Você está na página 1de 5

Janaína a filha de Yemanjá

Os Cavalos de Janaína ou além da lenda

Ali na divisa de Tramandai e Imbé na barranca do rio morava o negro Roberto


de Ogum Adiolá, pescador conhecido, jovem bonito e faceiro, fazendo graça por onde
passava, considerado pelos moradores da vila, em sua maioria como ele pescadores. A
pesca era artesanal, dispunham de pequenos barcos para adentrarem ao mar, ali não
tinha moleza o neguinho tinha que ser macho pêlo duro para enfrentar barra que
ligava o rio ao mar, não tinha escolha era pegar ou largar e todos os dias colocar a
vida em jogo. Sair para o mar e não saber se iria voltar.
Para ele um meninão corpo atlético encima dos seus dezoito anos aquilo tudo
não passava de uma brincadeira, dominava o mar e tinha por ele respeito e uma certa
cumplicidade. Ria, quando perguntado se tinha medo.
-Eu filho de Ogum Adiolá escravo de Yemanjá, protegido por Oxalá senhor
das águas, como posso ter medo de viver no paraíso!
Mas, seus companheiros não pensavam assim, sabiam que muitos já haviam
partido para os braços de Yemanjá e ali naquela colônia de pescadores viúvas e
crianças sem pai eram testemunha que aquilo não era trabalho digno de certeza, todo o
dia era considerado o ultimo. Sair sim, voltar talvez.
E a lenda, bem a lenda era uma lenda, e conta que Ogum Adiolá apaixonado por
Yemanjá pediu-a em casamento e por obter um sonoro não havia se jogado ao mar e
sucumbira a sua imensidão. Ora bolas lenda! Poupem-me das tais lendas! E mais uma
lenda, conta que por não aceitar um não, Ogum Adiolá passara a viver as margens do
mar só para viver perto de sua amada. Lenda e mais lendas, que não passam de lendas.
E assim vivia o negro Roberto de Ogum Adiolá conhecendo as lendas e estórias
de Yemanjá, mas como ele mesmo dizia: Se eu não ainda conheci a mulher que vai
gerar meus filhos porque razão vou me preocupar em morrer no mar, meu pai
Ogum tem o mar como a pradaria onde galopa em seu cavalo branco, mar é campo
onde meu orixá vence suas demandas e eu navego com maestria o timão de meu
barco, como ele maneja sua espada.
Toda a manha lá estava ele de bermuda branca, descalço e sem camisa trazendo
no pescoço sua guia azul de pedras extraídas do fundo do mar, cumprindo o ritual de
ajoelhar e pedir a benção de Yemanjá para aventurar-se na busca dos peixes para
vender no mercado e assim dar o sustento aos seus pais e irmão menores.
E foi naquele ano que participando de uma festa de Yemanjá no dia 02 de
fevereiro que ele a viu no meio da procissão, carregando uma garrafa de plástico
tendo dentro uma vela azul, cantando para Yemanjá, era ela a Janaína de Yemanjá.
Cabrocha mistura de negro e branco, uma mulata de encher os olhos, boca carnuda e
cabelos encaracolados e pele de um bronze dourado e olhos brilhante, era ela uma
filha de Yemanjá, para não dizer a própria.
Passou a noite toda a admirando e voltou para casa carregando uma certeza: Esta
será a mãe de meus filhos e isso minha mãe Yemanjá mãe dos pedidos impossíveis
mais sempre realizáveis me dará.
Na segunda vez que a viu foi numa festa de batuque agora sim que ele mais
queria ao vê-la ocupada pela doce mãe Yemanjá, agora ele sabia a quem pedir por seu
sonho realizado, agora era querer e querer muito, e com o fundo de seu coração o
pedido não tão impossível, mas sempre realizado: casar com ela. Era o meu bem
querer, será sacramentado para amar eternamente. Oxéu minha mãe, oxéu minha bela
Iabá, Oxéu minha mãe Yemanjá. Assim seja.
E no verão daquele ano juntaram os trapos e foram morar num pequeno casebre
na vila dos pescadores, numa casinha branca cercadas pelas paineiras e os coqueiros
que gemiam nas noites frias de inverno, onde ela podia tê-lo por mais tempo, pois, no
verão o trabalho era dobrado, independente de trabalhar como ajudante de pedreiro e
pintor nos períodos defeso, quando era proibido pescar.
A juventude daqueles dois tinha o lado da alegria e felicidade, mas como todo o
jovem tinham suas busca e anseios, ela por um filho que demorava a chegar, e suas
amigas a perguntar quando ela ia pegar barriga, ele por oferecer uma vida mais digna
para a sua princesa pecava por se atirar no trabalho feito louco, deixando-a muitas das
vezes sozinha, num período de espera, a solidão amargando seu coração.
Um filho que não chega, um marido sempre ausente era tudo que ela nunca
sonhara, nem para a sua pior inimiga.
Ele um meninão que nas folgas do trabalho queria estar com os amigos jogando
futebol ou surfando sobre as ondas do mar, trazendo a felicidade estampada no rosto e
os olhos brilhando de felicidade, como a cavalgar o mar bravio. Passava dias dentro
do mar e ela a caminhar pela beira como a tentar se comunicar com ele usando como
meio de comunicação as ondas que iam e vinham a espraiar na praia sua espuma
branca, molhando seus pequenos pés. Uma menina a brincar com conchas e pequenos
cavalos marinhos, mesmo que carregando dentro do peito um coraçãozinho apertado
pela saudade. Ali ela conversava com sua mãe Yemanjá, fazia seus pedidos e
comungava com seus sonhos e cantava o canto da sereia para agradar seu orixá, sua
doce iabá, sua mãe Yemanjá.
E numa noite de total abandono saiu e encontrando com algumas amigas foi
passear na pequena pracinha e saborear uma taça de sorvete e voltar para sua casa, foi
o que bastou para as fofoqueiras de plantão deitarem falação de sua moral e conduta
sendo ela mulher de pescador, não era recatada e abusava da ausência do companheiro
para passear.
Prá que! Quando o negro Roberto de Ogum Adiolá desembarcou, viu-se cercado
pelas cobras a pedir “abre o olho meu filho, abre o olho meu filho”. Foi este quadro de
terror que em terra ele encontrou, e quem conta um conto aumenta um ponto, só que o
dele o aumentar significava traição, sem-vergonhice e deslealdade, coisa que ele
nunca aconteceria em sua vida e foi com tristeza que ele ouviu, calou e consentiu.
Daquele dia em diante sua vida não foi mais a mesma, passou a beber, e perambular
pela praia no maior desespero a gritar: “Aonde foi que eu errei para passar por esta
prova minha mãe Yemanjá” Todos sabiam que ele nunca havia errado, mas, o destino
tem suas passagens e quem de nós pode responder? Quem?
A bela Janaína de Yemanjá desconhecendo os fatos vivia preocupada com seu
companheiro, até sua mãe de santo procurou, queria ajudá-lo, mas sentia-se sem
forças, e não compreendia a causa de tanta revolta, também se perguntava: “Aonde foi
que eu errei?”.
E foi na mesa de búzios que ela obteve a revelação e passou a conhecer as lendas
de seu orixá Yemanjá, sim seu companheiro era filho de Ogum Adiolá, o Ogum
apaixonado por Yemanjá, mas, que Yemanjá havia refutado, desconhecendo seu
amor, mas, ela Janaína queria este amor, e tudo faria para conservá-lo, lutaria por ele e
se preciso morreria por este amor.
Negro Roberto de Ogum Adiolá, o pescador agora sofrendo a dor da traição
deixou-se levar por maldades e difamações que amarguraram seu coração, tinha
vontade de falar com ela, mas, os votos de confiança mútuos não permitiriam, seria
desrespeito ao o amor conclamado. Tudo não passava de duvidas e expor duvidas
seria uma afronta. Mais um dia eu terei a certeza, mesmo sabendo que a certeza me
fará perde-la, duvida cruel a remoer mente e coração.
Uma noite de chuva e temporal, quando os raios rasgam o céu e o mar revolto
vem bater na praia, o negro Roberto de Ogum Adiolá, podre de bêbado arrasta a
embarcação e navega em busca da morte, este sim o balsamo dos desesperados, este
sim, alivio aos corações sofridos, este sim, o alento aos oprimidos e a libertação para
os que amam e sofrem a dor e da traição.
A notícia chega a casa de Janaina e ela agora tinha a certeza o que a queda dos
búzios havia anunciado, então era verdade, seu companheiro sofria por suposta traição
e pelo medo de perde-la. Resolvera por fim a vida como uma forma de atingi-la. Não
isso não está certo, e vou agora mesmo resolver esta quizila. Abriu a porta e teve a
golfada do vento e chuva fria para recepcioná-la, somada a uma multidão de pessoas a
cercaram, eram os companheiros de pesca e um bando de viúvas desesperadas que
sabiam, ele nunca mais voltaria, o mar o havia tragado e ali não tem volta, ou como o
seu Chico pescador antigo dizia: “As águas do mar não são árvores, por isso não
possuem galho, ali entrou ali sucumbiu”.
Janaína correu até a praia e no meio daquela tempestade avançou mar adentro
possuída pela revolta, queria se possível ir para ao fundo do mar em busca de seu
marido, não entregaria de barato o sentido de sua vida, viera ali para lutar e a luta
estava apenas começando. E abriu o verbo para sua mãe Yemanjá: Se eu não o trai,
seu eu não menti, se ele me ama, qual a explicação para tudo isso? Não minha mãe
Yemanjá tu não vai fazer isso comigo, mas, não vai mesmo.
Alguns ainda tentaram dissuadi-la a retornar para casa e ficar a espera de
noticias, ninguém se atreveria a enfrentar o mar. A noite escura como um breu, não se
enxergava um palmo a frente do nariz, a não ser quando os raios explodiam sobre suas
cabeças. Mas, ela ali firme, não arredaria o pé, não desistiria, era obstinada em seu
intento e sua mãe Yemanjá sabia o quando ela era sincera em seu amor, não nascera
para perder, ainda mais se tratando de seu amado.
Sentada passou por um leve cochilo, foi quando a tempestade aplacou, o vento
parou e o mar doce vem beijar seus pés, despertando assustada, sem saber que horas
eram, mas pela fome a dor que remoída seu corpo pressentiu que era mais que meio-
dia tinha que voltar para casa e saber se os homens tinham entrado no mar na busca,
pensou ir à capitania dos portos onde as grandes lanchas faziam o socorro, foi quando
viu um jipe aproximar-se os conheceu os colegas de seu marido. Eles não precisaram
falar nada, pois, traziam a reboque o barco que levara o negro Roberto para o fundo
do mar. Aproximou-se e acariciou o barco, passando a mão no assento, lugar onde
muitas noites de lua cheias sentavam-se para admirar as estrelas e namorar e viu que o
barco nada sofrera, estava intacto nenhum arranhão na pintura. Se o barco esta assim é
sinal que não foi à tempestade que o matou, mas, sim ela, aquela maldita veio cumprir
sua lenda e me roubar à única coisa que eu tenho na vida.
Maldita sejas tu minha mãe Yemanjá. Mas tu me paga, eu não saio daqui sem o
meu marido, tu tens que me devolver ele como eu te entreguei, forte e sadio, não vim
aqui para buscar um cadáver. Só saio daqui com ele e nada me fará desistir, nem
mesmo a morte.
As amigas falaram, e falaram até cansar e finalmente quando todos partiram para
as suas casas ela sentou e chorou, deixou verter todas as lágrimas do mundo deixando
vazar o desespero e a dor que não acabam mais.
Chora Janaína, chora que o mar vai te encantar, chora meu golfinho chora que o
mar vem te abençoar, chora Janaína chora que o mar vem te beijar, assim canta o
poeta e assim caminham as filhas da mais doce das iabás, elas as sereias de Abéokutá,
a morada de Yemanjá.
À noite chegando para ficar e o frio do vento que sopra do mar faz calar fundo
naquele corpo mirrado coberto com vestido de morim que nada cobre, não sente frio
nem fome, simplesmente o vazio da alma que busca compreender o inexplicável, o
sem solução o fim inexorável da vida, o estava escrito, a lenda, o sentido da vida.
Pela praia as pequenas gaivotas começam a buscar alimento para seus filhinhos e
retornam para seus ninhos, e ali elas dividem a praia com alguém que não tem mais
ninho, não tem para quem retornar, a não ser para uma casa vazia e sem sentimentos,
não, não voltaria de braços vazios, permaneceria ali até o fim de seus dias, sua mãe
Yemanjá não podia querer isso dela.
Quando não mais agüentou tombou e seu corpo encontrou como cama a areia e
junto dela as águas de Yemanjá, ali ela sua mãe Yemanjá apareceu e lhe falou: “Eu o
levei, mas não como está escrito na lenda, mas, sim a pedido dele, que não queria
mais viver, por vontade única e própria, não vim buscá-lo, simplesmente o recebi em
meu reino de Abéokutá”.
Então era assim que tudo se passara, este infeliz não me perguntou como as
coisas se passaram e me deixa sem uma explicação. Não isso não vai ficar assim, não
vou deixar como esta, ele sequer me fez um filho e me abandona a seu bel-prazer.
Levantou-se e determinada avançou mar adentro, primeiro cantou e cantou com
toda a forças de seus pulmões, com todo o amor do mundo o canto de seu orixá e a
seguir se prendeu a gritar a dijina de sua mãe Yemanjá, nome que recebera de sua mãe
de santo quando de sua iniciação e sentindo-se com a força e o poder de seu orixá,
evocou seus cavalos marinhos, sim, onde ele estivesse os cavalos e os golfinhos
encontrariam e trariam de volta e foi como tudo aconteceu: O mar passou da calmaria
as ondas da revolta e o mar bramiu e fustigado pelo vento o mar avançou sobre ela e a
engoliu e a arrastou para o fundo, mas ela era Janaína a filha de Yemanjá não cederia
a força do mar e no ultimo momento abriu a boca por onde as águas pretendiam
afoga-la e solto o grito o som que só os golfinhos conhecem e momentos depois viu-
se cercada por todos e seus cavalos chegaram para acudir e ela Janaína montou e
cavalgou sobre as ondas em busca de seu amor.
Na madrugada do dia seguinte quando os pescadores iam adentrar o mar eles
viram que alguém saia dele, sim era ela Janaína de Yemanjá cavalgando seus cavalos
e tendo na garupa seu amado negro Roberto de Ogum Adiolá a sorrir o sorriso na
plenitude da felicidade. Sim, toda a lenda tem sua exceção e a lenda de Ogum Adiolá
reza que ele amava uma Yemanjá que não queria seu amor razão pela qual o mar o
havia tragado, mas esta Janaína queria seu homem e sua força e obstinação não
desistiria tão facilmente, fora à luta e voltava agora vitoriosa trazendo de volta o
homem que lhe daria uma barriga, sim, esta Janaína seria conhecida por estar além da
lenda. Sim era ela a Janaína, a filha de Yemanjá.
E tenho dito e quem souber que conte outra.

Você também pode gostar