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REFLEXÕES SOBRE ÉTICA E INCLUSÃO NA EDUCAÇÃO

Raquel Batalha de Oliveira – UFRJ – Faculdade de Educação


Mestranda em Educação – 01/2017.
Disciplina: Ética em Educação

Resumo

Este artigo se propõe a desenvolver alguns conceitos para reflexão de ética e inclusão na
educação, trazendo a proposta de uma perspectiva crítica analítica desenvolvida a partir
da observação de três dimensões: culturas, políticas e práticas, com uma abordagem que
perpassa pela dialética e pela complexidade. O texto traz uma leitura das dobras dos
filósofos Aristóteles e Zygmunt Bauman, e dos pesquisadores das faculdades de
educação da Universidade de São Paulo, Prof. Dr. Nivaldo José Machado, e da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Prof. Dr. Renato José de Oliveira. Sugere
reflexões sobre o papel da escola na construção e transformação da sociedade e de um
ambiente inclusivo, defendendo uma proposta de perspectiva crítico analítica para o
debate sobre inclusão.

Palavras chaves: ética, inclusão, educação

Introdução

A proposta deste artigo é iniciar uma reflexão acerca do tema: ética e inclusão na
educação, a partir de uma visão totalizante da multiplicidade de leituras e variações de
vida, atos, concepções e intenções que ocorrem no que consideramos as três principais
dimensões em que a vida humana e social se manifesta: culturais, políticas e práticas,
abordando ainda aspectos dialéticos e de complexidade.
O conceito de ética utilizado para o desenvolvimento deste trabalho está
embasado na etimologia da palavra: de origem grega derivada de ethos, que diz respeito
ao costume, aos hábitos dos homens; e na definição aristotélica que define a ética como
um saber prático e que pressupõe três elementos fundamentais: o uso correto da razão, a
boa conduta (eupraxia) e a felicidade (eudaimonia), tendo como finalidade orientar o
homem para a prática do bem.
Para a construção do conceito de inclusão, o referencial é o Index para Inclusão
(BOOTH; AINSCOW, 2002, apud SANTOS, 2006), publicação que apresenta um
conjunto de indicadores e questões infindáveis para reflexão das questões de
inclusão/exclusão com o foco no contexto escolar, que propõe que tais considerações
sejam feitas a partir de três grandes dimensões nas quais a vida se manifesta: culturas,
políticas e práticas, abordando ainda aspectos da dialética marxista e de complexidade
(Mohin).
A fim de estabelecer a reflexão sobre ética e inclusão na educação,
identificaremos algumas funções sociais da escola, sob a perspectiva de alguns
filósofos, tendo como referencial concepções de Oliveira. R.J. e Machado. N.J.

Educação: ética e inclusão

Educação, um dos alicerces da vida social, deve estar sempre comprometida em


favorecer a participação e progresso de todos no processo educativo. Por isso se associa
facilmente à formação do cidadão. Esse conceito de formação nos faz refletir sobre a
vida em sociedade. Nós não vivemos juntos apenas por escolha, mas porque a vida em
sociedade é uma necessidade, e essa convivência social é regulada por normas. A vida
em sociedade é organizada de acordo com os valores que construímos e se modifica de
acordo com o tempo. A partir daí iniciamos nosso pensamento na dimensão ética.
Segundo Machado, a finalidade da educação é a ação. Ação que conserva, ação
que transforma, ação que não se conforma. No centro dessas ações está a ideia de valor.
E o principal valor de referência é o conhecimento, considerado como um bem ativo,
sendo o principal fator de produção material e imaterial.
Quando falamos em educação, pensamos no espaço escolar que é enriquecedor
que abarca múltiplas possibilidades de atuação. Sua atuação em relação a formação do
cidadão se inicia na educação infantil, onde o conhecimento é passado através de
narrativas infantis, onde encontramos sempre questões dialéticas: o bem e o mal, a
felicidade e a tristeza, entre outros. Isso traz uma complexidade das narrativas reais que
além do que há e do que não há, possui outras inúmeras possibilidades. Em suas
diversas fases, a educação das crianças se revela um dos primeiros cuidados do
legislador (OLIVEIRA, 1995).
Cardoso e Lara afirmam que para Bourdieu (1999, p. 41) o sistema escolar “é
um dos fatores mais eficazes de conservação social, pois fornece a aparência de
legitimidade às desigualdades sociais, e sanciona a herança cultural e o dom social
tratado como dom natural”. Conforme Bourdieu (1999, p. 41/42), é a herança cultural a
primeira responsável pela diferença inicial da criança na escola, uma vez que cada
família transmite a seus filhos um dado certo capital cultural e certo ethos – sistema de
valores – que contribui para definir, entre outras coisas, as atitudes perante o capital
cultural e à instituição escolar.
Aristóteles ao escrever para o seu filho Nicômaco, associou ética à felicidade,
maior bem do homem. Para ele o bem é a finalidade de todas as coisas:
“O bem ético pertence ao gênero da vida excelente e a
felicidade é a vida plenamente realizada em sua
excelência máxima. Por isso não é alcançável imediata
nem definitivamente, mas é um exercício cotidiano que a
alma realiza durante toda a vida (…) de acordo com a sua
excelência mais completa, a racionalidade.”

A virtude ética é adquirida pelo hábito, logo não é natural. Ela tem que ser
ensinada através de exemplos, coerção e consenso. Logo ética não nasce com as
pessoas, mas somos capazes de adquirir e transformar a ética.
Um dos espaços onde encontramos a construção e a transformação da ética é a
escola, pois é concebida como democrático, plural e diverso. Na escola iniciamos nossa
constituição como pessoa e, como pessoas, somos todos diferentes. Nesse sentido um
dos valores de mais importância dentro do ambiente escolar é a igualdade, que nos
remete dialeticamente aos conceitos de diferença e desigualdade.
No espaço escolar encontramos diferenças culturais, de identidade, dentre
outras, que por vezes acabam constituindo espaços de desigualdade e exclusão. E se
existe espaço de exclusão, faz-se necessária a inserção do espaço de inclusão.
No entanto, temos que entender que a inclusão não pode se referir apenas a um
grupo, pois está em contínuo processo de identificação de exclusões e de organização de
estratégias para suas respectivas minimizações, ou finalizações (SANTOS et al., 2002),
inclusão é para todos:
[...] inclusão não é a proposta de um estado ao qual se
quer chegar. Também não se resume na simples inserção
de pessoas deficientes no mundo do qual têm sido
geralmente privados. Inclusão é um processo que reitera
princípios democráticos de participação social plena.
Neste sentido, a inclusão não se resume a uma ou algumas
áreas da vida humana, como, por exemplo, saúde, lazer
ou educação. Ela é uma luta, um movimento que tem por
essência estar presente em todas as áreas da vida
humana, inclusive a educacional. Inclusão refere-se,
portanto, a todos os esforços no sentido de garantia da
participação máxima de qualquer cidadão em qualquer
arena da sociedade em que viva, à qual ele tem direito, e
sobre a qual ele tem deveres.

O processo de inclusão é transformador. Para entender a inclusão é preciso ter


consciência, conhecimento sobre aquilo que não está incluído em determinados
contextos. Tomar ciência de determinados valores que não foram absorvidos. É ampliar
a visão e analisar dialética e complexamente todos os elementos envolvidos naquela
situação de inclusão/exclusão.
Pensando a inclusão em educação, o Index para Inclusão propõe a análise
dialética, embasada em Marx, e complexa, por Mohin, acrescentando concepções e
intenções que ocorrem no que consideramos as três principais dimensões em que a vida
humana e social se manifesta: culturais, políticas e práticas (BOOTH; AINSCOW,
2002, apud SANTOS, 2006).
Verificar as culturas, políticas e práticas de uma comunidade, observando os
valores existentes e não existentes, apurando possibilidades que ainda não foram
definidas como valores, traz a importância de refletirmos de forma dialética e complexa
dentro das dimensões propostas.
Então podemos concluir que a dialética, que está na contradição dos explícitos se
conecta à complexidade a partir do momento em que se reflete sobre o que pode ser.
Assim a complexidade nos permite ampliar a visão, porque se apresenta a possibilidade
de entrarmos na dimensão do que não está explícito.
A partir dessas considerações, Santos nos apresenta uma perspectiva crítico
analítica que se propõe a estar permanentemente em reflexão e construção, pois o ser
humano está sempre se transformando e assim modificando o que está à sua volta. A
esta perspectiva, chamamos de ominilética.
A ominilética não busca a verdade, busca uma forma de compreensão. Não é
teoria, pois não se encerra, não explica. Não quer explicar, quer manter a construção.
Não limita, transforma.
Na atual sociedade em que vivemos as transformações tecnológicas, científicas,
políticas e culturais, são constantes e fugazes. Dentro desta sociedade moderna e
globalizada, a individualidade e o egocentrismo se apresentam como grandes malefícios
da era atual.
Bauman, em A cultura do mundo líquido moderno, simboliza que esta sociedade
conectada que desconhece a noção de individualidade, que desconhece a noção de
intimidade, que viola o conceito de privacidade, como sociedade líquida. Essa liquidez
que Bauman identifica em seu mundo líquido, atingiu em particular valores. A ética está
em colapso no mundo líquido.
E para pensar em inclusão de forma ampla e devida dentro de uma sociedade
líquida, se faz necessária a construção de estratégias que realmente transformem a visão
do ser.

Conclusão

O homem ético aristotélico não é produto de ações isoladas, mas de uma razão
que supõe a existência de um ethos comunitário cuja construção se dá no processo de
interação e comunicação entre os sujeitos. A totalidade ética representada pela polis é,
para Aristóteles, o solo de onde se pode extrair os pressupostos de ordem prática
capazes de orientar a vida humana para a conquista da felicidade (OLIVEIRA, 1995).
Existe uma frase de uso popular que diz: Ninguém é feliz sozinho.
E essa felicidade compartilhada perpassa sempre pelos limites dos valores das
pessoas envolvidas. Para Aristóteles o bem comum, a felicidade, é um direito de todos.
Mas “o seu direito termina aonde inicia o direito do outro”.
Refletir sobre questões éticas e inclusivas faz com que busquemos um elemento
fundamental, o conhecimento. E a escola é um lugar de destaque nesta busca, pois
pretende munir o indivíduo de conhecimento, de orientação, de valores e sentidos ao ser
humano, perpassando transversalmente por todas as dimensões da formação do cidadão.
Acreditando nesse perfil de espaço escolar, visualizamos uma educação que
proporcione um cidadão “capaz de lidar com o meio e seus diferentes aspectos de forma
crítica, otimizante e evolutiva” (Puig, 1998).
Na atual sociedade em que vivemos, as transformações devem ser não somente
no campo das ciências humanas, mas também das ciências sociais. Precisamos resgatar
valores mais coletivos e menos individuais. E a educação é peça fundamental neste
processo, pois é um espaço de diferentes pessoas com projetos e objetivos diversos. E
este espaço precisa manter normas para uma articulação que respeite os projetos
pessoais e coletivos. Neste sentido, ética e inclusão são elementos imprescindíveis para
o processo de evolução social.
Acredito na ética como bem comum e julgo que um dos fins da inclusão é o bem
comum. Ou seja, considero a inclusão como uma nova ética para a sociedade
contemporânea. Desta forma, valorizar e investir em novas propostas voltadas para o
diálogo sobre inclusão que busque o conhecimento e a construção de estratégias
coletivas para um ambiente mais inclusivo, é de suma importância para a formação do
cidadão e para o combate ao mundo líquido.

Referências Bibliográficas

BOOTH, T.; AINSCOW, M. The index for inclusion: developing learning and
participation in schools. London: CSIE, 2011.
______. The index for inclusion: developing learning and participation in schools.
London: CSIE, 2011. SANTOS, M. P.
______. The index for inclusion: developing learning and participation in schools.
London: CSIE, 2011.

CARDOSO, Maria Angélica e LARA, Ângela Mara de Barros et. Al. Sobre as funções
sociais da escola. São Paulo. 2009.

MACHADO, N. J. et al. Ética e Educação: o equilíbrio no par Ética e Educação: o


equilíbrio no par conservação/transformação. CIEE 45º encontro com educadores.
Universidade de São Paulo. São Paulo, 31 de outubro de 2014
OLIVEIRA, R.J et al. O modelo aristotélico: comunhão entre o homem e a cidade. Rio
de Janeiro. 1995.

SANTOS, M. P. et al. O Index para a inclusão como instrumento de pesquisa: uma


análise crítica. Rev. Bras. Ed. Esp., Marília, v. 20, n. 4, p. 485-496, 2014.

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