navegar é preciso; viver não é preciso". preciso no sentido
de que a vida
envolve não
Quero para mim o espírito desta frase,
somente o lado
transformada a forma para a casar como eu sou: racional, como
também o
Viver não é necessário; o que é necessário é criar. emocional e o
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. espiritual – viver não
Só quero torná-la grande, é nem nunca será,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo portanto, uma
e a (minha alma) a lenha desse fogo. atividade precisa.
[...] Viver é
deliciosamente ou
Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
terrivelmente
o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir impreciso,
para a evolução da humanidade. dependendo dos
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça. olhos de quem vê.
(Fernando Pessoa)
HETERÔNIMOS
Excertos de Carta a João Gaspar Simões (11 de Dezembro de 1931)

O ponto central da minha personalidade como artista é que sou um


poeta dramático; tenho, continuamente, em tudo quanto escrevo, a
exaltação íntima do poeta e a despersonalização do dramaturgo.
Voo outro – eis tudo. Do ponto de vista humano (…) sou um
histero-neurasténico com a predominância do elemento histérico na
emoção e do elemento neurasténico na inteligência e na vontade
(minuciosidade de uma, tibieza de outra). Desde que o crítico fixe,
porém, que sou essencialmente poeta dramático, tem a chave da
minha personalidade (…). Munido desta chave, ele pode abrir
lentamente todas as fechaduras da minha expressão.
Sabe que, … como poeta, sinto; que como poeta dramático, sinto
despegando-me de mim, que, como dramático (sem poeta),
transmudo automaticamente o que sinto para uma expressão
alheia ao que senti, construindo na emoção uma pessoa inexistente
que a sentisse verdadeiramente, e por isso sentisse, em derivação,
outras emoções que eu, puramente eu, me esqueci de sentir. (In
Correspondência: 1923-1935. Ed. Manuela Parreira da Silva. Lisboa: Assírio & Alvim,
1999. p. 254.)
Excerto de Carta a Adolfo Casais Monteiro (20 de Janeiro de 1935)

O que sou essencialmente – por trás das máscaras involuntárias do


poeta, do raciocinador e do que mais haja – é dramaturgo.

O fenómeno da minha despersonalização instintiva, a que aludi


em minha carta anterior, para explicação da existência dos heterónimos,
conduz naturalmente a essa definição.
Sendo assim, não evoluo: VIAJO. (Por um lapso da tecla das
maiúsculas, saiu-me sem que eu quisesse essa palavra em letra grande. Está
certo, e assim deixo ficar.)
Vou mudando de personalidade, vou (aqui é que pode haver
evolução) enriquecendo-me na capacidade de criar personalidades
novas, novos tipos de fingir que compreendo o mundo, ou, antes, de
fingir que se pode compreendê-lo.
Por isso dei essa marcha em mim como comparável, não a uma
evolução, mas a uma viagem: não subi de um andar para outro, segui, em
planície, de um para outro lugar (“Viajar, perder países”).Fernando Pessoa
FERNANDO PESSOA / HETERÔNIMOS:
 tendência orgânica e constante para a despersonalização;
 começou desde muito cedo a criar em seu redor um mundo
fictício, cercando-se de amigos e conhecidos que nunca
existiram;
 proliferação de máscaras, disfarces, de duplos, de outros eus,
que são simultaneamente o mesmo e o outro
 Pessoa possui uma capacidade genial de criar autores, cada
um com a sua personalidade própria, a sua biografia, a sua
estética, o seu estilo e o seu modo de pensar.
 os EUS criados possuem
 identidade inconfundível
 filosofia por vezes antagónica da professada pelo poeta
ortónimo.

“Se Deus não tem unidade, como a terei eu?” F. Pessoa


ALBERTO CAEIRO RICARDO REIS ÁLVARO DE CAMPOS

ANO DE NASCIMENTO 1889 1887 1890

ANO DA MORTE 1915 - -

LOCAL DE Lisboa Porto Tavira


NASCIMENTO

PROFISSÃO Sem profissão Médico Engenheiro naval

LOCAL ONDE VIVE Campo Brasil Lisboa

CARATERIZAÇÃO Estatura média, frágil Moreno, baixo e forte Alto (1,75m), magro,
entre o branco e o
moreno
ALBERTO CAEIRO (1889-1915) / Biografia:
Fernando Pessoa explicou a “vida” de cada um de seus heterónimos.
O mestre de todos, Alberto Caeiro. "Nasceu em Lisboa, mas viveu
quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão, nem educação
quase alguma, só instrução primária; morreram-lhe cedo o pai e a
mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos
rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia avó. Morreu tuberculoso."
Pessoa cria uma biografia para Caeiro que se encaixa com perfeição
à sua poesia, como podemos observar nos 49 poemas da série O
Guardador de Rebanhos. Segundo Pessoa, foram escritos na noite
de 8 de Março de 1914, de um só fôlego, sem interrupções. Esse
processo criativo espontâneo traduz exactamente a busca
fundamental de Alberto Caeiro: completa naturalidade.

“Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...


Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é.
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem por que ama, nem o que é amar...”
ALBERTO CAEIRO / aspectos importantes:
Arte marcada pela simplicidade formal e vocabular extremas, visto a sua
origem simples, o poeta da natureza. Ele enxerga o mundo como um
reflexo de si mesmo, ou seja, da própria natureza e não do pensamento.
Talvez por isso, é chamado de poeta camponês. Sua poesia é o resultado
do sensacionismo e não do pensamento, daí e negação completa da
metafísica: “Porque pensar é não compreender...”. Desse mondo, resulta
de sua obra um realismo sensorial que o faz negar qualquer metafísica.
Caeiro retira os disfarces para desvendar a realidade de todas as coisas.
Apensar de ser contra o pensamento e favorável às sensações,
costumamos considerá-lo o poeta filósofo, porque, ainda que de forma
paradoxal, acabou criando uma antifilosofia, uma filosofia da negação da
própria filosofia. Os versos são livres e / ou brancos, marcados por
oralidade, coloquialismo, objetividade e pelo emprego de um vocabulário
simples, limitado, e com isso marcado por repetições. Seu ser poético
procura o primitivismo mais original, o que permite uma poesia que flui de
maneira natural e espontânea, contudo de maneira consciente.
O eu lírico reflete sobre

ANÁLISE as palavras, ou sobre o


seu
composicional.
processo

como as árvores são


Assim

XIV - NÃO ME IMPORTO COM AS RIMAS diferentes, as palavras


precisam se combinar da
Não me importo com as rimas. Raras vezes mesma forma apenas
Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra. ocasionalmente. Seu
Penso e escrevo como as flores têm cor pensamento e escrita
Mas com menos perfeição no meu modo buscam alcançar a
[de exprimir-me naturalidade das cores,
embora não o consiga.
Porque me falta a simplicidade divina
Os pensamentos o
De ser todo só o meu exterior impedem de “ser todo”
no seu “exterior”. Para
Olho e comovo-me, isso, seu interior
Comovo-me como a água corre quando precisaria calar. Assim,
[o chão é inclinado, seu ato de olhar o
E a minha poesia é natural como o levantar-se vento... comove, não os
(Alberto Caeiro) pensamentos,
aproximando-o da
poesia natural
pretendida.
Notamos a primazia do ver, do

ANÁLISE olhar, dos sentidos, sobre o


pensar. A linguagem é simples
(segundo Pessoa, Alberto Caeiro
escrevia "mal", pois tinha apenas a
4.ª classe). Existem, no poema,
II - CREIO NO MUNDO COMO NUM MALMEQUER repetições, tautologias (repetição
própria da linguagem infantil),
Creio no mundo como num malmequer, frases simples, frases
Porque o vejo. Mas não penso nele coordenadas, predomínio de
Porque pensar é não compreender... nomes concretos, pouca
O Mundo não se fez para pensarmos nele adjetivação. A sua filosofia é uma
não-filosofia, afinal, uma recusa do
(Pensar é estar doente dos olhos) pensamento abstrato, considerado
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo... como oposto ao "sentir" (com os
sentidos, não com o sentimento).
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos... Repare-se que sempre que se
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é, refere ao pensar, isto é visto como
negativo: "é não compreender ...".
Mas porque a amo, e amo-a por isso, Mesmo falando na Natureza (com
Porque quem ama nunca sabe o que ama maiúscula), representando um
Nem sabe por que ama, nem o que é amar... conceito "abstrato" (natureza será
um conjunto de coisas existentes,
Amar é a eterna inocência, logo entidade abstrata), seria para
ele uma contradição.
E a única inocência não pensar...
(Alberto Caeiro)
ÁLVARO DE CAMPOS (1890 – ?)

Nasceu em Tavira no dia 15 de Outubro de 1890 à


1.30 da tarde. Teve uma educação de Liceu
comum qualificada de vulgar pelo próprio
Fernando Pessoa. Posteriormente foi para a
Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica, e
depois naval. Fernando Pessoa, fez uma biografia
para cada um dos seus heterónimos e declarou
assim que Álvaro de Campos : “Era um engenheiro
de educação inglesa e origem portuguesa, mas
sempre com a sensação de ser um estrangeiro em
qualquer parte do mundo”. Pessoa disse também
em relação a este heterónimo que: “Eu fingi que
estudei engenharia. Vivi na Escócia. Visitei a
Irlanda. Meu coração é uma avozinha que anda
pedindo esmola às portas da alegria”.
AS FASES

1ª FASE (DECADENTISTA):
O decadentismo tem como principal característica a visão pessimista do
mundo. Durante essa fase, os poemas de Álvaro de Campos evidenciaram
certo tédio e uma necessidade pungente de novas sensações. Essa
necessidade de fuga à monotonia foi marcada por símbolos e imagens,
características que aproximaram os poemas de Álvaro de Campos ao
Romantismo e ao Simbolismo.

(...) Esta vida de bordo há-de matar-me.


São dias só de febre na cabeça
E, por mais que procure até que adoeça,
já não encontro a mola pra adaptar-me.
Em paradoxo e incompetência astral
Eu vivo a vincos de ouro a minha vida,
2ª FASE (FUTURISMO WHITMANIANO):
Durante essa fase, os poemas de Álvaro de Campos foram influenciados
pelo futurismo, estética também encontrada na obra dos escritores Walt
Whitman e Marinetti (este responsável pelo Manifesto Futurista). É possível
perceber o fascínio pelas máquinas e pelo progresso nos poemas futuristas
de Campos, fase que pode ser ilustrada a partir da leitura dos poemas Ode
Triunfal e Ode Marítima.

À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas da fábrica


Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.
Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
(Excerto do poema “Ode Triunfal”)
3ª FASE (INTIMISTA):
• Nela encontramos um poeta ensimesmado, angustiado e
incompreendido. Como temas, destacam-se a solidão interior, a
nostalgia da infância, a frustração e a incapacidade de amar. Ilustra essa
fase o poema Tabacaria, um dos mais importantes e representativos da
poética de Álvaro de Campos.
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.(...).
(Excerto do poema “Tabacaria”)
ANÁLISE
AO VOLANTE DO CHEVROLET PELA ESTRADA DE SINTRA
No texto,
percebemos
algumas marcas
Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra,
Ao luar e ao sonho, na estrada deserta,
visivelmente
Sozinho guio, guio quase devagar, e um pouco associadas ao
Me parece, ou me forço um pouco para que me pareça, universo do
Que sigo por outra estrada, por outro sonho, por outro mundo, progresso (o
Que sigo sem haver Lisboa deixada ou Sintra a que ir ter, veículo e a estrada,
Que sigo, e que mais haverá em seguir senão não por exemplo),
[parar mas seguir? aspectos
Vou passar a noite a Sintra por não poder vinculados à
[passá-la em Lisboa, segunda fase do
Mas, quando chegar a Sintra, terei pena de escritor, momento
[não ter ficado em Lisboa. de linhagem
Sempre esta inquietação sem propósito, sem nexo,
futurista. Vale
sem consequência, sempre, sempre, sempre,
Esta angústia excessiva do espírito por coisa nenhuma,
destacar os verbos
Na estrada de Sintra, ou na estrada do sonho, transmitindo um
[ou na estrada da vida... valor semântico de
Maleável aos meus movimentos subconscientes no volante, movimento ao
Galga sob mim comigo, o automóvel que me emprestaram. longo do corpo do
Sorrio do símbolo, ao pensar nele, e ao virar à direita. texto.
(Álvaro de Campos)
RICARDO REIS (1887 – ?)
Ricardo Reis nasceu a 19/09/1887 na cidade do
Porto em Portugal. Educou-se em um colégio de
Jesuítas, onde estudou latim, grego e
mitologia.Depois disso, estudou medicina,
formando-se médico, profissão essa que não
chegou a exercer. Em 1919, devido aos ideais
monárquicos que defendia, exilou-se
espontaneamente no Brasil, por não concordar
com República que se instaurara em Portugal.
Em 1924 colaborou com a publicação do primeiro
número da revista Athena. Isso leva a crer que
"mantinha correspondência com o diretor da
Revista, no caso, Fernando Pessoa". A data de
falecimento de Ricardo Reis é desconhecida.
Ricardo Reis/ aspectos importantes:

 Paganismo (crença nos deuses e na civilização grega);


 Consciência da precariedade da vida, medo da morte);
 Epicurismo (busca da felicidade relativa, moderação nos prazeres, fuga à
dor; “carpe diem” - vive o momento);
 Estoicismo (aceitação das leis do destino - a passagem do tempo e a
morte - , autodisciplina face às paixões e à dor; intelectualização das
emoções);
 Culto do Belo, como forma de superar a efemeridade dos bens e a
miséria da vida;
 O autodomínio e a contenção dos sentimentos;
 O elogio da vida rústica : a felicidade só é possível no sossego do
campo;
ANÁLISE
VEM SENTAR-TE COMIGO, LÍDIA, À BEIRA DO RIO.

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.


Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida


Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.


Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,


Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar. [...]
ANÁLISE
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as


No colo, e que o seu perfume suavize o momento —
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois


Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,


Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.
REALISMO
PORTUGUÊS

Antero de Quental Cesário Verde Eça de Queirós


Questão Coimbrã
A “Questão Coimbrã”, também designada de “Questão do Bom Senso e do
Bom Gosto”, foi uma das polêmicas mais acesas que a história da literatura
portuguesa conheceu até à data. Começou em novembro de 1865 e
terminou a julho de 1866. A eclosão da polêmicas desenrolou-se em torno
da publicação do Poema Mocidade (1865), da autoria de Pinheiro
Chagas (1842-1895), o qual vinha acompanhado de uma carta-posfácio
redigida por Antônio Feliciano de Castilho (1800-1875). Nessa missiva,
este último atacou os escritos modernos e “ininteligíveis” que estavam a ser
produzidos pela geração universitária de Coimbra, nomeadamente as Odes
Modernas, de Antero de Quental (1842-1891) e as Tempestades Sonoras,
de Teófilo Braga (1843-1924). Como resposta, e com o objetivo de atingir a
figura de Castilho, Antero redigiu um folheto intitulado “Bom Senso e Bom
Gosto”, contestando o saudosismo ultrarromântico de Castilho, assim como
os autores que este último escolhia para publicar na Revista Universal
Lisbonense. Defendia, por sua vez, um conceito novo relativamente à
missão do escritor, reivindicando, ainda, a liberdade e a independência de
espírito que lhe estão subjacentes.
Questão Coimbrã
O ponto mais intenso desta questão foi, então, quando o número de
opúsculos de ambas as partes começou a multiplicar. Do lado da nova
geração, aberta às recentes ideias do espírito científico europeu, foram
publicados A Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais, de Antero
de Quental e Teocracias Literárias, de Teófilo Braga. Por sua vez, do
lado conservador, o escritor Ramalho Ortigão (1836-1915) redigiu um
texto intitulado “Literatura de Hoje”, no qual acusara Antero de cobardia
por ter invocado argumentos como a cegueira e a velhice de Feliciano
Castilho. Furioso, Antero decidiu então ir ao Porto com a finalidade de
travar um duelo com Ramalho Ortigão. A luta de espadas deu-se no
Jardim da Arca D’Água a 4 de fevereiro de 1866, com Antero a ferir
Ramalho num braço e a colocar um ponto final na Questão Coimbrã.
Curiosamente, estes dois escritores acabaram por se reconciliar e por
partilhar ideias similares nas reuniões revolucionárias da Geração de
70, a qual contribuiu para a introdução do Realismo em Portugal.
Carta de Antero de Quental 2 de novembro de 1865 a Feliciano de Castilho

Acabo de ler um escrito de v. ex.ª onde, a proposito de faltas de bom-senso e


de bom-gosto, se fala com áspera censura da chamada escola literária de
Coimbra, e entre dois nomes ilustres se cita o meu, quase desconhecido e
sobre tudo desambicioso. [...]. Estas circunstâncias pareceriam suficientes para
me imporem um silencio, ou modesto ou desdenhoso. Não o são, todavia. Eu
tenho para falar dois fortes motivos. Um é a liberdade absoluta que a minha
posição independentíssima de homem sem pretensões literárias me dá para
julgar desassombradamente, com justiça, com frieza, com boa-fé.
Como não pretendo logar algum, mesmo ínfimo, na brilhante falange das
reputações contemporâneas, é por isso que, estando de fora, posso como
ninguém avaliar a figura, a destreza e o garbo ainda dos mais luzidos chefes
do glorioso esquadrão. Posso também falar livremente. E não é esta uma
pequena superioridade neste tempo de conveniências, de precauções, de
reticencias—ou, digamos a cousa pelo seu nome, de hipocrisia e falsidade.
Livre das vaidades, das ambições, das misérias d'uma posição, que não
retendo, posso falar nas misérias, nas ambições, nas vaidades d'esse mundo
tão estranho para mim, atravessando por meio d'ellas e saindo puro, limpo e
inocente.”
A cidade e as serras
Eça de Queirós
Autor: Eça de Queirós (1845-1900)

- Nascido em Póvoa do Varzim, passou a


infância e juventude afastado dos pais,
que não eram casados.
- Estudou Direito na Universidade de
Coimbra, onde se ligou ao renovador
grupo chamado “Escola de Coimbra”

- Após o término do curso, dedicou-se ao


jornalismo. Ingressou na carreiro
diplomática.

- Passou grande parte de sua vida em Portugal,


trabalhando como diplomata em Cuba, Inglaterra e França.
Faleceu em Paris, em 1900.
As Fases do autor:
Primeira Fase: espécie de fase preparatória entre 1866 e
1867 marcada pela feitura de crónicas e artigos para jornal.
Podemos ver aqui elementos da fase final do Romantismo
(imaginação desenfreada, satanismo, gosto pelo macabro).

Segunda Fase: Nesse caso, temos um Eça realista,


desenvolvendo o seu projeto de, por meio dos romances, construir
um quadro crítico amplo da sociedade portuguesa
contemporânea. É dessa fases textos como: O crime do Padre
Amaro e O primo Basílio.

Terceira Fase: chamada de época da maturidade artística.


Vemos agora uma reconciliação de Eça com os valores tradicionais
de seu país, elementos tão criticados por ele nas obras da fase
anterior. Agora os seus livros são marcados por uma ironia
simpática. A atitude de pessimismo é substituída pelo
otimismo. O livro A cidades e as Serras é dessa fase.
Geral: A Cidade e as Serras
- O romance tem a sua origem no conto “Civilização”,
publicado em folhetins na Gazeta de Notícias do Rio de
Janeiro, em 1892. Nessa narrativa, notamos a presença de
um sujeito chamado Jacinto, que vivia em Lisboa cercado
por livros e pelas novidades tecnológicas do final dos anos
de 1800. Por fim, corroído pelo tédio da vida na cidade, esse
homem viaja pelo campo e reencontra a felicidade na vida
simples. Somente a partir de 1893, Eça de Queirós começa
a escrever o romance A Cidades e as Serras.

- Quando lançado, em 1901, o romance A cidade e as serras


foi alvo de duras críticas por aqueles que observavam na
obra ecos de conservadorismo e um retrocesso do autor
Geral: A Cidade e as Serras
- O romance é divido em duas partes, isto é, em um
primeiro momento temos a exposição do narrador José
Fernandes acerca da cidade de Paris. Esse espaço é
marcado pelo artificialismo existencial do personagem
Central, Jacinto, que, aos poucos, toma consciência de sua
mediocridade. De outro lado, percebemos a demarcação
espacial de Portugal, precisamente Tormes. É nesse
espaço rústico e simples que Jacinto encontrará a
felicidade tão ansiada. Vale dizer que o livro não confere
entre a cidade e o campo um polarização maniqueísta. Na
verdade, mesmo no severo campo, Jacinto irá levar alguns
elementos tecnológicos para lá como, por exemplo, um
telefone, condição que revela a certa dependência desses
dois espaços citados.
Geral: A Cidade e as Serras
- O romance foi utilizado pela ditadura salazarista para
enaltecer as origens agrícolas portuguesas.

- Grande parcela da primeira parte do romance se passa em


Paris, na Avenida dos Campos Elísios (Champs Elysées)
número 202. É nessa localidade que Jacinto revela a sua
máxima:
Suma ciência
X = Suma felicidade
Suma potência

Jacinto acredita que o “homem só é superiormente feliz


quando é superiormente civilizado.
Geral: A Cidade e as Serras
- O romance é narrado em 1° Pessoa (narrador José
Fernandes) e dividido em 16 capítulos, sendo 8 deles
diretamente associados à cidade e o restante ao campo. O
tempo da narrativa é o final do século XIX.

Cronologia do enredo
Simbologia de alguns episódios
Trecho
Os ossos
Silvério Jacinto veneráveis
desses Jacintos
jaziam agora
soterrados sob
Ressurgimento dos antepassados um montão
informe de terra e
pedra. O Silvério
“chama” os seus descendentes já começara com
os moços da
Quinta a
desatulhar os
Ressurgimento do velho Portugal
“preciosos restos”.
Mas esperava
ansiosamente as
ordens de sua
Exª...
Simbologia de alguns episódios
A saída de Jacinto com as caixas do 202

Paris

Civilização

Jacinto “sem” a civilização

Purificação
Elementos importantes
Jacinto
Paris Tormes

- +
- Desterrado - Descendência
- Desenraizado - Criação de laços
- Sem descendentes na terra
- Jacinto ponto-final - Vitalidade

Morte Vida
Elementos importantes
Os personagens:
7 - Anatole: empregado de
1 - Jacinto Galião: Avô do Jacinto.
protagonista. Morreu vítima de problemas 8 - Joaninha: prima de José
gástricos em Paris após comer um peixe. Fernandes que se casará com
2 - Angelina: esposa de Jacinto Jacinto tendo com ele dois filhos:
Galião. Teresinha e Jacintinho..
3 - Cintinho: pai de Jacinto morre antes 9 - Afonso Fernandes: Tio
do filho nascer. de José Fernandes.
4 - Jacinto: protagonista da história. 10 - Vivência: tia de José
Apelidado de “Príncipe de Grã Ventura”. Fernandes.
Representa o homem civilizado que
sofre as consequências do excesso de 11 - Silvério: administrado
tecnologia. das terras de Jacinto. É ele quem
5 - José Fernandes: narrador e avisa o patrão sobre a questão
amigo de Jacinto. dos restos vivos dos Jacintos.

6 - Grilo: negro empregado de 12 - Melchior: humilde


Jacinto. caseiro de Tormes.
Sintetizando
A CIDADE E AS SERRAS (Eça de Queirós)
Realismo- fantasia = 3ª fase
CIDADE (Paris - 202) = Tecnologia + cultura livresca : falsidade, ociosidade,
hipocrisia, tédio e pessimismo
X
SERRAS (Portugal – Tormes) = bucolismo, paz edênica, renovação e
conquista da felicidade
Jacinto= francesismo da elite rural, porém humanitária (Eça de Queirós:
adesão aos valores tradicionais)
X
Zé Fernandes= defensor dos valores rurais
Joaninha = pureza e autenticidade
X
Mulheres de Paris = decadência, enfeite de salões
João Torrado= crença no mito do Sebastianismo
MANUEL MARIA DU BOCAGE
Com uma vida marcada por conflitos
e desilusões, sua trajetória literária
começou em 1793, com seu primeiro
volume das “Rimas”.
• Poesia lírica = presa aos
valores do Arcadismo (pastores,
cenas naturais);
• Poesia satírica = voltada
principalmente contra o absolutismo
político e religioso;
• Poesia ecomiástica –
destinada à bajulação;
• Poesia erótica – muito
censurada, marcada por uma
linguagem direta, maliciosa, Imagem: Autor Desconhecido / Pintura do poeta Bocage /
trazendo, muitas vezes, cenas de public domain

atos obscenos.
ELMANO SADINO - PSEUDÔNIMO

Anagrama de Manoel
(Manuel)

Relativo ao Rio Sado, que corta a cidade natal do escritor, Setúbal.


ANÁLISE Neste soneto Nise, a pastora
bucólica da lírica
Não lamentes, oh Nise, o teu estado; convencional, é retratada
Puta tem sido muita gente boa; como uma prostituta,
Putíssimas fidalgas tem Lisboa, consolada pelo Poeta com os
Milhões de vezes putas têm reinado: exemplos de rainhas e
cortesãs famosas.
Dido(1) foi puta, e puta dum soldado; O eu cita Dido, viúva de
Cleópatra por puta alcança a croa; Siquem, que se refugiou em
Tu, Lucrécia (2), com toda a tua proa, Cartago, onde se apaixona
O teu cono não passa por honrado: por Enéias. Ao referir-se a
Cleóprata, rainha do Egito,
Essa da Rússia imperatriz famosa, remete a sedução que a
Que inda há pouco morreu (diz a Gazeta)
mesma utilizou-se para
Entre mil porras expirou vaidosa:
consolidar às vantagens
Todas no mundo dão a sua greta:
políticas, seduzindo,
Não fiques, pois, oh Nise, duvidosa sucessivamente, César,
Que isto de virgo e honra é tudo peta. Marco Antônio e Otávio.
Além de aludir a Catarina, a
(1) Rainha de Catargo;
Grande, imperatriz da Rússia.
(2) Famigerada romana que foi estuprada por Tarquínio;
ANÁLISE Este é um dos poemas líricos
mais conhecidos do poeta. A
natureza serve de cenário para o
Olha, Marília, as flautas dos pastores acontecimento sentimental. O
Que bem que soam, como estão cadentes! amor deste eu-lírico tem luz, e
Olha o Tejo a sorrir-se! Olha, não sentes pode até entristecer-se no caso
Os Zéfiros brincar por entre flores? de Marília não aparecer para,
juntos, desfrutarem do ambiente
Vê como ali beijando-se os Amores natural que narra, mas não irá
Incitam nossos ósculos ardentes! desfalecer, não irá desesperar-se
Ei-las de planta e planta as inocentes, e nem fenecer. Ficará triste, mas
As vagas borboletas de mil cores. não mais que isso.
Bocage teria amado Marília, que
Naquele arbusto o rouxinol suspira, conta, teria sido Maria Margarida
Ora nas folgas a abelhinha pára, Rita Constâncio Alves, filha de um
Ora nos ares sussurrando gira: médico da Corte Portuguesa. Era
típico dos árcades e
Que alegre campo! Que manhã tão clara! neoclacissistas, usarem em suas
Mas ah! Tudo o que vês, se eu te não vira, composições poéticas, nome
Mais tristeza que a morte me causara. fictício para aquelas por quem se
enamoravam na vida real”.
ANÁLISE Outra vertente lírica da
obra de Bocage mostra um
poeta atormentado,
Incultas produções da mocidade marcado pelo pessimismo
Exponho a vossos olhos, ó leitores: e pela melancolia, capaz de
Vede-as com mágoa, vede-as com piedade, arroubos egocêntricos e
Que elas buscam piedade, e não louvores: sentimentais. Essas marcas
levaram a crítica a concluir
Ponderai da Fortuna a variedade que o poeta antecipava o
Nos meus suspiros, lágrimas, e amores; Romantismo, o que lhe
Notai dos males seus a imensidade, valeu a classificação de
pré-romântico. O texto
A curta duração dos seus favores:
evidencia esse seu lado
mais subjetivo. Trata-se
E se entre versos mil de sentimento
praticamente de um
Encontrardes alguns, cuja aparência poema de abertura da
Indique festival contentamento, obra; nele, o poeta se
derrama em lamentos,
Crede, ó mortais, que foram com violência prevenindo o leitor do
Escritos pela mão do Fingimento, universo sofrido que
Cantados pela voz da Dependência. encontraria ali.

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