Você está na página 1de 4

.

l  l  , º  l -   77

Luto na infância e as suas conseqüências no


desenvolvimento psicológico
fernanda lucena louzette*
ana lúcia gatti**

Resumo l A consciência da finitude da vida é um elemento distintivo dos seres humanos. Entretanto,
a perda de entes queridos sempre se reflete como dor, a qual envolve a realização de um trabalho de
desligamento, o qual é chamado luto. O trabalho objetiva levantar por meio de pesquisa bibliográfica,
realizada tanto em periódicos, quanto em livros, dissertações e teses os fatores associados à perda dos pais
por parte de crianças. Após o levantamento, a organização das informações será realizada com vistas a
enfatizar as conseqüências que podem advir de tal fato quando ocorrido na infância.
Palavras-chave l morte, luto, infância.

1. introdução: morte e luto Na definição de Mazorra (2001, p. 1), “[...] o luto


é o processo de reconstrução, de reorganização,
“A morte como perda nos fala em primeiro lugar diante da morte, desafio emocional e cognitivo com
de um vínculo que se rompe, de forma irre- o qual o sujeito tem de lidar”, ou seja, processos
versível, sobretudo quando ocorre perda real e mentais que ocorrem após essa experiência com que
concreta. Nesta representação de morte estão o sujeito tem que lidar.
envolvidas duas pessoas: uma que é ‘perdida’ e a Quando falamos sobre a morte, logo nos vem
outra que lamenta esta falta, um pedaço de si um enorme sentimento de perda, principalmente
que se foi. O outro é em parte internalizado nas quando deparamos com a falta de uma pessoa que
memórias e lembranças. A morte como perda amamos ou com quem temos muito contato. Ao
evoca sentimentos fortes, pode ser então cha- pensar na morte, o ser humano maduro normal-
mada de ‘morte sentimento’ e é vivida por todos mente é tomado por sentimentos e reflexões.
nós. É impossível um ser humano que nunca Sentimentos esses que às vezes o levam a “fugir”
tenha vivido uma perda. Ela é vivida conscien- da realidade e a se sentirem tão sofridos, que nem
temente, por isso é, muitas vezes, mais temida se permitem pensar a respeito. Já outros refletem
do que a própria morte. Como esta ultima não mais sobre o assunto e intensificam mais os mo-
pode ser vivida concretamente, a única morte é mentos ao lado das outras pessoas amadas, viven-
a perda, quer concreta, quer simbólica”, afirma do melhor o presente. Se até um ser humano
Maria Júlia Kovács. adulto que possuí um mundo externo cheio de
vínculos e tarefas tem uma enorme dificuldade
para lidar com o fato da separação com a pessoa
que se construiu um forte vínculo afetivo, imagine-
se uma criança cujo mundo está centrado e limi-
tado aos pais e, quando muito, a escola.
Freud, no texto “Luto e melancolia”, compara
essas duas condições que encerram “o mesmo es-
tado de espírito penoso, a mesma perda de inte-
resse pelo mundo externo”. Só que, no luto, diz
* Aluna de graduação em Psicologia e Regime de Iniciação
Científica (RIC) na USJT.
Freud, “é o mundo que se torna pobre e vazio; na
E-mail: nandalucena87@gmail.com melancolia, é o próprio ego”. Nos dois casos, exis-
** Professora da USJT, Doutora em Psicologia e orientadora da
pesquisa.
te uma oposição à realidade. No livro Morte e
E-mail: algatti@ig.com.br desenvolvimento humano, Kóvacs diz que essa
78   Revista Eletrônica

ambivalência dos seres humanos deve-se à duali- 4. expressão emocional na


dade de suas fantasias inconscientes, derivadas de infância
aspectos relativos à vida e morte.
A forma pela qual a criança agirá diante da morte
2. a criança e a perda é particular de cada uma. A duração e a intensida-
de dos sentimentos dependerá tanto de sua perso-
Tanto o adulto como a criança têm o desejo de nalidade quanto de seu vínculo afetivo com a
reunir-se com o falecido. No entanto, constatando- pessoa falecida.
se que a criança, especialmente com menos de 6 Não falar da dor não significa não a sentir, e
anos de idade, tem maior dificuldade que o adulto muitas vezes as crianças podem estar sofrendo e
de compreender e de aceitar a irreversibilidade da não lidando com a perda de modo saudável. Para
morte, esta fantasia pode ser vivida pela criança não que isso ocorra é necessário que a criança vivencie
somente como um desejo, do qual se tem consciên- os sentimentos do luto. Elas devem ser encorajadas
cia que não se pode realizar, mas como uma pos- a falar sobre o que estão sentindo, para conseguir
sibilidade, afirma Luciana Mazorra, 2001. elaborá-lo, impedindo que o luto mantenha-se
Enfrentar a morte de alguém que você ama é um indefinidamente (mazorra, 2001).
processo difícil em qualquer idade, principalmente A criança, por não saber nomear nem classificar
quando ainda não se possuem recursos internos os sentimentos, expressa-os na forma de brinca-
para superar esse momento. Segundo Raimbault deiras. É por meio do brincar que a criança repete
(1979), quanto mais jovem é a criança, os efeitos vivências passadas e fantasias internalizadas. Como
que essa morte acarretará serão maiores. Os senti- afirma Klein (1991), por meio da simbolização a
mentos da duração da unidade subjetivos do tempo criança expressa suas fantasias, ansiedades, e desta
não são os mesmos na criança e no adulto. forma consegue aliviar-se, fazendo com que a
Quando o luto acontece, não é só a pessoa que brincadeira seja essencial para seu desenvolvimen-
morre que é perdida, mas todo o universo interno to. A criança pode comunicar-se também através
da pessoa identificada fica destruído (Simon, 1986, de seu corpo: por dificuldades de saber expressar-
p. 82). Principalmente se a perda de um dos pais se, ela exprime a dor por comportamentos agres-
acontecer em um momento em que a criança de- sivos e de irritabilidade.
pende, para a construção de sua identidade, de De maneira geral leva dois anos para que uma
modelos para a constituição de sua personalidade. pessoa elabore a perda, e neste período ocorrerão
sem a presença daquele ser querido pela primeira
3. a criança enlutada e a vez as datas comemorativas mais importantes:
família aniversário, Natal, Dia dos Pais. Segundo Kovács,
são “fenômenos que, [simbolizados] por uma data,
Para ajudar na elaboração da perda, é neces- fazem o indivíduo passar por processos variados
sário que, após a morte de seu genitor, alguém de manifestações de conflitos: ansiedade, tristeza,
com quem a criança tenha uma historia de con- surtos psicóticos, idéias pessimistas ou tentativas
fiança e afetividade conte-lhe o que aconteceu de suicídio, somatizações, atuações na área social,
para que ela não sinta que está sozinha e que há ou ainda na relação analítica, sonhos, etc....” Se
pessoas para lhe prover atenção, carinho e cuida- esses sintomas forem fortemente repetitivos quan-
do. A criança pode negar inicialmente a morte, do se aproximam essas datas, este é um forte sinal
pode tornar-se agressiva ou achar que foi ela de que a pessoa não está vivendo corretamente as
mesma que a causou. Ainda que a criança possa etapas necessárias para a sua superação, tanto em
aparentemente não expressar tristeza, é nos gestos seu mundo externo, quanto, principalmente, em
mais sutis que ela parece como que regredir, ficar seu mundo interno.
hostil com os colegas ou tratar de seus brinquedos Perder alguém significativo implica a necessida-
com violência. de de adaptação a viver sem ela, e, para a criança, a
. l  l  , º  l -   79

perda de um dos pais influencia em seu desenvol- Referências bibliográficas


vimento. Estas influências podem ser tanto no
convívio social, na forma de lidar com a vida, na BOWLBY, J. Formação e rompimento de laços afetivos.
Trad. de A. Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
parte emocional e afetiva, no sentimento de infe-
FREUD, S. Luto e melancolia. Rio de Janeiro: Imago, 1974.
rioridade que a criança pode desenvolver por acre- KLEIN, M. Inveja e gratidão e outros trabalhos (1946-
ditar que só ela que não possuí um pai ou uma mãe, 1963). Rio de Janeiro: Imago, 1991.
na fragilidade para lidar com assuntos delicados, KÓVACS, M. J. Morte e desenvolvimento humano. 2ª ed.
entre outros. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1992.
MAZORRA, L. A criança e o luto: Vivências fantasmáticas
Entre os fatores que influenciam o luto dos
diante da morte do genitor. Dissertação de Mestrado.
adolescentes e crianças, destacam-se o conheci- São Paulo: PUC, 2001.
mento que eles têm das causas e circunstâncias da RAIMBAULT, G. A criança e a morte. Rio de Janeiro:
perda, especialmente o que lhes é dito sobre a Francisco Alves, 1979.
perda e as oportunidades que têm de compartilhá- SIMON, R. Introdução à psicanálise: Melanie Klein. São
Paulo: EPU, 1986.
la, os padrões de relacionamento familiar anterior
e a mudança desses padrões e reestruturações do
sistema familiar em conseqüência da perda, nos
casos em que o objeto da perda é um dos pais
(bowlby, 1993).
Com essa pesquisa sobre o tema citado acima,
pretendo reconhecer melhor as emoções e as ne-
cessidades psicológicas da criança provendo assis-
tência psicológica como suporte que favoreça
recursos internos. Durante a graduação creio que
seja de suma importância a abordagem deste as-
sunto, pois profissionais das áreas de saúde e
educação têm-se confrontado com situações de
perda e morte, e muitos desses profissionais não
receberam a devida preparação em seus cursos de
formação para que possam agir melhor diante de
um caso de perda e de suas conseqüências.
80   Revista Eletrônica

Você também pode gostar