Puc-Sp
A COLEÇÃO PARTICULAR
DA COSAC NAIFY:
EXPLORAÇÕES SENSÍVEIS
DO GOSTO DO LIVRO
São Paulo
2014
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Puc-Sp
A COLEÇÃO PARTICULAR
DA COSAC NAIFY:
EXPLORAÇÕES SENSÍVEIS
DO GOSTO DO LIVRO
São Paulo
2014
BANCA EXAMINADORA
Presidente da banca Profa. Dra. Ana Claudia Mei Alves de Oliveira (puc-sp: cos)
À minha aliada desde o princípio dessa jornada acadêmica, Mariana Ferraz de Albu-
querque, à nossa fiel companheira Maria Claudia Vidal Barcelos, e também aos de-
mais membros do atelier de pesquisa (Anamelia Buoro, José Almir Valente, Patrícia
Bittencourt Rudge).
The book is considered in this research as a syncretic text: besides verbal substances,
it uses visual, spatial and tactile substances in order to make sense and constitute a
meaningful whole. A publishing house that stands out in the Brazilian scenario due
to its character of experimenting with the book’s form is Cosac Naify, especially in its
Coleção Particular (“Particular Collection”). This series of books has been proposed
with the intention to house western literature classics, with brief narratives, in
editions in which the graphic project is explored in order to intensify the reading
experience and the ways of experiencing the text. Up to the present time there are
seven different titles in the collection, whose graphic projects constitute the corpus
of this research: Primeiro amor (Samuel Beckett), Bartleby, o escrivão (Herman
Melville), A fera na selva (Henry James), Zazie no metrô (Raymond Queneau), Flores
(Mario Bellatin), Museu do Romance da Eterna (Macedonio Fernández) and Avenida
Niévski (Nikolai Gógol). The main objective of this research is to analyze the graphic
designs of these books, aiming to understand the ways through which the collection
operates singular procedures that produce a sensitive experience whose effect
of meaning is the particular in each work, in the collection and in the publishing
house. It has been verified that the effect of meaning of particular perceived in the
publications originates in the way the graphic designs of these books explore their
plastic configurations, syncretically figurativizing contents from the verbal text, as
well as in the various metadiscursive relations that the books maintain with the
history, structure and production processes of the book, plus interdiscursive and
intersemiotic relations with various media and arts. The theoretical framework
consists mainly in the discursive semiotics developed by A. J. Greimas and its plastic
and sensitive developments made by J.-M. Floch, E. Landowski and A. C. de Oliveira.
Therefore, this research intended to cover both intelligibility and sensibility in the
production of meaning in each work of the Coleção Particular, in their interactions
with each other, with other collections and with the publishing house itself. From
this dynamics of meanings, based on the dynamics of interactions, we have reached
an identity configuration of Cosac Naify in the Brazilian publishing market: the
publisher develops in its readers a taste for books, and proposes through the sensitive
experience of the book a contract of loyalty to its readership.
10 NOTAS INTRODUTÓRIAS
mente à medida que o livro avança, páginas com metade de seu bloco de texto dis-
posto de ponta cabeça, etc. Essa breve listagem exemplifica o tipo de recurso que os
designers da Cosac Naify se valem em seus projetos.
Quando se fala em projeto gráfico de livro, entende-se não somente o desenvolvi-
mento de uma imagem de capa, mas sim todas as escolhas relativas à concretização
material do livro. Todo livro possui um projeto gráfico, feito por um designer ou não,
bom ou não. Na Cosac Naify, e especialmente nas publicações da referida coleção,
essas escolhas relativas ao projeto gráfico cabem ao designer gráfico, o profissional
responsável por decidir diversos aspectos do design do livro: capa, papel utilizado,
formato, margens, tipografia, imagens, diagramação, etc. O livro é pensado em ter-
mos de design editorial, com um projeto desenvolvido a partir de (e para) cada obra.
Investigar os projetos gráficos de livros é, então, fundamental numa tentativa de de-
preender os sentidos que estão imbuídos nas publicações da Coleção Particular, haja
vista que a experimentação nos projetos gráficos é uma das características que defi-
nem propriamente essa série de publicações.
A função que hoje é realizada pelo designer gráfico, de planejar formalmente os
livros, já foi executada ao longo da história por profissionais distintos: por escribas,
por calígrafos, pelo próprio editor, por impressores, artistas, tipógrafos, etc. Muitos
dos aspectos de um projeto gráfico de livro estão consolidados historicamente e a
história do livro perpassa a própria história da escrita. Seu desenvolvimento deu-se
ao longo de muitos séculos, ocorrendo por meio de sucessivas inovações tecnológi-
cas. Os suportes de escrita, por exemplo, seguiram um longo percurso evolutivo:
desde tábuas, pedras e outros suportes ancestrais, passando pelo papiro egípcio, pe-
las tabuletas de cera e pelo pergaminho, até finalmente o surgimento do papel. Se
o formato de códice já existe desde o século V, foi somente a partir da impressão
tipográfica, no século XV, que o livro adquiriu em definitivo sua configuração atual.
Sua estrutura básica, que permanece fundamentalmente inalterada até hoje, é uti-
lizada até mesmo em publicações não usuais, como livros de artistas, livros artesa-
nais, etc. Sobre a perenidade da forma do livro, Umberto Eco (2010, p. 16) comenta:
“As variações em torno do objeto livro não modificaram sua função, nem sua sintaxe,
em mais de quinhentos anos. O livro é como a colher, o martelo, a roda ou a tesoura.
Uma vez inventados, não podem ser aprimorados.”
O livro não pode ser aprimorado, talvez, em termos da regularidade de sua
constituição. Tal nível de regularidade, da ordem do regime de programação, nos
termos propostos por Eric Landowski (2009), é prova de sua eficiência enquanto
suporte de leitura. Mas dentro dessa regularidade se inserem as rupturas e particu-
NOTAS INTRODUTÓRIAS 11
larizações desenvolvidas pelo designer gráfico. Trabalhando em cima de um formato
já consolidado de páginas de papel impressas dobradas, costuradas pela lombada e
encadernadas, que seguem um percurso organizacional lógico (capa, frontispício,
sumário e assim por diante), o projeto gráfico do livro articula as particularidades
que o fazem ser um enunciado significante. São escolhas que dizem respeito ao ma-
terial utilizado, processo de impressão, seleção tipográfica, margens, uso de ima-
gens, diagramação, etc., constituindo uma tomada de posição frente aos percursos
possíveis de sensibilidade. Tais escolhas acarretam experiências distintas de leitura.
No final dos anos 1990, o designer norte-americano Richard Hendel escreveu
1 On book design, uma obra em que comparava o processo de trabalho de diversos designers de livros.1
1998, Yale
As opiniões, muitas vezes contrastantes, expunham o fato de que não há uma
University Press.
Em português, única maneira correta de fazer livros: há diversas maneiras, cada uma prezando
O design do livro
um aspecto diferente do livro. Enquanto alguns profissionais priorizam a inovação,
(HENDEL, 2006).
outros destacam a legibilidade. O famoso designer David Carson, por exemplo,
busca sempre romper agressivamente com as tradições gráficas; evita a todo o custo
utilizar fontes clássicas, por pensar que elas já teriam sido vistas demais, estando,
portanto, dessemantizadas. Por outro lado, Jan Tschihold, designer e um dos mais
importantes tipógrafos do século XX, enfatizava a tradição, o conhecimento e
o respeito às convenções tipográficas como valores fundamentais no processo de
design de um livro.
De lá para cá, o processo de trabalho dos designers mudou muito, com a inserção
e prevalência das ferramentas digitais de design. Não apenas o computador passou
a ser parte do processo de trabalho, como a leitura em tela ganhou força e foi defini-
tivamente inserida no cotidiano da população. Diversas novas modalidades digitais
de leitura surgiram nos últimos anos e algumas delas, como os e-books e os aplica-
tivos interativos, são precipitadamente anunciadas como as “sucessoras dos livros”.
Todas essas novas plataformas de leitura vêm sendo introduzidas sistematicamente
em nosso cotidiano, sem que se tenha um entendimento exato dos recursos de lin-
guagem que essas novas mídias apresentam. Percebe-se, todavia, que muitas de suas
configurações formais ainda guardam relação com a sintaxe dos livros tradicionais.
Há, porém, algumas especificidades da leitura em tela. Nos modelos atuais de
leitores de e-books, é o próprio usuário quem configura algumas de suas características
tipográficas: a escolha da fonte e o corpo da letra, por exemplo. Assim, cada leitor
pode regular o bloco de texto de maneira que a leitura fique mais confortável para
si, superando a questão de um design que prioriza ou não a legibilidade. Se os
livros digitais resolvem certas questões, como a da distribuição internacional e a da
12 NOTAS INTRODUTÓRIAS
legibilidade das obras, o que resta então aos livros impressos? Frente a esse avanço
dos livros digitais, que passam a ocupar uma parcela importante das vendas, os
tradicionais volumes impressos passam a ter seu modo de existência questionado.
Um caminho indicado para os códices físicos é o de enfatizar justamente aquilo
que lhes é próprio: sua materialidade. Os livros impressos podem então evidenciar o
que é particular em sua substância e muitas publicações já começam a explorar essas
especificidades. Daí resultam os experimentos com as edições chamadas “especiais”
dos livros, que jogam com formatos, com escolha de papéis, processos de impressão,
dobras, costuras, cheiros, acabamentos, ilustrações, recortes, etc. Sobre a materiali-
dade dos livros impressos, Roberts (2007, p. 11) opina: “os livros representam per-
manência e continuidade. A qualidade tátil dos livros é um prazer que não pode ser
subestimado e é o que irá assegurar sua longevidade.”
Essa materialidade do objeto impresso pode ser utilizada na construção de uma
experiência de leitura que explore justamente sua fisicalidade. Elaine Ramos, de-
signer da equipe da Cosac Naify, expõe os valores da editora ao produzir livros im-
pressos: “Não faz sentido um livro que não se justifica como objeto, um livro que
[não] tira partido do livro-obra, do livro-de-artista, que fazem uma afirmação da
materialidade do livro” (RAMOS apud MACHADO, 2012). A editora, desse modo,
se configura por explorar os traços plásticos do livro na construção de novas ex-
periências de leitura.
Entendemos que os formantes plásticos dos objetos carregam em si efeitos de
sentido. Assim, num livro impresso, além da leitura de sua dimensão verbal, lê-se
também o modo como esse verbal é grafado. Há uma dimensão plástica2 nos livros 2 A plasticidade
pode ser entendida
que é fundamental no processo de leitura: são cores, texturas, cheiros, linhas e formas
como a organização
que trazem sabores diferentes aos distintos volumes. Todos esses formantes plásticos do plano da
expressão de uma
são distribuídos no plano da página, em um formato e em uma espacialidade que
dada manifestação.
carregam também traços distintivos de sentido. Da mesma maneira, a qualidade
tátil dos papéis e acabamentos é imediatamente apreendida pelo sujeito ao tomar o
objeto-livro em suas mãos. A materialidade do projeto gráfico é essencial para que
o livro faça sentido e constitua-se em um todo de significação. Mesmo a maneira de
tomar o livro nas mãos e de manuseá-lo difere de obra a obra, pois cada publicação
indica modos de ser tomada, folheada, desdobrada, rotacionada, etc., em um
percurso gestual que carrega também efeitos de sentido. Percebe-se, assim, que o
livro é um texto sincrético: além de linguagem verbal, utiliza-se da linguagem gráfica
e muitas vezes também de outras linguagens visuais, como a fotografia, a gravura,
etc., bem como de uma linguagem gestual inscrita no objeto, que se manifestam
NOTAS INTRODUTÓRIAS 13
numa totalidade composta por substâncias verbovisuais-espaciais-táteis. A tessitura
da plasticidade dos livros é fruto das marcas da construção enunciativa que instala
pelas escolhas de uso das linguagens um “eu” e um “tu”, os quais interagem em uma
espacialidade e temporalidade próprias. Em outras palavras, o arranjo plástico do
livro põe em jogo diferentes efeitos de sentido assumidos pela perspectiva da editora
e da coleção em que se insere. Nessa interação proposta no e pelo objeto, o leitor
3 O termo segue caminhos, rumos, “navegando”3 pelo livro em trilhas que são tanto definidas
navegação é
pelo próprio objeto quanto desbravadas pela curiosidade propulsora do sujeito.
próprio do campo
do design, uti- Considerando esse contexto de afirmação da materialidade dos livros impres-
lizado no estudo
sos em relação a seus novos concorrentes (os e-books) é que vemos surgir no Brasil
das interfaces e
interações entre os edições de livros com projetos gráficos de grande esmero e com um intenso fator de
homens e objetos.
experimentação. São livros que exploram suas qualidades sensíveis e o jogo entre
No presente tra-
balho, essa maneira actantes, fazendo do enunciatário partícipe das construções de sentido através de
de usar o livro e de
dobras, costuras e modernos processos de encadernação e impressão.
transitar entre os
espaços impressos A Coleção Particular é um fruto evidente desse contexto e constitui nosso corpus
será tratada em
de pesquisa. Interessados em perceber de que maneira os projetos gráficos contem-
termos de per-
cursos narrativos porâneos fazem sentido, selecionamos essa coleção para a análise por representar, de
possíveis (GREIMAS,
certa maneira, o que há de mais relevante na produção nacional em se tratando da
1996; GREIMAS e
COURTÉS, 2011) exploração do projeto gráfico de livro, enquanto uma potencialidade de produção de
e também a partir
sentidos. A Cosac Naify se faz vista sempre como uma editora que investe em design,
dos regimes de
interação e sentido buscando proporcionar novas experiências táteis de leitura, e sua Coleção Particular
entre o sujeito
é o bastião dessa empreitada editorial.
leitor e o sujeito
livro (LANDOWSKI, Até o momento de escrita desta dissertação, fazem parte da coleção sete títulos
2009).
diferentes. Ao tomar qualquer um desses volumes nas mãos, percebe-se muito intui-
tivamente que há algo de particular nesses projetos. A coleção evidencia, então, um
novo paradigma de exploração das qualidades materiais do livro impresso, por meio
de suas escolhas incomuns de materiais, processos produtivos e soluções formais. As
capas não convencionais, a maneira como o texto está disposto nas páginas, as tintas
de impressão (muito além da costumeira tinta preta): tudo na plasticidade desses
livros contribui para um efeito de sentido de particular. Ser algo fora do comum,
extraordinário, feito com atenção, são efeitos de sentido imediatamente apreendidos
pela ordem do sensível, antes mesmo de uma sistematização intelectiva por parte do
leitor. Quais os procedimentos que produzem tais efeitos de sentido foi a principal
questão-problema investigada ao longo do desenvolvimento desta pesquisa.
A estruturação de uma coleção configura um complexo jogo de enunciações,
que abarca desde o processo editorial de seleção das obras até o desenvolvimento de
14 NOTAS INTRODUTÓRIAS
um projeto gráfico que pode reiterar características do conjunto. Se, por um lado,
temos uma instância englobante, a saber, a coleção de livros, que já possui signifi-
cação própria e traços identitários, tem-se, por outro lado, os livros enquanto uni-
dades englobadas, que também apresentam suas particularidades. O projeto gráfico
da coleção pode ora enfatizar, ora relativizar esse caráter de pertencimento que se
manifesta em cada obra constituinte de uma coleção de livros. Tal jogo entre a parte
e o todo, entre a totalidade articulada da coleção e suas múltiplas partes individuais
– os livros –, constitui também uma temática central dentro da presente investigação.
Ao iniciar a análise dos livros da Coleção Particular, logo se percebeu que não
há um padrão de repetição explícito entre os projetos gráficos da coleção (não se
utiliza um mesmo formato ou mesma tipografia, por exemplo), já que eles são
desenvolvidos individualmente para cada obra literária. Dessa forma, também
surgiu como problema a questão de quais seriam as escolhas enunciativas reiteradas
nos projetos gráficos desse conjunto de obras que permitiriam considerá-los como
partes de um todo coerente, ou seja, como partes de uma mesma coleção com
identidade própria.
Para dar conta da problemática central do modo como os projetos gráficos
fazem com que os leitores sintam o sentido do livro e mais especificamente dos pro-
cedimentos que a Coleção Particular utiliza na construção do seu efeito de sentido
de particular, nada mais pertinente do que se valer de uma base teórica que trate,
justamente, da investigação do sentido. A semiótica, então, por ser a disciplina que
se ocupa do estudo da significação, é fundamental na análise dos projetos gráficos
desses livros, justamente por se propôr a investigar o que dizem as mais diversas
manifestações e de que modo dizem aquilo que dizem. Outras abordagens para esse
objeto, a partir de outras disciplinas (estudos dos campos específicos do design, da
teoria literária, da linguística, etc.), poderiam também ser possíveis, embora cada
uma delas traria uma visão e um foco diferentes do adotado nessa pesquisa, que se
preocupa principalmente com o fenômeno da significação nos livros analisados.
Até que ponto realizar a descrição e análise dos livros? Trata-se, é certo, de um
corpus bastante extenso. Lidar apenas com o que é manifestado verbalmente nos sete
livros, de maneira pormenorizada, por exemplo, já seria um trabalho demasiado
longo. Análises focadas no componente literário, no linguístico, no sociológico, etc.
seriam modos de analisar o objeto que caberiam a outras abordagens. A questão fun-
damental a ser explorada no trabalho aqui proposto é o projeto gráfico e a maneira
como ele participa da construção do sentido do livro, em uma visada semiótica. Essa
abordagem é plenamente justificada, pois a própria editora classifica a Coleção Par-
NOTAS INTRODUTÓRIAS 15
ticular como um conjunto de obras em que o projeto gráfico faz parte da experiência
de leitura, ou seja, o que interliga esses livros e monta uma unidade coesa, já no
processo de concepção da coleção, é o investimento no design dos livros. Haja vista
que o sentido de um livro é apreendido a partir de todos os sistemas de linguagens
envolvidos, nessa investigação o sistema verbal não será desconsiderado, mas será
retomado sempre a partir do projeto gráfico, visando a uma melhor compreensão
do próprio projeto gráfico. O ponto de partida é o design do livro e, se desponta ao
longo do trabalho a análise de outros aspectos (o verbal, as outras linguagens visuais,
como a pintura e a gravura, ou mesmo outras manifestações relevantes, como o site
da editora, informações históricas, etc.), é apenas para entender a maneira como o
projeto gráfico participa da construção do sentido do livro.
A corrente teórica que fundamenta o presente trabalho é a da semiótica discur-
siva (também conhecida como “francesa”), elaborada por Algirdas Julien Greimas,
no final da década de sessenta, a partir de uma semântica estrutural. Juntamente
com os seus colaboradores do Groupe de recherches sémio-linguistiques, sediado na
École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, Greimas desenvolveu ao longo
de quatro décadas de estudo uma teoria da significação. Ele estruturou sua pesquisa
não somente a partir da semântica, da lexicologia, da linguística e dos estudos da
cultura, como os do folclore, mas também observando desenvolvimentos da feno-
menologia e da antropologia. Essa vertente semiótica se ocupa do discurso e propõe
uma teoria geral para o advir do sentido, chamada de geracional: em toda e qualquer
manifestação há um percurso gerativo do sentido, que surge em níveis que vão desde
os valores mais fundamentais e abstratos até os elementos discursivos mais superfi-
ciais e concretos.
Ao encarar os livros como um “texto”, ou seja, como uma totalidade de sentido,
a semiótica fornece o aparato teórico-metodológico necessário para investigar essas
publicações que integram a dimensão verbal a uma dimensão visual-espacial-tátil.
Também, ao se ocupar dos diferentes sistemas de linguagem postos em discurso, a
semiótica discursiva ajuda-nos a compreender os livros da Coleção Particular em
relação aos diversos outros discursos que estão em circulação no mundo e que se
relacionam a essas obras. A semiótica foi essencial para iluminar e poder ver o objeto
de estudo de uma dada maneira, como um todo de sentido que está imbricado em
uma rede de objetos significantes e essa maneira fez com que a pesquisa fosse estru-
turada tal qual aqui se apresenta.
Este estudo nasceu de um forte interesse pessoal pelo design dos livros im-
pressos, oriundo da graduação na área do design gráfico, e da percepção de que
16 NOTAS INTRODUTÓRIAS
a semiótica constitui-se em um valioso campo de conhecimentos que se abre ao
design (e, talvez, vice-versa?), de modo a ventilar ideias e aprofundar reflexões. O
rigor da teoria semiótica mostra-se como uma ferramenta importante na descrição e
análise do sentido dos objetos de design e, especialmente nesse trabalho, também na
descrição e análise dos formantes plásticos e da experiência sensível que propiciam
tais objetos.
Não se encontram, dentre a produção acadêmica nacional, trabalhos que apre-
sentem uma abordagem semiótica para a questão da organização dos livros em
coleções, de como essas coleções diferenciam-se entre si e em sua totalidade for-
mam a identidade da editora. Essa ausência confirmou a importância de tratar des-
sas questões e de tomar as obras da Coleção Particular como um corpus valioso de
trabalho investigativo.
Toda essa problemática constitui um tema relevante para a área da comunicação,
na medida em que investiga, sob uma ótica contemporânea, os processos de signifi-
cação em um sistema de signos consolidado (o livro impresso), que porém recebe
uma atualização por parte de determinados projetos gráficos. A presente investi-
gação buscou melhor compreender, sob uma visada semiótica, esses importantes
objetos com os quais interagimos cotidianamente: os livros.
NOTAS INTRODUTÓRIAS 17
das obras da Coleção Particular entre si, entre as demais coleções e com a própria
editora, investigar os traços de uma configuração identitária da Cosac Naify.
A hipótese inicial da pesquisa foi a de que o efeito de sentido de particular
verificado nas publicações se dava pela maneira como os projetos gráficos do livro
4 Para Dias exploram os formantes matéricos,4 figurativizando conteúdos do texto verbal sin-
(1997), o termo
creticamente. Sendo assim, o que configuraria esse caráter de extraordinário ou de
matéria engloba
duas classes: meticuloso percebido nas obras da coleção seriam os procedimentos através dos
os materiais e
quais o projeto gráfico seleciona e submete os diversos materiais (papéis de vários
os objetos. Os
materiais são a tipos, linha, cola, plásticos, etc.) em objetos fabricados (os livros).
matéria-prima que
Porém, logo se verificou que apenas abordar os livros pelo viés da exploração
pode ser utilizada
na produção de matérica não explicaria completamente ou suficientemente os recursos que essas
objetos – esses
edições utilizam para produzir a sua experiência sensível. Abordar a problemática por
últimos, a matéria
já construída ou meio da materialidade era fundamental, mas não conclusivo, pois o uso da dimensão
fabricada.
matérica na produção de sentido era apenas a parte de um todo mais abrangente.
Ao longo da pesquisa, percebeu-se que um dos fatores principais que tornava
esses volumes tão particulares era justamente o modo como as diferentes linguagens
(verbal, gráfica, gestual e demais linguagens envolvidas) atuavam entre si: tratava-se,
portanto, de explorar o sincretismo de linguagens nesses projetos gráficos. Dentro
das relações verbovisuais-espaciais-táteis que os diferentes sistemas teciam entre si,
o formante matérico era apenas um dos responsáveis pelo processo semiótico dessas
publicações, o processo por meio do qual elas produziam experiências sensíveis ím-
pares em seus leitores. O sincretismo de linguagens surgiu, então, como a segunda
hipótese forte para explicar a produção do sentido de particular que se dá no corpus
analisado.
Por fim, aumentando-se ainda mais o viés de análise, considerou-se também que
esses livros não existiam isoladamente: eles faziam parte de um universo próprio e
de uma história: o universo e a história dos livros. E as obras da Coleção Particular
clamavam seu lugar em meio a esse universo e a essa história! Por meio do modo
como estavam estruturados, esses livros retomavam aspectos diversos da própria
história do livro, da forma do livro, de seu processo produtivo. E ainda teciam
relações interdiscursivas e intersemióticas com várias mídias e artes, com as práticas
do colecionismo e mesmo com outras obras literárias. A formação de relações meta-
discursivas, interdiscursivas e intersemióticas configuraram então a terceira hipó-
tese, que não negava a anterior (o sincretismo de linguagens), mas a complementava.
O processo investigativo da dissertação partiu, assim, de uma hipótese focada
em um elemento muito parcial e cresceu para abrigar uma totalidade de um univer-
18 NOTAS INTRODUTÓRIAS
so de conexões que esses livros realizavam. Chegou-se a uma explicação mais con-
sistente para aquilo que construía o efeito de sentido de particular: a exploração da
dimensão matérica juntamente às demais dimensões da plástica do livro, resultante
do sincretismo do verbal e das demais linguagens e em relação a outros discursos e
outros sistemas semióticos. Advém daí o sentido global de coleção, de um todo coe-
rente englobante das várias partes (livros) que o constituem.
Havia, ainda, mais uma hipótese a ser testada e, depois, sancionada ou não
no percurso da pesquisa. Para chegar a ela, devemos fazer agora uma pequena
incursão por um dos desdobramentos atuais da semiótica discursiva: os estudos
da ordem do sensível. O pesquisador Eric Landowski propõe, desde a década de
oitenta, uma semiótica de situações, voltada às experiências vividas, chamada, entre
outras denominações, de semiótica da experiência sensível. Tal abordagem, ao invés
de analisar significações articuladas somente na ordem do cognitivo inteligível,
privilegia também sentidos da ordem do cognitivo sensível. De acordo com o autor
(LANDOWSKI, 2005a, p. 99), um dos encaminhamentos para as pesquisas semióticas
é o de categorizar adequadamente os efeitos de sentido decorrentes do contato com
as qualidades estésicas imanentes às coisas ou seres com que nos confrontamos.
Abordar os livros do ponto de vista de uma produção sensível de sentido parece
um caminho interessantíssimo para lidar com a problemática contemporânea
dos projetos gráficos de livros. Ao articular qualidades sensíveis do livro, como
cores, texturas e formas, a Coleção Particular nos encaminha a uma investigação
que se preocupa também com o cognitivo sensível, tratando as interações sujeito-
sujeito como uma relação em que a simples co-presença interativa dos actantes já é
reconhecida como apta a fazer sentido. Conforme a postula Landowski (2005a, p. 3):
Sob essa ótica, não há um sujeito meramente cognitivo que julga pela sua inteli-
gibilidade um objeto distante, mas sim um corpo que experimenta a presença do
outro corpo. Entende-se ainda, nessa relação corpo-a-corpo, que esse sentir é uma
forma de apreciação do sentido, conforme expõe Oliveira: “no seu atuar de distin-
tos modos, o corpo opera apreendendo e sentindo o sentido que é sentido graças à
NOTAS INTRODUTÓRIAS 19
condição estésica” (OLIVEIRA, 2010, p. 5). Assim sendo, temos os livros impressos
considerados como corpos-sujeitos, como corpos que nos interpelam à medida que
5 Estesia pode ser também são interpelados por nossos corpos leitores, numa dinâmica estésica5. O
entendida como a
cheiro do papel, a materialidade das encadernações e a visualidade imagética des-
condição de sentir
as qualidades pertam ordens sensoriais imediatas, anteriores ainda a um julgamento estético.
sensíveis emanadas
Essa relação sensível corpo-a-corpo instaura uma segunda reflexão: sentir o
das mais distintas
manifestações, as sentido do livro, estesicamente, implica um leitor que degusta o livro, apreciando
quais exalam a sua
texturas, cheiros, densidades, cores e todas as outras qualidades sensíveis do objeto.
configuração para
essa ser capturada, Parece-nos evidente, portanto, que a apreciação dos livros e a forma de estar com os
sentida e processa-
livros, ainda mais se considerados no âmbito da bibliofilia, remetem a uma questão
da fazendo sentido
para o outro de gosto. O leitor competente depreenderia, através da configuração plástica, o gosto
(OLIVEIRA, 2010).
do livro e, por um percurso de formação proposto pela editora, desenvolveria tam-
bém um gosto pelo livro, aprendendo a apreciar os volumes impressos. Do problema
inicial da experiência sensível da leitura decorre essa segunda questão, do gosto do
(e pelo) livro, constituindo assim uma problemática única.
E assim, por fim, chegamos à quarta hipótese da pesquisa, que complementa as
anteriores: a Coleção Particular proporciona um desenvolvimento do seu leitor em
termos de gosto, localizando o livro, objeto estético, entre as demais estéticas de seu
tempo. A partir de livros que pensam outros livros, a Cosac Naify atua na formação
do gosto do leitor pelos livros. Tal gosto surge como uma miscelânea entre as pro-
priedades intrínsecas do objeto e aquelas que nascem das relações que cada livro
trava com outros discursos estéticos contemporâneos.
Estabelecidas assim a problemática, os objetivos e as hipóteses, esclarecemos
agora o próprio processo da pesquisa. Para o desenvolvimento dessa investigação,
foram focados alguns aspectos específicos da semiótica discursiva, uma teoria que
é única, coesa e largamente abrangente: o sincretismo de linguagens, a plástica, a
exploração sensível e os regimes de interação e de sentido.
A bibliografia consultada se constituiu de referências de dois tipos: obras sobre
livros e obras de fundamentação teórica semiótica. No primeiro grupo está a biblio-
grafia que considera a história da leitura, dos livros e do design de livros, a partir de
autores como E. Satué, R. Hendel, R. Chartier e S. Fischer. Quanto à moldura teórica
semiótica, ela consistiu principalmente na semiótica discursiva desenvolvida por A.
J. Greimas e em seus desdobramentos plásticos e sensíveis realizados por J.-M. Floch,
E. Landowski e A. C. de Oliveira. Foram ainda consultados dados divulgados pela
própria editora Cosac Naify em seu site oficial, em releases e em entrevistas da equipe
para veículos da mídia impressa e online.
20 NOTAS INTRODUTÓRIAS
O processo de desenvolvimento da pesquisa partiu da análise de um objeto mais
geral, a totalidade da editora Cosac Naify, passando às suas diversas frações suces-
sivas: a Coleção Particular, cada um dos livros da coleção e os pormenores de cada
obra – seus elementos constituintes. O percurso investigativo foi, assim, do todo da
editora à parte dos livros que compuseram o corpus (esquema 1).
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tid
r Esquema 1 –
Re l a çõ e s e n t
en
Id Organização da
pesquisa: do todo à
parte e retornando
ao todo.
A partir do exame das menores porções, dos elementos que constituem cada um
dos livros, foi possível retomar o sentido da totalidade de cada obra. Nas diversas
relações encontradas entre as obras, deu-se a totalidade de sentido que assume a
Coleção Particular. Por fim, a partir da caracterização da coleção, chegou-se à questão
da identidade da Cosac Naify, de como ela é construída em relação a seus leitores e
também em relação às demais editoras do mercado brasileiro. Assim, após explorar
os pequenos componentes de cada livro, passou-se da parte para o todo, perfazendo
o caminho inverso. O próprio objeto de estudo pedia essa estrutura: investigá-lo
partindo de um olhar mais abrangente, apurando a visão, o tato e demais sentidos
cada vez mais, até perceber as mínimas partes, e a partir daí retomar o sentido da
totalidade. Esse trajeto da pesquisa é regente do modo de organização da estrutura
do trabalho.
NOTAS INTRODUTÓRIAS 21
De acordo com essa estruturação, o primeiro capítulo após essas notas intro-
dutórias, chamado “Cosac Naify: produção de livros no Brasil”, traz uma exposição
inicial bem como um breve histórico da editora, seguidos de uma apresentação
da Coleção Particular e de cada um de seus livros, além de uma explicação sobre a
importância do design dentro da editora. A seguir, há uma semiotização do termo
“coleção” e do termo “particular”, assim como também uma abordagem sobre algu-
mas questões identitárias envolvendo coleção e editora.
Os três capítulos seguintes são decorrentes da análise e sistematização dos livros
da Coleção Particular. “Produção de sentido do livro” inicia com uma análise de cada
obra, fazendo uma síntese da relação entre plano da expressão e plano do conteúdo
nas publicações. Esse capítulo trata também dos tipos de sincretismos que cada livro
realiza, bem como da interação discursiva entre enunciador e enunciatário. Em
“Metadiscursos do livro”, se analisa como cada uma das sete publicações relaciona-se
com a própria história do livro, com seu processo produtivo e com sua estrutura de
base. Em “Relações interdiscursivas e intersemióticas”, o que está em destaque são as
relações com as distintas artes e mídias, assim como as relações com o próprio ato do
colecionismo e com outras produções culturais a partir dos escritos extras incluídos
em cada publicação.
O último capítulo, “Notas finais”, encaminha-se para um fechamento da pesqui-
sa, ao refletir acerca da estesia e do gosto do livro e de como a editora relaciona-se
com seus leitores, fazendo-os sentir seus livros. Trata-se de um modo de agir da
editora que é formador do gosto pelo livro em seu público leitor.
Aos leitores, boa leitura!
22 NOTAS INTRODUTÓRIAS
Cosac Naify: produção
de livros no Brasil
É na altura 770 da Rua General Jardim, na zona central da megalópole São
Paulo, que a editora Cosac Naify mantém sua sede. Nas fotos do ambiente interno
veiculadas em sua página (fig. 1), a editora se exibe como um local em que os livros
estão sempre à mostra: apresenta-se, assim, como a casa editorial que faz livros em
um espaço cercado de livros. A localização na Pauliceia não é dessemantizada. Pelo
contrário: vários sentidos advém daí. “Dinâmica”, “inovadora”, “pulsante”, “vigorosa”,
são atributos que podem ser facilmente atribuídos tanto a uma, a editora, quanto à
outra, a cidade que a abriga, seja pela grande mídia ou por comunidades mais espe-
cíficas de designers, arquitetos, artistas e afins. É nas diversas ocorrências midiáticas
e nas falas dos sujeitos coletivos que os atributos acima elencados se fazem isotópi-
cos, construindo um efeito de sentido de vanguarda a partir dos modos como a edi-
tora se dá a ver socialmente. Enquanto São Paulo revoluciona a economia do país, a
Cosac Naify estabelece, pouco a pouco, uma ruptura no mercado editorial nacional.
Semioticamente, é claro, o procedimento a ser tomado não é o de “aceitar” esse efeito
Figura 1 – Cenas do de sentido de vanguarda como dado de antemão, mas sim perceber os modos como
ambiente interno
ele se constrói, a partir das visibilidades diversas da editora. Para isso, inicialmente
da sede da editora.
Fotos de Rodrigo nos debruçamos sobre a história da editora, sobre questões identitárias e sobre o
Rosenthal.
lugar da Coleção Particular na estruturação da Cosac Naify.
Fonte: <editora.
cosacnaify.com.br>.
unidade visual, grafada em tipos pesados, sem serifa, em caixa alta e com um espaça-
mento pequeno entre letras. Assim, o projeto intelectual – Cosac – e o projeto em-
presarial – Naify – da editora estão em contato direto. A unidade foi formada, agora
“Cosac” e “Naify” estão indissociáveis, plasmados na marca da editora.
Figura 2 – Marca
gráfica da editora
Cosac Naify.
Fonte: <editora.
cosacnaify.com.br>.
A empresa se mantém bastante atuante no ambiente web. Seu portal está sempre
atualizado com os lançamentos, um blog da editora é alimentado quase diariamente
com posts de diversos colunistas e membros do corpo de funcionários e os usuários
cadastrados recebem em seu e-mail boletins mensais com as novidades e lançamen-
tos. Nas redes sociais Twitter e Facebook a editora mantém páginas que também são
atualizadas a cada livro publicado, novidade do site ou post no blog. A loja virtual da
editora, acessível pelo portal, realiza promoções frequentemente, que também são
devidamente anunciadas por e-mail e pelas redes sociais. Nessa atuação constante
em diversos locais do ambiente virtual a Cosac Naify afirma sua presença, seu estar
junto ao leitor, e constrói sua própria visibilidade.
Sua página web (fig. 3) talvez seja, de todos esses modos de contato, o ponto de
partida para o encontro com as muitas manifestações da editora na Internet. Vários
elementos de sua plasticidade são replicados na loja virtual e nos boletins eletrôni-
cos: estrutura modular, preferência por tipografias não-serifadas com títulos em ne-
grito, fundo branco, fotografias enquadradas de maneira inusitada (raramente uma
figura humana é mostrada em sua totalidade, por exemplo), etc. A constância desses
padrões gráficos produz um efeito de sentido de unidade, de um projeto comunica-
cional integrado entre as diversas manifestações da marca, tal qual pregam os bons
projetos de identidade visual.
A Coleção Particular, série de livros publicados pela Cosac Naify, é definida pela edi-
tora da seguinte maneira: “Clássicos da literatura ocidental, com narrativas breves,
em edições nas quais o projeto gráfico faz parte da experiência de leitura e interfere
Figura 5 – Bartleby,
o escrivão, Herman
Melville.
Fonte: <editora.
cosacnaify.com.br>.
A terceira obra que faz parte da coleção é A Fera na Selva (fig. 6), de Henry
James, lançada em 2007 (ano em que a editora comemorava dez anos de funciona-
mento). Essa obra já teve edições em português pela editora Rocco e, em Portugal,
pela editora Assírio & Alvim. No livro da Cosac Naify, o projeto gráfico presumi-
damente acompanha a evolução da narrativa, pois, à medida que ela vai se tornando
mais dramática, a gramatura das páginas do livro aumenta, as tonalidades do papel
escurecem e o espaço entre as linhas do texto diminui. Ainda, a capa se desdobra
como um pôster e revela duas fotografias em seu interior. Essa edição, com projeto
de Luciana Facchini, foi premiada em terceiro lugar na categoria projeto gráfico no
50º Prêmio Jabuti.
dois outros livros que a integram, o Primeiro amor e Bartleby, já existiam. Todos têm
o mesmo formato e propostas semelhantes. E como esses projetos tiveram bastante
sucesso, montamos esta Coleção Particular.” (COSAC NAIFY, 2013). Em outras pala-
vras, mesmo não tendo sido pensados como constituintes de uma coleção a priori, os
títulos iniciais foram percebidos pela equipe da editora como possuindo “propostas
semelhantes”, isto é, como títulos que mantinham entre si relações interdiscursivas
de algum modo e que compartilhavam também uma certa lógica comum na elabo-
ração de seus projetos gráficos. O fator mercadológico, a partir dos discursos da
própria equipe da editora, também foi visto como fundamental para a constituição
da coleção: Primeiro amor teve um êxito de crítica e de vendas maior que o esperado
pela Cosac Naify, bem como Bartleby, o escrivão, que em apenas quatro anos após o
lançamento somava três reimpressões.7 7 O atendimento da
editora não informa
A quarta publicação da então recém criada coleção foi Zazie no Metrô (fig. 7),
tiragens, números
publicada em 2009. Essa obra de Raymond Queneau também já havia sido editada de reimpressões de
suas edições ou da-
no Brasil na década de 80 pela editora Rocco. Nessa nova edição da Cosac, impressa
dos sobre vendas.
em papel-bíblia, fragmentos de cartazes da época da narrativa são reproduzidos na Nas publicações
a que tivemos
parte interna das páginas. O projeto de Elaine Ramos e Maria Carolina Sampaio
acesso, no entanto,
foi premiado pela AIGA (American Institute of Graphic Arts) na competição 50 a tiragem declara-
da de Primeiro
Books/50 Covers, em 2010, e também foi destaque na 10ª Bienal Brasileira de Design
amor era de 2.000
Gráfico, em 2013. exemplares (3ª
reimpressão, 2008)
e a de Bartleby,
o escrivão, 5.500
exemplares (3ª
reimpressão, 2009).
Figura 8 – Flores, A sexta obra editada pela Coleção Particular é Museu do romance da Eterna
Mario Bellatin.
(fig. 9), do escritor argentino Macedonio Fernández, lançada no ano de 2010. A obra
Fonte: <editora.
cosacnaify.com.br>. foi publicada em seu país de origem em 1967, quinze anos após a morte de seu au-
tor. Inédita no Brasil, a narrativa possui um caráter de “inacabada”, que é explorado
no livro pelo projeto gráfico desenvolvido por Elaine Ramos, com páginas de refile
irregular e o texto verbal espalhado por partes do livro que tradicionalmente não o
recebem, como a capa e as guardas.
Por fim, a sétima e mais recente obra da coleção é Avenida Niévski (fig. 10), de
Nikolai Gógol, publicada em 2012. O conto já havia sido editado no Brasil em versão
bilíngue russo-português pela editora Ars Poetica. Na edição da Cosac o livro é ilus-
trado com gravuras reproduzindo a avenida ao longo de toda sua extensão e o texto
verbal está dividido em dois blocos espelhados, em uma alusão ao fluxo de passantes
por ambos os lados da via que dá nome à obra. A edição é acompanhada pelas No-
tas de Petersburgo de 1836, crônica publicada pela primeira vez no Brasil. Os dois
volumes vêm embrulhados em um papel que simula um jornal russo da época. O
projeto gráfico é de Elaine Ramos e Gabriela Castro.
Colecionar livros é uma atividade multifacetada. Talvez seja a forma mais rica e
mais ambígua de colecionar. Há os que tratam os livros simplesmente como ob-
jetos, e que os abrem apenas para conferir o lugar e a data da impressão, a edição,
a qualidade do papel e o tipo de letra. Podem colecionar primeiras edições, ou
todos os títulos publicados por um determinado editor ou escritos por deter-
minado autor, ou livros impressos em Würzburg ou Oxford no século XVI, ou
livros encadernados numa determinada gráfica de Paris, ou encadernados em
marroquim, ou livros com encadernações expressionistas, ou livros azuis, livros
pequenos, livros grandes, ou exemplares raros não cortados.
Sendo a coleção uma combinação de livros, ela é então interpretada como uma
cadeia, em que cada posição é ocupada por um livro específico. Essa seleção de qual
obra ocupará cada espaço na cadeia é uma escolha da ordem do eixo paradigmático,
definido por relações do tipo “ou... ou”: ou esse livro, ou outro. Os livros são, desse
modo, grandezas copresentes em uma mesma cadeia. Porém, cada um deles é tam-
bém constituído por um novo eixo sintagmático, composto pela combinatória das
diversas partes do livro (capa, frontispício, índice, páginas textuais, etc.). A maneira
como cada parte do livro é enunciada, “ou dessa forma ou dessa outra”, é também
uma escolha paradigmática e diz respeito à atuação não somente do autor do livro,
mas também dos designers, editores, etc. A sintagmática das coleções e dos livros
surge como uma hierarquia relacional, disposta em vários níveis.
C1
L1 L2 L3 L4 ...
Esquema 2 –
Sintagma de uma
coleção de livros.
Comum adj. 1 relativo ou pertencente a dois ou mais seres ou coisas (era nosso
amigo c.) (interesses c.) (palavras c. a várias línguas) 2 que é usual, habitual (o
ano c. tem 365 dias) (faltavam-lhe os conhecimentos mais c.) 3 que se caracteriza
pela simplicidade (roupas c.) 4 fig. pej. que não possui nenhuma elevação ou
PARTICULAR GERAL
Fora do comum Genérico
Próprio, exclusivo Universal, total
EXCEPCIONAL
NORMAL
Esquema 3 – ESPECÍFICO COMUM
Quadrado semióti- Não-geral Não-particular
co elaborado a Um caso, uma situação Usual, habitual
partir do termo
/particular/.
A editora Cosac Naify está imersa nesse mundo em que os fatores econômicos
são imperativos. E é por isso que podemos falar em uma “identidade” de coleção e
de editora quando abordamos a Coleção Particular. Por serem produtos culturais
inseridos em uma lógica mercadológica, faz sentido que queiram asssumir uma
identidade própria, una, facilmente identificável e que os diferencia de seus concor-
Por ser destinada ao consumo mercantil, a cultura de massa deve renovar cons-
tantemente a sua oferta, com produtos que, mesmo que não escapem a fórmu-
las-padrão, devem apresentar-se como singulares: é uma lógica da diversificação
e da renovação permanente, uma lógica da novidade e da obsolescência acelera-
da que comanda as indústrias culturais.
O que dá coerência semântica a um texto e o que faz dele uma unidade é a reite-
ração, a redundância, a repetição, a recorrência de traços semânticos ao longo do
Num sentido mais amplo, serão consideradas como sincréticas as semióticas que
– como a ópera ou o cinema – acionam várias linguagens de manifestação; da
mesma forma, a comunicação verbal não é somente de tipo lingüístico: inclui
igualmente elementos paralinguísticos (como a gestualidade ou a proxêmica),
sociolinguísticos, etc. (GREIMAS e COURTÉS, 2011, p. 467).
• Linguagem verbal
(língua, idioma)
Manifestada em:
• Linguagem gráfica
Linguagem • Substâncias verbais
(design)
sincrética • Substâncias visuais
• Outras linguagens
do livro • Substâncias espaciais
(fotográfica, pictórica,
Esquema 4 –
gravura, etc.) • Substâncias táteis
Composição
• Linguagem gestual da linguagem
sincrética do livro.
A linguagem gráfica é, nas peças de design gráfico (o livro aqui incluso), a lin-
guagem regente que vai organizar o espaço da manifestação e dar acesso à linguagem
verbal escrita e às demais linguagens (visuais) envolvidas. Não há, lembramos, uma
hierarquia de importância ou de relevância entre essas linguagens, pois o que vale
não é o específico de cada uma delas tratado isoladamente, mas sim a maneira como
elas se integram para produzir a linguagem sincrética do objeto livro.
A linguagem gráfica vai inscrever ainda, no enunciado, diversas marcas dos mo-
dos de manipulação do livro. Instala-se assim no objeto um referencial a partir de
sua própria constituição que servirá para orientar o leitor nos percursos gestuais a
Assim, no caso dos livros aqui investigados, o que conduz a análise não é a espe-
cificidade de cada linguagem, isoladamente, mas as relações entre elas. A manifes-
tação visual do verbal escrito não deve ser considerada isoladamente, por exemplo,
mas sim como parte de um todo de sentido que se manifesta verbovisual-espa-
cial-tatilmente. As diferentes linguagens que agem em conjunto na produção da to-
talidade “livro” são interpretadas como interatuando umas com as outras, trazendo
cada uma certa visibilidade a um mesmo texto.
Se o livro é composto por uma única linguagem sincrética, como afirmamos,
então ele precisa obedecer ao postulado de que, para ser linguagem, deve possuir
um plano da expressão e um plano do conteúdo. Segundo Fiorin (2009, p. 35): “as
verdadeiras estruturas semióticas são biplanares. [...] As semióticas sincréticas cons-
tituem um todo de significação e, portanto, há um único conteúdo manifestado por
diferentes substâncias da expressão.”
Assim, nos debruçamos agora sobre cada um dos sete livros que constituem
a Coleção Particular para verificar como o plano da expressão, que se vale das
Essa obra de Beckett, escrita em 1945, foi a selecionada para tomar a dianteira na
Coleção Particular. Para iniciar a análise, cabe aqui uma breve apresentação da tra-
ma: na história do livro temos um narrador letrado, conhecedor de muitos autores de
literatura, porém extremamente antissocial. O personagem, cujo nome nunca é reve-
lado, possui um grande apreço por cemitérios, que visita com frequência, pois para
ele o cheiro dos cadáveres é preferível ao dos vivos: “por mais que se lavem, os vivos,
por mais que se perfumem, eles fedem.” (BECKETT, 2004, p. 2). O narrador relata a
morte de seu pai, ocorrida em um momento anterior ao desenrolar da trama, evento
após o qual é expulso de casa e passa a viver nas ruas. Guardando seu pouco dinheiro
herdado nos bolsos, sem nunca utilizá-lo, e dormindo num banco às margens de um
canal, o personagem se recusa a participar desse “pequeno resíduo de futilidades
peçonhentas que chamamos de não-eu, e mesmo de mundo, por preguiça.” (Ibidem,
p. 10). Em certo ponto da narrativa, passa a dividir o banco com uma mulher de-
nominada Lulu, mas que é posteriormente chamada de Anne, quando o narrador se
farta de seu primeiro nome. Após uma inesperada relação sexual acontecer entre os
dois em uma certa noite, o protagonista vai embora, nauseado, e busca outro lugar
para viver, refugiando-se em um estábulo de vacas. A mulher, porém, o incomodava
profundamente, mesmo ausente. O narrador explana assim sua situação: “[...] tive
que me defender de um sentimento que se arrogava pouco a pouco, em meu espírito
glacial, o horrendo nome de amor.” (Ibidem, p. 14). Incomodado pelo sentimento,
o sujeito volta ao banco, esperando reencontrá-la. A personagem feminina então
reaparece e o convida a viver em sua casa, já que possui uma habitação com dois
quartos, cozinha e banheiro. Lulu/Anne lhe oferece morada, comida e carícias, mas
o protagonista se recusa a participar daquele “casamento”, retirando todos os móveis
do quarto, menos o sofá, onde dorme sempre voltado para as paredes e de onde nun-
ca sai. Com o passar do tempo, passa a não amá-la mais. Após alguns meses, e depois
de ficar sabendo que a mulher exercia como atividade a prostituição, recebendo seus
Figura 11 – Capa de
Primeiro amor, de
Samuel Beckett.
Fonte: BECKETT,
2004.
Figura 12 – No es-
quema da esquer-
da, os elementos
são visualizados
em sua distribuição
horizontalmente
central e vertical-
mente superior. No
esquema da direita,
o prolongamento
das linhas vertical
e horizontal da
cruz prossegue
realizando uma
cruz, devido à sua
posição no espaço
da capa.
Fonte: elaborado
a partir de Beckett
(2004).
As categorias eidéticas são aquelas que servem para definir uma configuração
plástica no nível da forma, por exemplo: /reto/ vs. /curvo/, /côncavo/ vs. /convexo/.
(GREIMAS e COURTÉS, 1991). Seus elementos básicos são o ponto, a linha e o pla-
no. Assim, o próprio plano que forma a capa, ou seja, sua proporção altura x largura
(seu formato), já é um formante eidético. As dimensões do retângulo de capa são 16
x 23cm, apresentando uma proporção aproximada de 1:√2, formato conhecido como
quadrado largo. Tal formato é adotado como padrão internacional de papéis pela ISO
(Organização Internacional de Padronização), o que se verifica nos formatos tradi-
cionais que conhecemos: A3, A4, etc. Tal escolha denota uma grande racionalidade
geométrica, pois é o único formato que, quando dobrado ou cortado pela metade,
produz um novo retângulo de mesma proporção. (BRINGHURST, 2005, p. 169).
As formas dos desenhos dos tipos utilizados na capa são também relevantes em
uma análise plástica do objeto. A tipografia trabalhada no título (fig. 13) é uma fon-
te no estilo engraved (“gravada”). A forma dos caracteres é baseada nos romanos
Figura 13 –
Tipografia utilizada
no título, em estilo
engraved.
Fonte: BECKETT,
2004.
Figura 14 – Univers,
tipografia utilizada
no nome do autor.
Fonte: BECKETT,
2004.
Já no nome do autor, a família tipográfica utilizada foi a Univers11 (fig. 14). A 11 Criada pelo
tipógrafo Adrian
fonte, moderna e sem serifa, é conhecida por sua limpeza e legibilidade a longas
Frutiger e
distâncias. A versão escolhida para o nome do autor na capa e para o texto de miolo produzida entre
1954 e 1957. A
em Primeiro amor foi a condensada (que apresenta menores dimensões horizontais
Univers foi uma das
em relação à versão romana comum). Percebe-se que, por ser condensada, a fonte primeiras famílias a
serem desenhadas
acaba sendo mais pesada e assim o nome do autor na capa possui peso maior ou
pensando-se
igual ao título, ainda que esteja num corpo menor. em todas as
suas variações e
Nota-se que as duas tipografias escolhidas possuem na construção de seus carac-
tamanhos (romano,
teres um eixo racionalista (vertical), o que reitera o posicionamento ortogonal hori- itálico, light, bold,
condensado, etc.).
zontalmente centralizado dos elementos na página, e a figura da cruz, que também
Ao longo do tempo,
é essencialmente vertical. a família passou
por redesenhos e
O estudo semiótico da cor não trata os matizes manifestos como unidades, mas
ampliações de suas
sim os constrói enquanto figuras da expressão constituídas por traços diferenciais variações (ROCHA,
2005).
pertinentes (GREIMAS e COURTÉS, 1991). Na capa de Primeiro amor, dois matizes
Figura 17 – Dois Pensando-se eideticamente na forma assumida pela mancha de texto, alinhado
momentos do
à esquerda, percebe-se certa fluidez que emula as pinceladas horizontais presentes
percurso plástico
cromático na semiose pictórica. O resultado, assim, é de uma natural irregularidade e um cer-
verificados no
to desalinho. As linhas de texto nascem sempre da margem esquerda da página,
livro: a tinta preta
pura nas imagens emolduradas pela porção visível da segunda capa negra e por vislumbres das ima-
iniciais (esquerda)
gens pictóricas que ficaram para trás, porém das quais se vê apenas um fragmento
dá lugar a diversas
gradações de brilho devido ao esquema de dobras das páginas. Os tipos, por serem condensados, acar-
(direita).
retam uma cromaticidade de menor brilho (escura). Pelo desenho dos caracteres,
Fonte: BECKETT,
2004. da família Univers, ser de eixo racionalista (vertical), as linhas verticais ascendentes
e descendentes dos tipos se destacam e, ainda pela proximidade entre caracteres
decorrente da escolha do tipo condensado, criam um ritmo na página similar ao das
caligrafias góticas. O efeito de sentido é de irregularidades, de pequenas marcações
desalinhadas que seguem, porém, uma fluidez e um ritmo contínuos.
Por sua vez, as linhas das ilustrações apresentam uma direção predominante e
uma qualidade de traçado que vão se modificando pouco a pouco a cada uma das
quinze etapas. Inicialmente, o traçado ou as pinceladas são rudes, imperfeitos, e per-
cebe-se, nas primeiras imagens, a aspereza do pincel. A direção predominante das
pinceladas é horizontal, com suas linhas nascendo (ou continuando) das margens
em direção ao centro da página. Aos poucos, muda-se a direção do traço e as pince-
Com o ajuste, esses mesmos sujeitos são reconhecidos como dotados de um cor-
po e, consequentemente, de uma sensibilidade. A interação não mais será basea-
da em um fazer crer, mas sim em um fazer sentir – não mais em uma persuasão
entre inteligências, mas sim em um contágio entre sensibilidades: fazer sentir
que deseja para fazer desejar, deixar ver seu próprio medo para amedrontar, [...]
et cetera.12 12 Tradução
nossa a partir do
espanhol.
No banco em frente ao canal, quando o narrador dá um espaço à personagem
feminina e depois estica a perna sobre o colo dela, percebe-se claramente o regime
de ajuste, pois é o sentir o calor nas pernas que a personagem sente que faz com
que se inicie a relação entre os dois, que acaba culminando em um ato sexual.
Os dois, S₁ e S₂, vivenciam juntos aquela experiência, naquele espaço, e posterior-
mente uma relação (quase) amorosa. Também existe, mas em menor grau, uma
certa manipulação por sedução da parte de S₂, oferecendo a S₁ casa e conforto em
troca de vivenciar essa relação. O narrador (S₁) passa por uma mudança de estado,
que vai do isolamento total ao relacionamento com outro ser humano, do estado
de morto-vivo ao da vida em sociedade. Porém, tal mudança de estado nunca se
concretiza completamente, haja vista que o sujeito nunca está satisfeito nessa nova
posição que assume, que abandona no final da narrativa, retornando a seu estado
inicial de isolamento.
No nível fundamental, o mais simples e abstrato, “surge a significação como
uma oposição semântica mínima” (BARROS, 2008, p. 9). Em Primeiro amor, esta
oposição está alicerçada nos termos opostos da categoria /vida/ vs. /morte/. A /vida/
é entendida como o fato biológico de estar vivo e como a interação com os demais
seres viventes, o estar no mundo. A esse termo corresponde o estado da personagem
Lulu/ Anne e é esse o estado do protagonista anterior à trama, quando vivia em sua
Figura 19 – Capa de
Bartleby, o escrivão,
de Herman Melville.
Fonte: MELVILLE,
2005.
A tatilidade se impõe na capa por meio desses diversos traços matéricos, instau-
rando o agir pelas mãos como o agir que vai nortear a leitura do livro. Para lê-lo, é
preciso tocá-lo e interagir com ele, realizando os passos de um percurso gestual que
já estão inscritos no enunciado, devendo o leitor demonstrar a sensibilidade para
apreendê-los e executá-los.
Na escolha tipográfica da capa, uma profusão de estilos: o nome do autor vai
grafado numa ornamentada fonte caligráfica, o título da obra numa pesada egípcia
(de serifas grossas) e a informação de tradução e do posfácio na família Goudy Old
Style, uma fonte serifada de estilo antigo que é também utilizada no interior do livro.
Figura 24 – As
páginas dobradas
ocultam o texto
verbal impresso em
seu interior.
Fonte: MELVILLE,
2005.
Figura 28 – Título,
composto em
Bell MT.
Fonte: JAMES, 2007.
Figura 30 – Parte
interior da
capa, quando
desdobrada.
Fonte: JAMES, 2007.
O guizzo – palavra intraduzível [...] – foi-me explicado como um termo que de-
signa o tremeluzir do pequeno peixe saltando da água, como um raio argênteo e
brilhante, que, em um instante, reúne o cintilar da luz com a umidade da água. A
subitaneidade do evento, a elegância dessa gestualidade tremulante, o jogo da luz
sobre uma superfície aquática: eis aqui, imperfeitamente decompostos, alguns
elementos de uma apreensão estética apresentados em uma síntese figurativa.
Esse tremeluzir que se dá no jogo entre o tom de prata mais claro e o prata mais
escuro nos remete novamente à ideia de um espelho, mas um espelho imperfeito,
aquele que deforma, aquele que até certo ponto atrapalha a visibilidade. O espelho é
concretizado no livro, mas ele dificulta a leitura, ele não dá visibilidade, ele reproduz
a dificuldade da espera do próprio personagem. De fato, a leiturabilidade dessas pá-
ginas é bastante complicada: o texto verbal é encoberto pela luz vibrante e é preciso
sensibilidade para adentrá-lo. Toda a angústia que o personagem sente está figura-
tivizada na cor, que tira a clareza, que em seus contrastes atrapalha o foco. O prata é
a “cor do mistério”, há no prateado sempre algo escondido, à espreita.
Essa dificuldade visual de leitura está presente também no plano da expressão
do sistema verbal: o texto apresenta frases densas, parágrafos longos e de sintaxe
complicada. Assim, na “dificuldade” de leitura, tanto visual, pelos jogos de lumino-
A tradução de José Geraldo Couto faz jus ao original. É bem trabalhada, segue
de perto, com discernimento literário, a frase tortuosa de James, bem como seu
ritmo, que é quase sempre redondo e seguro, mas que pode “fechar” numa con-
clusão inesperada. Os diálogos são precisos e breves, preservando a implicação
das falas, que guardam o seu segredo sem ocultá-lo por completo.
Obra do francês Raymond Queneau, lançada em 1959, Zazie no metrô foi um grande
sucesso editorial em seu país de origem. O livro pode ser considerado um best seller
na França e teve até mesmo uma adaptação cinematográfica em 1960 dirigida por
Louis Malle. A obra também foi considerada transgressora por se valer do francês
popular, das ruas: a personagem principal fala muitos palavrões e as suas falas e dos
demais personagens são sempre grafadas de acordo com a linguagem coloquial.
Assim como feito com os livros precedentes, começamos a análise com uma
breve apresentação da trama. Na história, a garotinha Zazie é levada por sua mãe
de uma cidade do interior à capital Paris, lugar onde pisa pela primeira vez. A mãe
vai passar o final de semana na companhia de um namorado e Zazie é recebida na
estação de trem por seu tio Gabriel, que fica responsável por cuidar da criança du-
rante aquele fim de semana. A menina possui apenas uma convicção, a de que vai
conhecer o metrô parisiense. Seus planos, no entanto, são frustrados, pois o metrô
está fechado devido a uma greve dos transportes coletivos. Outra obsessão, porém,
poderá ser alcançada: vestir uma calça jeans pela primeira vez.
Para isso, a garota foge logo cedo da casa dos tios e passeia pelas ruas da Paris
da década de 1950. Num mercado de pulgas, encontra um curioso personagem que
pode ser tanto um policial à paisana quanto um tarado (e que posteriormente aparece
ora como um agente de trânsito, ora como um gângster). Após levá-la para almoçar
e para comprar a tão visada calça jeans, o sujeito a traz novamente para a casa do tio
Gabriel e de sua esposa, Marceline. Gabriel decide, então, levar a irrequieta meni-
na para conhecer a cidade no táxi de seu amigo Charles. Ao longo da trama, várias
histórias ocorrem em paralelo, envolvendo os amigos de Gabriel e parisienses diver-
sos: o dono de bar Turandot e seu papagaio Laverdure, a garçonete Mado Petits-Pieds,
a viúva Mouaque, o sapateiro Gridoux, o guia turístico Fiódor Balanovitch e outros
personagens. Depois de uma série de mal-entendidos envolvendo um grupo de turis-
Figura 33 – Capa de
Zazie no metrô, de
Raymond Queneau.
Fonte: QUENEAU,
2009.
As duas cores utilizadas, o azul e o vermelho, são cores primárias de acordo com
o modelo triádico tradicional das artes plásticas (que não corresponde ao modelo
das cores do processo de impressão). As mãos vestem luvas que, juntamente com o
tipo de punho dos braços, remetem ao uniforme de um inspetor francês. Azul, ver-
melho e branco, bem como o estilo das luvas e as palavras em francês instauram uma
origem geográfica para o texto.
As tipografias utilizadas na capa aparecem também ao longo de todo o livro. No
título, os tipos são da fonte Futura, geométrica e monolinear (sem diferenças de es-
pessuras ao longo do traçado) do estilo display; no nome do autor, a Meridien, fonte
serifada com bastante contraste fino/grosso e também muito legível. Ambas são fon-
tes francesas representantes da época da narrativa (MARTINEZ, 2009).14 14 A Meridien
foi projetada por
Na topologia da capa (fig. 35), vemos como os elementos são compostos em
Adrian Frutiger em
grande parte por linhas verticais e horizontais, que quase se cruzam, montando uma 1957, enquanto
a Futura foi
trama ortogonal no plano. Os dedos formam flechas, que indicam nessa trama di-
desenhada em
reções conflitantes. Entre as pontas dos dois dedos/setas, o título da obra está fragil- 1927 por Paul
Renner, mas
mente equilibrado. Há um encaixe com uma certa aparência acidental entre os ele-
popularizou-se
mentos da capa, como um congestionamento de peças diversas que permaneceram nas décadas de
1950 e 1960.
onde foi possível colocá-las. As palavras em francês, por exemplo, não couberam
por inteiras. Essa profusão de elementos que se cruzam e se encaixam e a multi-dire-
cionalidade traduzem em sincretismo uma certa “cacofonia” particular da prosa de
Queneau, em que as falas e tramas dos diversos personagens se cruzam, se intercep-
tam mutuamente.
Na quarta capa (fig. 36), há uma retomada dos mesmos elementos da capa
(mãos enluvadas, fragmentos de palavras em francês, degradê de cores e direções
contrárias), além da informação dos responsáveis pelo posfácio (Roland Barthes)
e tradução (Paulo Werneck) e duas frases com (supõe-se) opiniões irônicas sobre o
livro. Uma das opiniões é do crítico Otto Marie Carpeaux e se vale do mesmo lingua-
jar chulo presente em várias passagens da obra (“Zazie? Do caralho!”), enquanto a
outra é na verdade apenas um fragmento de Lorem ipsum, palavras utilizadas comu-
mente como demarcadoras de espaço de texto e que não são, portanto, uma opinião
de seu autor (Cícero) sobre obra alguma.
Figura 36 – Quarta
capa de Zazie no
metrô.
Fonte: QUENEAU,
2009.
As páginas pré-textuais iniciam com uma página de ante-rosto, que contém ape- Figura 37 – Na
segunda e terceira
nas o título da obra, e a página de rosto, com o título e autor, nas mesmas tipografias
capas, a retícula
utilizadas na capa (fig. 38). A seguir, há uma epígrafe de Aristóteles e logo após forma o degradê
entre o vermelho e
iniciam-se as páginas textuais, com a história sendo apresentada a partir de seu
o azul.
primeiro capítulo. Fonte: QUENEAU,
2009.
Logo em um primeiro contato, a materialidade do livro apresenta-se como um
forte elemento estésico e de construção de sentido. O volume é todo impresso no
papel Op Opaque de 37g/m², um tipo de papel bíblia muito fino. A encadernação
brochura junta todas as folhas numa cola interna. As páginas, porém, não sofreram
o refile completo: apenas as partes superior e inferior de cada página foram cor-
tadas, deixando na parte externa uma dobra. Assim, a cada quatro páginas “con-
vencionais”, apenas a primeira e a quarta estão claramente visíveis, sendo que as
páginas internas ficam parcialmente ocultas. O papel fino e delicado, encaderna-
do com essa dobra inesperada decorrente da página não-refilada, incita o leitor a
páginas internas, que a princípio deveriam estar ocultas, ficam assim visíveis ao
leitor devido à baixa gramatura do papel. Pela transparência da folha, o leitor vê
não apenas o texto verbal, mas também, com menor definição, as imagens que estão
impressas no verso da sua página e também aquelas do verso da página seguinte.
Há, assim, em uma mesma página, três planos de visibilidade que se dão em níveis
distintos devido à transparência do material, em uma profusão de elementos.
Apesar da visibilidade dada por meio da transparência do papel, existe também
a possibilidade do leitor rasgar as páginas, para observar com mais precisão as
ilustrações internas (fig. 40).
Na trama do livro construída pela semiose verbal, conhecemos Zazie, uma Figura 41 – Páginas
de aberturas de
garota aparentemente inocente, porém irrequieta, que quer ir à cidade grande – capítulos.
figurativizada pela Paris da década de 1950 – e viver a cidade. Zazie quer usar calças Fonte: QUENEAU,
2009.
jeans, andar de metrô, tomar cerveja, etc. Em outras palavras, quer abandonar a sua
inocência e assumir uma vida adulta. Os temas da “cidade grande” e do “mundo
adulto” são figurativizados não apenas pelas calças jeans e pelo metrô, mas pelos
diversos personagens da trama e suas ações ao longo da história: dirigem, saem à
noite, bebem, namoram. A Paris retratada no livro é uma cidade caótica: além do
trânsito congestionado devido à greve, há uma profusão de falas, pensamentos,
sexualidades, etc. Assim, a vida adulta se apresenta para Zazie como algo confuso,
incerto e complicado.
No nível narrativo, temos, portanto, um sujeito que é destinador de si: Zazie
quer, por conta própria, conhecer a vida adulta das grandes cidades. Ela parte do
3.5 Flores,
de Mario Bellatin
Figura 43 – O
conjunto da publi-
cação é composto
pela embalagem
plástica, pelo miolo
do livro desprovi-
do de capa e pela
“orelha” solta.
Fonte: BELLATIN,
2009.
Figura 44 – No
miolo do livro, a
impressão é de que
o que seria a capa
fora arrancado,
deixando aparentes
as “vísceras” do
volume: seus
cadernos, sua cola
e costura.
Fonte: BELLATIN,
2009.
Duas tipografias são utilizadas ao longo do livro (fig. 46). Nos títulos, a família
15 A Helvetica foi
escolhida é a Helvetica15. Ela é utilizada indiscriminadamente nas mais variadas desenvolvida em
meados do século
peças gráficas ao redor do mundo, sendo considerada uma tipografia quase “neutra”.
XX. É uma tipografia
É bastante comercial, com formas regulares, sem grandes surpresas ou detalhes ex- sem serifas que,
segundo Rocha
cessivos no desenho de seus tipos.
(2005, p. 129),
representa “o Swiss
Style e a limpeza
do design suíço dos
anos 1950 e 1960”.
16 A Melior foi Já na mancha de texto, a família utilizada é a Melior.16 De uso recomendado para
criada em 1952
jornais e peças gráficas empresariais, a Melior possui tipos levemente condensados.
por Hermann Zapf
em Frankfurt, na Sua escolha em Flores pode ser uma alusão tanto aos personagens alemães que estão
Alemanha.
na trama do livro quanto às grandes corporações como as da indústria farmacêutica.
No que é chamado “orelha” do livro, a folha dobrada com o comentário sobre a
obra, abandona-se a tonalidade verde do miolo, demasiada clara (fig. 47). O próprio
papel utilizado é colorido, um color plus também verde, mas muito mais evidente.
A cor mais marcada do suplemento coincide com um texto que é uma tomada de
posição, uma opinião sobre a obra.
No livro, verbalmente, Bellatin se vale de uma quantidade grande de personagens
para construir o nível discursivo de seu texto. Cada um dos pesonagens está
envolvido em sua própria narrativa e alguns possuem mais importância que outros.
Os principais estão listados a seguir: Olaf Zumfeld, o cientista que descobriu a
substância causadora das más-formações, um dos únicos peritos autorizados a
avaliar os casos para que as vítimas recebam suas indenizações; Henriette Wolf,
a secretária de Olaf que recebe rispidamente os pacientes; Amante Outonal, um
homem com atração sexual por anciões; os gêmeos Kuhn, dois irmãos sem braços
nem pernas que são abandonados em uma gruta quando bebês; Alba, a Poeta,
mulher que adota os gêmeos Kuhn; Marjorie, manicure norte-americana, e seu
marido Brian, enfermeiro, casal que entra em conflito a partir de uma gravidez
indesejada; Eva, tia do Amante Outonal, uma idosa que vive em reclusão; uma
crítica literária cujo ex-marido trocara de sexo. Há ainda o escritor que protagoniza
a maior parte dos relatos e outros personagens de menor participação na trama,
alguns cujo nome nem é mencionado.
Uma obra sui generis escrita ao longo de 40 anos, e ainda assim inacabada, Museu do
romance da Eterna foi publicada pela primeira vez na Argentina quinze anos após
a morte de seu autor, Macedonio Fernández. O livro é organizado em duas partes,
de tamanho mais ou menos equivalente: uma série de prólogos e o “romance” em si.
Sem uma narrativa linear, o livro mistura fragmentos narrativos, apresentações da
obra, descrições dos personagens, diálogos soltos e diversas reflexões do autor sobre
o próprio trabalho, sobre a literatura em geral e também reflexões de cunho filosó-
fico. Em sua escrita, ainda, Fernández se dirige diretamente a seus leitores e também
aos críticos, dando a certas passagens um caráter epistolar.
Pelo pouco que se pode apreender nos fragmentos da trama, Eterna é uma mis-
teriosa e bela personagem por quem o autor é apaixonado (o autor é também perso-
nagem da trama e, portanto, um dos atores do nível discursivo do texto). Ela mora na
estância O Romance, o lugar onde ocorre a “trama”, por assim dizer. Nessa estância,
vivem os diversos personagens que participam do livro: Quiçagênio, Doce-Pessoa,
Deumamor, entre outros que participam efetivamente ou são apenas mencionados
em algum dos prólogos. A estância é comandada pelo Presidente, o personagem cuja
figura se mistura à do próprio autor.
O autor-Presidente, entende-se, prepara um romance em homenagem a Eterna:
“A ti, existas ou não, dedico esta obra; és, pelo menos, o real de meu espírito, a Bele-
za eterna” (FERNÁNDEZ, 2010, p. 15). Tal romance sobre a Eterna possui vários
pedaços, ideias, apresentações, prólogos, mas nunca é de fato concluído. Ele está
sempre em desenvolvimento, em processo. No livro, todas essas diversas partes são
reunidas como se fossem uma coleção de museu e, por isso, se dá o título da obra:
O papel rústico da capa foi selecionado por ser vulnerável à ação do tempo. As-
sim, ao desbotar-se, o romance logo apresentará um aspecto condizente com o
conteúdo do livro, que é, a um só tempo, um esboço — uma obra inacabada, em
processo — e um clássico. (RAMOS, 2011).
Figura 48 – Capa
de Museu do
romance da Eterna,
de Macedonio
Fernández.
Fonte: FERNÁNDEZ,
2010.
Figura 49 – Quarta
capa de Museu do
romance da Eterna.
Fonte: FERNÁNDEZ,
2010.
Na capa, quarta capa e também no miolo do livro, duas famílias tipográficas são
utilizadas: Akkurat e Proforma. A primeira delas é um tipo sem serifas, moderno e
de bastante impacto visual, sendo utilizada nos títulos e subtítulos. A segunda é um
tipo serifado e legível, com a qual é composta a mancha de texto. Ambas são tipogra-
fias ligeiramente condensadas (estreitas), o que parece dialogar com o formato do
livro, também levemente mais estreito que a média.
As guardas são, tal qual a capa, completamente repletas de texto verbal. Na guar-
da inicial, há uma apresentação de Damián Tabarovsky, na qual um dos trechos faz
uma síntese bastante precisa da obra: “romance fragmentado, antirrealista, eterno
work in progress, o livro avança a partir de uma série de prólogos que precedem um
texto que nunca chega”. Na guarda final, há uma nota “sobre o autor”, os créditos,
ficha catalográfica e colofão do livro.
Uma das passagens da obra parece explicar várias escolhas do design:
Espero que o meu, o meu Editor, não me exponha ao ridículo inserindo as cinco
[tradicionais] folhas em branco [...]. Se há Crítica para o escrito, faço a do em
branco, essas páginas que são publicadas pelos Editores e criticadas por mim
[...]. Repudio como falsas todas as páginas em branco que se publiquem aqui
Assim, é fazendo jus às palavras do autor que a capa, quarta capa e guardas são
completamente preenchidas de texto verbal e que da guarda se passa diretamente às
páginas do miolo, sem a convencional página de rosto, ante-rosto, sumário, etc.
O miolo do livro é impresso em cor preta sobre o papel Pólen Soft de gramatura
80g/m², levemente amarelado e de superfície regular. O que é irregular na materia-
lidade, no entanto, é a margem lateral externa do livro (fig. 51). Por meio de um
sistema de dobras realizado durante o processo produtivo, o volume termina com
sua margem externa sem um corte final e preciso. Cada página fica com uma largura
total que varia dos 11,3cm aos 11,8cm. Desse modo, meio centímetro da lateral do
bloco de páginas fica impreciso, desalinhado. O resultado final parece uma pilha de
papéis, folhas soltas empilhadas sem muito esmero. Trata-se de uma figurativização
do próprio processo de escrita do livro, que é disperso, incompleto e eternamente
em produção.
Para navegar nessa pilha de papéis, há um percurso gestual a ser seguido que é o Figura 51 – Detalhe
da lateral irregular
de investigar os diversos fragmentos escritos, como se o livro fosse verdadeiramente
do miolo de Museu
um empilhamento de folhas e documentos dispersos autônomos, avançando e retro- do romance da
Eterna.
cedendo na passagem de páginas sem uma ordenação rígida. Pela estruturação da
Fonte: FERNÁNDEZ,
escrita de Fernández, há uma gestualidade de ir e vir constante entre os fragmentos 2010.
textuais, entre os prólogos e os capítulos, na tentativa do leitor de, pela relação das
partes, apreender a totalidade da narrativa.
Passamos agora à análise final da sétima obra da Coleção Particular. Publicado ori-
ginalmente no ano de 1835, Avenida Niévski é um conto do russo Nikolai Gógol. Ele
inicia com o relato de como é o dia-a-dia dessa importante avenida de São Peters-
burgo, enfatizando sua modernidade, seu ritmo, sua circulação de pessoas e notícias:
sua vida. A avenida era essencialmente um local de passeio na cidade russa. Assim a
apresenta Gógol (2012, p. 2): “Basta entrar na avenida Niévski para sentir o aroma de
um passeio. Mesmo que tenhamos algum assunto urgente e incontornável, ao entrar
na avenida certamente esqueceremos tudo.”
À maneira de uma observação etnossemiótica (MARSCIANI, 2012), Gógol des-
creve os corpos que circulam na avenida em seus diferentes horários: o fraco movi-
mento da manhã; no início da tarde, preceptores com seus pupilos e governantas com
crianças; ao longo da tarde, corretos funcionários públicos e senhoras de chapéu,
vestido e lenço; no crepúsculo, o guarda noturno acende os lampiões e a avenida fica
cheia de jovens solteiros com sobrecasacas espiando por baixo dos chapéus de belas
senhoras. O conto então relata dois casos desses jovens que passeiam pela avenida,
que constituem dois exemplos do tipo de acontecimento recorrente que dá vida às
largas vias da Niévski.
O primeiro personagem que acompanhamos é Piskarióv, um pintor tímido e
ingênuo. Ao ver uma sensual moça de pele branquíssima caminhando pela avenida
ele a segue, extasiado, até um “local de depravação” (um prostíbulo, conforme se dá
a entender) onde ela adentra. Assustado com o ambiente em que circula a moça, o
pintor foge, mas passa a pensar nela o dia inteiro e a sonhar com ela durante a noi-
te. Num estado de permanente devaneio, Piskarióv deixa de comer e assume uma
aparência devastada. Por fim, o pintor volta a visitá-la, convidando-a a largar aquela
vida e casar-se com ele, mas ela recusa. Ele, enlouquecido, volta a sua casa e corta a
própria garganta com uma navalha.
Figura 54 – Capa de
Avenida Niévski, de
Nikolai Gógol.
Fonte: GÓGOL,
2012.
O primeiro contato do leitor com a obra acontece por meio do invólucro dos
dois volumes, uma inesperada folha de papel dobrada que simula um jornal (fig.
54). Impressa em tinta preta está uma reprodução do periódico Sangtpetersburgkiia
Vdomostide de 1º de janeiro de 1835. Na materialidade do papel escolhido, se per-
cebe a coloração, acabamento fosco e dimensões totais próximos a de uma folha de
Figura 55 – Ao
ser desdobrado,
o embrulho que
simula um jornal
revela entre
suas dobras os
dois volumes
que compõem a
publicação.
Fonte: GÓGOL,
2012.
Figura 57 – As
proporções dos
elementos nas
litogravuras
é contínua ao
longo de todas as
imagens.
Fonte: elaborado
a partir de Gógol
(2012).
É nesse segundo volume que, além da crônica de Gógol, constam algumas partes
fundamentais do livro: página de créditos, ficha catalográfica e colofão. É interes-
sante notar que essas informações aparecem apenas em Notas de Petersburgo de 1836
e não no primeiro volume, Avenida Niévski. Daí deduzimos que os dois volumes são
de fato apresentados como uma unidade, como um conjunto que deve ser distribuí-
do unido e não em volumes separados.
Enquanto Avenida Niévski utiliza em seu bloco de texto uma tipografia sem seri-
fas, Notas de Petersburgo se vale de tipos serifados. Analisando-os mais proxima-
mente, porém, se vê que os dois são muito similares. Trata-se, afinal, de uma mesma
18 A família
família tipográfica, a Nexus18 (fig. 59). Essa família possui uma versão sem serifas e tipográfica Nexus
foi projetada por
uma versão serifada, desenhadas a partir das mesmas formas, o que acarreta uma
Martin Majoor no
continuidade entre os dois volumes. ano de 2004.
Figura 59 – Tipogra-
fias Nexus Serif e
Nexus Sans.
A família constrói a
partir de uma mes-
ma forma básica
tipos com e sem
serifas, que são
utilizados harmoni-
camente nos dois
Verbalmente, o conto Avenida Niévski apresenta um alto grau de figuratividade. volumes do livro.
Fonte: <www.
São listadas diversas figuras do mundo percebido naquele local e época, reconstruin-
fontshop.com/>.
do literariamente a paisagem daquela via. A lista de figuras de que Gógol (2012) se
Da análise dos sete livros que compõem a Coleção Particular, depreendemos em to-
das as obras uma homologação entre plano da expressão e plano do conteúdo. Essa
homologação é importante, pois comprova que é possível tratar esses livros como
verdadeiras estruturas semióticas sincréticas, por serem biplanares. O esquema a se-
guir (quadro 1) explicita as relações entre plano da expressão e plano do conteúdo
nos livros analisados.
Essa homologação entre os dois planos nos mostra que estamos lidando com
manifestações semi-simbólicas. Ao contrário dos sistemas de símbolos (que pos-
suem apenas relações convencionadas entre a expressão e o conteúdo), os siste-
mas semi-simbólicos são sistemas significantes que se caracterizam não pela con-
formidade entre as unidades do plano da expressão e do plano do conteúdo, mas
sim pela correlação entre categorias que dependem dos dois planos (GREIMAS e
COURTÉS, 1991).
Dessa forma, um sistema simbólico seria aquele em que há uma semiose arbi-
trária, como a adoção da cor preta para representar “luto”, por exemplo, que é con-
vencionada em determinadas culturas e não está relacionada com alguma qualidade
intrínseca do preto. Já nos livros analisados da Coleção Particular, a semiose é do
tipo motivada. Em outras palavras, são as próprias relações internas ao texto que
Esquema 5 –
Tipologia dos
Sincretismo por concentração Sincretismo por expansão
mecanismos
Encaixe Dispersão
sincréticos.
Fonte: OLIVEIRA,
2009, p. 102.
∙ A fera na selva
∙ Museu do romance da Eterna ∙ Primeiro amor
Esquema 7 –
Tipologia das
interações SENTIDO CONQUISTADO SENTIDO SENTIDO
discusivas. Enunciatário é convencido Enunciatário é sensibilizado
Fonte: OLIVEIRA,
2013, p. 247.
S₁ (livro) Querer não ser visto S₁ (livro) Não querer não ser visto
S₂ (leitor) Querer ver S₂ (leitor) Querer ver
Voyeurismo de S₂ Atenção (insistência) de S₂
Esquema 8 – Dois
Violação da intimidade Colocação em comum do privado momentos das
situações escópicas
no livro Bartleby, o
escrivão.
Programação Acidente
(regularidade) (imprevisibilidade)
S O
Esquema 9 – A
partir dos regimes
Manipulação Ajuste
de interação e sen-
(intencionalidade) (sensibilidade)
tido (LANDOWSKI,
2009), os vários O sujeito-livro faz O sentir guia o processo
tipos de interação o sujeito-leitor fazer. de interação com o livro.
previstos pelo
S₁ ( S₂ ∩ Ov ) S₁ S₂
design de Bartleby,
o escrivão.
Em outras palavras, os valores de base e a narrativa que estão nos níveis mais
profundos do enunciado são retomados pelo sujeito da enunciação, que faz diversas
escolhas relativas ao modo como essas estruturas serão concretizadas no discurso
(mais ou menos figurativas, mais ou menos temáticas, pelos procedimentos de em-
breagem, de debreagem, etc.). Como afirmam Greimas e Courtés (2011, p. 148), “a
produção de um discurso aparece como uma seleção contínua dos possíveis”.
Assim, uma relação interdiscursiva é aquela que relaciona dois discursos distin-
tos. Quando um determinado discurso retoma elementos de outro discurso, ou seja,
retoma as escolhas enunciativas (a seleção dos “possíveis”) que foram concretizadas
por outrem, está criando uma relação entre discursos – interdiscursiva, portanto.
Cabe aqui, porém, esclarecer ainda outra questão: a diferença entre os conceitos
de interdiscursividade e intertextualidade. A noção de intertextualidade, na semióti-
ca, é decorrente das proposições do russo Bakhtin. Segundo Fiorin (2003, p. 29),
“sua preocupação básica foi a de que o discurso não se constrói sobre o mesmo, mas
se elabora em vista do outro. Em outras palavras, o outro perpassa, atravessa, condi-
ciona o discurso do eu.” Nos estudos ocidentais da obra de Bakhtin, deu-se muita
O livro nem sempre teve a sua forma atual. A sua materialidade, por exemplo, sofreu
grandes mudanças ao longo da história. Desde os mais antigos suportes de escrita
até os papéis que hoje utilizamos foi um longo percurso. O primeiro livro da Coleção
Particular retoma uma parte essencial dessa trajetória: o desenvolvimento do papel.
É relevante o fato de que o primeiro título de uma coleção que se preocupa justa-
mente com a materialidade do livro preste homenagem ao local de origem do mate-
rial mais utilizado atualmente na produção de livros, ou seja, o papel.
Primeiro amor utiliza um método de encadernação tradicional da China, mes-
mo país em que foi desenvolvido o papel. Existem diversos métodos tradicionais
de encadernação provenientes da Ásia, mas a chamada “encadernação chinesa” é
aquela que junta folhas sem a necessidade de serem unidas em uma dobra interna,
pois as prende utilizando linha e agulha. Conforme aponta Lupton (2011, p. 121),
na costura chinesa as folhas são unidas de modo que a linha permaneça visível na
lombada e laterais do livro. Um recurso comum em tais encadernações é o de utilizar
folhas dobradas no meio, as quais são costuradas do lado oposto às dobras, tendo
como resultado que cada folha dupla termine aberta em cima e embaixo. O fato de
a tinta caligráfica utilizada na escrita oriental penetrar nos papéis parece explicar a
necessidade de as folhas serem duplas em volumes com esse tipo de encadernação.
Livros não-refilados não são usuais no mercado editorial brasileiro. Embora ain-
da presentes em determinadas obras voltadas para bibliófilos, de tiragem limitadís-
sima, a níveis comerciais não mais se encontram livros assim faz um par de décadas.
Ao se valer desse recurso, que muito se relaciona com a própria trama da narrativa
de Bartleby, a editora Cosac Naify proporciona aos leitores um mergulho na história
do livro e no seu processo de produção, num programa de formação de leitores.
Se nas duas primeiras obras publicadas a editora retomava o surgimento do pa-
pel e as primeiras décadas da impressão, respectivamente a matéria e a técnica es-
senciais ao livro tal qual o conhecemos hoje, o terceiro livro publicado na Coleção
Particular aponta uma nova questão. A fera na selva, por meio de seu projeto gráfico,
nos lembra da importância da distribuição dos livros, por meio dos correios e de
seus antecessores, os mascates de livros.
A capa de A fera na selva é formada por uma folha de grandes dimensões dobra-
da em oito segmentos, os quais envolvem o miolo do livro até atingir o formato final
de 16cm por 23cm. Essas dobras fazem da capa um pequeno embrulho, que reveste
em várias camadas o seu conteúdo, o miolo. O papel escolhido é o Tyvek Dupont,
um papel importado muito resistente, que não rasga nem molha, e por isso é usado
pelo sistema de correios americano FEDEX. Ou seja, a capa é como uma resistente
embalagem para que o livro possa ser distribuído – seja entre as livrarias nacionais,
seja pelos próprios correios americanos, pois o livro também foi lançado pela Cosac
Naify em uma edição em inglês.
Mais além do que a retomada sistemática dos aspectos históricos do livro, a Coleção
Particular também evidencia aspectos de seu processo produtivo, mostrando que
seus projetos gráficos são fruto de um fazer construtivo de grande intencionalidade
por parte do destinador Cosac Naify e não são simplesmente reproduções do proces-
so comum de produção editorial.
Já ao abrir a capa do título inicial, Primeiro amor, o leitor se depara com a costu-
ra e a cola aparentes do miolo (fig. 60). A costura, feita à moda oriental, não liga as
páginas por uma dobra interna, como é de praxe, mas é feita mecanicamente a uma
distância de aproximadamente 6mm da extremidade das folhas. Essas extremidades
das páginas são unidas, além da costura, por uma camada de cola que as mantém
fixas. Assim, tanto os pontos da costura quanto a área coberta de cola ficam visíveis
no miolo, próximos à lombada. Colar e costurar são duas das etapas do processo
produtivo comum de um livro: grandes folhas são primeiramente impressas, para
logo em seguida serem dobradas em várias partes, formando cadernos, os quais são
costurados pela dobra central, colados juntos e têm suas bordas excedentes refiladas
(cortadas), resultando no miolo do livro. Portanto, pode-se afirmar que o projeto
gráfico de Primeiro amor figurativiza duas etapas – costura e cola – do programa
narrativo padrão de produção do miolo do livro.
Figura 60 – Detalhe
da costura e da
cola aparentes na
primeira página de
Primeiro amor.
Fonte: BECKETT,
2004.
As duas classes que estão contidas no termo matéria são, assim, os materiais, en-
quanto potencialidades que podem ser utilizáveis na fabricação de coisas outras, e os
objetos, já construídos, fabricados (DIAS, 1997). Os materiais utilizados em Bartleby,
o escrivão são as matérias-primas da fabricação do livro: papel (tanto o aveludado
da capa quanto o Paperfect do miolo), linha (vermelha e preta), tinta (serigráfica na
capa, offset no miolo), cola (nas capas e lombada) e o plástico da espátula.
Porém, esses materiais não vêm de início transformados em um objeto pronto,
em um livro. Trata-se de uma espécie de pré-livro, pois ainda não é dotado de todas
as funções que o livro comum apresenta: permitir a passagem das páginas, o ato de
folhear e mesmo de permitir a leitura do conteúdo verbal. Ainda assim, os materiais
já sofreram coerções e passaram por um certo processo de fabricação de algo, pois o
papel está impresso, ordenado, cortado em um certo formato, colado, etc. Bartleby é
vendido, então, em um estágio não-material, pois essa matéria-prima já sofreu um
fazer do homem, mas antes ainda do estágio de objeto. O que opera a transformação
final do não-material (ou pré-livro) em objeto é justamente o processo de descons-
/Material/ /Objeto/
Papel, linha, tinta, etc. Livro
Figura 61 – Detalhe
da segunda e ter-
ceira capas de Zazie
no metrô: à medida
que os pontos da
retícula de im-
pressão diminuem
de tamanho, a
impressão fica mais
clara.
Fonte: QUENEAU,
2009.
Há uma espécie de sintaxe elementar, uma estrutura ordenada que foi consolidada
historicamente e que determina a forma como um livro “ideal” é organizado nos
dias de hoje. Essa estrutura varia muito pouco de uma publicação para outra e é o
que ela mantém de constante – suas isotopias – que permite às pessoas reconhece-
rem um livro como sendo um livro. A Coleção Particular, como veremos, subverte
vários desses elementos estruturais “canônicos” para constituir novas experiências
sensíveis de leitura.
A começar por sua parte mais externa, por seu invólucro, a sintaxe elementar
do livro apresenta três estruturas fundamentais: a capa, a quarta capa e a lombada.
Figura 63 – Dese-
nho esquemático
das duas formas de
encadernação mais
comuns: a capa
dura, à esquerda,
e a brochura, à
direita.
Fonte: elaborado
pelo autor.
Por fim, entram as páginas pós-textuais. Conforme Satué (2004, p. 19): “no final
do livro ficam os apêndices, a bibliografia, os índices analíticos – ou de assuntos
– e de nomes”. Elementos como os posfácios, anexos e críticas também costumam
constar entre as páginas pós-textuais. Ao final de tudo, mas não menos importante,
é comum encontrarmos o colofão na última página impressa do miolo. O colofão
apresenta certos dados sobre o processo de impressão, como a data em que foi im-
presso o livro, o local e a gráfica responsável, e dados sobre o projeto gráfico, como a
tipografia e papéis utilizados.
Tendo em vista essa estrutura consolidada do livro, as obras da Coleção Parti-
cular às vezes a corroboram, para que por meio dessas isotopias sejam reconhecidas
como livros, e às vezes a transgridem. A começar pelo exterior do livro, a editora Co-
sac Naify discute o que configura uma “capa”, valendo-se das mais variadas soluções
para construir o sentido das obras.
4.4 Sistematização
dos metadiscursos
As obras da Coleção Particular são livros que falam de livros. Por meio de seus pro-
jetos gráficos, retomam os discursos histórico, produtivo e estrutural do livro, ora os
reverenciando, ora os subvertendo. O quadro a seguir encerra esse capítulo e siste-
matiza as relações interdiscursivas que foram alcançadas pela análise (quadro 2).
Processo produtivo
História do livro Estrutura do livro
do livro
Avenida • Livro ilustrado dos • Uso de tintas es- • Capas envolvidas pela
Niévski séculos XVI ao XIX, peciais (laranja e reprodução de um jor-
Quadro 2 – Síntese em que as gravuras roxo) que simulam a nal da época da obra.
das relações inter- eram impressas em passagem do tempo • Bloco de texto
discursivas entre a separado do verbal. (manhã e noite). dividido ao meio; a
Coleção Particular metade inferior está de
e os discursos do
ponta-cabeça.
livro.
A primeira das relações a ser explorada é entre os livros publicados e as artes. Muitos
dos livros da Coleção Particular são associados a manifestações distintas do campo
da arte, como as artes plásticas, a fotografia e a gravura, as quais são utilizadas como
recurso de linguagem nos próprios projetos gráficos. Ao incorporar manifestações
características do domínio da arte, os projetos gráficos dos livros se põem lado a lado
a essa classe de objetos significantes, afirmando seu estatuto artístico. Daí essa forma
de relação entre livros e artes ser eleita como início da abordagem.
Não cabe a essa pesquisa definir o que é arte – se é que tal definição é possível.
Mas é importante esclarecer que, conforme propõe Jean-Marie Schaeffer (2004),
compreendemos que uma obra de arte não é definida por um único traço seu, já
que “arte” não é um conceito unidimensional. Há uma pluralidade semântica que é
interna à noção de obra de arte. Schaeffer (2004) distingue ao menos seis aspectos
semânticos que intervêm em nossos usos do termo “obra de arte”:
(1) acepção genérica: as ordens ou tipos de objetos que são usualmente trata-
dos como objetos de arte, obedecendo a uma classificação pela generalidade (as-
sim, são “de arte” os objetos pertencentes a certas classes, como quadros, poemas,
esculturas etc.);
(2) acepção genética: referindo-se à gênese (ou criação) de um objeto considera-
do arte, a obra de arte é compreendida como um produto humano dotado de uma
especifidade dificilmente definida – seja uma imaginação produtiva, seja uma exte-
riorização expressiva do artista, seja uma intenção estética ou artística;
(3) acepção semiótica: a obra de arte está sempre a propósito de seus próprios
traços, é um objeto intencional, em oposição aos “simples objetos” – também uma
diferenciação difícil de ser realizada;
(4) acepção funcional: todo objeto que desempenha uma função estética, ou
uma função-signo, em oposição a uma função utilitária – um estatuto de obra de
arte, no entanto, também bastante instável;
(5) acepção institucional: obra de arte assim aceita pelas instituições artísticas
“competentes”, que sancionam o objeto segundo certos componentes da noção de
arte (possuir qualidades artísticas, função estética etc.);
(6) acepção normativa: o julgamento de que tal objeto poderia ou não ser con-
siderado uma “verdadeira obra de arte”.
5.2 Mídia
As obras publicadas pela Cosac Naify fazem parte de um contexto cultural em que
as mídias são altamente atuantes na formação de gostos e opiniões. Entendemos
“mídia” como os diversos veículos de distribuição da informação, também chama-
dos usualmente de “meios de comunicação”. Os livros podem ser considerados como
veículos midiáticos, por distribuírem informações e atuarem nas escolhas de modos
de vida e tomadas de posição de um grande número de leitores.
As publicações da Coleção Particular relacionam-se com vários discursos do
próprio livro, mas também com os discursos de outros veículos midiáticos que são
figurativizados em suas páginas: jornal, pôster, embalagem, hipermídia, etc. Os li-
vros da Cosac Naify dão visibilidade estética às mídias, assim como certos veículos
dão visibilidade midiática às publicações da editora, em uma via de mão dupla. Se as
visibilidades midiáticas da editora já foram exploradas no segundo capítulo da dis-
sertação, nos voltamos agora para a maneira como os veículos midiáticos são plas-
mados nas páginas da Coleção Particular.
Uma questão fundamental que está entrelaçada à existência dos veículos
midiáticos é a da circulação da informação. Os livros da Coleção Particular, ao
construírem pontes entre si e as mídias, figurativizam certos aspectos e etapas da
distribuição de informação.
Uma dessas etapas é apresentada já na obra inicial, Primeiro amor: os primeiros
registros da informação. Quando ainda não existiam os veículos midiáticos de massa
responsáveis por fazer circular as informações, era a escrita manual a responsável
pelos registros das ideias e acontecimentos. Tanto na encadernação estilo caderno
chinês quanto no uso da tinta nanquim, a materialidade e a visualidade de Primeiro
amor remetem à caligrafia e, portanto, à escrita manual. O que está figurativizado
nessa primeira obra da coleção é uma espécie de “pré-mídia”, um registro da infor-
mação de caráter mais pessoal ou voltado a poucos destinatários. As mídias de massa
só puderam ser desenvolvidas após o advento da impressão, mas a passagem de um
modo de escrita a outro – do manual ao impresso – não foi imediata. Há uma forte
Nas ruas das crescentes cidades do final do século XIX, os pôsteres eram uma
expressão da vida econômica, social e cultural, competindo entre si para atrair
compradores para os produtos e público para os entretenimentos. A atenção
dos transeuntes era capturada pelo colorido dos pôsteres, que se tornou possível
graças ao desenvolvimento da impressão litográfica. (HOLLIS, 2010, p. 5).
A litografia, no final do século XIX, permitiu aos artistas imprimir grandes áreas
uniformes, utilizar cores e desenhar suas próprias letras. Antes de seu surgi-
mento, a composição do texto estava restrita a uma pequena variedade de ti-
pos já prontos. Esse controle sobre a impressão foi o começo do design gráfico.
(HOLLIS, 2010, p. 12).
Não apenas para a França, mas também para o resto do mundo, Paris era ainda o
centro da moda e da vida cultural. Após os horrores da Primeira Guerra Mundi-
al, a capital conservou sua imagem de modernidade, acentuada pelas exposições
internacionais e pelo “spectacle dans la rue” – sua constante e variada exibição
de pôsteres na rua. Os pôsteres, que eram, claramente, ao mesmo tempo artísti-
cos e comerciais, negociavam artigos de luxo, fugas da realidade, assim como os
prazeres do dia-a-dia. (HOLLIS, 2010, p. 85).
5.3 Colecionismo
meiro passo na formação de uma coleção pessoal de livros de cada leitor. Além de
incentivar a criação da coleção, a Cosac Naify também estabelece os critérios daquilo
Além do escrito principal de cada livro, constituído pelos contos ou romances que
dão nome às obras, muitos livros da Coleção Particular também incluem posfácios e
comentários que fazem a crítica da obra, ajudam a elucidar aspectos de sua narrativa
e localizam os livros na história da literatura e da produção cultural humana.
Embora esses conteúdos escritos extras não sejam propriamente decorrentes de
uma escolha de design, são uma escolha editorial que fala muito sobre a proposta da
Cosac Naify de formação de seus leitores por meio da Coleção Particular. Por esse
motivo, os posfácios e comentários serão aqui brevemente descritos, visto que são
considerados elementos importantes na estruturação da coleção e na configuração
de sua identidade, ao fazerem a relação entre os discursos do livro e os demais
discursos de nossa cultura.
Embora no primeiro livro da Coleção Particular ainda não houvesse nenhum
escrito extra incluído na publicação, a partir do segundo título já encontramos esse
tipo de conteúdo adicional, o que se torna regra para as publicações seguintes. Em
Bartleby, o escrivão, logo após o conto de Melville há um posfácio chamado “Bartleby,
o escrivão fantasma”, de autoria do tradutor e escritor Modesto Carone, que ocupa
oito páginas. Esse posfácio é anunciado inclusive na capa do livro, sendo, portanto,
apresentado pela editora como uma parte importante da publicação. Carone inicia o
posfácio comparando o conto a outra obra de Herman Melville, Moby Dick, a partir
de um prólogo escrito por Jorge Luis Borges e incluído em sua tradução de Bartleby
para o espanhol. Em seguida, também a partir das ideias de Borges, Carone define
Bartleby como o conto que antecipava um gênero (o das “fantasias de conduta”) que
seria futuramente aprofundado por Kafka. Ele inclusive compara a narrativa de Mel-
ville com obras de Kafka e depois, ao longo do texto, também a obras de Poe e Henry
James. Ao tratar do conto propriamente, Carone discorre sobre o “desempenho ver-
bal” de Melville e sobre suas descrições de personagens. Ao retomar a história, revela
o egoísmo e a insensibilidade do personagem narrador, que haviam ficado ocultas
À medida que se atenua a pressão pela compra do livro físico como o principal
canal de a literatura atingir seu público, diminui também a pressão para que seus
custos sejam barateados. Simultaneamente, o perfil dos varejistas especializados
em literatura sofre uma mudança, de um tipo de livreiro que centra sua ativi-
dade no preço e na variedade do estoque para o que funciona como híbrido de
animador cultural, galerista e curador — isto é, rumo a lugares otimizados para
edições de alto nível. De modo mais amplo, significa ser capaz de vender a uma
ampla variedade de preços: 15 dólares pela brochura, 35 dólares por uma edição
elegante em capa dura, 75 dólares para uma edição em uma caixa, 250 dólares
com a impressão digital em sangue do próprio autor na folha de rosto e assim
por diante. (NASH, 2013, p. 183).
Esquema 12 –
Formação da
Coleção Particular:
regime do acidente.
Assumir uma postura de assentimento frente aos acidentes possíveis é tomar para
si uma postura de risco a priori, realizando uma aposta. Ao lançar obras literárias
com projetos gráficos não convencionais e com alto fator de experimentação, a Cosac
Naify fez uma aposta, já que os resultados em vendas seriam, a princípio, indetermi-
Esquema 13 –
Formação da
Coleção Particular:
regimes da
manipulação e da
programação.
Aproveitando o feliz “acidente”, a editora Cosac Naify decide montar uma coleção
com as referidas obras e com publicações vindouras, empregando estratégias diver-
sas de convencimento de seus leitores (a partir de seu site, blog e veículos midiáticos
em geral) para que valorizem os projetos gráficos dessa coleção. Surge assim, a partir
do terceiro título, a Coleção Particular. Trata-se de uma estratégia montada com base
em uma oportunidade de mercado. Passamos então ao regime da manipulação, fruto
de uma intencionalidade do sujeito-editora, que age sobre a volição do sujeito-leitor,
fazendo-o desejar seus livros.
Esquema 14 –
Formação da
Coleção Particular:
regime do ajuste.
Embora a coleção seja estruturada enquanto uma estratégia, com certas regula-
ridades que a operacionalizam, é no contato direto entre livro e leitor que a interação
se concretiza. A editora Cosac Naify interage sensivelmente com seus leitores media-
da por uma relação que é de corpo a corpo, na qual o corpo do leitor está em contato
direto com o corpo dos livros. A capacidade estésica do sujeito leitor em sentir o
livro e as qualidades estésicas do livro, este também sujeito, pois sensibiliza o outro
e o faz fazer (o faz sentir, ler, degustar a obra e, por fim, colecioná-la), são essenciais
na formação da Coleção Particular e na construção de seu sentido.
Esse caminho interpretativo da coleção já nos havia sido apontado na análise das
interações discursivas (OLIVEIRA, 2013). Como havíamos visto, a partir de todos
os projetos gráficos é possível depreender um “sentido sentido”, ou seja, aquele tipo
TRADIÇÃO INOVAÇÃO
(Valorizar o passado) (Valorizar o futuro)
REGRESSÃO TRANSGRESSÃO
Esquema 15 –
(Desvalorizar o futuro) (Desvalorizar o passado)
Quadrado semióti-
co da /tradição/ e
da /inovação/, exi-
bindo a construção
de um certo tipo de
“vanguarda” que “RETAGUARDA”
é característico da (Ser liderado)
Cosac Naify.
É claro que, além dessas questões corpóreas principais exploradas pelo pro-
jeto gráfico de cada livro, outros modos de relação também estão presentes no
processo da construção de sentido de cada obra. Assim, por exemplo, numa obra
que problematiza a sensibilidade do corpo (Primeiro amor) também há relações de
fisicalidade, de proxêmica, do desbravamento dos corpos entre leitor e livro. Ao
esquematizar dessa maneira, destacando uma questão por livro, o que ressaltamos
é que diferentes maneiras de fazer o corpo sentir são exploradas pela Coleção Par-
ticular, algumas mais que outras em cada publicação, e na totalidade da coleção
temos uma exploração sistemática dessas diferentes maneiras de pôr em relação o
leitor e o livro.
É então na interação entre um corpo que sente, do leitor, e um corpo que faz
sentir, do livro – delegado pela destinadora editora Cosac Naify –, que se constrói
uma relação fundadora de sentido nas práticas de leitura de cada sujeito. Os livros da
coleção fazem mais sentido sentido na medida em que sensibilizam o corpo.
Na dinâmica das interações entre a editora e seus leitores, constrói-se a configu-
ração identitária da Cosac Naify no mercado editorial brasileiro: a editora é aquela
que desenvolve em seus leitores o gosto pelo livro, e a partir da experiência sensível
do livro propõe um vínculo de fidelidade com seu leitor. Tal vínculo se dá inicial-
mente nas posições de mestre e aprendiz, o primeiro doando competência e o se-
gundo em um processo de ser competencializado, mas logo em seguida torna-se um
vínculo entre dois sujeitos plenamente competentes que apreciam juntos a arte do
livro. Os projetos gráficos são utilizados pela editora com vistas a estetizar as práticas
de leitura do seu público.
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