COX, Robert W. Social Forces, States and the World Orders: beyond international relations (Cap 8). 1996.
O autor inicia o capítulo ponderando a importância de análises reflexivistas, onde
objeto em análise e pesquisador são vinculados em espaços e períodos específicos. Para Cox (1996), os primeiros teóricos de RI concebiam a separação entre sociedade e Estado, mas, contemporaneamente há grande interdependência entre os dois atores, sob a qual deve-se considerar a existência de diversas formas de Estado que expressam as diferentes dinâmicas relacionais entre ambos. Neste sentido, o principal objetivo do autor com este capítulo é estabelecer um método para o entendimento das relações de poder no SI, realizando uma análise histórica da formação da ordem mundial. Cox denota que as teorias são normativas, pois “sempre são para alguém e para algum propósito” (1996, p. 207) e, por isso, dividem-se em duas categorias: (i) teoria de resolução de problemas; e (ii) teoria crítica. Na (i) primeira tipologia, o objetivo é ajudar a resolver problemas específicos (em instituições e relações entre atores) e analisar o mundo como ele é (de forma a-histórica e neutra), criando regras e generalizações nessas dinâmicas. Na (ii) segunda tipologia, há um processo reflexivista de teorização, onde se assume o caráter histórico da ordem em que vivemos hodiernamente e as ideologias dos teóricos. “A teoria crítica é direcionada ao complexo social e político como um todo, mais do que partes separadas” (COX, 1996, p. 208). Logo, por considerar o caráter cambiável da realidade, a teoria crítica ajusta seus conceitos continuamente para entender e explicar essas mudanças. Assim, trata-se de uma teoria normativa que visa a construção de uma ordem política e social distinta da atual. O autor coloca, então, que os diferentes períodos históricos favorecem uma ou outra perspectiva. Ou seja, períodos onde há maior estabilidade (como a Guerra Fria) nas relações de poder favorece a teoria de resolução de problemas, enquanto períodos de incerteza (como os anos 1970), favorecem a teoria crítica. Uma das influências da teoria crítica é o marxismo, vinculado, especificamente, ao materialismo histórico, onde o objetivo é realizar explicações mediante análises históricas, bem como promover mudanças nas interações sociais. Alguns elementos do materialismo histórico são: (i) a dialética; (ii) a relação entre o eixo vertical do poder com o eixo horizontal da rivalidade entre potências, que acaba por estratificar o sistema internacional em centro e periferia, por exemplo; (iii) a preocupação com as relações entre Estado e sociedade; (iv) e o foco nos processos produtivos como elemento fulcral das formas de relação entre Estado e sociedade. Neste contexto, o núcleo duro da teoria crítica é composto pelas seguintes premissas: “(1) a consciência de que a ação nunca é absolutamente livre, mas tem lugar numa estrutura para ação que constitui a sua problemática; [...] (2) não somente a ação, mas a teoria também é delineada pela problemática; [...] (3) a estrutura de ação muda no tempo e o principal objetivo da teoria crítica é entender essas mudanças; (4) essa estrutura tem forma histórica, uma combinação particular de padrões, condições materiais e instituições humanas, que possuem certa coerência entre todos esses elementos; [...] (5) a estrutura onde a ação é realizada deve ser vista no sentido bottom e não top, abrindo a possibilidade de transformações” (COX, 1996, p. 217). Cox elenca três forças que interagem na estrutura, quais sejam: (i) capacidades materiais, (ii) ideias e (iii) instituições. A primeira refere-se aos elementos produtivos e destrutivos de um ator, através do desenvolvimento tecnológico, por exemplo. A segunda, aos significados intersubjetivos compartilhados sobre a natureza das relações sociais (ex.: os Estados se relacionam através de agentes diplomáticos) e às imagens coletivas de diferentes grupos de pessoas sobre a ordem, onde o choque entre diferentes percepções permite pensar alternativas para a estrutura. Por fim, a terceira refere-se aos meios de estabilizar e perpetuar certa ordem, através da combinação entre ideias e capacidades materiais, que acabam por influenciar novamente a formação desses dois elementos. As “instituições provêm maneiras de lidar com conflitos através do uso mínimo da força” (COX, 1996, p. 219) e serve como âncora da estratégia hegemônica, junto com os dois primeiros elementos. A partir deste panorama, o autor inaugura o método de estruturas históricas, aplicando-o em três esferas: (i) organização produtiva, com ênfase nas forças sociais; (ii) formas de Estado que derivam das relações entre Estado e sociedade; (iii) ordens mundiais, que se referem às configurações particulares de forças sistêmicas. Esses três eixos se relacionam, pois, mudanças em um tendem a causar mudanças em outro. Posteriormente, o autor faz uma análise das hegemonias e das ordens mundiais. “A noção de hegemonia como uma combinação entre poder, ideias e instituições torna possível lidar com alguns problemas nas teorias de dominância estatal como condição necessária para a estabilidade da ordem mundial; ele perite a diferenciação entre lags e líderes na hegemonia” (COX, 1996, p. 224). Um caso de liderança é dos EUA no período entreguerras, onde o país possuía capacidades materiais, mas ainda não a dominância de ideias e instituições. Essa dinâmica passou a se alterar com o New Deal e as novas instituições criadas no período. Para o autor, as forças sociais são elementos centrais na formação de capacidades materiais e tiveram grande protagonismo na formação da ordem mundial. A incorporação dos trabalhadores industriais e de suas posteriores exigências para melhores condições de trabalho e de vida ajudaram a instituir welfare state nos EUA, contribuindo para o declínio do internacionalismo neoliberal que vigorava durante a Pax Brittanica e dando início à ordem hegemônica da Pax Americana (que foi muito mais institucionalizada do que a anterior). Da mesma forma, na periferia sistêmica, novas forças sociais se formaram, através da incorporação de agentes externos na economia e da formação de novas burguesias, que ajudaram a construir um aparato estatal sob a tutelagem colonial, reproduzindo algumas das instituições e procedimentos das relações industriais da metrópole. Todos esses fenômenos formaram as bases para o movimento anticolonial no pós-Segunda Guerra. Com a internacionalização do Estado, o reconhecimento de que medidas econômicas nacionais afetam outros países passou a ser considerado, dentro da estrutura de poder composta pelas instituições norte-americanas. Após a crise dos anos 1970, os ajustes mútuos econômicos passaram a ser ainda mais importantes, visto a ausência de normas claras e o relativo enfraquecimento de algumas agências internacionais. Dentro deste contexto informal, entra atuação dos grandes negócios e da integração produtiva mundial, que passa a orientar as economias nacionais para a economia internacional. O contexto de fragmentação da produção passou a mobilizar as forças sociais, dando origem à estrutura global de classe, para além das classes nacionais. Os principais pontos de organização, neste contexto, são: a Comissão Trilateral, o Banco Mundial, o FMI e a OCDE, que estabelecem guias de adoção de determinadas políticas, as quais penetram os países mediante internacionalização do Estado. Dentro desses grupos estão incluídos os líderes dos setores orientados para a economia internacional. Desta forma, nos países desenvolvidos há sindicatos bem estabilizados, onde o protecionismo se torna essencial. Por outro lado, nos países do terceiro mundo, há sindicatos não estabilizados, onde a força contra a liberalização é mais fraca. Assim sendo, “um dos problemas do capital internacional em sua aspiração por hegemonia é como neutralizar os efeitos da marginalização de quase um terço da população mundial, bem como prevenir sua pobreza e sua revolta” (COX, 1996, p. 236). Para o autor, as forças sociais geradas pelas mudanças nos processos produtivos consideram as possíveis transformações da futura ordem mundial. Cox (1996) destaca 3 possíveis cenários: (i) uma nova hegemonia baseada na nova estrutura de poder social gerada pela internacionalização da produção, onde há continuidade da predominância do capital internacional sob o nacional e da internacionalização do Estado; essa ordem poderia ser gerada por uma coalização entre EUA, Alemanha, Japão, alguns países da OCDE e alguns países mais industrializados do terceiro mundo, como o Brasil; (ii) uma ordem não hegemônica caracterizada pelo conflito entre centros de poder, onde há ascensão de coalizões neomercantilistas em diversos Estados centrais, que se ligam com o capital nacional e os sindicatos estabelecidos; (iii) o desenvolvimento de um poder contra-hegemônico baseado numa coalizão entre Estados do terceiro mundo contra a dominação dos países centrais e a favor do desenvolvimento autônomo; “uma contrahegemonia consistiria numa visão coerente sobre uma ordem mundial alternativa” (COX, 1996, p. 238). O capítulo de Robert Cox inaugura uma nova forma de se pensar as relações internacionais, através de uma abordagem mais reflexivista, vinculando teoria e prática, como contraposição as teorias mainstream da disciplina, que analisam o mundo como ele é, através da distância entre o pesquisador e o objeto de pesquisa. Assim sendo, ao contrário das teorias tradicionais de RI, a teoria crítica tem como objetivo a emancipação e o desafio ao poder, através de uma análise histórica dos processos formativos da ordem global hodierna. Logo, a leitura do capítulo foi de suma relevância para aprender os pressupostos centrais da teoria crítica, bem como suas diferenças em relação as demais teorias, e a importância de abordagens históricas para a identificação de fenômenos das relações internacionais.