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"Geci"

Por
Isaac Bleitel

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EXT.PORTA DA CASA DE GECI.DIA
Uma música altíssima e muito animada está saindo da casa de
GECI(48), uma dona de casa reclusa que mora sozinha com o
marido, RAIMUNDO(50), um trabalhador da construção civil.
RITA(46), sua vizinha, começa a bater na porta de Geci de
forma atônita, já que não entende o motivo da cantoria e da
música tão alta.

INT.CASA DE GECI.SALA DE ESTAR.DIA

Geci está bêbada, dançando e cantando muito e com uma


garrafa de vinho na mão.
CORTA PARA:

INT.CASA DE GECI.QUARTO.NOITE
Retorna-se para 3 dias antes.
Geci está sentada na cama do quarto, olhando para a foto de
um garoto, adolescente. Ao fundo, ela ouve uma música no
rádio que ela gosta. Enquanto olha a foto, aparecem algumas
pelo seu corpo, que parecem ser hematomas. Ela ouve a porta
abrir. É RAIMUNDO(50), seu marido. Ela sai do quarto

INT.CASA DE GECI.SALA DE JANTAR.NOITE


Raimundo e Geci estão jantando à mesa, em silêncio. Eles mal
se olham. Até que Geci diz algo.

GECI
Preciso de dinheiro pra fazer as
compras amanhã
RAIMUNDO
Quer quanto?

GECI
Uns 50.
RAIMUNDO
Deixo aí na mesa amanhã.

O silêncio volta a reinar na mesa.


Ao fim do jantar, Raimundo sai da mesa. Geci retira os
pratos e copos sozinha.
2.

INT.CASA DE GECI.SALA DE ESTAR.NOITE


Geci chega na sala e Raimundo está sentado no sofá, no
canto. Ela observa que tem uma garrfa de vinho cara na mesa
de centro, da qual Raimundo bebe direto do gargalo. Ela fica
supresa e ao mesmo tempo curiosa.

GECI
Onde comprou?
RAIMUNDO
Numa delicatessen que tem perto do
trabalho.
Com medo e já prevendo, Geci mesmo assim se arrisca.
GECI
Me dá um pouquinho?
Raimundo lança um olhar fulminante a Geci, que não lhe diz
nada, deixando-a intimidada. Ela insiste mais um pouco.
GECI
Você sempre bebe e eu fico só
olhando.
RAIMUNDO
Porque eu posso. Traabalho o dia
inteiro e eu mereço.

GECI
Você não acha que eu também mereço,
Raimundo? Passo o dia inteiro
trabalhando aqui em casa, cuidando
de tudo, lavando, passando,
cozinhando. Você chega em casa e
sua comida tá mesa, sua roupa tá
lavada e passada e a casa tá
arrumada. Eu também mereço algo de
bom.

O silêncio impera na sala. De forma ressentida, Raimundo


retruca e lança um olhar de desdém a Geci.
RAIMUNDO
Você não sabe o que é trabalho,
Geci. Nunca soube. Nem pra ser mãe
você serviu. Deixou meu filho se
perder nas imundícies da vida. Faz
6 meses que eu espero o Otávio
voltar por aquela porta e ele não
vai mais voltar. Você só tinha que
cuidar do meu menino. E nem isso
(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 3.

RAIMUNDO (cont’d)
você conseguiu. Então me deixa em
paz tomando meu vinho.
Geci fica sem palavras. Ela chora silenciosamente no sofá.

INT. CASA DE GECI - QUINTAL - TARDE


No dia seguinte, Geci cuida das plantas que estão no seu
quintal. Ela cuida de uma delas com mais atenção, a
Comigo-Ninguém-Pode, pelo fato de ser uma planta mística. O
sol da tarde bate mais forte em seu rosto. Ela fecha os
olhos e levanta a cabeça em direção a ele.

INT.CASA DE GECI - COZINHA - NOITE


Geci está arrumando na geladeira as compras que fez mais
cedo. Para tentar organizar o espaço, ela retira o vinho que
Raimundo colocou na geladeira e o coloca na mesa por um
momento. Aparece nela uma vontade de tomar o vinho
escondida. Ela pega um copo, mas ao pegar na garrafa, ela
recua e desiste.

Nessa hora, Raimundo entra na cozinha no intuito de pegar o


vinho na geladeira e flagra Geci com o vinho na mão e o copo
na mesa. Ele supõe que Geci pegou o vinho para beber e se
enfurece, para o desespero da dona de casa.

GECI
Raimundo...
RAIMUNDO
Que porra é essa?!Então é isso que
você faz enquanto eu não tô aqui?

GECI
Não! Eu só tava arrumando a
geladeira, daí eu só...
RAIMUNDO
Arrumando a geladeira? Vem aqui que
eu vou mostrar como arruma a
geladeira! Vem aqui!
Raimundo pega Geci pelo pescoço e a joga no chão, começando
a agredi-la, para o desespero da dona de casa que começa a
gritar e pedir para que o marido pare com as agressões. Por
fim, ele sai da cozinha e deixa Geci sozinha no chão da
cozinha, aos prantos.
4.

INT. CASA DE GECI - SALA DE ESTAR - NOITE


Machucada, Geci sai da cozinha e se senta no chão da sala se
apoiando no sofá, chorando muito. A tv está ligada num
jornal, pois era o que Raimundo estava assistindo antes de
agredi-la. Começa a passar uma reportagem sobre plantas que
podem ser venenosas aos seres humanos e uma das citadas é a
Comigo-Ninguém-Pode. Logo ela reconhece que se trata da
planta que ela possui e fica surpresa. Ela se levanta e vai
em direção ao quintal.

INT. CASA DE GECI - QUINTAL - NOITE


Geci chega no quintal e olha fixamente para planta. Seu
olhar indica que ela teve uma ideia muito boa. E talvez,
controversa.

INT.CASA DE GECI - QUARTO - DIA


Geci não conseguiu dormir após a agressão sofrida. Ela
amanhece acordada na cama com o marido do lado. Ele acorda
pra trabalhar, mas ela não levanta.

INT. CASA DE GECI - COZINHA - DIA


Ao chegar na cozinha, ela vê um recado do marido escrito à
mão, onde dizia: “Desculpe. Exagerei. Eu te amo.”. Ela
amassa o recado com a mão e joga no lixo.

INT.CASA DE GECI - QUINTAL - DIA

Geci vai até o jardim e lá pega várias folhas de


Comigo-ninguém-pode.

EXT.PORTA DA CASA DE GECI - DIA

Rita, a vizinha, aparece em sua casa com uma xícara na mão,


com a desculpa de pedir um pouco de farinha de trigo. Ela
toca a campainha.

INT. CASA DE GECI - COZINHA - DIA


Geci ouve a campainha e sai da cozinha pra atender.
5.

EXT.PORTA DA CASA DE GECI - DIA


Geci abre a porta e se surpreende com a vizinha com uma
xícara na mão.
GECI
Oi, Rita.
RITA
Oi Geci, tudo bem? Então, eu queria
um pouco de farinha. Tô fazendo um
bolo mas faltou pra completar.
GECI
Tenho sim. Entra que eu já pego pra
você.

INT. CASA DE GECI - SALA DE ESTAR - DIA


Rita entra na casa de Geci e começa a olhar toda a casa de
Geci, como se procurasse algo de anormal. Geci se encaminha
pra cozinha. Da sala, Rita começa a conversar com Geci.

RITA
Então Geci, eu ouvi ontem de noite
uns barulhos estranhos vindo daqui.
Tá tudo bem?

GECI (O.S.)
Tá tudo bem sim (responde meio
gaguejante). Por que não estaria?
RITA
Imagina, tô só perguntando. É
porque eu realmente ouvi um barulho
e parecia estar vindo da sua casa e
fiquei preocupada.

INT.CASA DE GECI - COZINHA - DIA


O tempo que Geci pensava numa resposta, a vizinha adentrou
na casa até a cozinha. Quando Geci já estava levando a
farinha de trigo para a mulher, a vizinha chega na cozinha e
ambas dão um sorriso de embaraço.

RITA
Desculpa querida, só entrei porque
queria te ouvir melhor...

(CONTINUED)
CONTINUED: 6.

GECI
Tudo bem, Rita. Aqui sua farinha.
Rita observa as folhas da planta sobre a mesa.
RITA
Essas folhas são de
Comigo-Ninguém-Pode, não é?
Embaraçada, Geci responde tentando despistar a vizinha.

GECI
É sim. Vou fazer uma chá pra mim
porque tô com uma dor aqui na
lombar sabe? É bom pra aliviar as
dores.

RITA
Mas de Comigo-Ninguém-Pode? Até
onde eu sei, ela é tóxica pra
gente. Não se pode tomar ela assim.
GECI
Sim, eu sei. Mas eu tenho uma
técnica pra tirar o veneno dela.
Daí vou usar pra fazer o chá.
RITA
Entendi. Então você pode me ver um
pouco desse chá também? Porque as
vezes eu também tenho umas dores na
lombar e é horrível. E aí você me
ensina como faz pra tirar o veneno.

Geci começa a ficar impaciente com Rita.


RITA
Infelizmente não vai dar porque
essas folhas aqui já são a conta
pra fazer o chá só pra uma pessoa!
Mas eu posso depois te dar umas
folhas quando eu conseguir mais e
te ensinar a tirar o veneno.
Rita observa alguns hematomas no braço de Geci e se espanta.

RITA
Mulher! O que foi isso no seu
braço?
Geci responde a Rita andando pela cozinha, tentando
desconversar sobre o assunto.

(CONTINUED)
CONTINUED: 7.

GECI
O que? Não foi nada, criatura! Eu
caí ontem no quintal e me
machuquei, foi só isso.

Pausa.
Mais calma e ao mesmo séria, Rita insiste.
RITA
Eu ouvi seus gritos ontem, Geci.

Geci para. Fica imóvel. Não consegue negar a vizinha. Rita


se aproxima de Geci e toca o seu ombro.
RITA
Na verdade, eu ouço seus gritos há
muito tempo. Todo mundo nessa rua
já ouviu... Não é culpa sua. Vai
ficar tudo bem.
Geci olha para Rita, chorando. Rita segura sua mão.

RITA
É pra fazer chá mesmo que você vai
usar as plantas?
Com a cabeça, Geci responde que não. Rita entende a intenção
de Geci e abraça a vizinha.

RITA
Pode contar comigo.
Rita sai da casa de Geci e a deixa chorando na cozinha.

INT. PORTA DA CASA DE GECI - DIA


Imediatamente, Geci tranca a portas e fecha as janelas para
não ser mais incomodada.

INT. CASA DE GECI - COZINHA - DIA


Geci começa a fazer a comida para o jantar com o marido. Ela
mói as folhas de Comigo-Ninguém-Pode e as coloca na massa de
uma torta salgada de frango, que é a preferida de Raimundo.
Quado a torta fica pronta, ela a tira do forno e sorri
olhando para ela.
8.

INT. CASA DE GECI - SALA DE JANTAR - NOITE


Geci coloca as comidas na mesa e senta na cadeira à espera
dele com um misto de ansiedade e angústia. Ela ainda faz
questão de colocar o vinho dele na mesa. Tudo para fingir
que está agradando ele e o que o perddou. Nisso, dá 18, 19,
20, 21, 22 horas e Raimundo não chega para o jantar. Geci
olha o horário no relógio de parede e se destempera. Num
ataque de raiva, ela joga um copo de vidro vazio no chão e
começa a chorar de maneira desconsolada e com raiva.

Ela olha para torta envenenada e a encara fortemente. Num


rompante emocional, ela tira um pedaço da torta e coloca em
seu prato. Quando ela está prestes a comê-la, a campainha
toca. E começa a tocar de tocar de forma desesperada. Geci
não come a torta, enxuga as lágrimas do rosto com as mãos e
vai atender a porta.

INT. PORTA DA CASA DE GECI - NOITE


Ao abrir a porta, dá de cara com a Rita, desesperada.

RITA
Geci do céu, você não imagina o que
aconteceu!
GECI
Fala, criatura! O que aconteceu?

RITA
Raimundo foi atropelado! Lá na
esquina! Tá uma confusão! Vem logo!
Rita sai correndo. Geci fica abismada. Antes de sair de casa
para verificar o ocorrido, olha para a torta envenenada,
pega a chave e bate a porta.

EXT. PORTA DA CASA DE GECI - DIA

Geci e Rita estão andando juntas em silêncio e ambas estão


vestidas de preto, voltando do enterro de Raimundo. Geci
está séria. Se por um lado não aparenta estar feliz,
tampouco aparenta estar triste. Ao chegar na porta de Geci,
a vizinha quebra o silêncio.

RITA
Então querida... precisa de alguma
coisa?

(CONTINUED)
CONTINUED: 9.

GECI
Não, Rita. Só quero ficar sozinha
agora. Muito obrigada. Por tudo.
RITA
Não tem o que agradecer. No que
precisar, é só bater na minha
porta.
As duas se abraçam e Rita vai embora. Geci entra em casa.

INT. CASA DE GECI - SALA DE ESTAR - DIA


Ao entrar em casa, Geci olha em volta a casa vazia e percebe
que ainda não tinha desfeito a mesa do jantar que preparou
para Raimundo, já que tudo aconteceu tão rápido que ela nem
percebeu. Ela pega a torta envenenada e vai e direção à
cozinha.

INT. CASA DE GECI - COZINHA - DIA

Ela pega a torta envenenada que fez para Raimundo comer e


joga toda no lixo e coloca a travessa na pia.

INT. CASA DE GECI - SALA DE ESTAR - DIA

Geci volta a sala e observa o vinho de Raimundo. Ela pega o


vinho e liga o som, que começa a tocar uma música bem
animada. Ela sai em direção ao quintal.

INT. CASA DE GECI - QUINTAL - DIA


No quintal e com a garrafa de vinho de Raimundo na mão, ela
olha fixamente para a planta Comigo-Ninguém-Pode que ela
cultiva. O sol começa a bater em seu rosto. Ela fecha os
olhos e levanta a cabeça para senti-lo. Ela dá um gole
generoso no vinho de Raimundo e depois sorri. Agora, o vinho
era dela. E a sua vida, também.
FIM

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