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1ª Aula – Modelagem de sistemas e terminologia

Modelagem

“Todos os modelos estão errados, mas alguns são úteis”.


(frase freqüentemente atribuída ao estatístico George P. E. Box)

Modelar é representar um sistema físico real, ou parte dele, em uma forma física ou
simbólica (matemática), preparada de forma conveniente para predizer ou descrever o seu
comportamento. Dos tipos de modelo (icônico, diagramático ou matemático), um dos que tem
maior aplicação na engenharia e em muitas outras áreas do conhecimento humano é o
matemático.

Figura 1 – exemplo de modelo icônico

Figura 2 – exemplos de modelos diagramáticos


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Um modelo matemático é uma idealização, onde são utilizadas técnicas de construção
lógica, não necessariamente naturais e certamente incompletas. Os fenômenos reais e as
variáveis do problema são descritos por elementos idealizados que representam apenas as suas
características essenciais, através de relações matemáticas. Um modelo matemático é sempre
uma simplificação da realidade, e, em conseqüência, não oferecem garantia de resultados
precisos.
Ao se desenvolver um modelo matemático, é necessário decidir (ou avaliar) qual o grau
de realismo necessário para o modelo, tendo em vista que, em geral, aumentar a fidelidade de um
modelo significa aumentar a sua complexidade e as dificuldades na sua dedução e resolução
numérica.
Um modelo matemático pode ter muitas formas, como um sistema de equações lineares,
uma equação diferencial ou alguma outra expressão matemática. Uma característica importante
de um modelo matemático é proporcionar um meio eficiente de previsão em uma linguagem
concisa e universal de comunicação.
Dentro deste contexto, o interesse em equações diferenciais está na grande variedade de
problemas que podem ser modelados através deste tipo de equação, nas mais diversas áreas do
conhecimento, incluindo engenharias, física, ciências biológicas e sociais.
A tradução do problema ou situação “real” em termos matemáticos (ou seja, a
modelagem) é feita a partir de hipóteses sobre o que está acontecendo, que pareçam ser
consistentes com o fenômeno observado. Por exemplo, é possível observar a relação
proporcional entre a taxa de decaimento de materiais radioativos e a quantidade de material
presente, ou entre a taxa de transferência do calor de um corpo mais quente para um corpo mais
frio e a diferença de temperatura entre eles, ou entre a taxa de crescimento de uma população
isolada de insetos e a população atual destes insetos. Todas estas afirmações envolvem a idéia de
taxa de variação, ou seja, a derivada de uma variável em relação ao tempo. Em conseqüência,
quando são expressas matematicamente, tomam a forma de uma equação diferencial, como será
visto mais adiante.
É importante ter em mente que as equações matemáticas são, em geral (no que diz
respeito à engenharia, pode-se dizer sempre) apenas uma simplificação ou descrição aproximada
da realidade. Isso ocorre por que as equações são baseadas em observações, e não é possível
garantir que, com estas observações, se consiga identificar todas as variáveis que governam o
processo e o exato comportamento de todas essas variáveis.
Um exemplo muito ilustrativo deste fato é a mecânica clássica de Newton, que durante
250 anos, acreditou-se descrever exatamente o movimento dos corpos, até se descobrir que, em

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situações pouco usuais (como em velocidades próximas à da luz), as leis de Newton não valem.
Outro exemplo diz respeito à taxa de crescimento da população de insetos, que não será
indefinidamente como no enunciado em função de limitações, por exemplo, de alimento.
Além disso, o processo de formulação matemática de um problema real envolve, muitas
vezes, tratar um processo discreto como se fosse contínuo. O exemplo da população de insetos
serva também para ilustrar esta questão. O número de membros de uma população muda por
quantidades discretas (1 a 1), e, para formular o problema na forma diferencial, deve-se assumir
que a população é uma variável contínua (é importante lembrar que só se pode definir a derivada
de uma função contínua). Se, entretanto, a população de insetos for suficientemente grande,
tratar o crescimento da população de insetos como uma função contínua pode ser considerada
uma aproximação muito razoável.
A próxima dificuldade em relação ao uso dos modelos matemáticos está em, uma vez
obtido um modelo, resolver as equações e encontrar uma solução para o modelo. Como será
visto, no caso de modelos baseados em equações diferenciais, é comum ser impossível, com as
ferramentas matemáticas atuais, encontrar a solução da equação. Nestes casos, o que se pode
fazer é tentar conhecer o máximo possível as propriedades da solução, ou tentar realizar
simplificações e aproximações adicionais a fim de viabilizar a solução do problema matemático.
Exemplos de aproximações são linearizar uma equação não linear, ou aproximar uma
função que varia lentamente por seu valor médio (uma constante). Porém, sempre que se faz uma
aproximação deste tipo, é necessário verificar se o problema matemático resultante ainda reflete
adequadamente o problema real em questão, ou para que circunstâncias o modelo simplificado
continua válido. Quanto maior o conhecimento a respeito do comportamento do fenômeno que
se quer modelar, mais segurança se tem na realização das simplificações.
Finalmente, todas as informações obtidas com o modelo, com a sua solução ou, pelo
menos, com as informações fornecidas pelo modelo sobre o comportamento da solução, devem
ser interpretadas dentro do contexto no qual o problema surgiu. Primeiramente, é necessário
verificar se a solução matemática parece fisicamente razoável. Isso exige, entre outras coisas,
que a solução exista, seja única e depende de maneira contínua dos dados do problema.
Esta última observação está relacionada com o fato de os modelos matemáticos, em geral,
utilizarem coeficientes e condições iniciais que são obtidas experimentalmente, e, por tanto,
estão sujeitos a incertezas e erros experimentais. Se estas pequenas diferenças nas características
do modelo resultarem em grandes variações na solução do problema matemático (característica
das descontinuidades), que não são observáveis no sistema real, então o modelo deve ser revisto.
O fato de a solução parecer razoável não garante, porém, que ela descreve corretamente o

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fenômeno observado. A única forma de verificar um modelo é através da comparação de seus
resultados com os dados experimentais e observações do fenômeno modelado.
Em resumo, o processo de criação de um modelo matemático envolve, de maneira geral,
as seguintes etapas:
1. definição do fenômeno ou comportamento que se quer modelar (variável dependente).
2. identificação das variáveis independentes que governam o fenômeno em questão.
3. descrição matemática do comportamento das variáveis e das relações entre as
variáveis em questão.
4. solução o modelo, tratando-o com métodos matemáticos.
5. verificação da consistência da solução oferecida pelo modelo
Um exemplo interessante de criação de um modelo matemático é uma equação
desenvolvida para descrever o comportamento de epidemias. Parte-se da idéia de uma
comunidade com n membros, dos quais p indivíduos estão infectados e q indivíduos não estão
infectados, porém estão susceptíveis, e p + q = n. É mais interessante, porém, trabalhar com a
proporção de indivíduos sãos e infectados do que com os números totais. Assim, define-se x =
p/n e y = q/n, de forma que x + y = 1. Se n é grande, é razoável supor que x e y são variáveis
contínuas. Desta forma, a taxa com a qual a doença se expande é dx/dt. Pode-se fazer a hipótese
de que a doença se espalha pelo contato entre membros sãos e doentes, e assim dx/dt será
proporcional ao número de contatos. Se os dois grupos movem-se livremente, o número de
contatos será proporcional ao produto de x e y. Chega-se então, à equação
dx
= βxy
dt
que pode ser reescrita, tendo em conta que x + y = 1, resultando

= β x(1 − x )
dx
1 (1)
dt
onde β é um fator positivo de proporcionalidade. Para resolver o problema da epidemia, é
necessário saber, em um determinado instante, quantas pessoas já estão infectadas
x(t0) = x0
onde x0 é a proporção de indivíduos infectados no instante t0. Este modelo matemático é
conhecido como problema de valor inicial, e a equação 1 é a equação diferencial que pretende
descrever o comportamento do fenômeno. O objetivo do modelo é fornecer uma previsão da
proporção x de indivíduos de uma população que estarão infectados, em uma epidemia, em
algum instante t no futuro.
Construído o modelo, é necessário avaliar a sua validade. Uma análise simples mostra
algumas inconsistências nos pressupostos do modelo. Em primeiro lugar, se a doença é séria,
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ocorrerá naturalmente uma quarentena, em função dos indivíduos infectados estarem
incapacitados de realizar as suas atividades. Existe também a possibilidade das autoridades de
saúde forçarem uma quarentena adicional. Estas duas possibilidades limitam a validade do
pressuposto de livre circulação dos indivíduos. Além disso, o modelo pressupõe que os
indivíduos infectados permaneçam assim indefinidamente. Todos os fatores citados tendem a
tornar a propagação da doença mais lenta do que o previsto pelo modelo.

Notação e terminologia
a. Representação de derivadas
Utiliza-se normalmente os símbolos y’, y”, y’” , y(4), ..., y(n) para representar as derivadas
de ordem, respectivamente, primeira, segunda terceira, quarta, ..., enésima de y em relação à
variável independente. Se a variável independente for x, ou seja, y = f(x), então y” representa
d 2u (t )
y'' =
dx 2
O uso de parênteses para representar as derivadas de ordem acima de três (por exemplo,
y(4)), tem o objetivo de diferenciar a notação de derivada da notação de potência (y4). Quando a
variável independente é o tempo t, ou seja, y = f(t), então a notação mais usual é y& , &y& e &y&
& , de
maneira que
du(t ) d 2 u (t ) d 3u (t )
y& = &y& = &y&& =
dt dt 2 dt 3
Quando a função tem mais de uma variável independente, é necessário utilizar a derivada
parcial. Neste caso a notação para as derivadas de u=f(x,z) é:
∂f ( x, z ) ∂ 2 f (x , z )
ux = u xx =
∂x ∂x 2
∂f ( x, z ) ∂ 2 f (x, z )
uz = u zz =
∂z ∂z 2
b. Domínio
O conjunto de todos os grupos de valores (xi,zi) possíveis para as variáveis independentes,
para as quais a função u (variável dependente) é definida, denomina-se domínio da função
u=f(x,z). Por exemplo, o domínio da função
u= x
no conjunto dos números reais é [0,∝).

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c. Problemas de valor inicial e problemas valores de contorno
Será visto mais adiante que o resultado de uma equação diferencial aparece na forma de
uma família de funções. A solução do problema associado à equação em questão será uma
função específica daquela família de funções, que será definida a partir de informações extras a
respeito do problema. O tipo de informação apresentada definira o problema como de valor
inicial ou de valores de contorno.
Um problema de valor inicial caracteriza-se pelas informações extras se referirem a um
único ponto da variável independente. Estas informações são chamadas de condições iniciais.
Em problemas de condições de contorno, as informações extras se referem a mais de um ponto
da variável independente. Neste caso, as informações extras são chamadas de condições de
contorno.

Seguem algumas derivadas e integrais que serão úteis na disciplina. Outras relações
podem ser retiradas de tabelas
Polinômios
d
 dx cx ( )
0
=
d
(c ) = 0
d
( ) n −1
cx = ncx ⇒ 
n dx
dx
 dx
( )
 d cx 3 = 3cx 2

Trigonométricas

d du d
sin u = cos u  sin ωt = ω cosωt
dx dx ⇒  dt
d du  d
cos u = − sin u  cos 2 x 2 = −2 x sin 2 x 2
dx dx  dx

d du d
sinh u = cosh u  sinh ωt = ω cosh ωt
dx dx ⇒  dt
d du 
cosh u = sinh u  d cosh 2 x 2 = 2 x sinh 2 x 2
dx dx  dx

Exponenciais
d log a e du d 1 du
log a u = ⇒ ln u =
dx u dx dx u dx
d u du d du
a = a u ln a ⇒ eu = e u
dx dx dx dx
Regra da cadeia
dy dy du
=
dx du dx

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Outras relações úteis
d
(uv ) = u dv + v du
dx dx dx
d
(uvw) = du vw + u dv w + uv dw
dx dx dx dx

Integrais

∫ a(x )dx = ax + c
∫ af (x )dx = a ∫ f (x )dx
∫ (u ± v ± w ± ...)dx = ∫ udx ± ∫ vdx ± ∫ wdx ± ...
∫ udv = uv − ∫ vdu

∫ e du = e +c
u u

u n+1
∫ u du = + c, n ≠ − 1
n

n +1
1
∫u du = ∫ du = ln u, u > 0 ou u < 0
−1

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2ª Aula – Equações diferenciais: definição, classificação, definição de solução, tipos de solução.

1. Definição
Muitos problemas importantes na engenharia, nas ciências físicas e nas ciências sociais,
quando formulados matematicamente, requerem a determinação de uma função que satisfaça
uma equação que contem as derivadas da função incógnita. Estas equações são denominadas
equações diferenciais. A lei de Newton é um exemplo muito familiar:
d 2u (t )  du(t )
2 m = F t , u(t ), (2)
dt 2
 dt 
Esta equação permite encontrar a posição u em função do tempo t (ou seja, u(t)) de uma
partícula sobre a qual atua a força F, que varia com o tempo t, a posição u(t) e a velocidade da
partícula du(t)/dt. O movimento de uma partícula sob a ação da força F é descrito por uma
função u(t) que satisfaça a equação acima.

2. Classificação
Existem vários tipos de equações diferenciais, que são classificadas de várias formas
segundo suas características. Esta classificação é útil para que se possa, por exemplo, identificar
que método de solução é valido para uma determinada equação diferencial. A primeira
classificação é relativa ao número de variáveis independentes da função incógnita: Se ela tiver
apenas uma variável independente (como u(t)), tem-se uma equação diferencial ordinária
(EDO). Caso a função incógnita tenha mais de uma variável independente (como u(x, y, z, t)), as
derivadas serão parciais e a equação é chamada de equação diferencial parcial (EDP). Existem
muitos exemplos de equações diferenciais ordinárias utilizadas nas diversas áreas da engenharia.
Alguns deles são:
d 2Q(t ) dQ(t ) 1
L +R + Q(t ) = E (t )
dt dt C
3 (3)
d x(t )
2
dx(t )
M +C + Kx(t ) = F (t )
dt dt
A primeira equação acima permite encontrar a função Q(t) que descreve como varia a
carga Q de um condensador em função do tempo t, em um circuito elétrico com indutância L,
resistência R e capacitância C, sobre o qual se impõe uma tensão elétrica E(t). Esta equação é
análoga à equação de equilíbrio, que permite encontrar a posição x(t) de um sistema mecânico
com massa M, amortecimento C e rigidez K, ao qual se impõe uma força F(t).

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Outro exemplo de equação diferencial ordinária é a que governa o decaimento com o
tempo de uma quantidade R(t) de uma substância radioativa (k é uma constante conhecida):
dR(t )
4 = kR (t ) (4)
dt
Alguns exemplos de equações diferenciais parciais são a equação de potencial
∂ 2 u ( x, y ) ∂ 2 u( x, y )
5 + =0 (5)
∂x 2 ∂y 2
A equação de difusão ou de calor
∂ 2 u (x, t ) ∂u( x, t )
6 α 2
= (6)
∂x 2 ∂t
e a equação da onda elástica
∂ 2u ( x, t ) ∂ 2 u ( x, t )
7 a2 = (7)
∂x 2 ∂t 2
Onde α e a são constantes determinadas.
A segunda classificação aplicada às equações diferenciais e a sua ordem, definida pela
derivada de maior ordem contida na equação diferencial. A equação 4 é uma equação diferencial
ordinária de primeira ordem (EDO1). As equações 2 e 3 são equações diferenciais ordinárias de
segunda ordem (EDO2), e as equações 5, 6 e 7 são equações diferenciais parciais de segunda
ordem (EDP2).
Outra classificação importante separa as equações diferenciais ordinárias (EDO) em
lineares e não lineares. A equação diferencial
8 ( )
F x, y, y ' ,..., y (n ) = 0 (8)
é linear se F é uma função linear das variáveis y, y´, ..., y(n). Desta forma, a equação diferencial
ordinária linear de ordem n tem a forma
9 an ( x ) y (n ) + a n−1 (x ) y (n −1) + ... + a0 ( x ) y = g ( x ) (9)

onde as funções ai(x) são conhecidas e dependem apenas da variável x. As equações 3 e 4 são
EDO lineares, respectivamente, de segunda e primeira ordem. Por exemplo, a equação
dy
= 5x + 3
dx
é linear, sendo a1 = 1, a0 = 0 e g(x) = 5x+3.
Uma equação que não pode ser expressa desta forma é não linear. A equação
y ' ' '+2e x y' '+ yy' = x 4

9
não é linear, em virtude do termo yy’. Um exemplo simples de um fenômeno físico descrito por
uma equação diferencial não linear é um pêndulo. A equação que descreve o θ em função do
tempo que um pêndulo oscilante com comprimento l forma com a vertical é
d 2θ g
+ sin θ = 0
dt 2 l

O seno impede que a função seja colocada na forma apresentada na equação 9. As


técnicas de solução de equações diferenciais lineares estão bem desenvolvidas, porém o mesmo
não se aplica às ED não lineares. As técnicas de solução para equações diferenciais não lineares
são muito restritas e bastante complexas. Uma forma de tratar os problemas não lineares é, se
possível, fazer uma aproximação e “linearizar” a equação. Para pequenos ângulos, pode-ser dizer
que sen θ ≅ θ, e assim é possível aproximar a equação do pêndulo oscilante para a equação linear
d 2θ g
+ θ =0
dt 2 l
Alguns problemas, porém, não podem ser linearizados. Um exemplo importante é o do
fluxo de corrente num tubo de elétrons. Algumas técnicas para solucionar este tipo de equação
serão vistas mais adiante.

3. Definição de solução de equações diferenciais e tipos de solução


A solução de uma equação diferencial na função incógnita y e na variável independente x,
em um intervalo ζ, é uma função y(x) que verifica identicamente a equação para todo o x no
intervalo definido.
Algumas equações diferenciais admitem infinitas soluções (família de soluções),
enquanto outras não têm solução. Um exemplo facilmente verificável de uma equação
diferencial que não tem solução é
( y")4 + y 2 = −1

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Como todos os termos do lado esquerdo da equação são uma soma de potências pares,
não existe uma função real y(x) que resulte em um número negativo. Logo, a equação proposta
não tem solução.
Falou-se, na primeira aula, que um modelo matemático de um sistema físico real (SFR),
entre eles os baseados em equações diferenciais, deve ter uma única solução. Embora uma
equação diferencial possa admitir infinitas soluções, um modelo de um sistema físico real, para
estar completamente definido, deverá ser um problema de valor inicial ou um problema de
condições de contorno. Para tanto, é necessário que se defina a equação diferencial que rege o
SFR e as condições iniciais (ou as condições de contorno) para as quais se deseja conhecer a
resposta do modelo. O problema de valor inicial ou de condições de contorno deve ter uma única
solução. A solução da equação y '+ay = 0 é y ( x ) = ce − ax , onde c é uma constante que pode ter
qualquer valor. Quando se impõe uma condição do tipo
y(0) = 2
fica definido um problema de valor inicial, o qual tem uma única solução
10 y( x ) = 2e − ax (10)
Uma solução particular de uma equação diferencial é qualquer uma de suas soluções. A
solução geral da equação diferencial é o conjunto de todas as suas soluções. A solução de um
problema de valor inicial (ou de condições de contorno) é uma solução particular da equação
diferencial.
Uma solução colocada na forma y=φ(x), com a apresentada na equação 10, é chamada de
explícita. Muitas vezes, porém, especialmente no caso de equações não lineares, não é possível
(ou não é conveniente) colocar a solução desta forma. Neste casos, a solução aparece na forma
implícita
11 ψ [x,φ ( x )] = 0 (11)
x
Por exemplo, a solução da equação não linear y ' = − é
y

x2 + y 2 = c2
A solução assim colocada está na forma implícita.
Muitas equações diferenciais não podem ser solucionadas analiticamente, seja pela
complexidade da equação, seja pela impossibilidade de se definir matematicamente as condições
de contorno. Uma forma de abordar este tipo de problema é utilizar métodos numéricos para
encontrar a solução da equação diferencial em um conjunto finito de pontos do seu domínio. Este
tipo de solução é chamado de solução numérica, e será abordado mais adiante.

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3ª Aula – Equações diferenciais de primeira ordem separáveis
As equações diferenciais de primeira ordem têm a forma:
12 y'= f ( x, y ) (12)
onde f é uma função de duas variáveis x e y. Qualquer função y=φ(x), que, juntamente com sua
derivada y’ satisfaça a equação anterior será uma solução da equação diferencial. O objetivo aqui
é determinar se estas funções existem e de que forma podem ser encontradas.
O exemplo mais simples de equação diferencial de primeira ordem ocorre quando f
depende apenas de x, ou seja:
y ' = f (x )
O que se está procurando é uma função y=φ(x) cuja derivada seja a função dada. Assim, a
função φ(x) é uma antiderivada (ou integral) de f(x):

y = φ ( x ) = ∫ f (t )dt + c
x

onde c é uma constante arbitrária. Por exemplo:

y' = sin 2 x ⇒ y = φ ( x ) = − cos 2 x + c


1
2
Duas características das equações diferenciais de primeira ordem são evidenciadas com
este exemplo: (1) é necessário um único processo de integração para eliminar a derivada de y e
obter o próprio y, e (2) o processo de integração leva a uma expressão para a solução que
envolve uma constante arbitrária (c).
Este exemplo simples de equação diferencial tem uma solução simples e direta, porém
isso não se aplica a todas as equações diferenciais de primeira ordem. Na verdade, não existe um
método geral para encontrar soluções para todas as equações do tipo y '= f ( x, y ) .
A importância da questão da existência e unicidade de um problema de valor inicial já foi
apresentada anteriormente. Quando um problema de valor inicial (a equação diferencial junto
com as condições iniciais) representa um modelo de fenômeno real, é fundamental que a solução
deste problema existe e, além disso, ela seja única. O seguinte teorema estabelece as condições
nas quais um problema de valor inicial para uma equação diferencial linear de primeira ordem
terá sempre uma e somente uma solução
Teorema 1: Se as funções p e g são contínuas num intervalo aberto α < x < β contendo o
ponto x=x0, então existe uma única função y=φ(x) que satisfaz a equação diferencial
y '+ p ( x ) y = g ( x )

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para α<x<β, e que também satisfaz a condição inicial y(x0)=y0, onde y0 é um valor inicial
arbitrário prefixado. A prova deste teorema pode ser encontrada em livros de equações
diferenciais, e não será apresentada neste texto.
É importante lembrar que este teorema vale apenas para equações diferenciais de
primeira ordem lineares. O caso mais geral de problemas de valor inicial, que envolvem também
as equações diferenciais de primeira ordem não lineares, também tem um teorema que garante
em que condições a solução existirá e será única.
Teorema 2: Sejam as funções f e ∂f / ∂y contínuas em algum retângulo α<x<β, γ<y<δ,

contendo o ponto (x0, y0). Então, em algum intervalo x0-h< x <x0+h, contido em α<x<β, existe
uma solução única y=φ(x) do problema de valor inicial y’=f(x,y), y(x0)=y0. Estas condições são
suficientes para garantir a existência de uma solução única para este problema, mas o valor de h
pode ser difícil de determinar. Além disso, mesmo que f não satisfaça as condições acima, ainda
é possível que exista uma solução única.
A representação y '= f ( x, y ) é chamada de forma normal de representação de uma
equação diferencial. Uma outra maneira de representar esta equação é na sua forma diferencial

M ( x , y ) + N ( x, y )
dy
13 =0 (13)
dx
Sempre é possível fazer isso, fazendo M(x,y) = -f(x,y) e N(x,y) = 1 (poderão existir
também outras formas de fazê-lo). Se M for apenas uma função de x e N apenas uma função de y,
então a equação 13 fica

M (x ) + N ( y )
dy
14 =0 (14)
dx
Por exemplo, a equação
dy x2
y' = =
dx 1 + y 2
pode ser escrita

− x 2 + (1 + y )
dy
=0
dx
Uma equação que possa ser escrita na forma 14 é dita ser separável, e a razão para esta
denominação fica clara quando ela é reescrita na forma
15 M ( x )dx = − N ( y )dy (15)
Uma equação diferencial com esta forma pode ser resolvida da seguinte forma. Sejam
duas funções H1(x) e H2(y) tais que

13
dH 1 (x ) dH 2 ( y )
H '1 (x ) = = M (x ) H '2 ( y ) = = N (y)
dx dy
A equação 14 pode ser então reescrita

H '1 ( x ) + H '2 ( y )
dy
16 =0 (16)
dx
Se y=φ(x), pela regra da cadeia, tem-se que o segundo termo da equação fica

H '2 ( y ) = [H 2 ( y )] = H 2 (φ ( x ))
dy d d
dx dx dx
Agora, se y=φ(x) for uma solução da equação diferencial 14, então a eq. 16 torna-se

H '1 (x ) + H 2 [φ ( x )] = 0
d
dx
ou

17
d
{H 1 (x ) + H 2 [φ (x )]} = 0 (17)
dx
Integrando a eq. 17, tem-se
18 H1 ( x ) + H 2 [φ (x )] = c ⇒ H 1 ( x ) + H 2 [ y ] = c (18)
onde c é uma constante arbitrária e a equação 18 é uma solução da equação diferencial 14 na
forma implícita, onde H1 e H2 são quaisquer antiderivadas de M e N, respectivamente. Estas
antiderivadas são obtidas pela integração do primeiro termo da eq. 15 em relação a x e do
segundo membro em relação a y:

∫ M (x )dx + ∫ N ( y )dy = c
Os passos acima justificam este procedimento. Esta é a solução para a equação
diferencial. Se for fixada uma condição inicial do tipo y(x0)=y0, o problema passa a ser um
problema de valor inicial, e a constante c será definida substituindo-se x=x0 e y=y0 na equação
18
c = H 1 ( x0 ) + H 2 ( y0 )
Se este valor de c for substituído na eq. 18, observando-se que

H 1 (x ) − H1 ( x0 ) = ∫ M (t )dt H 2 [ y] − H 2 [ y0 ] = ∫ N (t )dt
x y

x0 y0

resulta

M (t )dt + ∫ N ( y )dy = 0
x y
19 ∫x0 y0
(19)

Esta equação representa a forma implícita da solução da equação diferencial 14. Em


muitos casos, colocar a solução da equação na forma explícita pode ser extremamente difícil. Em

14
conseqüência disso, em alguns casos, pode ser difícil determinar o intervalo no qual a solução
existe.
Exemplo 1 - Solucionar o problema de valor inicial
dy 3 x 2 + 4 x + 2
20 = , y(0 ) = −1 (20)
dx 2( y − 1)
Esta equação diferencial pode ser reescrita na forma
(3x 2
)
+ 4 x + 2 dx = 2( y − 1)dy
Integrando o primeiro termo em relação a x e o segundo em relação a y resulta
x3 + 2 x 2 + 2 x + c = y 2 − 2 y
Para encontrar a constante c, substitui-se y = -1 e x = 0 neste resultado de onde sai que c
= 3, e a equação fica
21 y 2 − 2 y = x 3 + 2 x 2 + 2x + 3 (21)
e esta é uma solução da equação diferencial na forma implícita. Para obter-se a solução
na forma explícita, é necessário resolver a equação 21 para y em função de x (y=φ(x)). Neste
caso, como a equação 21 é uma equação quadrática em y, isso fica fácil

(
y − 2 y − x + 2x + 2x + 3 = 0 ⇒ y =
2 3 2 2 ± 4 + 4 x3 + 2 x 2 + 2 x + 3
) ( )
2
2± 4[1 + x 3
]
+ 2 x 2 + 2x + 3 2 ± 2 x 3 + 2 x 2 + 2 x + 4
y= =
2 2

22 y = 1± x3 + 2x2 + 2x + 4 (22)
A eq. 22 apresenta duas soluções para a equação diferencial. Voltando as condições
iniciais, resulta que apenas uma delas pode ser solução do problema de valor inicial 20:

y = 1− x 3 + 2x2 + 2x + 4
Resta, ainda, avaliar para que valores de x para os quais a solução é válida. Neste caso, é
necessário que o valor dentro do radical seja positivo. Traçando o gráfico da função, é possível
ver que isso é válido para x > -2.
Exemplo 2 - Solucionar o problema de valor inicial
dy y cos x
= , y(0) = 1
dx 1 + 2 y 2
Reescrevendo a equação:
1 + 2 y2
dy = cos xdx
y
resulta que ela é separável. Integrando o lado esquerdo em relação a y e o direito em relação a x

15
1+ 2 y2
∫ y dy = ∫ cos xdx
1 
∫  y + 2 y  dy = sin x + c
ln ( y ) + y 2 = sin x + c ⇒ y(0) = 1 ⇒ ln (1) + 12 = sin 0 + c ⇒ c = 1
ln ( y ) + y 2 = sin x + 1
Não é possível colocar esta solução na forma explícita, o que dificulta a análise sobre o
domínio no qual a solução é válida.

16
4ª aula – Fatores integrantes, solução de EDO1 lineares.
Uma equação diferencial de primeira ordem que tem a forma 13, ou seja

M ( x, y ) + N ( x, y )
dy
=0
dx
será chamada uma equação exata se existe uma função g(x,y) tal que
dg (x, y )
= M ( x, y )dx + N ( x, y )dy
dx
Para que esta função g(x,y) exista, ou seja, para que a equação 13 seja exata, as funções
M(x,y) e N(x,y) devem ser funções contínuas em um retângulo (domínio) do plano xy, e devem
ser tais que
∂M (x, y ) ∂N ( x, y )
23 = (23)
∂y ∂x
Se uma equação diferencial for exata, para que se encontre a sua solução, é necessário
resolver as equações
∂g (x, y )
24 = M ( x, y ) (24)
∂x
∂g ( x, y )
25 = N ( x, y) (25)
∂y
para g(x,y). A solução da equação 13 será dada implicitamente por
g ( x, y ) = C
onde C é uma constante arbitrária. Considere, por exemplo, a equação diferencial
26 ( )
2 xy dx + 1 + x 2 dy = 0 (26)
Nesta equação, M(x,y) = 2xy e N(x,y) = (1+x2). A equação é exata, pois
∂M (x, y ) ∂N (x, y )
= = 2x
∂y ∂x
e, por tanto, para encontrar a sua solução, é necessário encontrar g(x,y). Pela equação 24, tem-se
∂g ( x, y )
= M ( x, y ) = 2 xy
∂x
de onde tira-se que
∂g ( x, y )
g ( x, y ) = ∫ dx = ∫ 2 xy dx
∂x
g ( x, y ) = x 2 y + h( y )
É importante lembrar que h(y), que é a constante que aparece na integração é constante
em relação a x, mas não necessariamente em relação a y. Para que se determine a solução da

17
equação diferencial 26, é necessário determinar h(y). Para isso, utiliza-se a equação 25. Em
primeiro lugar, nota-se que
∂g ( x, y ) ∂ 2
∂y
= N ( x, y) =
∂y
( )
x y + h ( y ) = x 2 + h' ( y )

Foi determinado no início do problema que N(x,y) = 1+x2. Por tanto, concluí-se que
N ( x, y) = 1 + x 2 = x 2 + h' ( y ) ⇒ h' ( y ) = 1 ⇒ h( y ) = y + c1
Resulta que
g ( x, y ) = x 2 y + y + c1
Sabe-se que a solução da equação diferencial proposta é
g (x, y ) = c ⇒ x 2 y + y + c1 = c ⇒ x 2 y + y = c2 (c2 = c − c1 )
Assim
x 2 y + y = c2
é a solução da equação diferencial 26 na forma implícita. Ela pode ser colocada na forma
explicita em relação a y, resultando em
c2
y=
x2 +1
É importante lembrar que o método, como colocado até agora, só permite resolver
equações diferenciais de primeira ordem (EDO1) exatas. Este é um caso muito específico, e em
geral uma equação com a forma
27 M (x, y )dx + N ( x, y )dy = 0 (27)
não é exata (note que esta equação é exatamente igual a equação 11, porém escrita de outra
forma). Muitas vezes, porém, é possível transformá-la em uma equação exata multiplicando-a
por um fator adequado µ(x,y). Assim, se a equação
28 µ ( x, y )[M ( x, y )dx + N ( x, y )dy ] = 0 (28)
é exata, então µ(x,y) é um fator integrante da equação 27. Assim, se for encontrado um fator
integrante de uma equação diferencial não exata, é possível encontrar transformá-la em uma
equação exata e encontrar a sua solução com o mesmo método apresentado para equações exatas.
A aplicabilidade deste método depende, no entanto, de se encontrar, para casos gerais, o
fator integrante da equação diferencial. Isso, infelizmente, é muito difícil, e geralmente a
identificação do fator integrante depende da habilidade do calculista. Existem tabelas com casos
conhecidos que podem ajudar.

18
Um caso em que é simples encontrar um fator integrante é quando µ é uma função apenas
de x ou de y, e não de ambas. Considerando o caso em que µ é uma função só de x, pode-se
fazer:
(µM )y = µM y
(µN )x = µN x + N dµ
dx
Se µ é um fator integrante, (µM)y=(µN)x, e resulta
dµ dµ M y − Nx
µM y = µN x + N ⇒ =µ
dx dx N
M y − Nx
Se for função apenas de x, então existe um fator integrante µ que depende
N
apenas de x, e que pode ser encontrado resolvendo a EDO1 linear
dµ M y − Nx

dx N
O mesmo procedimento pode ser feito para encontrar um fator integrante que depende
apenas de y.

19
5ª aula – Equações de Bernoulli e Ricatti
a. Equação de Bernoulli
E equação
y '+ p ( x ) y = q ( x ) y n
Sendo n um número real qualquer, é chamada equação de Bernoulli. Para n>1, a equação
é não linear. Para esta equação, pode ser feita a substituição
z = y1−n
A equação diferencial resultante será uma equação linear, e pode ser resolvida, por
exemplo, pelo método dos fatores integrantes. Por exemplo, na equação
y '+ xy = xy 2
tem-se n=2. Pode-se fazer, então
1 z'
z = y1−2 = y −1 ⇒ y = , y' = −
z z2
Substituindo na equação diferencial, resulta

⇒ z '− xz = − x ⇒ z '+ x(1 − z ) = 0


z' x x
− + =
z2 z z2
Esta é uma equação linear, cuja solução pode ser facilmente encontrada.
Exemplo: considerar a equação
29 x 2 y'+2 xy − y 3 = 0 (29)
Esta é uma equação de Bernoulli, com n=3. A solução desta equação pode ser obtida com
a substituição
1 z'
z = y1−3 = y −2 ⇒ y = , y' = −
z2 2z
3
2

Substituindo na equação, resulta


x2 z' x2
30 − +
2x

1
= 0 ⇒ (2 xz − 1) − z' = 0 (30)
2 z 3 2 z 12 z 3 2 2

Esta é uma equação diferencial não exata, porém é possível encontrar um fator integrante,
pelos métodos discutidos anteriormente, igual a x-6. Multiplicando a equação 30 pelo fator
integrante, ela será exata e sua solução será
zx −4 x −5
− + =c
2 5

20
Resta ainda desfazer a substituição de variáveis e achar a solução para y:
1

y − 2 x − 4 x −5 2 2  2
z = y −2 ⇒− + = c ⇒ y −2 = x −1 − cx 4 ⇒ y =  x −1 − cx 4 
2 5 5 5 
Esta é a solução da equação diferencial 29 na forma explícita.

b. Equação de Ricatti
Um outro caso em que é possível fazer uma troca de variáveis para possibilitar a solução
de uma equação diferencial é a equação de Ricatti, cuja forma geral é
y ' = p (x ) + q ( x ) y + r ( x )y 2
Esta EDO1 não linear pode ser resolvida fazendo
1 1 z'
z= ⇒ y = − yp y'= − − yp'
y − yp z z2

onde yp é uma solução particular conhecida da equação diferencial.


Exemplo: considerar a equação
31 y ' = −2 − y + y 2 (31)
Uma solução desta equação é y = 2 (facilmente verificável). Pode-se fazer
1 1 z'
z= ⇒ y = − 2 y' = − 2
y−2 z z
Substituindo na equação 31, resulta
2
z' 1 1  1 1 4
− 2 = −2 − − 2 +  + 2  = −4 − + 2 + + 4
z z z  z z z

= + ⇒ − z ' = 3z + 1 ⇒ (3 z − 1) + z ' = 0
z' 3 1

z2 z z2
Esta equação diferencial pode ser resolvida pelo método dos fatores integrantes, e a sua
solução é
e3x 1
ze +
3x
= C ⇒ z = − + Ce −3 x
3 3
Resta ainda desfazer a troca de variáveis:
−1
1 1 1  1 
z= ⇒ = − + Ce −3 x ⇒ y =  − + Ce −3 x  + 1
y − yp y −2 3  3 
E esta é a solução da equação diferencial

21
6ª aula – EDO lineares com coeficientes constantes de ordem superior
Equações de segunda ordem
Uma EDOII é uma equação com a seguinte forma geral
32 F ( x , y , y ' , y ' ') = 0 (32)
A teoria geral para solução de equações diferencias deste tipo é bastante complicada.
Serão discutidas a seguir a solução de alguns casos específicos, úteis em aplicações de
engenharia. Em primeiro lugar, serão feitas algumas considerações sobre o caso particular em
que é possível resolver a equação 32 para y’’, ou seja
y ' ' = f ( x , y , y ')
Para resolver esta equação, ou seja, encontrar uma y=φ(x) que satisfaça a igualdade, serão
necessárias duas integrações. Em conseqüência disso, vão aparecer duas constantes arbitrárias.
No exemplo simples
y ' ' = g (x )
a solução é encontrara integrando a função g(x) duas vezes. Na primeira integração, resulta
y' = ∫ g (s )dx = c1 + ∫ g (s )dx
t t

Integrando novamente:
   
y = ∫ c1 + ∫ g (s )dx dt = c2 + c1 x + ∫  ∫ g (s )dxdt
x t  x t 
Em um problema de valor inicial, para que se determine o valor das constantes c1 e c2, é
necessário estabelecer duas condições iniciais, como o valor de y0 e y’0 em um ponto x0.
Considerando agora o caso particular em que a EDOII é linear, ela terá a forma
d2y
P ( x ) 2 + Q ( x ) + R (x ) y = G (x )
dy
33 (33)
dx dx
Assumindo P, Q, R e G contínuas em α < x < β, e que P nunca se anule neste intervalo,
pode-se dividir todos os termos da equação por P(x), resultando
d2y
+ p(x ) + q (x )y = g (x )
dy
34 2
(34)
dx dx
O teorema a seguir, que não será demonstrado, garante a existência e a unicidade da
solução desta equação.
Teorema: Se as funções p, q e g são contínuas em um intervalo aberto α < x < β, então
existe uma e somente uma função y=φ(x) que satisfaz a equação 34 em todo o intervalo α < x <
β, com as condições inicias pré-fixadas y(x0) = y0 e y’(x0) = y’0, em um ponto particular do
intervalo.
22
Exemplo
y"+ y = 0 y(0) = 0, y' (0) = 1
A solução deste problema é uma função cuja segunda derivada seja igual a própria
função, porém com o sinal invertido. Exemplos de funções com este comportamento são sen(x) e
cos(x). Porém, apenas a função y = sen(x) satisfaz as condições iniciais:
y = sin x 
 y"+ y = sin x − sin x = 0
y ' = cos x 
y (0) = sin (0 ) = 0, y' (0) = cos(0) = 1
y" = − sin x 

Para encontrar a solução da EDOII com a forma apresentada na equação 34, será
necessário resolver a equação homogênea correspondente
d2y
+ p(x ) + q (x )y = 0
dy
35 2
(35)
dx dx
onde g(x) foi substituído por zero (0). Uma vez encontrada a solução deste problema, a solução
do problema original não homogêneo poderá ser encontrada com um método geral, que será
visto mais adiante.
Uma caso particular da equação 35, que encontra importantes aplicações em engenharia,
e cuja solução é relativamente simples, é quando os coeficientes da equação são constantes, ou
seja, o caso de uma equação diferencial com a forma
d 2y dy
36 a 2
+ b + cy = 0 (36)
dx dx
onde a, b e c são números reais e a ≠ 0. É interessante notar que, como a, b e c são constantes, o
teorema da existência e unicidade estará automaticamente satisfeito para -∞< x ∞.
Por observação, pode-se prever que a solução desta equação deverá ser uma função
y=φ(x) que difira de sua primeira derivada y’ e de sua segunda derivada y” apenas por fatores
multiplicativos constantes. Um caso bem conhecido deste tipo de comportamento é a função
y = e rx
onde r é um valor que deverá ser determinado. Substituindo esta solução na equação 36, obtém-
se
( ) ( ) ( )
a e rx "+b e rx '+c e rx = 0
Observando que

dx
( )
d rx
e = re rx
dx 2
( )
d 2 rx
e = r 2 e rx

resulta
( ) ( ) ( ) (
ar 2 e rx + br e rx + c e rx = 0 ⇒ e rx ar 2 + br + c = 0 )
23
Como erx não é zero, tem-se então que
37 ar 2 + br + c = 0 (37)
A equação algébrica acima é conhecida como a equação característica da equação 36.
Lembrando que a, b e c são os coeficientes da equação e r é a parte ainda desconhecida da
solução, resulta que será necessário resolver a equação 37 para r:

− b ± b 2 − 4ac
r=
2a

Esta fórmula levará, em geral, a dois valores de r. Em conseqüência do termo b 2 − 4ac ,


existem três possibilidades para estes valores:

1. r1≠r2, ambos reais ( b 2 − 4ac > 0 ).


Neste caso, a solução da equação diferencial 36 será
38 y = c1e r1 x + c2 e r2 x (38)
onde c1 e c2 deverão ser determinados pelas condições iniciais do problema.

2. r1=r2(=r), real ( b 2 − 4ac = 0 ).


Neste caso, a solução da equação diferencial 36 será
39 y = c1e rx + c2 xe rx (39)
e c1 e c2 também serão determinados pelas condições iniciais do problema.

3. r1 ≠r2, complexos ( b 2 − 4ac < 0 ).


Quando b 2 − 4ac < 0 , os valores de r1 e r2 serão da forma λ±iµ (número complexo), e a
solução terá a forma e (λ ±iµ ) x (exponencial complexa). As funções exponenciais complexas têm
uma relação conhecida com as funções trigonométricas seno e co-seno:
e ix = cos( x ) + i sin (x )
e −ix = cos(x ) − i sin ( x )
Esta relação é conhecida como a fórmula de Euler. A partir destas relações, pode-se
demonstrar que a solução da equação diferencial, para este caso, fica:
40 y = c1e λx cos µx + c2 e λx sin µx (40)
Nos resultados dos três casos apresentados acima, não foram apresentadas as provas
correspondentes, que demonstram serem estas as soluções únicas da equação diferencial em cada
caso. O aluno interessado na prova deverá buscar na bibliografia adequada.

24
7ª aula – EDO lineares com coeficientes constantes de ordem superior – parte não homogênea
Neste ponto, é importante lembrar que a solução obtida nos três casos acima refere-se ao
problema homogêneo com coeficientes constantes, representado pela equação 36. Será
necessário, agora, apresentar um método para encontrar a solução geral do problema não
homogêneo correspondente
d2y
a 2 + b + cy = g ( x )
dy
41 (41)
dx dx
O teorema a seguir vale para este caso, e também é válido para o caso mais geral do
problema não homogêneo, em que os coeficientes não são constantes, representado pela equação
33 ou pela equação 34. Para este caso, porém, ainda não foi apresentado um método de se
encontrar a solução do problema homogêneo.
Teorema: Dada uma solução yp da equação diferencial linear não homogênea
d2y
+ p ( x ) + q (x ) y = g ( x )
dy
2
dx dx
qualquer solução y=φ(x) desta equação pode então ser expressa como
φ ( x ) = y p ( x ) + c1 y1 ( x ) + c2 y 2 (x )

onde y1 e y2 são soluções linearmente independentes da equação homogênea correspondente


d2y
+ p(x ) + q (x )y = 0
dy
2
dx dx
A solução yp é chamada solução particular da equação diferencial não homogênea.
Voltando agora ao caso da equação com coeficientes constantes 41, para a qual já é
possível determinar a solução da equação homogênea correspondente. O método dos coeficientes
indeterminados permite encontrar a solução particular yp da equação diferencial 41, nos casos em
que o termo não homogêneo g(x) é uma função exponencial (eαx), polinomial (anxn+...+a0) ou de
caráter senoidal (sen (βx) ou cos(βx)), ou um produto em que os termos tem as formas
mencionadas acima, tal como
cos β x
(
g ( x ) = eαx a n x n + ... + a0  )
sin βx
Serão estudados três casos de termos não homogêneos g(x) formados por combinações
dos tipos de função citados acima. Em cada caso, a solução particular será procurada com um
determinado formato. O primeiro é o caso de um termo não homogêneo na forma de um
polinômio com grau n
g ( x ) = an x n + a n−1 x n −1 + ... + a0

25
Neste caso, a solução particular yp deve ser procurada com a forma
y p = An x n + An −1 x n−1 + ... + A0

e as constantes Ai devem ser determinadas substituindo a solução na equação diferencial. O


segundo caso é o de termos não homogêneos formados pela combinação
(
g ( x ) = eαx a n x n + an−1 x n −1 + ... + a0 )
A solução particular yp neste caso deverá ter a forma
(
y p = eαx An x n + An −1 x n−1 + ... + A0 )
e as constantes Ai devem ser procuradas substituindo-se esta solução na equação diferencial. É
útil lembrar que o coeficiente α na exponencial da solução particular yp é o mesmo do termo não
homogêneo g(x), e por tanto é conhecido (um dado do problema), e não é necessário determiná-
lo.
O terceiro tipo de termo não homogêneo estudado terá a forma
sin βxx
g ( x ) = e αx ( 
an x n + an −1 x n−1 + ... + a0 ou )
cos β x

Para este caso, a solução particular yp deverá ter a forma
[( ) ( )
y p = An x n + An−1 x n −1 + ... + A0 eαx cos β x + Bn x n + Bn −1 x n−1 + ... + B0 eαx sin β x ]
e as constantes An e Bn são encontradas substituindo esta solução na equação diferencial. Um vez
mais, é útil observar que os coeficientes α e β que aparecem na solução particular yp são os
mesmos do termo não homogêneo e, por tanto, já são conhecidos.
Duas observações devem ser feitas neste ponto. A primeira permite ampliar os casos que
podem ser solucionados com o procedimento apresentado acima. Quando o termo não
homogêneo g(x) da equação diferencial for uma soma envolvendo os tipos de função
apresentados acima
g (x ) = g 1 (x ) + g 2 ( x )
onde g1(x) e g2(x) tem a forma de algum dos três casos apresentados anteriormente, de maneira
que a equação diferencial terá a forma
ay"+by '+ c = g1 ( x ) + g 2 (x )
então podem ser obtidas duas soluções particulares separadamente yp1 e yp2, fazendo
ay"+by '+ c = g1 ( x )

ay"+by '+ c = g 2 (x )

26
e a solução particular yp da equação diferencial original será a soma das duas soluções
particulares encontradas
y p = y p1 + y p 2

A segunda observação permite corrigir uma falha do método que pode acontecer em
alguns casos. Se algum termo da solução particular procurada yp resultar igual a uma solução da
equação homogênea correspondente, será necessário multiplicar yp por xs, onde s = 1 ou 2 (o que
for necessário para garantir que nenhum termo da solução particular yp seja uma solução da
equação homogênea) antes de determinar os coeficientes Ai.
O quadro a seguir resume as possibilidades de formato da solução particular yp em função
da forma do termo não homogêneo da equação diferencial.

g(x) yp(x)
pn ( x ) = an x n + an−1 x n −1 + ... + a0 (
x s An x n + An −1 x n−1 + ... + A0 )
pn (x )eαx ( )
x s An x n + An −1 x n−1 + ...+ A0 eαx
sin β x
pn ( x )e 
αx ( )
x s [ An x n + An−1 x n −1 + ... + A0 eαx cos βx +
cos β x (B x
n
n
)
+ Bn −1 x n−1 + ... + B0 eαx sin β x]

27
7ª aula – Seqüências e séries
O método apresentado anteriormente para resolver equações diferenciais de segunda
ordem permite resolver apenas o caso particular de equações com coeficientes constantes.
Existem muitas aplicações importantes que exigem solucionar equações lineares de coeficientes
variáveis de segunda ordem ou de ordem ainda maior, para as quais o método apresentado não
pode ser aplicado.
Equações diferenciais ordinárias lineares de ordem superior (maior do que 1) com
coeficientes variáveis não podem ser resolvidas em termos de funções elementares. Uma maneira
de encontrar a solução destas equações é supor que exista uma solução na forma de uma série
infinita e proceder de forma semelhante ao método dos coeficientes indeterminados para
determinar a solução. Dos tipos de séries infinitas existentes, a mais utilizada para solucionar as
equações diferenciais em questão são as séries de potência. Uma breve revisão deste tipo de série
será apresentada a seguir.
Uma série de potência em x - a, ou uma série de potências centrada em a, é uma série
infinita da forma

c0 + c1 ( x − a ) + c2 (x − a ) + ... = ∑ cn ( x − a )
2 n

n =0

Um caso de grande interesse na solução de equações diferenciais é o de séries de potência


centradas em a = 0. Uma série de potências converge num ponto x se o
m
lim ∑ c n (x − a )
n
m →∞
n= 0

existe, ou seja, a soma converge para um número finito e bem definido. Uma série sempre
converge em x = a; ela pode convergir para qualquer valor de x ou apenas para uma certa faixa
de valores de x. O conjunto de todos os valores de x para os quais a série converge é chamado de
intervalo de convergência. Toda a série de potências tem um raio de convergência. Se a série
converge apenas em x = a, o raio de convergência é R = 0. Se o raio de convergência é R > 0,
então a série converge para |x - a| < R e diverge para |x - a| > R. Uma série que converge para
todo o x tem raio de convergência R = ∞. Nos extremos do intervalo de convergência (|x - a| =
R), a série pode ou não convergir.
Dentro do seu intervalo de convergência, uma série de potências converge absolutamente,
ou seja, se a série de valores absolutos

∑ c (x − a )
n
n
n =0

converge então a série de potências

28

∑ c (x − a )
n
n
n= 0

também converge. Este resultado é importante por que é utilizado em uma das formas mais
freqüentes de se determinar a convergência de uma série: o teste da razão. Supondo que cn ≠ 0
para todo o n, e que

cn +1 ( x − a )
n +1
cn +1
lim = x − a lim =L
cn ( x − a )
n→ ∞ n n →∞ c
n

Se L < 1, a série converge absolutamente. Se L > 1, a série diverge. Se L=1, o teste é


inconclusivo. Por exemplo, para testar a convergência da série de potências

∑ (− 1) n(x − 2)
n +1 n

n =0

aplica-se o teste da razão

lim
(− 1) (n + 1)( x − 2)
n+ 2 n +1
= x − 2 lim
n +1
= x−2
n→ ∞
(− 1)n+1 n(x − 2 )n n→∞ n

Pela condição apresentada pelo teste, para |x - 2| < 1, ou seja, para 1 < x <3, a série
converge. Para |x - 2| > 1 a série diverge, e para x = 1 e x = 3 o teste não é conclusivo. O raio de
convergência da série é igual a 1.

Uma série de potências define uma função f ( x ) = ∑ cn ( x − a ) ,cujo domínio é o
n

n =0

intervalo de convergência. Se o raio de convergência for R > 0, então a função f será contínua
diferenciável e integrável no intervalo (a - R, a + R). Em uma série de potências centrada em a =

0, y = f (x ) = ∑ cn ( x ) , as duas primeiras derivadas serão
n

n =0

∞ ∞
y ' = ∑ cn n( x ) y" = ∑ cn n(n − 1)(x )
n −1 n −2

n =0 n =0

O primeiro termo da primeira derivada e os dois primeiros termos da segunda derivada


são nulos. Estes termos nulos podem ser omitidos e as derivadas podem ser reescritas
∞ ∞
y ' = ∑ cn n( x ) y" = ∑ cn n(n − 1)(x )
n −1 n −2

n =1 n =2

∑ c (x − a ) = 0 para todo o número x no intervalo de


n
Uma série de potências n
n =0

convergência R > 0, então cn = 0 para todo o n (série de potências identicamente nula).

29
Uma série de potências cujos coeficientes cn tem a forma
f ( n ) (a )
cn =
n!
é chamada de série de Taylor. Uma série de Taylor centrada em a = 0 é chamada de série de
McLaurin. Muitas funções podem ser representadas por uma série de Taylor. Exemplos disso são
x x 2 x3
e = 1+ +
x
+
1! 2! 3!
x3 x5 x7
sin x = x − + +
3! 5! 7!
x2 x4 x6
cos x = 1 − + −
2! 4! 6!
Finalmente, mais um conceito importante em aplicações de séries para solução de
equações diferenciais é o de analiticidade de um ponto. Uma função f(x) é analítica em um ponto
x = a se pode ser representada por uma série de potências em (x-a) com raio de convergência
positivo ou infinito. As funções mostradas acima (ex, sen(x) e cos(x)) podem ser representadas
em com uma série de Taylor centrada em zero (ou série de McLaurin), e assim são analíticas no
ponto x = a = 0.
Outro assunto que será importante para a utilização de séries em solução de equações
diferenciais é a possibilidade de se realizar operações aritméticas com as séries de potência. As
séries de potência podem ser combinadas com operações como adição, multiplicação e divisão.
Os procedimentos são similares aos utilizados para somar, multiplicar e dividir dois polinômios,
isto é, somar os coeficientes das potências iguais, usar a propriedade distributiva, agrupar termos
de mesma potência de x e efetuar divisão. Por exemplo:

 x x 2 x 3  x 3 x5 x 7   1 1  1 1
e x ⋅ sin x = 1 + + +  x − + +  = x + x 2 +  − +  x 3 +  − +  x 4 + ... =
 1! 2! 3!  3! 5! 7!   6 2  6 6
x3 x5
= x + x 2 + − + ...
3 30

Como as séries ex e sen(x) convergem para |x|<∞, o produto das séries também converge
para o mesmo intervalo. A operação mais utilizada para solucionar equações diferencias com
séries é a soma de séries de potência. Para realizar esta operação, muitas vezes, é necessário
ajustar a série para sincronizar o índice do somatório e as potências de x. Por exemplo, para
realizar a soma
∞ ∞

∑ c n(n − 1)x
n =2
n
n− 2
+ ∑ c n x n +1
n= 0

30
é necessário que o índice de ambos os somatórios comece com o mesmo número e que as
potências de x comecem iguais (estejam em fase). No exemplo, uma das séries começa com x0 e
a outra com x1. É possível tirar o primeiro termo da série que começa com x0 do somatório,
resultando
∞ ∞
2c2 + ∑ c n n(n − 1)x n − 2 + ∑ cn x n+1
n =3 n =0

e fazendo com que as duas séries comecem com x1. Falta ainda fazer com que o índice do
somatório seja o mesmo nas duas séries. Isto pode ser feito da seguinte forma: em uma das
séries, a potência de x é n-2 (xn-2). Nesta série, todos n devem ser substituídos por n+2. Na outra
série, a potência de x é n+1. Nela, todos os n deve ser substituídos por n-1. Este procedimento
resultará em
∞ ∞
2c2 + ∑ cn + 2 (n + 2 )(n + 1)x n + ∑ cn −1 x n
n =1 n =1

Com este procedimento, ambas as séries começam com n=2 e com a mesma potência de
x (xn). A soma pode então ser realizada, resultando
∞ ∞ ∞
2c2 + ∑ cn + 2 (n + 2 )(n + 1)x n + ∑ cn −1 x n = 2c2 + ∑ [cn +2 (n + 2 )(n + 1) + cn −1 ]x n
n =1 n =1 n =1

31
8ª aula – Solução de equações diferenciais em séries de potência
Será mostrado a seguir como resolver uma equação diferencial ordinária homogênea de
segunda ordem com coeficientes variáveis
42 a2 ( x ) y"+ a1 ( x ) y'+ a0 (x ) y = 0 (42)
utilizando séries de potência. Em primeiro lugar, a equação 42 deverá ser dividida por a2(x),
resultando
43 y"+ P(x ) y'+ Q(x ) y = 0 (43)
onde
a1 (x ) a (x )
P(x ) = e Q (x ) = 0
a 2 (x ) a2 ( x )
Colocar a equação nesta forma é necessário para verificar os pontos ordinários e
secundários da equação. Um ponto x0 será ordinário da equação 43 se tanto P(x) quanto Q(x)
forem analíticas em x = x0. Quando um ponto não é ordinário, será um ponto singular da
equação. Por exemplo, na equação
y"+ e x y'+ (sin x ) y = 0
todo o valor finito de x é um ponto ordinário (ex e sen(x) são analíticas em qualquer valor finito
de x). Já na equação
y"+ e x y'+ (ln x) y = 0
o ponto x=0 é um ponto singular, pois a função ln(x) é descontínua e, por tanto, não é analítica
neste ponto.
Uma caso de particular interesse é quando os coeficientes da equação 42 a2 (x), a1(x) e
a0(x) são polinômios. Um polinômio é analítico em qualquer valor de x, Uma função racional
(razão de polinômios) será analítica, a não ser nos pontos em que o seu denominador se anula.
Em conseqüência, a equação 43 será analítica em todos os pontos, exceto naqueles onde a2(x)=0.
Desta forma, x=x0 será um ponto ordinário da equação, se a2(x0)≠0, e será singular se a2(x0)=0.
Por exemplo,
(x 2
)
− 1 y"+2 xy '+6 y = 0

( )
terá como pontos singulares aqueles em que x 2 − 1 = 0 , ou seja x = ±1 . A equação

ax 2 y"+bxy'+cy = 0
conhecida como equação de Cauchy-Euler, será singular em x=0. Já a equação
(x
) 2
+ 1 y"+ xy '− y = 0

terá como pontos singulares aqueles em que (x 2


)
+ 1 = 0 , ou seja x = ±i , mostrando que os pontos
singulares não precisam ser reais. Com base na definição de pontos ordinários e singulares, o
32
teorema a seguir apresenta as condições para garantir a existência de soluções em séries de
potência para a equação diferencial 42.

Teorema: Se x=x0 for um ponto ordinário da equação


a2 ( x )y"+ a1 (x ) y'+ a0 (x ) y = 0
será sempre possível encontrar duas soluções linearmente independentes na forma de séries de
potência centradas em x0, isto é,

y ( x ) = ∑ cn ( x − x0 )
n

n =0

Uma solução em série converge pelo menos em algum intervalo definido por |x-x0|<R,
onde R é a distância de x0 ao ponto singular mais próximo.
Esta solução será chamada de solução em torno de um ponto ordinário. A distância R é o
valor mínimo do raio de convergência, que poderá ser maior. Por exemplo
(x 2
)
− 2 x + 5 y"+ xy '− y = 0

terá como pontos singulares aqueles em que x 2 − 2 x + 5 = 0 , ou seja, x = 1± 2i . O raio de

convergência será dado por R = 12 + 2 2 = 5 . Como x=0 é um ponto ordinário, será possível
encontrar uma solução para a equação com a forma

y(x ) = ∑ cn (x )
n

n= 0

De acordo com o teorema, a solução vai convergir pelo menos para | x |< 5 , porém ela
poderá convergir para valores maiores do que este. Neste caso, por exemplo, a soluça converge
para | x |< ∞ .
O método de solução que será apresentado a seguir supõe que x=0 é um ponto ordinário

da equação, e que será possível encontrar uma solução tipo y ( x ) = ∑ cn ( x ) . Quando isso não
n

n =0

for possível, deverá ser feita uma mudança e variáveis t=x-x0, permitindo encontrar uma solução

do tipo y( x ) = ∑ c n (t ) , para que depois seja desfeita a substituição e se volta a variável original
n

n =0

x.
A determinação da série que será solução da equação diferencial 42 será feita com um
método similar ao dos coeficientes indeterminados, utilizado para encontrar a solução particular
de uma EDOII não homogênea com coeficientes constantes. Em função da similaridade, o

33
método é chamado de método dos coeficientes a determinar da série. A idéia, em resumo é supor
que

y ( x ) = ∑ cn ( x )
n

n =0

é solução da equação diferencial e substituir esta solução na equação 42, resultando em


∞ n− 2  ∞ n −1  ∞ n
a2 (x )∑ cn n( n − 1)(x )  + a1 (x )∑ cn n( x )  + a0 (x )∑ cn (x )  = 0
 n= 2   n =1   n= 0 
Após ajustar as séries na equação e combinar os termos para obter um único somatório,
será utilizada a propriedade série de potências identicamente nula para encontrar o valor dos
coeficientes cn. Serão encontrados dois conjuntos de coeficientes, que levarão a duas séries y1(x)
e y2(x). Estas serão as duas soluções linearmente independentes garantidas pelo teorema. A
solução geral da equação terá a forma
y = c0 y1 ( x ) + c2 y 2 (x )
Exemplo
Achar a solução da EDOII a seguir por séries de potência
(x 2
)
+ 1 y"+ xy '− y = 0

(
Esta equação tem pontos singulares em x 2 + 1 = 0 , ou x = ±i . A solução por série )
convergirá pelo menos para |x| < 1. Como x=0 é um ponto ordinário, e possível supor uma
solução do tipo

y (x ) = ∑ c n x n
n= 0

cujas derivadas serão


∞ ∞
y ' = ∑ cn nx n −1
y" = ∑ cn n( n − 1) x n −2
n =1 n =2

Substituindo na equação diferencial, resulta:


∞ n −2  ∞ n −1  ∞ 
( )
x + 1 ∑ c n n( n − 1) x  + x ∑ cn nx  − ∑ cn x n  = 0
2

 n= 2   n =1   n= 0 
∞ ∞ ∞ ∞
x 2 ∑ cn n( n − 1) x n − 2 + ∑ cn n( n − 1) x n −2 + x∑ cn nx n −1 − ∑ c n x n = 0
n =2 n= 2 n =1 n =0

∞ ∞ ∞ ∞

∑ c n(n − 1) x + ∑ c n(n − 1) x
n =2
n
n

n=2
n
n −2
+ ∑ c n nx − ∑ cn x n = 0
n =1
n

n =0

Para agrupar as séries em um único somatório, é necessário ajustar sincronizar as


potências de x e os índices dos somatórios

34
∞ ∞ ∞ ∞

∑ c n(n − 1) x
n= 2
n
n
+ 2c 2 + 6c3 x + ∑ cn n(n − 1) x
n=4
n− 2
+ c1 x + ∑ c n nx − c0 − c1 x − ∑ cn x n = 0
n =2
n

n=2
n→ n + 2

Após trocar o índice do segundo somatório e reorganizar os termos:


∞ ∞ ∞ ∞
2c2 − c0 + 6c3 x + ∑ c n n( n − 1) x n + ∑ cn +2 (n + 2 )( n + 1) x n + ∑ cn nx n − ∑ cn x n = 0
n =2 n =2 n=2 n =2

É possível agora agrupar as séries



2c2 − c0 + 6c3 x + ∑ [c n n( n − 1) + cn +2 (n + 2 )( n + 1) + cn n − c n ]x n
n =2

Os fatores que multiplicam cn podem ser agrupados:



2c2 − c0 + 6c3 x + ∑ [cn (n + 1)( n − 1) + cn+ 2 (n + 2)(n + 1) ]x n
n =2

Utilizando a propriedade da série identicamente nula, pode-se determinar os coeficientes


que multiplicam cada potência de x

2c2 − c0 + 6c3 x+ ∑ [cn (n + 1)( n − 1) + c n+ 2 (n + 2)( n + 1) ]x n
x0 x1 n =2
x2 ... x ∞

c0
2c2 − c0 = 0 → c 2 =
2
6c3 = 0 → c3 = 0

cn (n + 1)( n − 1) + c n+ 2 (n + 2)(n + 1) = 0 → cn + 2 = −
(n + 1)(n − 1) c = − (n − 1) c , n = 2,3,4,...
(n + 2 )(n + 1) n (n + 2) n
Isso permite determinar os coeficientes c3, c4, ... em termos dos coeficientes c0 e c1:
1 1
c4 = − c 2 = − c0
4 2 ⋅ 2!
2
c5 = − c 3 = 0
5
3 3 3
c6 = − c 4 = c 0 = 3 c0
6 2⋅4⋅6 2 ⋅ 3!
4
c7 = − c 5 = 0
7
5 3.5 3 .5
c8 = − c6 = c 0 = 4 c0
8 2 ⋅ 4 ⋅6 ⋅8 2 ⋅ 4!
A solução da equação será dois somatórios, um para os coeficientes de c0 e outro para os
coeficientes de c1. Porém, os coeficientes de c1 para potências maiores do que 1 são todos nulos.
A solução será:
y (x ) = c0 y1 ( x ) + c1 y 2 (x )
35
onde
1 2 ∞ n 1 ⋅ 3 ⋅ 5 ⋅ ... ⋅ (2 n − 3) 2 n
y1 ( x ) = 1 + x + ∑ (− 1) x
2 n= 2 2 n n!
y 2 (x ) = x

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Anexo 1
Tabelas de derivadas e integrais

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