Epístola a Critilo:
“Vejo, ó Critillo, do Chileno Chefe Tão bem pintada a história nos teus versos, Que não sei
decidir, qual seja a cópia, Qual seja o original”
A primeira ação do poeta na epístola é justamente uma legitimação do que foi escrito,
uma vez que se levanta um argumento de verossimilhança ou veracidade à medida
que ele diz que não consegue distinguir a diferença entre a história tal qual ele
conhece e os versos de Critilo;
“Dentro em minha alma I Que diversas paixões, que affectos vários A um tempo se suscitão
Gelo, e tremo, Umas vezes de horror, de mágoa, e susto, Outras vezes do riso apenas posso
Resistir aos impulsos: igualmente Me sinto vacillar entre os combates Da raiva, e do prazer”
“Eu retracto a expressão, nem me subscrevo Ao suffragio daquelle, que assim pensa Alheio da
razão, que me surprende. Tracta-se aqui da humanidade afflicía; Exige a natureza os seus
deveres: Nem da mofa ou do riso pôde a idéa Jamais nutrir-se, emquanto aos olhos nossos Se
propõe do teu Chefe a infame historia”
Doroteu começa a questionar essas emoções que a obra lhe causa, em especial o riso.
Ele, enquanto o homem não alheio da razão, não pode tolerar que se provoque riso
ou bazófia da história de Fanfarrão;
Doroteu começa a se criticar por, sendo um varão prudente, ter de resistir ao riso
perante a estultice e o escândalo. Nos versos seguintes, ele faz um paralelo com as
loucuras de Calígula, as quais não lhe provocam riso, mas antes a “razão brilhante” o
faz tremer de raiva por vassalos inocentes terem de ser curvar ao cetro de um
governante como esse;
“Não é esta a moção, que n'alma provo, Por entre estes delírios insensível Me conduz
a razão brilhante, e sábia, A gemer igualmente na desgraça Dos míseros vassallos, que
honrar devem De um Tyranno o poder, o throno, o sceptro.”
“Despedace Medéa os charos filhos; Guise Atreo de seus netos as entranhas; Eu terei
sempre horror ás impiedades. Jamais da irreligião, da fé mentida Me hão de enganar
os pérfidos rebuços, Ou da fingida scena os vãos adornos”
“Devo pois confessar, Critillo amado, Que teus escriptos de uma idade a outra Passaráõ
sempre de esplendor cingidos: Que a humanidade emfim desaggravada Das injúrias, que
soffre, por teu braço; Os ferros soltará, que desaffrouxa, Tintos do fresco, gotejado
sangue.”
Nessa parte, Doroteu faz uma apologia às Cartas de Critilo, alegando que essas,
pela estultice provoca um combate de prazer e raiva ainda inédito na história.
Através desse desfalecimento ante o combate Prazer x Raiva, a outrora
“humanidade aflita” agora é “humanidade emfim desagravada”. Trata-se aqui de
um elogio à SÁTIRA.
Aqui se conclui o elogio. Os súditos infelizes através do riso provocado pela sátira
política de Critilo podem gozar do alívio e da paz, e respirar ante os estragos da
bárbara desordem. O destaque especial vai para a descrição do poder civil como
“bárbaro”, segundo Bluteau, alheio à civilidade;
“De pejo, e de vergonha os bons Monarchas, Que pias intenções sempre alimentão, De
reger como filhos os seus povos, Tocados se veráõ. Prudentes, sábios, Consultarão
primeiro sobre a escolha Daquelles Chefes, que a remotos climas Determinão
mandar, delles fiando A importante porção do seu governo: Prevenidos, que a vãa
brutal soberba Só nas obras influe destes monstros, Pelo escrutínio da Virtude espero,
Que regulados os seus votos sejão”
Fica clara agora que a intenção de Doroteu não está no elogio à sátira política de
Critilo, mas sim em usá-la como modelo para os monarcas de “pias intenções”. A
solução de Doroteu para evitar Chefes cuja obra é influída pela “vã brutal
soberba” está na consulta sobre a escolhe do Chefe novo. Existe uma crítica
imediata à delegação de governadores e intendentes por interesses políticos;
“A virtude Nem sempre aos netos por herança desce. Pôde o pàe ser piedoso, sábio, e
justo, Manso, affavel, pacifico, e prudente: Não sé segue daqui, qué um impio filho,
Perverso, infame, discolo, e malvado, Não desordene de seus páes a gloria. Nem
sempre as águias de outras águias nascem, Nem sempre de leões leões se gérão:
Quantas vezes as pombas, e os cordeiros São partos dos leões, das águias partos”
“Para reger, ó Reis, os vossos povos, Debalde ides buscar brazões, e escudais Entre os
vossos Dynastas”
Aqui se confirma a ideia. Doroteu afirma que é vão que os Reis procurem regentes
lúcidos entre sua dinastia. Nos versos seguintes, ele evoca o argumento da
autoridade clássica buscando o modelo para hoje na Democracia ateniense e nos
governantes da República Romana (Fábio, Cipião, Emílio e César) que os grandes
de sua época tanto admiravam. E conclui “Quão differentes hoje os nossos
Grandes”
“É filho do Marquez, do Conde é filho; Vá das índias reger o vasto Império. O' Deus e
que infelicês os vassallos Que tão longe do Throno prostitúe 0 vosso Império aos
abortivos Chefes Lá vai aquelle, que de avara sede”
Nessas duas partes, Doroteu evidencia uma apropriação do público pelo privado.
“Gozar da sombra do copado tronco É só livre ao que perto tem o abrigo Dos seus ramos
frondosos. Se se aparta Da clara fonte o passageiro, preva Turbadas águas em maior
distancia.”
Aqui, o objeto final: Doroteu acredita que os versos de Critilo são como um
espelho que reflete a virtude no rosto dos Chefes ímpios e pode iluminar os
Grandes de Portugal
Uma nova apologia à sátira política em oposição, dessa vez, ao teatro. O teatro
daria o exemplo por meio dos heróis virtuosos, enquanto a sátira como a de
Critilo, instrui pela negativa: pela estultice, pelo ridículo, pela vergonha.
Prólogo:
“Logo que li estas Cartas, assentei comigo que as devia traduzir na nossa lingua; não só porque
as julguei merecedoras deste obséquio pela simplicidade do seu estylo, como também pelo
beneficio, que resulta ao publico, de se verem satyrisadas as insolencias deste Chefe, para
emenda dos mais que seguem tão vergonhosas pisadas”
Questões:
Tratar as Cartas chilenas conforme sua documentação bruta, isto é, tomando
Doroteu e Critilo como, de fato, autor e tradutor escondendo Gonzaga;
Tese principal: a ascensão da ideia de público em um local em que preponderava
a subjugação deste pelo privado, traz avante fórmulas como a de Cartas Chilenas
de uma publicização do Poder, o que passa pela crítica à Monarquia dinástica e à
autonomia de chefes locais nas colônias, tomando como ponto a ideia do Governo
à distância.
Para isso, não há uma resolução revolucionária ou radical, como as que circulavam
no Brasil (Independência dos EUA), mas, pelo contrário, um aumento do poder
metropolitano na colônia, todavia, com espaços civis de política pública.
Temas de contexto:
Contexto político;
Contexto intelectual: circulação de ideias;
Contexto literário.