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O E S P IR IT O DO
D IR E IT O RO M A N O
Nas d i v e r s a s fa ses de
s e u d e s e n v o lv im e n to .
TRADUÇÃO DE
RAFAEL B EN A I ON
P rof, da Faculdade de Direito do Amazonas, membro efetivo do Instituto da Ordem
dos Advogados Brasileiros e advogado nos auditórios da Capital Federal.
PREFACIO DE
CLOVIS B E V I L'A Q U A
Volume I
a l b a
EDI TORA
LAV R A D I O , 60 — RIO DE J A N E I R O
BRASIL
19 4 3
ÍNDICE DAS MATERIAS
DO V O L U M E PRIMEIRO
P a g s.
ADVERTÊNCIA 5
PREFACIO . . 7
INTRODUÇÃO 11
TÍTULO I
PROBLEMA E MÉTODO PARA A SUA RESOLUÇÃO
§ 1. Importância do Direito romano pos tempos modernos.
— Idéid de universalidade e de nacionalidade, t- Im
portancia de Roma para a realização dã primeira na
historia universal. — Sua justificação no direito. —
Apoio recíproco dos povos. — Caratèr do desenvolvi
mento atual do direito. — O Direito romano é üm"ele
mento da civilização presente . . . . . ___; -----: ............ 11
§ 2. Necessidade da solução do problema; — Nossa ciên
cia atual e seu mecanismo científico 21
TÍTULO n
MÉTODO DA EXPOSIÇÃO HISTÓRICA DO DIREITQ -
CAPÍTULO L — Condições çogfidas em a natureza do dirètta. 28
§ 3. 1 Anatomia do organismo do direito. — Elementos
de que se compõe. -—Regras, noções, instituições jurí
dicas. — Organização psíquica do direito. — Diferença
entre o direito objetivo e sèu conhecimento subjetivo.
— (Elementos latentes do direito). — Missão da ciência. 28'
§ 4. 2. Fisiologia do organismo jurídico. — Suas funções
na vida. — Realizàbilidade formal do direito. — Mis
são do historiador quanto ao direito do passado......... 43
CAPÍTULO II, — Condições contidas em a noção da história. 51
§ 5. Distinção dos factos não essenciais. — Conexões dos
factos e do tempo. — Cronologia interna ou determina
ção absoluta e relativa do tempo, segundo critérios in-
254 RUDOLF VON JHBRING
/ Pags.
temos 51
§ 6. Plano da obra 66
LIVRO P RI MEI RO
ORIGENS DO DIREITO ROMANO
§7 Estado primitivo. — Tradições do povo romano. —
Complemento da tradição pela etimologia e cpnclusões
retrospectivas^deduzidas do direito .......... . . . .............. 73
§ 8. A cosmogonia romana do direito. — Como caracteriza
a inteligência dos romanos 77
TÍTULO I
PONTOS DE PARTIDA OU CONSIDERAÇÕES E ELEMENTOS
ORIGINÁRIOS DO DIREITO ROMANO
§ 9. Minimum dás origens históricas .................................... 82
CAPÍTULO I. — O princípio da vontade subjetiva é a Ionite ori
ginária do direito privado de Roma " 86
A. Fundação dos direitos pela energia pessoal ................ 86
§ 10. Ã vontade subjetiva extrínseca em sua tendência para
fundar o direito. — O direito de conquista. — Predile-
ç ã a de espírito jurídico dos romanos pelos, módos ori
ginários de adquirir .................. , .......... 86
B. Sistema da justiça privada .................... 94
§11. 1. Considerações gerais. — Origens do direito na
justiça privada. — A força ao serviço do direito. —
Importância da distinção entre as pretensões contestá
veis e incontestáveis. — Impossibilidade de uma disr
tinção entre as diversas espécies de injustiça 34
§ 12. 2. A vingança e a origem dá pena privada. 101
§ 13. 3. Processo testemunhai. — Importância das testemu
nhas para a validez da justiça privada. — Hipótese
sobré a missão originária das testémunhqs (testis —
auxiliar). — O testamentum in comitiis ccdatis............. 108
§ 14. 4. Fôrmas e extensão da justiça privada legal. —
Fôrmas solenes da justiça privada: a manus injectio e
a pignòris capio. — Controvérsia jurídica sobre sua le
gitimidade (processo ofensivo e defensivo). — A justiça
privada desprovida de fôrmas 115
C. Convenção amigável doslitígios 126
§ 15. Decisão dos litígios por meio de contratos. — Juramen--
to e arbitrágem. — Aquiescência à decisão do juiz.
(litis contestatio) ............................................ 126
CAPÍTULO II. — A família e a organização militar são os pontos
de partida da ordem política 133
§ 16. Observação preliminar 133
O E S P ÍR IT O DO D IR EITO ROMANO 255
RAFAEL BENAION
PREFACIO
Meu distinto colega, Dr. Rafael Benaion
Saudações cordiais.
TÍTULO I
<f>) Sobre a verdade relativa desse modo de vèr, consulte-se o voi. TV, análise
abstraia, onde demonstraremos a ilusão em que Stahl caiu.
26 R U D O L F VON J H E R I N G
CAPÍTULO I
Condições contidas em a natureza 'do direito
(8*) Não podemos deixar de mencionar aqui a observação feita por um filólogo,
■cujos trabalhos teremos frequentemente de utilisar no curso desta obra, P ott, Etymo
logische Forschungen (Investigações etimológicas sobre as linguas indo-germánicas),
lom o I, 1833, pag. 14G: ’’Esta miopia, posto que permita ver invertidos os objetos lon
gínquos c não os mais próximos, se manifesta, no homcm, na órdem intelectual sobre
tudo, quanto se trata do conhecimento da lingua materna. Para o estrangeiro esta
apresenta, á primeira vista, uma multidão de singularidades que, precisamente pot
■causa dos costumes, aquéle que a fala dêsde a sua infância, não nota nunca, ou nota
rnui dificilmente. A atenção dc primeiro somente se excita pela exterioridade, enquanto
-que> no segundo, é a força de vontade a que produz o desejo de observar. Dai, èsse
fenómeno tão conhecido, que em regra geral não se aprende a conhecer a fundo a
lingua materna senão depois de haver aprendido outras, c que c mais difícil fazer uma
gramática da língua própria que a de um idioma estrangeiro. O melhor filólogo seria
la i vez o peor gramático e reciprocamente. Resulta disso, que devemos combater a
mania dos que têm como sagrada, cm tudo e por tudo, a autoridade de um gramático
nacional. Mas há ignorantes dessa espccie, que por mais que se lhes convença do
contrário, reincidem” .
Em vez de lingua e gramática nacionais, escrevamos as palavras direito e juriscon
sulto nacionais, nomine mutato nairatur fabula de te.
3'i'?’ R U D O L F VON J H E R L N G
(16) O Compêndio, das noções históricas sàbre a formação do cyrpo das leis
russas, S. Petersburgo, 1833, projeta muita luz sobre êstes pontos. Desde o Código
de 1649 se publicaram 35.000 leis; deste número faltavam muitas nas coleções privadas,
ime custavam 5.000 rublos e, cm certas épocas, mais da metade. Havia tainhém um
vácuo de 48 annos, o que não impediu á Comissão procurar no número insuficiente de
leis, a razão da imperfeição do estado do »direito. A jurisprudência não tomará o seu
vôo (disse a Comissão) senão quando sc organise todo êste càos. Teria sido mais
proveitoso queimar a maior parle desses vetustos documentos.
ór^áiiisino lógico de instituições e dé definições .juridi-
ao oi)servàdor menos experto, eomo um conjunto dé re-
prim eiro desses pontos de vista còrrèsponde á nature-
pfÍFíntima do direito; o segundo só m ostra o lado exterior é sú-
g ^ fiç ia l, consagrado à vida prática.
Se, em relação a essa face exterior dò direito, fomos leva
dos a, dizer que seu conhecimento é cércado de dificuldades
^ p o r issò, resulta algumas vezes imperfeito^ isso ainda é mais
verdadeiro quando se trata da estrutura lógica do direito. A
necessidade prática e im ediata não conduz senão ao conheci-
íiiento das regras jurídicas e um povo necessita estar bastante
adiantado p ara poder elevãr-se das regras ao conhecimento do
alfabeto jurídico. Veremos que nêlé é precisam ente onde se
manifestou a predestinação extraordinária do povo romano pa
ra a cultura dêsse ram o da ciência. As grandes dificuldades
que lhe apresentava este método eram patentes na época dos
.jurisconsultos clássicos: Omitís definitio in jure < civili, dizem
e le s (1718), periculosa est: Parum est ut non subverti possit; isto é,
toda definição criada com òs m ateriais subm inistrados por meio
dás regras do direito é difícil. Ha casos ém que os juriscon
sultos clássicos se declararam incapazes p ara dar um a defini
ção exata e insistem n a necessidade de form ar um a idéia dela,
observando a vida (1S) .
O homem atual compreende o direito do passado melhor
que os coetáneos, porque póde aperceber-se do que perm anecia
oculto para aqueles. Se encontrar apenas um a confusão de re-
gràs de direito, seryir-se-á delas para reconstituir o organismo
lógico daquêle; e se somente se m anifestar o lado exterior do
direito consagrado á vida prática, tratará de nêle descobrir a
substância intim a e lógica.
(2 0 ) Faremos notar spinante a diferença que existe, nas instituições juridiçás par
ticulares, entre sua estrutiira ou estado anatómico e suas funções. Póde haver inSti-,
tuições de estrutura anatômica diferente com funções idênticas ou -semelhantes, por
<xernpk> : o legado e a dönaiio m ortis causa, a penhora do direito antigó era fórma da.
fiducia (transferência da propriedade) e o pignus do direito novo, a. cessão e a dele
gação, a curatela e a tutela, a fórma de- se extinguirem as ações e a perda de direitos,,
pela *prescrição .4 0 tempo. . Ào contràrio, • a estrutura póde ser análoga ou esséncial-
mente a mesma para uma instituição e suas funções serem muito diversas, como, por
esèmpio, a- fórma- republicana, que conserva sua e^tnitura anatòmica (povo, senado e
magistrado) libs' pèimeirps anos da época imperiai. — Nosso, método jurídico dá,
infelizmente, demasiado valor á estrutura anatómica das instituições e milito pouco a
suas funções. Sob éste ponto de vista, Puchta é lógico, quandó coloca O direito de;
tutela entre os das obrigações.
„(2 1 ) Como ilação de idéias, reproduzimos aqui, sem modificá'-ía, toda a explicação
que. se segue, tirada da primeira edição, ainda quê tratássemos do mesmo assunto, pela
segunda vez,, na teoria ; do tcchismo (vói. ÍI,- 2 .a parte) sob o nome de praticabilidade
do' direito. (V. ibid., pag. 347 s. Edição alem á).
&e p dÍTeito é ö mundo social, em conseqüência da_s. exigências
: ~dà' época, do caratêr particular de um povo e das próprias con-
diçdes da vida. Consideramos, ao contrário, como realizabilir
dàde form al, a facilidade e a segurança da aplicação do direito
abstrato às espécies concretas.
Segundo esta operação exija um gasto maior ou menor de
força intelectual, para que os resultados sejam mais ou menos
certos, direiñps qüe o direito tem uma realizabilidade form al,
maior ou menor. Claro é que não nos referimos à facilidade
ou dificuldade que se encontra para compreender as regras do
flireito que é necessário aplicar. Logo que uma regra do direi
to já seja exatamente compreendida, a dificuldade de que trata
mos, diz respeito à aplicação da regra, ou seja, na troca da re
gra abstrata em direito concreto, trabalho que se renova em
cada caso especial. Aplicar uma regra de direito é discernir
e expressar concretamente o que ela abstratam ente propõe.
Isto mesmo póde apresentar a maior facilidade, como estar éri-
çado de dificuldades. O engenho e a retidão do juizo (diagnòs
tico jurídico) que deve aplicar a régra, éxerce também grande
influência* mas a dificuldade òu a facilidade objetiva dessa apli
cação, determina-o a própria régra, segundo suas disposições es
tejam ligadas a critérios mais óu menos, difíceis de se reco
nhecer .
Toda a régra de direito estabelece um a hipótese (se alguém
fizer istô ou aquilo) e deduz urna conseqüência (suce.der-lhe-á
isto ou àquilo) (22) . Aplicar a~ régra equivale, conseguintemen-
te: r.°, a inquirir se a hipótese se realiza na espécie còncreta e,
2.° a expressar, de uma fórm a concreta, a dedução ' puram ente
abstrata; v. g\, avaliar em dinheiro o dano reparável que al
guém causou. Compreende-se, pois, qiie o sentido da hipóte
se e de sua conseqüência tem -im portância muito extensa'. . Ve
jamos, pòr exemplo, a fórm a de processar a injúria, pelo D iret
to romano antigo e segundo o direito novo: no direito antigo, o
resultado da injúria, isto é, a pena, consistia em uma m ulta de
terminada (25 asses) ; pelo direito novo, deixa-sé ao critério do
juiz. Naquêle, dêsde o mçmento ém que se cometesse uína in
júria, a pena (condenação a 25 asses) sé' aplicava imediátamén-
ie; enquanto que, pelo último, ao contràrio, esta -afere grandes
dificuldades ao juiz, porque necessita ^calcular, cuidadosamen
te, 'as circunstâncias especiais ao caso, isto é, a posição social
dq ofensçr e do ofendido, o tempo, o lugar, etc. Quanto ao fun
damento da hipótese, é igualmente certo que se ela tèm por ob'
(22) Esta fórma ( s e ... neste caso) é á mais simples e a mais clara; está no fundo
de toda regra de direito, ainda que não seja sempre .expressamente empregada, por
exemplo : os menores permanecerão cm tutela, até aos 25 -anos ; as fianças das mulheres
são nulas, etc. A hipótese é: se alguem ainda não atingiu a idade de 25 anos, se a*
mulher deu fiança, a conseqüência será a seguinte: o pri íeirò estará sob tutela e a
mulher, etc.
O E S P ÍR IT O DO D IR EITO ROMANO 47
jeto uma tese geral, v. ,g., as lesões contra a honra, sua investi
gação na espécie concreta de que se trata, é muito mais difícil
quando, como em m uitas leis antigas sucede, se refere a facto
determinado, exterior e fácil de reconhcer, por exemplo: “se
se espanca alguém, se se o acusa de algum delito, e t c . . . ”
À medida que as condições e as conseqüências de um a ré-
gra de direito estão determ inadas de fórm a geral e interna, mais
difícil é reconhecê-las dè mòdo concreto; e, ao contrário, quan
to mais concretas e exteriores são; tanto mais fácil é de âpre-
ciá-las. Esta facilidade de reconhecer concretam ente as abs
trações do direito é, na prática, muito mais im portante que a
perfeição lógica do conteúdo do direito. Certas disposições
grosseiramente elaboradas, mas unidas a critérios exteriores, fá
ceis de reconhecer in concreto, avantajam -se, sob o ponto de
vista prático, às régras do direito livre de toda a critica sob o
aspecto do fundo e da fórm a, ainda que naquelas se haja des
cuidado* a realizabilidade form al. Com efeito, a im portância
desta qualidade não é somente a de sim plificar e, conseguinte-
mente, a de facilitar a aplicação do direito, senão também, a de
assegurar-lhe a realização uniforme. Quanto m ais exteriores
e salientes são os caracteres próprios para classificar, ha mais
probabilidade de cada ponto ser exatam ente classificado; ' aõ
contrário, quanto mais internos são estes caracteres, tanto mais.
aumenta o perigo do equívoco.
A facilidade de aplicação exerce sobre o desenvolvimento
lógico do direito um a influência determ inante e obriga frequen
temente às idéias jurídicas a abandonar um a parte de sua pu
reza primitiva para revestir uma fórm a que a torna de m aià
fácil manejo na prática. O que, por um lado, perdem , tornam
a ganhá-lo, cpm usura, por outro . P ara esclarecer êste ponto
tomaremos por exemplo, a capacidade pessoal civil e política
(maioridadé e direito elèitorãl) * Suponhamos que um legisr
lador queira ordená-las legalmente e que p arta desta idéia: seráN
m aior aquêle que tenha o discernimento e a firm eza de carater
necessários para tra ta r seus assuntos próprios; será eleitor e
elegível aquêle que tenha capacidade e. a vontade de contribuir
para o bem do Estado. Por muito justa que^seja tal idéia,
ñem por isso seria menos absurdo erigi-la em lei sob essa fôr
ma abstrata, porque se perderia tempo e m uito tràbalho pára
distinguir em cada caso concreto a existência destas condições.
Èsse legislador criaria um m ánancial inesgotável de controvér
sias e abriria vasto campo à arbitráriedade do juiz. A aplica
ção mais irrepreensível da lei não estaria ao abrigo das queixas
de parcialidade que provocaría.. Como evitar êste escolho?
Èm lugar desas^ condições, o legislador se deverá am parar em
outras que tem, com aquelas, certa conexão regular, ainda que
não necessária, porém que levam a vantágem de poder ser reco
nhecidas* concretamente, de mòdo muito mais fácil e mais se.-
v i * f Kävec '<^qinp|etädo 25r añóá papa á em ahè^àção, ñ
aposse de i m a fortuna, ,p exercício de eeftâs profissões; :etc¿,.. parar
,-a-çãpacidade eieiíoral. ÊSse d estip da idéia legislativa originá
ria e determ inada, essa troca de u m a hipótese evidentemente ñie-
lbór, sob a; relação abstrata, pôr outra menos conveniente e fiel,
põréip m ais fácil de reSonfreceE ñ a prática, são proporcionarmen-
te, o fim do direito pela facilidade ,e segurança desejáveis que
dad às suas funções. Póde suceder, na aplicação, que resultem
erros; qúe os direitos de m aioridade ou de elegibilidade sejam
negados òu concedidos em casos especiais em que o não seriam*,
segundo a idéia abstrata; mas, nem por isso, se deixaria de d a r
a preferência a este modo dé proceder, sob o ponto de vista das
necessidades da vida, que em direito, é o único ponto decisivo.
A idéia da realização form al do direito é,- das- noções ju rí
dicas^ a que m odifica ou dificulta frequentem ente séu livre de
senvolvimento. Este princípio obriga a sèparár-se do fundo
íntimo- dos conhecimentos, p a ra p rocurar nas distinções e n a s
idéias -interryas^ critérios exteriores, tão adequados quanto seja
possível; em suma, conduz a estabelecer a sintomàtica ou chave
de sintomas do direito. Como conseqüência déste princípio,,
além da m anifestação exterior das condições de que acabámos
de fa la r e de seus resultados (2?>, que m árcham juntam ente
com ela, devemos, ainda mais, citar as presunções , que po
dem ser destruidas pela prova em contrário ; as ficções, que não
adm item esta p ro v ad a s f órinas dos atos jurídicos (*242S*),- efc.
(27) V ., por exemplo, & exposição das reiações do poder do Direito romano, § 36.
(28) Confirmam as nossas idéias, com experiência prática, o curto bosquejo que,
da histeria do Direito, romane, faz G ib b o n , no capítulo 44, ainda que sem sabermos
até que ponto esse trabalho exercia sôbre nós uma atração infinitamente superior a
eutros muito maiores e publicados atá então pelos jurisconsultos, haviam produzido
sôbre o nosso espírito. G ib b o n foi o primeiro que ofereceu aos nossos olhos, um todo,
muito curioso, è certo, mas concordante e cheio de vida, enquanto que não encontramos
nos demais autores senão fragmentos dc regras, leis, etc.
50 RUDOLF VON J H*E R I N G
(29) Os eruditos sabem que a história do Direito romano, tal como a compreendem
muitos trabalhos modernos, vem a ser como um armazém cm que os objetos de maior
preço se guardam com o mêsmo cuidado que aqueles que não têm quasi nenhum vaíor.
O motivo que impele a maior parte dos historiadores a não observar esta lei, a pri_
melra e a mais natural da arte histórica, parece consistir cm que não trabalham com
inteira liberdade científica e querem escrever a história do direito, não pela própria
Mstória, senão com outro fim . A história do direito deve dar a chave da doutrina:,
cis ai o maléfico influxo que paira sobre cia. Ao lado do interesse histórico, que é
só o que se destaca nêsse terreno, intervem o interesse prático e dogmático, que lhe
é completamente alheio e «i própria história sucumbe sob o choque destes dois in
teresses. Do ponto que o historiador deveria omitir, como completamente insignifi
cante, se apodera o teórico como meio auxiliar exegético, e, como nada mais é do que
uma notícia histórica, leva-ó à história do direito. Si o direito romano não estivesse
em vigor na Alemanha, nossas histórias do direito poderiam servir únicamente o in
terèsse histórico e teriam m ais valor que atualmente, cm que muitos autores não as
consideram, no fundo, senão confio arsenais históricos das Pandectas. A utilidade prá
tica de uma parte, ou de um periodo qualquer da história, perturba a investigação
serena do ponto de vista histórico; o que não tem utilidade prática, convém melhor
aos trabalhos da história.
0 E S P ÍR IT O DO D IREITO ROMANO 53
(30) N io tensos necessidade de examinar aqui se êste processo póde ou não sc-
justificar, pelas razões metodológicas, do ponto de vista do ensino acadêmico. A.
literatura jurídica, porém, não está exclusivamente ao serviço déste ensino.
(31) Os periodos de IIroo, não são senão estações em que as diversas instituições,
vêm juntar-se e onde, quando tôdas chegam a reunir-se, tornam a separar-se, parar
seguir de novo, cada uma por sua vez, o seu desenvolvimento independente. Uma n ão
se preocupa com as outras, não tendo elas mais que um só ponto comum de contacto*,
que é o de se encontrarem na mesma estação. Algumas dessas instituições, certamente,,
desejariam encontrar antes o ponto de parada; outras, cuja marcha apenas principiára,.
prefeririam ir mais alem da estação; mas não, umas c outras devem chegar ao ponto
que H ugo lhes designou. O autor citado gaba as suas estações, pela utilidade que ofe
recem c, efetiva mente, elas tem a das paradas de correios, cujas distâncias são iguais.
A lém d is so , H ugo trata d c sed u z ir com a ob servação dc que “é u n ica m en te p a n t
fa c ilid a d e do le ito r (e u m pouco tam bem para p ô r em re lev o certos a co n tecim en to s)
o m o tiv o pelo q ual sc fazem a s s u b d iv isõ e s, q u alq u er que seja o seu n úm ero e a sua.
n a tu reza ” Ao que p arece, fu n d a -sc tam bém na id éia dc q ue as íòrças da pobre n a
tu reza h um an a, são in s u fic ie n te s para lh e p erm itir m arch ar ao lado da h istó ria , q ue
co n tin u a , in fa tig á v e l, o seu cu rso in in terru p to. T u d o d ep en d eria , segu nd o este p ro
cesso , do esforço do le ito r ; e, m esm o, quando h o u v e sse h esita çã o «m saber s i êle-
O E S P ÍR IT O DO D IREITO ROMANO 55
I
*
Homogêneidade do movimento histórico
(34) A linguagem tem, a este respeito, a maior analogia com o direito. A diver
sidade do caráter nacional e, igualmente, a causa de grande divergência na flexibilidade
da língua; citaremos, como exemplo, “a relação do dialeto dórico com as fôrmas antigas
as múltiplas transformações dos dialetos da raça jónica”
(3 5 ) Recordemos, neste assunto, as palavras célebres de T a c it o : Perdidissima
republica plurim a legis. Nos individuos, também, o excesso de bôas intenções denota
a debilidade dc carater.
60 RUDOLF VON JHERLNG
Plano da obra
ORIGENS DO DIREITO
ROM ANO
NOÇÕES ORI GI NÁRI AS
7. ■
— A condição prim itiva dos povos, os prim eiros rudi
mentos da formação do direito e do Estado, oferecem grande
interesse para a história da civilização. A sedução, que ambos
exercem sobre o historiador, apezar de todas as dificuldades da
empresa, assemelha-se ao interesse, que excita, no ânimo do psi
cólogo, o primeiro suspiro no organismo débil de um a criança.
O psicólogo como o historiador são atraídos pelo mêsmo
fim : — observar na obra o espírito criador do mundo e penetrar
no mistério daquilo que nasce.
A situação, porém, do historiador é muito m ais desvanta
jo sa. Enquanto o psicólogo tem constantemente ante os olhos
o espetáculo da alm a que desperta, o historiador, — como a ori
gem de todos os povos históricos se rem onta a um passado re
motíssimo — únicamente dispõe, p a ra representar a imágem da
queles tempos que não voltam mais, m ateriais enganosos e in
completos. Não é a longitude ou a brevidade do tempo, nem a
sucessão dos séculos ou m ilhares de anos, que facilitam ou difi
cultam a volta às origens históricas, a dificuldade provém da
m aior ou menor fidelidade e firmeza da tradição nacional, es-
sêncialmente diferente, segundo ó pensamento de cada povo.
P ara êstes, como p a ra o indivíduo, varia a tradição, principal
m ente em tudo o que se refere à sua infância.
Certos povos conservam fiel e intacta a recordação do passa
do; alguns, ao contrário, com ativa e constante fantasia, cobrem
o seu passado de brilhantes cores e transform am a história em
poesia; outros, tem ainda a sua atenção tão ocupada com as ne
cessidades práticas do presente, que a recordação das circuns
tancias do passado se desvanece rápidam ente.
74 R U D O L F VON J H E R I N G
(1) Huschke chega, em seu prefácio à Constituição de Servius Tullius, pags. VII
c segs, a uma outra conclusão. Segundo êle, “o povo romano possuia uma fórca de
compreensão bastante desenvolvida para associar ao conhecimento do presente à re
cordação dos tempos mais afastados de sua infância’; e foi, precisamente éste apêgo
io passado, que lhe valeu, simultaneamente, tantos elogios e tantas censuras.
(2) Especialmente por parte dos juriscousultos. V., p. ex., G ellius, 16, 10 §§
7-8. A linguagem influiu bastante nesse fato. “O tratado de comércio concluido com
Carthago, no primeiro ano da Republica, não poude, trés séculos e meio mais tarde,
no tempo de Polibio, ser lido senão com grande trabalho pelos romanos mais eruditos,
não se podendo decifrá-lo; os cantos sagrados não fôram nem mesmo compreendidos
em séculos posteriores, pelos sacerdotes” S chwegler , Hist, romana. I, pag. 566).
O E S P Í R I T O DO D I R E I T O R O M A N O 75
(4) E’ assombroso vêr como certos usos;' ritos simbólicos, etc., puderam conser
var-se muito tempo depois que perderam sua significação própria. Por exemplo:
está fora de dúvida que, mêsmo na atualidade, ainda existem entre nós certos usos
que se derivam do paganismo e cuja idéia fundamental originária nos leva à antiga
comunidade dos póvos indo-germânicos. V ., p. ex., a dissertação de Kuhn sobre
Wodan env H a u p t , Z eitscherift fúr deutsches Altherthum . (Revista de antiguidades ger
mánicas, tomo V, pag. 472).
O E S P Í R I T O DO D I R E I T O ROM ANO 77
(8) Tiro L ivio , L 32. Vi turnen, quo numi, Numa in pace religiones instituisset,
« se bell'-cac cerimoniae proderentur. m e genrentur solum, sed edam indicerentur bella
aliquo ritu, jtts ab antiqua gente ACqu icol is, quod nunc fetialcs kabent, descripsit, quo
res repetuntur.
Mas a lenda nào era unànime c Tito Livio contradiz-se, porque já tinha indicado
(1. 24) que os feciais se exercitavam em suas funções internacionais, sob Tullius Hostilius,
Cicero atribùi também a este último a introdução do direito internacional, enquanto
que Dionisio de Halicanasso atribui Numa Pompilius a fundação do colégio dos
feciais. Estas contradições da lenda só provam que o direito internacional surgiu
depois que os outros ramos do direito no desenvolvimento dã conciência jurídica dos
romanos. A forma mais intrinsecamente exata da lenda é, sem dúvida alguma, a
que seguiu Cícero. (V. Lance , na primeira edição desta obra, c nos N. Jahrb. für
Phil. il. Padag., tomo LXVII, pag. 38).
O E S P Í R I T O DO D I R E I T O R O M A N O 79
fano. Já por outros (101) foi demonstrado êste facto como digno
de m enção. Inclinamo-nos a vêr nisso a expressão do sentimen
to romano, para o qual o Estado ocupava o prim eiro lugar e a
religião somente o segundo.
Esta inversão da constante órdem de coisas, que a experiên
cia da história m ostra sempre como acontecendo de outra forma,
denuncia que há algum a coisa de artificioso na história da form a
ção do mundo real rom ano, ao qué se juritam outras considera
ções que trazem noy as provas em apoio desta asserção. As céle
bres investigações de N i e h b u r nos pouparão o trabalho de entrar
em detalhes, bastando-nos, por ora, indicar, de mòdo genérico, a
profunda inverosim ilhança que encerra a lenda rom ana.
Roma, sem dúvida afim de que o contraste de sua grándeza
ulterior aparecesse mais deslumbrante, rebaixou, tanto quanto
possível, o conceito de suas origens, assinalando a população
prim itiva como um a confusão de indivíduos sem laços comuns,
aos que designara com o nome de primeiros hom ens. Será isso
admissível? Cada um dêssès indivíduos que concorrem para
a formação de Roma, já não havia feito parte de outra comu
nidade organizada? Não levaria consigo certa bag&gem his
tórica, ou' é dado crêr que arrem essara p ara bem longe de si
os seus deuses, as idéias de direito e tèda a sua educação
moral, para se converter em um ente selvágem? E ntre êsses ban
didos e assassinos poderia form ar-se um direito em tão pouco
tempo? Bastaria, p a ra constitui-lo, somente a vontade de Ró-
m ulo? E, apezar dá composição heterogênea da população e
de seu desenfreiamento, como adquirir tão im ediatam ente a au
toridade e a influência de um direito patrim onial e hereditário?
H e g e l , que compreendeu admirávelmente a essência do espíri
to romano, longe de desprezar esta crença, funda, nessa prim i
tiva associação de bandidos, a legalidade rígida dos romanos.
E diz: “Essa origem do Estado levava consigo, como conse
qüência imediata, um a disciplina de ferro e o sentimento de sa
crifício em pról da comunidade. .Roma tem, desde a sua ori
gem, alguma coisa de artificial, de violento, de imprevisto, de
originalidade” (n ); a vida rom àna começa “ com um a ferocida
de selvágem, ignorando òs sen'timentos da m oralidade natural” -
Segundo êste sistema, o direito não seria um a coisa inerente ao
povo, mas sim, um a espécie de freio imposto a um anim al indò
mito e selvágem, do qual o Estado seria a jaula, donde èsse ani
m al sairia para arrazar, devastar, na vizinhança, tudo o que
(10) Por exemplo, H egel, Filosofia da história, pag. 361: “E* muito digno de
notar que a religião nasce depois do Estado, enquanto que nos outros povos as tra
dições religiosas aparecem desde os tempos mais atrazados e antes de qualquer espécie
de Instituição civil”
(11) Veja-se H egel , Filosofia da história, pags. 344, 346, 348 e 351.
0 E S P Í R I T O DO D I R E I T O RO M ANO 81
sumados, sem dever, ou, com mais exatidão, sem poder nem a a
menos investigar o germen do seu desenvolvimento. Certamente,
se não se pudésse responder, senão por vagas conjeturas, se não
existisse vestígio nenhum que indicasse o caminho percorrido
pela história, para subir do indivíduo e da família ao Estado*
poder-se-ia justificar o abandono desta questão. Mas se se ve
rificar tudo em contrário (e cremos que neste caso se acha o Di
reito rom ano), por que nãó oferecer à nossa justa curiosidade
um estudo semelhante? Por que não aproveitar a ocasjão de
conhecer as raízes da árvore que a casualidade deixou a desco
berto? Onde, pois, estaria a origem do direito do Estado se não
tivesse seu fundam ento no indivíduo e se a comunidade
de fam ília e de raça, que precede à segunda dessas entidades,,
não contivesse em si a fórca criadora do direito e do Estado?
P ara que, pois, fechar os olhos, se podemos achar a origem do
direito e do Estado nesta comunidade? E quando cheguemos a
um a época onde não seja possível reconhecer èsse vestígio pri
mitivo, por que não deduzir a conseqüência de que o Estado e
o direito atuais distam muito daquela origem longínqua? Em
nossa opinião, toda a história do direito deveria principiar p o r
aperceber-se dessa distância e ver se póde ainda reatar a cadeia
que une, por um lado, o direito e o Estado, tais como aparecem ,
pela prim eira vez, na história e, por outro lado, o indivíduo à
comunidade de indivíduos, proclam ando desde logo que não só
o Estado feito ou constituído póde interessá-la, senão que reco
nhece ter havido um tempo em que o Estado não existia.
A p a rtir desta idéia em preenderem os nosso trabalho. T ra
tando de saber, ao que se refere ao Estado e ao direito mais an
tigo de Roma, da distância que percorreram desde esse m omento
absoluto da história, o individuo ou a comunidade de indivíduos,
veremos de que modo as circunstâncias historicamente reconhe
cíveis conservam ainda os traços daquele ponto de partida. Ain
da que, ao fazê-lo, incorram os em êrros inevitáveis, é m ais certo
e mais instrutivo p artir da suposição de que a história começou
pelo infinitam ente pequeno, e tra tar em conseqüência de rela
cionar as prim eiras imágens que se descobrem com o mínimo
m oral, que nos contentar com o facto consumado do Estado e do
direito e exagerar o seu valôr jurídico sob a influência de uma
organização jurídica e política aperfeiçoada. Eis ai um a falta
que frequèntem ente se tem cometido com relação ao Direito ro
m ano antigo.
Ordenaremos os m ateriais que nos subministra a história
para o Direito romano mais antigo, conformemente a três pontos
de vista, ou princípios, procurando determ inar o contingente que
cada um déles levou ao edifício do mundo moral rom ano. Êstes
princípios são os que já mencionámos no parágrafo precedente.
O E S P Í R I T O DO D I R E I T O RO MANO 85
<Í2) Crèmos tanto mais necessário insistir nesta observação, quanto ao que se
lem deixado de vêr nas apreciações que se fizeram nesta obra; veja-se, por exemplo,
W alter , K ö m . Rechtsg., 3.« edição, I, § 18, nota 1.*.
CAPÍTULO I
(13) Do sánscrito hr. tomar, donde se deriva também AxeiQ (Lanci-:, loe c i t .ì .
Segundo este autor. Dominus se deriva de do (com ò sufixo minus, como cm feimina,
tcr-minus. Deduz da palavra potest as um novo argumento para fazer da noção de força
a origem da noção do direito.
(14) Festus V s Abemito significai dem ito nel auferto; emere enim antiqui dicebant
jr o accipere. Veja-se, também V.® Redemptores e P ott , loe. cit., tomo I, pag. 261.
A significação originária conservou-se nas palavras compostas, por exemplo, udimere
\ad-emere), tomar, levar comsigo.
(15) A rapino, entrava em a noção, do roubo e era um furtum manifestum.
0 E S P Í R I T O DO D I R E I T O RO MANO 80
Ñ eque en im qu i p o te s ta t in fu
rem sta tu e re n ecesse h a b e t a d v e rsu s
fu re m litig a re ; idcirco n e c a c tio e i a
v e te rib u s p ro d ita e s t .
L. 17, p. de furt (47. 2)
(34) Por exemplo, o antigo direito escandinavo (Wilda, loc. c it., pags. 101-165).
bio direito inglês (G u n d e r m a n n , Engl. Pnvatrecht (Direito privado inglês), I, pga. 372 >
e no direito russo (Krit Zeitsch, Revista critica, V. nota 33), etc.
(35) Conserva ainda, sem dúvida, certa importância; imagiue-sc, tpor exemplo.
A diferença do processo executivo com o processo ordinário, que se apôia nessa d is
tinção. O processo da troca lem também relação com cia.
93 R U D O L F VON J H E R I N G
(36) T ito L ivio , III, 48, menciona um caso semelhante: I, lictor, submove turbam
tt da viam domino ad prehendendum mancipium.
(37) Vejam-se, por exemplo. Dig., Liv. II, Tit. 5-8, e Gaio , IV, 192, sobre a
actio furti prohibiti: actio quadrupli ex prcctoris e d ic to ... lex autem eo nomine nullam
pienoni constituit.
(38) Por exemplo, na in jus vocalio (segundo os tèrmos da lei das XII Tábuas,
citadas por Gelio , XX, 1: ni it, antestator), 4<a antestatio serve para provar que é le
gitimainentc e não injuria, que se usa violencia” ; v. B ettmann H olweg , loe. c i/.,
pag. 106; o inésmo, a propósito do roubo. (V. os termos das leis das XII Tábuas,
que refere Cicero pro Tullio, § 48: endoplorato, isto é, como accrescncta C icero :
consumato ut ahqui audient' et convenient. Encontram-se disposições análogas no
direito antigo dos povos do Norte c dos germanos (po rcxemplo, von B ar, Bcweisur-
th e il... (A prova no processo germanico), 1866, pag. 98 nota 143 a; c o direito
russo antigo, E wers , Altruss. {Direito russo antigo), pegs. 147-149).
O E S P Í R I T O DO D I R E I T O ROM ANO 99
(39) Por haver perdido de vista o cara ter particular do antigo direito, de que
•nos vamos ocupar, muitos autores intentaram colocar, focosam ente, este caso sob
a noção da defesa privada.
100 R U D O L F VON J H E R I N G
(40) Desenvolvemos esta idéia em nosso escrito sobre o elemento da culpa no*
Direito romano privado. Giessen, 1867.
O E S P I R I T O DO D I R E I T O ROM A N O 101
(52) Querer evitar, por um artificio qualquer, os tèrmos in partes secare das lei»;
das XII tábuas, equivale a uma incapacidade absoluta para conbecer o espírito do
antigo direito.
(53) Outros autores (V por ex.. R e i n , Das K rim in alrech t... (O direito pened dos
romanos), pág. 284, e R o b in o > Untersuchungen... (Recordações sàbre a Constituição
•: a história de Roma), tomo I, pàg. 460) já indicaram que p a n a , assim como a pa
lavra grega , tem originàriamente a significação de resgate; dai certas expressões,
tais conio pcenas dare, solvere, pendere, peter e, exigiré, sumere, capere, que Indicam
tôdas a hipótese, não da aplicação de uma pena, mas do pagamento do ajustado.
(54) Outros autores chegam à mêsma conclusão. Por exemplo, K ö s t l in , Die
Lehre vom m arxl... (A teoria do homicidio e do homicida), páginas 29 e segs., reuniu
todos os casos das penas privadas do antigo direito, que chegaram até nós. Na li
teratura, já tão rica, sôbre a origem» da composição na vingança privada, que indica
G k ib , L ehrbuch... (Curso de direito penal alemão), tomo I, Tubingen, 1861, pág. 2,
é preciso acrescentar N ie. v o n T o r n a u w , Das mosl. Recht. . . (O direito mussulmano),
pág. 239.
0 E S P ÌR IT O do d ir e it o romano 105
(55) Procuraremos traçar, no segundo sistema, este mòdo de vêr dos romanos,
sua profunda influência sôbre o direito.
(56) T ito L iv io , VI, 20.
(57) Eis aqui uma conseqüência do principio da familia, de que falaremos
no § 17.
106 R U D O L F VON J H E R I N G
(58) Suponhamos, por exemplo, que fòsse pedido ao devedor, a quem houvesse
sido adjudicado como escravo, o dòbro do que valia; o dobro, por conseqüência, da
venda que estava obrigado a fazer trans Tiberini. Se o devedor era velho c débil,
sua venda devia produzir pouco. A lei das XII tábuas continha uma judiciosa dis
posição, que determinava e fixava, nos limites mais estreitos (CO dias), o tempo que
o credor podia reter o devedor em sua casa. Ao credor se lhe impedia também ex
tremar a seu devedor com prolongados tormentos e, por outro lado, o devedor era
obrigado a tomar uma resolução durante êsses 60 dias. Podia, durante èsse tempo,
procurar juntar um resgate equitativo; e, se o efedor, na expiração do prazo, re
cusasse reccbê-ío, era obrigado a verificar a venda, que podia representar uma soma
muito menor.
(59) No antigo direito escandinavo, intervinha oficialmente um árbitro eleito-
pelas duas parte.«, para determinar a importância do convênio (arbiter, no sentido-
romano primitivo). W ilda, S trafrecht... (Direito penal dos germanos), pág. 20.
(60) A ra iz sá n scr ita c pac (a ta r), da p alavra sá n scr ita paca (cord a) P ott, loe.
cit., tom o I, p á g . 267.
(61) Pactum e acordo, ou convênio, indicam, também, em sua origem, a mesma
idéia — a de acordar, pacem condere. Nunca se deve perder de vista, no Direito
romano, essa idéia originária de pactum, que supõe uma relação pública preexistente
e a desistência di um direito legitimo. Se nunca se a houvesse perdido de vista, mais
difícil de formular seria a falsa teoria da obligatio naturalis, resultante de um pactiwv
no Direito romano novo.
O E S P Í R I T O DO D I R E I T O R O M A N O 107
(62) Dispõe, expressamente, respeito a talião: Ni cum eo pacit, talio esto; e sa
bemos, no entanto, conhecer cm seus justos tèrmos que para o furtum , a lei das XII
tábuas mencionava o pacisci. L. 7, § 14, dc pact. (2. 14).
(63) Póde-se assinalar, no direito alemão, a mesma gradação do talião à re
paração do dano. Vcja-sc S trobbe, Zur Geschichte... (Sobre a história do direito
convencional alemão), pág. 37.
(6 4 ) G ei .l io , XX, 1.
108 R U D O L F VON J H B R I N G
(65) G a io , IV, § 48: non ipsam rem condemnat, sicut olim fieri solebat. A
idéia do pacto (pacisci) não ficava excluída pela fôrça judicial, porque tinha uma in
terpretação ampla. L. 6, § 3, de bis qui not. (3 2) : qui jussu prmtoris pretio dato
P ACTUS EST.
(66) O direito ingles seguiu o mesmo caminho: R ü t t m a n n , De engl, e iu ilp r...
<A ação civil inglêsa) .
(67) Dai a brevidade do prazo fixado para as ações penais: “ As grandes vaci-
lações não se podem conciliar com a vingânça, manifestação da conciência jurídica
individual. A vingança deve exercer-se no mêsmo instante” . D e m e l iu s , Unter
suchungen (Investigações sobre o Direito romano), I, pág. 23. Veja-se, para as dis-
X»osições análogas,- do direito dos povos do Norte, W il o a , loc. cit., pág. 165.
(68) Se o herdeiro do autor de um delito deve restituir o que por causa déste
levou ao seu patrimônio e o transmite, nisso não há mais do que uma conseqüência do
0 E S P Í R I T O DO D I R E I T O R OM ANO 10£
già também, nos tempos mais antigos, a força física, como qua
lidade daquêle que a exercia. No testemunho solene importa,
pouco ser digno de fé; assim, os interessados pódem apresentar
seus próprios parentes como testemunhas e, no direito novo, até
o testamento, por exemplo, é válido quando as testemunhas cha
madas são todas irm ãs do herdeiro instituido (77789) . Todas estas-
proposições não concordam com a idéia de que o valôr da tes
tem unha resida n o q u e sa b e, mas explicam,.segundo o nosso pon
to de vista, que a testemunha do direito antigo era obrigada ã
garantir o ato em que intervinha.
Confirma a hipótese, que acabamos de desenvolver, o te s -
ta m e n tu m in c o m itiis c a la tis. Não se está de acordo sobre a
questão de se, nesta espécie de testamento, o povo votava, ou
se não exercia mais que as funções de testem unha (7S) . Em apoio
desta última opinião, pódem citar-se as expressões te s ta r i, te s ta -
m e n tu m , etc. (70), supondo que estão baseadas sobre a noção do
testemunho ordinário; mas, ao nosso vêr, ié preciso intervir ò ar
gumento e dizer: te s tis , te s ta r e , etc., tiveram nos tempos anti
gos significação distinta, porque é impossível adm itir que todo
o povo romano h a ja desempenhado o papel de testem unha or
dinária, na confecção do testamento. Que necessidade havia
de chamar, como testemunha, todo o povo com o único“fim de
tornar certo e m anifesto um determinado facto? Em verdade,
não se explica que povo tão prático usasse de um processo tão
incômodo, tanto p a ra o público como p a ra o testador, somente
com o intuito de conseguir o que se poderia obter simplesmente
com o concurso de um pequeno número de testem unhas. (Como
os comícios só se reuniam duas vezes por ano, podiam ser cha
madas outras testemunhas, em caso de urgência, ou quando a ne-
(77) A exati ão do que acabamos de diggr, foi combatida em uma obra recente.
Se o nosso critico tivesse refletido na diferença que existe entre parentes (só nos
ocuparemos agora dêstes) e as pessoas submetidas à patria potestas, poderíamos dis
pensar todas as suas explicações.
(78) Os partidários da primeira opinião tornam-se, cada vez mais numerosos, e
recentemente obtiveram a importante autoridade de T h . M o m m s e n , Rom. Gesell., (His
tôria romana), t. I, pág. 156, 4.a edição, que designa muito exatamente èsse testa
mento como um privilégio da ordem legal de suceder. Parece que os adversários
desta opinião não compreenderam o péso das razões cm que se funda, c os que in
vocam, por sua vês ,a outra para justificar a sua, são tão superficiais corno débeis: o
último defensor que encontraram (L. L a n g e , Rom. Alterili., Antiguidades Romanas),
tomo I, 2 .a edição), não foi mais feliz. B e c k e r , Handbuch., (Manual de antiguidades
romanas), II, pág. 309, se contradiz, deixando de um lado o direito de decisão do-
povo e afirmando, por outro, que “se quiz por meio de publicidade prevenir qualquer
espécie de contenda que pudesse surgir depois da morte do testador, em vez de se
produzir na própria reunião do povo” . Logo aqui se reconhece implicitamente que,
no caso de uma semelhante querela, o povo pudésse recusar sua aprovação.
(79) Por exemplo, D e r n b u r g ( o velho), Beiträge, (Contribuições para a história
do testamento romano), pág:*. 16 e seg.
0 E S P Í R I T O DO D I R E I T O ROM A N O 113
cia que a força física exerce sobre o direito, torna verosímil que
os romanos também considerassem a extensão subjetiva mais
além da existência da pessoa, como um princípio inadmissível e
estranho ao direito subjetivo. Mas como a rigorosa conseqüên
cia do princípio da familia criava, sem. dúvida, a necessidade das
disposições de última vontade e im punha o testamento aos ro
manos, — segundo veremos no § 17 — era muito simples impe
dir os litígios, como motivo da validez de um ato de última von
tade, colocando éste ato sob a garantia do povo, isto é, ditando
uma lei para confirmá-lo. Como em qualquer outra deliberação,
fazia-se uma rogatio ao povo e êste, sendo chamado a votar, na
tural é que pudésse tanto recusar, como conceder esta confirma
ção. O testador obtinha, assim, a certeza da execução ulterior de
sua vontade, sem dúvida, não garantida somente porque as teste
munhas fossem numerosas, no ato tão importante em si, e tão
discutível em direito, como o testamento.
Ao testemunho in comitiis calatis sucedeu mais tarde o tes
tamento per aes et libram; isto é, revestido de fôrmas da m an-
cipação. Significa isto que já se houvesse abandonado a idéia
originária, de que o testamento devia ser garantido pelo povo?
Se as cinco testemunhas da mancipação são, como geralmente
se admite, os representantes das cinco classes censitárias do povo
romano, nêste caso, o testamento por emancipação permanece
fiel à essa idéia originária e sua eficácia reside na aprovação do
povo, por meio de seus representantes.
É evidente que èsse carater de representantes do povo, que
se atribúi às cinco testemunhas, adquire grande verossimilhança
na existência de um caso, no qual prova que ocupam o lugar
de todo o povo. A idéia de que as cinco testemunhas
representam o povo, leva-nos a deduzir que a mancipação (83)
é o meio mais fácil de dar aos atos jurídicos o cunho da garantia
pública. E’ provável que na antiguidade se tivesse o costume
de assegurar os atos mais im portantes éntre vivos, com a pró
pria proteção do povo, que se concedia aos testamentos; mas,
seja como fôr, o certo é que os direitos criados pela mancipatio,
fundem-se na autoridade do povo e podemos considerá-los como
públicamente garantidos (84) .
(83) Assinalámos mais acima, que o ncxum contém uma aplicação da emanci
pação nas relações obrigatórias, pelo que é inútil mencionar, aqui, de um mòdo especial.
(84) B e t h m a n n H o l l w e g , Der Civilprozes, (O processo civil do direito comum),
t. I, 18G4, pág». 157. Pronuncia-se igualmente pela opinião de que, por meio das cinco
testemunhas, que representam as cinco classes do povo, o âto em fórma de manci
pação se acha colocado sob a autoridade popular. Existe pouca difernça entre dizer,
como B b t h m a n n , a transferência da propriedade tem lugar sob a fé pública e se
funda no testemunho popular; ou dizer conosco, estava colocada sob a garantia d>
povo. Quem péde o testemunho do povo; procura um fim mais elevado que o que
hoje temos em vista, no chamamento de testemunhas. Desejamos que isto não se
perca nunca de vista, quando se critique a nossa opinião.
O E S P Í R I T O DO D I R E I T O R O M A N O 115
iuhecer uma dívida existente, senão até criar um a que não exis
tisse (9e) . A a c tio a u c to r ita tis é outra cousa duvidosa que se
quiz juntar á m a n u s in je c tio (9697) . Quem vendia e mancipava
urna re s m a n c ip i , respondia, em caso de evicção, pelo dobro do
préço da venda. A circunstância de que esta ação tendia ao
duplo (989) , a p r io r i , e não somente em conseqüência de um a ne
gativa, e que exigia como condição o pagamento e f e tiv o do pre
ço da venda, que devia ser provada, repudia, ao nosso vêr, toda
idéia de m a n u s in je c tio . Se se quizesse aplicar a m a n u s in je c tio
nêste caso, a im portância, já dupla, da condenação, devia dupli
car-se outra vez, cousa tão inverosímil como infundada. Muito
m ais certo setia ju n ta r a pena do dobro à idéia dos fu r tu m n ec
m a n ife s tu m ; efetivam ente, o devedor trata de subtrair ao coieh
prador o preço da venda.
A lei das XII tábuas autorizava também a m a n u s in je c tio ,
com relação a quem recusava dar curso ao in ju s v o c a tio , con
tra si dirigido. Seria esta a m a n u s in je c tio , no sentido acima
indicado? ( " ) . Nesta hipótese, o demandado deveria ser con
siderado como confesso, ou condenado, e não poderia intentar o
processo senão com o auxílio de um v in d e x , pelo mòdo já indi
cado. A m a n u s in je c tio demonstra, aqui, somente a aplicação
da força física? (10°) . Em favor da prim eira opinião, póde sus
tentar-se que era necessário com inar um a pena contra semelhan
te resistência (101) . Efetivam ente, se esta ficasse im pune, o de
m andado poderia sem pre tentar subtraír-se à in ju s v o c a tio e
im pedir, por isso mesmo, que se iniciasse um a ação. De resto,
causar-lhe-ia dano, vêr um consentimento tácito n a sua recusa
em que a pretensão subisse aos tribunais? (102) . Os adversá
rios desta opinião não pódem dirigir outra censura, que a de
não ter para ela testemunhos sérios. Demais, esta controvérsia
não tem nenhum interesse p a ra a extensão da justiça privada, no
antigo direito;- bastava que o demandante, também, nêste caso,
tivesse o direito de reco rrer à força.
(96) Isto c o que faz notas B e t h m a n n H ollw ege , loc. cit., pág. 157. E* sero
dúvida, bastante duvidoso para nós, que as partes pudéssem, por um convênio aces
sório, fixar o aprazamento legal do pagamento da divida e diminuir ou aumentar assim
o vencimento dos triginta dies ju sti.
(9 7 ) B e t h m a n n H o l w e g , loe. cit., p á g . 161.
(98) Isto é, p elo m en o s, o q u e a te sta P aulo , S . R ., II, 11, 3 .
(99) Veja-se, nêste sentido, P u c h t a , Curso de institutos, II, § 160.
(100») Veja-se K eller ^ Der Rom . C ivilpr. . . (O processo civil romano), 3 4 6 .
R u d o r f f , História, II, pág. 209. B e t h m a n n H o llw eg , loc. cit., pág. 106.
(101) Esta necessidade foi reconhecida pelo direito posterior. L. 2, § 1. St
quis in ju s voc. (2 . 5 ) : ex c a u sa ... m u lta ... damnabitur. Gaio , IV, 4 6 . A neces
sidade desta pena parece, do mesmo modo, ter sido prevista pelos defensores da opi
nião contrária. A s s í h l, por exemplo, R u d o r f f , loc. cit., fala da época antiga “ d e
cenas tão inúteis como tumultuosas” .
(102) V eja -se T i t o L iv io , III, 5 7 . Si adjudicem non est , p r o d a m n a t o in vincula
duci jubere. *
O E S P Í R I T O DO D I R E I T O RO MANO 121
(103) Veja-se, por exemplo, para o direito helénico :H e fft e r , Athen. Gerichtsverf. . .
íProcesso judicial), pág. 454; M e ie r e S g h ö m a n n , Atticher. Prozess. (Processo ático),
pág. 747; para ó direito germânico e o direito inglês: W ilda , Zeitschr. . . (Revista do
direito alemão), l, págs. 167 e segs.; R u t t m a n n ", Oer engt. C iv ilp r ... (O processo
civil inglês), págs. 10 e segs.; para o direito dinamarquês (em matéria de cargos
públicos): K. Maurer , Krit. Vierteljahrschr. . . (Revista crltca trim estral), 13, 372.
122 RUDOLF VON JHERING
(104) Veja-se, por exemplo, C ícero in V errem , III, 11, 27: publicanus petitor ac
RIGNERATUR.
(105) Assim se depreende, particularmente, da comparação do § 33: nula autem'
formula ad o o n d ic t io n is fictionem exprimitur.
(106) Este texto- foi recentemente comentado por D e g e n k o i .b , Die Lexe Hieronica*-
Berlim, 1861, págs. 52 e segs.
O E S P Í R I T O DO D I R E I T O R O M A N O 123
(108) Conseqüências mais amplas sobre éste assunto sairão do nosso estudo.
Veja-se R u d o r f f , loe. cit., II, pág 308 e o escrito recente da R iv ie r * X J n tersu ch u g en . . .
(Investigações sàbre a cautio prsedibus pr&diisque), Berlim, 1863. Mas éste último,
assim como T h. Mo m m s e n , Die stadtrech te... (O direito inunicipal das comunas
latinas áe Salpqnsa e Malaca), pág. 473, nos parece não acertaram com o verdadeiro
alcance da instituição, quando tomam a palavra praedes vendere no sentido literal, como
venda do mêsmo devedor e afastando-se da manus injectio ordinária, não deixam ao
devedor nem ao menos a possibilidade de defender-se.
(109) A raiz die significa em latim, como em sánscrito e em grêgo ôeíxvtòju.
assignalar, mostrar (por exemplo, dicis cansa, digitus, inlicare) ; dicere, dizer, é
mostrar verbalmente. Vindicare, derivado de vimdicare, tem, pois, o sentido de de-
O E SP ÍR IT O DO D IR EITO ROMANO 125
m o n str a rfo r ç a . Veja-se Porr, voi. I, pág. 266, e Ot f . M üller, Rhein. Mus. . .
(Museu romano para a jurisprudência), to m o V, p á g s. 196 e se g s .
(1 1 0 ) T ito L ivio , III, 48: I, lictor, submove turbam et da viam domino ad prehen-
dendum mancipiiim. Be t h m a n n H ollweg , loe. cit.t p ágin a 191.
126 RUDOLF VON JHBRING
D e c is ã o d o s litíg io s p or m e io d e c o n t r a t o s . — J u r a m e n to e a r b it r a
g e m . — A q u ie sc ê n c ia à d e c is ã o d o ju iz (litis con ten tan o)
(111) L. 1, § 2. Quod met. caus. (//. 2). O próprio pagamento extorquido por
uma dívida realmente fundada, não era considerado como uma perda sofrida c era
preciso esta última para dar lugar à ação.
O E SP ÍR IT O DO D IR E IT O ROMANO 127
(1 1 2 ) A Id eisi, d e q u e o d em a n d a n te in s titu ía o s c u a d v e r s á r io e m j u iz o , d c f e -
r in d o - l h e o ju r a m e n to , e s tá e x p r e s s a n o s t e x t o s l e g a i s . L . 1 , pr, Quar. rer. (4 1 , 5 ) .
Jusjurandum vicem rei judical ee obtinet, non im m erito, cum if s e q u is j u d ic e m
a pv e h sar iu m su u M p e cau sa su a FiiCEJUT deferendnm ei jusjurandnmi. L . 28, § 2, de iud.
(5 . 1 ). Q u i n t i l . , I, O ., V ., 6 , § 4 , liiis adversarium judicem facit.
(113) T it o L iv io , III, 57, si ad judicem non eat , pro d am n a to in vincula duct
jubere. L. 4 8 , de jure ju r. (12. 2). Manifestar turpituctinis et g o n f e s s io n is . est nolle
nec jurare nec jusjurandum re ferre.
(1 1 4 ) S e g u n d o a l e i d a s X II t á b u a s : Si in jn s vocat, ni it, antestator ; igitur em
■capito; sì calvitur pedemvc struit, manum endo jacito.
(1 1 5 ) O . E . H artem An n , Der Ordo judiciorum , I, p á g c . 105 e s e g s ..
128 RUDO LF YON J H BRING
(116) Os argumentos que se seguem e que tomámos aqui sem modificações, da pri
meira edição, tem por fim único a reconstrução hipotética da época primitiva e das
idéias que nela dominavam. Assinalãmo-las por causa' das objeções que contra sf
fizeram. Quanto à época histórica, o Im perium do rei, ou do magistrado, revestido
da ja r isd ic tio se separava muito da condição que assinalámos ao juiz, para que se
possa colocá-los na mesma linha. O mandato do Pretor, no processo reivindicatório,
m ittite am bo hom inem , indica claramente que scu poder não tinha por limites a von
tade das partes e que não estava sob a dependência delas, e sim acim a delas.
O E S P ÍR IT O DO D IR E IT O ROMANO 129
(117) Neminem, diz Cícero, Pro Chientio, c. 43, voluerunt majores nostri non
modo de existimatione conjosquam, sed ne pecuniaria qnidem de re minima esse
diccm nisi qui infer adversarios co n ven issi.
130 R U D O LF VON JHERING
(118) Ambos tôm a mesma história. Assim como o Estado toma as funções de
árbitro, sem mudar, em sua origem, o caratcr essencial, o mesmo sucede com os juris
consultos derensores. Ao lado do juiz c dos defensores públicos, mantctn-sc cm ati
vidade os árbitros c. defensores não investidos dos jus respondendi; estes subsistem,
por muito tempo, sein sofrer revogação por parte do Estado. A revogação faz-se,
finalmente, c os juizes, do mesmo modo que os defensores oficiais, pronunciam, então,
em nome do Estado, sentenças legalmente obrigatórias para as parles litigantes.
(119) Voltaremos a falar sobre o sucramenlum, quando tratarmos do principio
religioso.
(120) V a i .jírio M a x im o , livr. II, c. 8, § ensina-nos que houve sobre isto o l i
tígio entre um Cônsul e um Pretor, para aber qual dos dois podia prcvalcccr-se dc
uma vitória naval, e a qual dos dois sc devia, conseguintcmente, conceder as honras
do triunfo. Sòincnte cm lugar da antiga fórma de soera mentimi se aplicou a mais
recente fórma da sponsio. Valerius sponsione Lutatium provocava: “m suo duciti
Punica classis esset oppressa** Xec dubilavit restipulari Lutatius. ¡loque judex inter
eos conventi Altilins ('.aliati iste último formula sua decisão nêstcs termos:
secundum tk i .it k m d o .
O ESPÍR ITO DO D IR E IT O ROMANO 131
Observação preliminar
I. O PRINCÍPIO DA FAMÍLIA
Reunião das gentes. — A Gens é um a fam ília em ponto grande
e um Estado em ponto pequeno. — £u a influência sobre o con
junto de direito
potest. Mas, segundo a relação que procuramos estabelecer, entre está ação e a orga
nização antiga da gentilidade, essa suposta singularidade viria a desaparecer, porque a
gens não estava regularmente autorizada a intentar uma ação em favôr de um de seus
membros sem defesa, senão que era obrigada a dispensar-lhes todos os cuidados. A
ação intentada c, antes de tudo, um direito e um dever para a própria gens e só indi-
rctamente aproveitava ao interessado.
(128) S erv. ad V irg., Eclog., IV, 43. ln legibtis Numa: coutum est, ut si quis im-
prudcns excidisset hominem pro capite occisi agnatis (em vez de et natis, como diz o
texto original, segundo a feliz conjetura de H u s c h k e ) ejiu in condone offerret arielem.
(129) F est u s , Subigere arietem in eodem libro Antistius esse ait dare arietem qui
prò se agalur ceedatur. Sem dúvida, não se está de acórdo sobre o destino da vitima,
V. R e i n , das R. K rim in a l... (O Direito Criminal romano), pág. 403. A opinião aquí
aceita é a de Ed. P latn er . Queest. de jure crim in. pág. 37. O carneiro aparece
¿linda em outro lugar, representando o culpado, v . por exemplo Arnob adv. gent,
V, c. 21.
O E S P ÍR IT O DO D IR E IT O ROM ANO 141
(136) Como o diretto dos povos orientais, por exemplo. Entro os próprios saxòes,
o matrimônio entre pessoas dc condição distinta era proibido, sob pena de morte. Veja-sc
W a it / , Deutsch Ycrf. . . (História da constituição alen»ã)t tomo I, pág. 81, not;» 2.
O ES P ÍR IT O DO DIREITO ROMANO 147
(14 0 Timbraríamos, por exemplo, a disposição da lei das XII tábuas sòbre at
Ü c ' s o b r e as servidões, etc.
O E S P ÍR IT O DO D IR E IT O RO M A N O 14»
(146) O Direito romano concede essas ações populares a qualquer cidadão, para¡
que as exerça contra quem produz transformações contrárias à policia, ás praças pú
blicas, aos caminhos, às aguas, etc., contra quem pendura fora de sua janela, ou de
seu telhado, couscs que ameaçam cair c possam obstruir o transito.
(147) 12 não à gens, ccmo pcssòa jurídica; é uma abstração que a inteligência
jurídica não póde conceber senão cm certo gráu de desenvolvimento, c que não po
demos, por conseguinte, atribuir à época da infância do direito. Veja-se voi. III.
notas 468 c 480 (edição alem ã).
(148) A propriedade comum, indivisível, de tôdos os membros Uc uma corporação,
conccbcu-sc mais tarde como propriedade exclusiva de uma só pessoa jurídica.
Talvez chegue o tempo em que se considere dc outro mòdo, c cm que se trate de
reconstruir, juridicamente, èsse principio antural, abandonando a ficção. Ainda que
o ensaio se consiga para o direito alemão, não perderia sua influência no direito ro
mano. (feste ensaio foi feito por nós, III, ediç. alemã).
(149) Pódc-sc aplicar aqui a disposição da lei 12, de rcb. uni. jud. (42-5) :
aliquid ex rodine fácil etideo celcris quoque prodcsl
O E S P Í R I T O DO D IR E IT O RO M A N O 151
(150) Uma categoria especial, c muito descurada até aqui, destas ações, são as
ações populares, que serviam para vir em socorro das pessoas que tinham necessidade
dc proteção; por exemplo, os impúberes sob tutela ( postu latio su sp ccti tutoris, L. 1,
§ 6, de susp. hi/., 2C-10), os menores (ju d iciu m legis Plaetoriae, III, 118) e outro. III,
111 e seguintes.
(151) G aius, IV, 8 2 . . . a lteriu s nom ine agere non licebat n isi pho p o p u lo . L. 1,
de pop. act. (47-23) p o pu lärem actionem , quee säum ju s p o p u li (-o?) iuetu r. L . 8,
§ 3, d c O . N . iV. ( 3 9 - 1 ) . . . alieno ju re contendo, non m eo.
(152) Já falámos acima, da cessação absoluta do direito dc dispor pela cura
prodigi. R u d o r f f , S c h r ife n ... ( E scritos dos agrim ensores rom anos ) , pág. 303, admite
que nos tempos antigos os lotes imóveis rumúlicos originários, consistiam em bens
próprios, isto é, inalienáveis; os motivos que êlc alega são muito fracos; trataremos
déste ponto, no prefácio do voi. III.
152 RUDOLF VON JHERING
(154) Dai, também, a distinção linguistica rigorosa entre os tios c as tias carnais,
tios è tias paternas e maternas (pa trims, amila-avuncnliis, m atertera).
U>4 RUDOLF VON JHBRING
(1 5 7 ) R o b in o , lo c . c i t . , p à g . 47 8 c s e g u in te s , v ê na p r o v o c a tio um f r a c o v e s t i g io
da j u s t i ç o p o p u la r , u s a d a n o s t e m p o s p r i m i t i v o s c o n tr a o s i n i m i g o s i n te r n o s d a s o c ie
dade p o l it ic a ; m as isto é um êrro.
158 RUDOLF VON J H E R I NG
(158) N êste p on to de v is ta , trata tam bém C ícero, p ro Caccimi, c . 33, 34, d a deca
d ên cia do d ire ito de c id a d a n ia .
O ESPÍRITO DO DIREITO ROMANO 159
povo, são r o g a ti. Dai a palavra a rro g a tio que, seja dito de passágem, é uma nova prova
em favôr da opinião (veja-se loe. c it.) de que o povo votava, originàriamente, nestes
atos. R o b in o , l. c ., pág. 255, reconheceu antes que nós a similbança da r o g a ti e do»
sufrágio do povo com a estipulação, mas em uma ordem distinta de idéias, das que
aqui tratámos.
(161) P apin zano , L . 1, d e le g . (1-3).
(162) Por exemplo, v e n d e r e , d a re hac lege, le x c o m m is s o r ia , leg es r e r u m ven a !tu m
o e n d e n d a r u m , etc.
(163) E* a celebre disposição da lei das XII Tábuas: p r iv i le g ia ne ir ro g a n to .
(164) Não importa que haja votado pró ou contra a lei, ou que não haja tomado
nenhuma parte no voto. Se se conserva no Estado, depois desta lei, é que a reconhecia
como obrigatória também para êle‘.
(165) Da raiz sánscrita j a , ligar, de que se derivam, também, jiig u m , ju m e n tu m .
¿un gere e uma série de palavras de outras línguas. Veja-se, para maior esclarecimento*
P o t t , l. c., pág. 213. Por esta raiz Porr explica, também, a extranha coincidência das
duas significações de j u s : d ir e ito e ju g o . O dialeto lético tem, segundo Porr, a paiavra
0 ESPÍRITO DO DIREITO ROMANO 161
(166) O tribuna] dos ccntúnviros não se instituiu para fazer valer os direitos
públicamente garantidos? Kesse caso, a proteção prometida dirétamente pelo povo on
pelos seus representantes, se efetuaria pór uma deputação do povo. Todas as causas
que Cícero, na celebre passagem — de oratore, I, c 38 — assinála à jurisdição désse
tribunal, pertencem à categoria de direitos garantidos publicamente: os jura gentili-
■tatum, agnationum, fundam-se na união públicamente reconhecida da gens e sôré o
matrimônio romano originário com manus, isto é, contraído por confarreatio, coemptio
ou usus; os jura testamentorum e tutelorum são fundados na lex e no testamento
público; os jura numcipaiionum, nexorum, parietum, luminum, etc., na fórma da
niancipação e na in jure cessio; quanto à usucapió, esta não se considera como um áto
jurídico. Viu-se que o Estado aparece na jurisdição centuviral com uma relação mais
estreita em face do individúo, de que na jurisdição do judex privatus, mas se deu corno
motivo (Puchta, Cursus. . . Curso de Instituição, tomo II, § 153) que o Estado, nêste
caso, provê seu pròprio interesse. Tal explicação está em contradição com o próprio
fim da administração da justiça, porque, ao nosso vêr, é muito natural que o Estado,
ou o povo, se encarreguem por si mesmos de proteger juridicamente as relações que
estão expressamente colocadas sob sua garantia, c que não as mandem às mãos do
judex privatus, a menos que c não faça contra a vontade daquêle que tem o direito.
Ô feSÍPíRÍtO DÒ DÍREITO ROMANÓ Ì65
(173) Isto está expresso na fórmula da declaração de guerra, que não era so
mente dirigida ao povo, senão a cada indivíduo. Veja-se Gellius, XVI, 4: Populo
Ilermundulo hòminibusque IJermundulis bellum indico focioque.
no RUDOLF VON J HERI NG
(174) Não podemos deixar de fazer notar as provas que nos subministra a lingua
latina. São interpies, o mediador e o tradutor, que não é, em sua origem, senão o nosso
comissionistn. A palavra se deriva de inter e da x*aiz da palavra pretium, designa,
pois, o homem que estabelece negócio entre dois outros. Esse negociante foi o pri
meiro intérprete e mediador; mais tarde, o sentido da palavra foi limitado a esta pro
priedade, que é a que desperta mais atenção.
(175) W alter, H. H. G (História (to Direito Romano), 3.a edição, I, § 82. Essi
relação e a clientela foi*am tratadas por Tu. Mo m m se n , em seu trabalho sobre a hos
pitalidade e sôbrc a clientela romanas. Veja-se V on S ybel , Hist. Z eitsch ... (Revista
Histórica), tomo I, 2.a edição, páginas 319 e seguintes, obra da qual nos serviremos
para nossas citações ulteriores. >
(176) G e lli u s , V, 13, § 5.°. .In officiis a pud majores ita observatum est: prima
mieter, deinde h o s p i t i , deinde clienti, turn cognato, postea affini.
O ESPIRITO DO DIREITO ROMANO 171
(182) D io n isio , II, 10. Serváis ad Virg., VI, 609: patronus si clienti fraudem
fecerit, sacer este. Fraudem facere, que traduzimos literalmente por enganar, tinha,
certamente, o - sentido genérico — de faltar aos seus deveres. O direito grêgo reprovou,
igualmente, (¿jtáoaTOvl 0 direito de aumentar a medida convencional ou tradicional dos
deveres dos ilotos. S chwegi.hr, Rom. G. (História romana), I, pág. 641.
(183) Gelliu s , V, c . 1 3 .. P a tr em primiim, deinde p atron um proximum nomen
h ab ere ... ñeque clientes sine summa infamia deseri possunt.
(184) Também patronus significa, mais tarde, procurador.
(185) A deditio existia, também, nas relações internacionais; o povo tinha que
entregar o culpado, ou se faria réu de sua causa. Veja-se, especialmente, a fórmula
de T ito Livio I, 32: ilios homines illasqiie res dedicr. T ito L ivio, V, 36: postulatum ut
pro jure gentium violato Fabii dederentur.
(186) Por exemplo, quando quería dotar uma filha, resgatar-se ou resgatar pes-
174 RUDOLF VON JHERI NG
Estado, o que não nos deve impedir, como até aqui temos feito,
de estudar as idéias e as considerações que lhes deram origem.
Examinemos, antes de tudo, a divisão do povo, que, à pri
m eira vista, denota algum a cousa de artificial. As dez curias
das tribus e as dez gentes das cúrias, não são o resultado de um
desenvolvimento orgânico; foram instituidas de um mòdo volun
tario e com um fim especial. Qual era éste fim ? Examinemos
onde se manifesta, desde logo e de mòdo imediato, a necessida
de dessa classificação, e a acharemos, sem dúvida alguma, no
exército. A prim eira ordem m aterial, introduzida pelo Estado,
foi a órdem de batalha, que precisou essa divisão do povo, regu
lada de antemão (2<>0) , sem que nos deva induzir em êrro a cir
cunstância de que essa divisão se relacione, também, com a re
ligião e a política. A constituição m ilitar é a que determ ina as
fôrm as fundam entais do Estado, e os interesses religiosos e po
líticos vêm adaptar-se, em seguida, a esta órdem assim estabe
lecida; eis aí o ponto característico de toda a constituição rom a
n a . As seguintes considerações, expressarão m elhor a nossa
idéia. O povo é um exército (20201); q exército inteiro tem o seu
culto e suas funções políticas, como cada uma de suas divisões.
A cúria é uma associação política que tem im portância religio
sa e m ilitar, um a unidade religiosa que exerce, ao mêsmo tempo
funções políticas e m ilitares; é um a divisão perm anente do exér
cito e, como povo e exército são cousas equivalentes, constituem,
portanto, um a divisão do povo.
A gens, também, é um a divisão do exército, mas não uma
divisão artificial; só há nela de artificial o número das gentes.
Como não se podia deixar a conservação dêsse número ao even-
tualism o da propagação natural, mas necessitando-se, ao con
trário, substituí-la por outra gens, toda a gens que por morte, ou
por qualquer outro acontecimento, vinha a desaparecer, a arte,
se assim nos podemos expressar, tinha que intervir nessa m até
ria, que, de resto, é do domínio da natureza.
A órdem de batalha é, pois, a órdem prim itiva; mas para
que pòssa prestar serviços, em tempo de guerra, é preciso que
seja conservada durante a paz. O povo, voltando aos seus lares
depois da guerra, conservava sua divisão guerreira e perm ane
cia arm ado; a paz mostra-nos o povo como um exército em des
canso, a guerra faz-nos ver o e exército como um povo discipli
nado e ativo (202) . As assembléias do povo não são mais que
(207) Isto resulta ainda da fórma militar que caractcrisava os comicios por
centúrias: nestes o povo aparece, segundo a idéia dos centuria, como um exército em
armas, formado por centúrias com as suas bandeiras e centuriões à frente. Assim,
a convocação dos comicios por centúrias se expressa por exercitum imperare (c para
distingui-lo do exército de guerra, exercitum urbanum imperare) ; o licenciamento se
expressa por exercitum remitiere. H uschkií , V e rf... (Constituição de Serv. Tuli.),
pág. 414.
(208) Veja-se,exemplo, T ito L ivio , V, 52: Comitia curiata, quee rem mili-
tarem continent.
(209) Cíe., de leg. a gi., II, 12: Constili, si legem curiatam non habet, attingere
rem militarem non licet.
O ESlPiRITÖ DO D IR E IT O ROMANO 163
(210) G e l m u s , XV, 2 7 :... quia exercitum extra urbem imperari oporteat, intra
urbem imperari jus non sii, proptcrea centuriata in cam po Martio haberi. T it o
L iv io , 39, 1 5 : cum vexillo in arce posito comitiorum causa exercitus eductus esset.
(211) Tcm-sc querido ver a origem do poder real num sacerdócio, fazcndo-lhc
provir de rex, de péS-eiv? sacrificar.
184 RUDOLF VON JHERING
(212) Serv. ad Virg., III, 80. Majorum haec erat consuetiido, ut rex esset etxam
sacerdos et pontifex. Igualmente aconteceu no círculo mais limitado das cúrias e
das gentes com seus chefes, os curiões e decuriões. Toda a organisação do Estado
antigo descansa sobre esta imitação.
(213) A etimologia desta palavra não foi ainda descoberta. Tem-se ideiado a
de parere (obedecer), par (igual); mais na dialética osca se acha a frase embraíur por
Imperator, que dá uma etimologia mais provável.
0 ESPÍRITO DO DIREITO ROMANO 1&5
(215) A célebre história dos Horacios demonstra que o rei julgava o p e r d u e llis ,
c que igualmente Bruto julgou, como revestido do I m p e r iu m , aos conjurados que que
riam entregar a cidade a Tarquinio. Não ha húvida que existiu o p e r d u e llio nêste
último caso, c não se pódc imaginar, como R od in o, pág. 4CG c seg., que as expressões
p r o d ito r e s , p r o d itio , etc., empregadas aqui e em outras partes, obriguem a admitir que
exista um crime especial com o nome de p r o d itio e diferente de p e r d u e ll io . Mas
ainda admitinto este crime, seria da competência do rei.
(216) P e r d u e llis (de pa ra , m u ito, e d u e llu m , d ep ois de b e liu m ) . F iìstu s, su b
voce: h o s tis a p u l a n tiq u o s p e re g rin a s d ic e b a tu r et q u i nunc h ostis p e r d u e llis .
(217) L. 11, ad. L. J u l. Mag. (48.4); P e r d u e llio n is reu s h o stim a n im o a d v e r s a s
rem p u b lic a m itei p r in c ip e m a n im a tu s . T ito L ivio, iV 15: Vim para tem , ne ju d ic io se
v o m m itte n t, v i c o ercitu m esse; nec. mm eo tra n q u a m cum c.ivb agendum f v is s e . Id.
II, § 45: E d ic u n t i n d e . . . s i q u is in ju ssu p u g n a v e r it, u t in . iiostkm a n im a d v e r s u r o s .
D ’a h i o clan gor das trom betas na execu ção da sen ten ça de m orte. S en eca , d e ira , I,
c. 15: c o n vo ca n d o c la ssico con cio.
(218) Não era de nenhum modo, recurso a uma instância superior, mais sim
um meio de nulidade no caso de incompetência. Eis ai porque a p ro vo c a tio não podia
ser admitida nos delitos militares; neles a competência do rei estava fóra de dúvida,
c a este caso é a que se devem referir os textos que negam a admissibilidade da
p r o v o c a tio , durante a monarquia. Nos delitos comuns, ao contrário, os tribunais do
povo eram competentes e, se apesar disso, o rei os decretava, o condenado podia re
clamar a jurisdição competente; a isto é a que relacionamos os textos que atestan') a
p r o v o c a tio n e m e tie m a reg ib u s f u is s e . No célebre caso de Horacio (T ito L iv io , I,
25, 26), a concessão da p ro vo c a tio foi um determinado favor, porque Horacio, como
soldado, matou a sua irmã no momento ein que entrava em Roma com o exército v i
torioso. Eis porque- esta p ro vo c a tio foi tão espantosa e porque o pai de Fabius (T ito
L iv io . Vili, 35) invocou-a comò um precedente, quando quiz igualmente a concessão
da p r o v o c a tio para um delito militar.
O ESPÍRITO DO DIREITO ROMANO 187
casa romana, que se estendia sobre Roma inteira.. . O rei tem, na comunidade, o
mêsmo poder que o pai de familia na sua casa, e como este, reina durante sua vidi:
inteira— êle, como o pai, tem o direito de castigar, segundo a jurisdição.
<221) Macrobb, Sat., I, 6, in fin e , princips Corneiiae gentis. S u e t o x io , Tib.,
J. Atta C la u dio gentis principe.
O ESPÍRITO DO DIREITO ROMANO 189
moral, mas produz um estado nascido pela força de subordinação” . Veja-se, sôbre
tudo, a pág. 350, onde o autor observa especialmente que a plebe, em suas agitações
contra a órdem, foi a miude pacificada pelo seu just« respeito à s fôrmas.
CAPÍTULO I I I
(228) Graças a esta segurança cie que gosava a propriedade da Igreja, se depo
sitavam, voluntariamente, nos templos, cousas preciosas e importantes (sacro commen-
datum. Cie., de leg. II, IP). Além disto, as res leigiosee, sacrce, privadas de sua
consagração, podiam converter-se cm profanes. B ôck íng , Pandectas, I, § 69, nota 9.*,
(2.a edição alemã).
(229) Em Macrobio, Sat., Ill, 12: V arrò... testatus,majores sotitos de cirnam
Herculi movere. 1, V arrão de !.. L. VI, 51. Hercali decuma. Fcstus: Decima qiueque
veteres diis suis offerebant. O mesmo acontecia entre os pclasgos, segundo o testemunho
de Varrão, citado por Macrobio, Sat. I, c. 7: decima preedoe secundum responsum
Apollini conseciata.
(230) Macrobio, III, 6. (Dizimo do comércio). T ito L ivio , V, 21 (Dizimo da
presa de guerra).
(231) Por exemplo, a do homo sacer (Veja-se mais adiante). Segundo I sidoro
Orig. VI, 29 (Veja-se nota 250) e Serv. ad Aen. I, 632: Sacrificia de bonis damna -
torum , a herança do réu executado estava consagrada â suplicatio dos deuses. De
bonis execrandorum , acrescenta S ervius , sacrcee res fiebant.
(232) Veja-se, a éste respeito, D a n z , Des sakrale S c h u t z . . . (A proteção do culto),
T>ágs. 98 c s. distinguem-se as hostioe majores e minores. A pecunia publica, por
meio da qual o pai de Horácio devia reparar o crime de seu filho (T ito L ivio , L, 26),
teve que ser empregada cm compras de gado para os sacrificios. Não era extraordi
nário, além disso, que se fizessem dádivas aos deuses com a importância das multas.
Veja-se, por exemplo, T ito L ivio , X, 23, 33.
196 RUDOLF YON JHBRING
(255) Sobre êste p onto, p ode servir-n os de gu ia a h istó ria leg en d á ria do salto
d a s muralhas da cid a d e, que R f. mo praticou e da m orte que lhe d eu Rómulo , com o
castigo de sua a çã o .
(256) Vcjam-se as origens, em D yonisio dií A mcarnaso , II, 10-74. Serv ad Aen.
VI, 609. Festus, sub termino plorare.
(257) Festus: Sacrata leges sunt, quibus sanctum e st: qui quid adversus eos
fecerit, sacer alicui deorum sit cum familia pecuniaque.
O ESPIRITO DO DIREITO ROMANO 203
Roma, pela mão de seu irmão, não foi para m acular o herói que
fundara Roma, mas, ao contrário, para glorificá-lo, em virtude
de não haver poupado, nem mesmo o seu próprio irmão, ao tra
tar-se de salvaguardar a órdem divina. R ó m u l o , que mata* seu
irmão, póde comparar-se a B r u t o , que leva seus filhos á morte;
assim o direito passa por cima do amor de um irmão e de um
pai. Segundo opinião oposta, R ó m u l o foi assassino, porque an
tes de m atar seu irmão, deveria fazê-lo declarar homo sacer.
O desterro apresenta, também analogia com a situação do
homo sacer. Mas ainda que constituísse um m al muito grave,
não era uma penaldade (273) ; era o meio de afastar-se dela,
meio que os romanos, como é sabido, deixaram ao acusado até
a sua condenação.
Para o Estado livrar-se de qualquer responsabilidade peran
te os deuses, carecia dar, pelo seu lado, ou publicar um decreto,
pelo qual repudiasse de sua comunhão o delinquente. Era o
aqudt et ignis interdictio.
Não era absolutamente um desterro político, mas tinha um
carater religioso e denunciava zelo pelo bem da sociedade, pur-
gando-a dos elementos impuros. Com efeito, a água e o fogo
(274275), símbolos da pureza, não podiam faltar em nenhum dos
atos efetuados por um a associação religiosa; por exemplo, nos
sacrifícios que unem Deus aos homens , na celebração do m a
trimônio, nas alianças, etc. (-7r>) Não é simplesmente como
elementos indispensáveis à vida, segundo se diz hábitualm ente,
que a pátria os recusa ao criminoso fugitivo; ao tirar-lhe êsses
símbolos de um a comunhão sem mácula, que poderia profanar,
desagrega-o da comunidade.
Antes de expor a influência das sacra sobre o direito
penal, devemos recordar que a religião inúm eras vezes, ameni
zou o rigor das penas. Os deuses de Roma vingavam com uma
das mãos as injúrias que lhes eram feitas, m as estendiam a ou
tra para proteger os perseguidos e indefesos. Havia lugares
e templos sagrados em que a perseguição e a pena ficavam sus
pensas. Ante a cólera do chefe da fam ília, seus subordinados
refugiavamse no altar doméstico; ante a vingança do lesado, o
culpado abrigava-se no templo, ou num asilo. A idéia do asilo
ligava-se á da prígem de Roma, e ainda que o asilo fòsse um
(273) Cic., pro Caec. c. 34. Exilium enim non supplicium est, sed pertugium
portusque su p p lica . Nam qui volant pwnarn sublerfugerc ant. aliquam calamitatem,
eo solum vertunt. etc.
(274) Assim sc explica a correlação de . e fogo coin purus, puro exfir,
meio dc purificação (F est u s , h. v .), februare, purificar.
(275) Veja-se H a r tu n g , R eligion ... (Religião dos rom anos), primeira parte, pág.
.Sí*8 e s . P e lle g r in o , Andeutung (Tratado sobre a diferencia originária da religião
entre os patrícios e plebeus), pág. 27 c seguintes. Scrv. ad Virg. Aen. IV, 103; a q u a ct
igne adhibitis, e XII, 110; Sane ad facienda faedera aqua et ignis adhibentur.
F e s tu s , sub voce, facem e aqua.
203 RUDO LF VON J H U R I N 6
O c o lé g io d o s p o n t íf ic e s . — S u a im p o r ta n c ia n a s q u e stõ e s d o fa s . —
E x te n s ã o d e s u a a ç ã o . — J u r isd iç ã o v o lu n tá r ia e c o n t e n c io s a . — A legis
a c tio sa c ra m e n to — p r o c e d im e n to d o t r ib u n a l e c le s iá s t ic o .
O m n iu m tarnen h a ru m legu m e t
in te r p r e ta n d i scien tia e t a c tio n e s
a p u d co lleg iu m p o n tific u m e r a n t , e t
qu ibu s c o n s titu é b a tu r , quis quoquo
a n n o p r a e s s e t p riv a tis.
P o m p o n iu s , L. 2, $ 6 d e O. J. (1, 2)
(285.1 Kiüjino , que saibamos. /. c .f pag. 218, foi o primeiro que distinguili e de
monstrou correlação do jus civile com o jus pontificium . A obra dc H üli.m a n n ,
Jus pontificium dos romanos, não conseguiu fazer grandes progressos nesta matéria,
pelo menos na parte que concerne ao nosso trabalho.
(286'I Nesta classe se colocariam, ao nosso vèr, as pretensões relativas à sepultura,
«-specialmente a actio funeraria (pertencente mais tarde, ao édito do Pretor, mas que,
erri toda sua estrutura, demonstra claramente que não nasceu sob a influência da*
idéias do direito civil), a legis actio sacramento. Na época de P apin ian o ainda o
colégio dos pontífices podia obrigar o herdeiro à erecção do monumento que o testador
Ilio ordenara que construísse. L. 50, § l . ü, de her. pet. ( 5 .3 ) ( ... lamen Principali
i/el Pontificali auctoritate comi>elluntur ad obsequium supremae v&luntatis. Era
contrario à rigorosa lógica do direito civil que. os jura sepulcbrorum pertencessem ao
tndignns que eslava excluido da herança (I.. 33 de relig., 11.7) e ao herdeiro seu que
abstinha (I.. 6. ibid A; pelo que, nos inclinamos a atribuir esta inconsequéncia
ao influxo do direito eclesiástico.
(287) Sôbre tudo, a computatio civilis; Ge lliu s , III, 2, traz uma decisão do pon
tífice Q u i t . Muc ius sobre a sua aplicação ao estabelecimento da manus por usus.
Citaremos, igualmente, o dia aumentado dc Fevereiro.
(288) Pelo mesmo motivo que ela teve relação com o direito eclesiástico. A lei
das XII tábuas considera-a sob êste aspecto. Gaius, IV, § 28.
(289) Quando os dignatarios, ou povo, faziam um voto, era costume que. os
212 RUDOLF VON JHERING
pontifex maximus ditassem a fórmula. T ito jlivio, XXXI, 9, XXXVI, 2; XL, 21.
Valerius Ma x im . s . V ili, 13; 2, gabando Metelius de que senex admodum pont. max.
creatus tutelam caeremoniarum per duos et viginti anuos ñeque ore in votis nuncupandis
haesitante. . . gessit. Veja-se B r isso n iu s , de Vocibus ac formul., I, cap. 128.
(290) R u b in o , p á g . 213, ob serva, com razão, a ê s t e r e s p e it o , que, nem e x c lu s i v a
nem p r i n c ip a lm e n t e , êsses a to s eram da sacra.
c o m p e t ê n c ia dos
(291) Geib , Geschichte. . . ( História do processo criminal romano ) , p á g in a 74
. , p r e te n d ? , c o n t r a a o p i n i ã o a d m it i d a , q u e e la e s ta v a l i m i t a d a a e s t a e s t r e it a e s f e r a .
(2 9 2 ) T ito L iv io , XXII, 5 , 7 .
(2 9 3 ) P or ex e m p lo , P o m p o n iu s, L . 2, § 6, d e o r ig . j u r . ( 1 - 2 ) . V a le r . M a x .,
II, 5, § 2. T ito L ivio, IX, 46, também fala de um j u s c iv ile r e p o s itu m in p e n e tr a lib u s
p o n tif ie n m .
Ö ÈSPiRÌfÒ DÒ DIREITO RÒMÀNÔ iñ
300) Gaio, IV, 16 inpublicum eedebat. Ignora que fésse de outro modo
até agora.
216 RUDOLF VON JHDRING
T u re g e re im p e rio p opu lu s R o
m a n o m e m e n to .
V ir g . Aen., V I, 852.
(318)
Veja-se o parágrafo seguinte.
(319)Vcjam-sc as expressões dc C ícero, de orat. I, 44; de off. II, 20, i. f . :
fundam entum ju s t l t i a , sin e qua n ih il p o t e s t esse laudabile; de nut. deor I, 2, unia
excelente virtude. V a l. Max , VI, 5, j u s t i t i a c p r a e e i p u u m et c e r i i s s i m u m e x e m p l u m in te r
o m n e s ge nte s n o s tr a c i v i t a s .
R U D O L F VON JH E R I Ñ G
(321) Já tivemos ocasião de falar, cm outra obra, sôbrc o valor moral c politico
dessa dificuldade para o desenvolvimento do direito. Veja-se nosso K a m p f . (A luta
pelo direito,), Viena, 1872, pág. 20.
236 RUDOLF VON J HERI NG
(322) A opinião mais admitida é a contrária, ão no$ foi, até agora, pos
sível convencer da sua exatidão.
(323) Houve mn tempo cm que se acreditava déste modo, e P olibio , VI, 56, foi
o primeiro a dar disso um triste exemplo. Considera a religião romana como simples
meio, aplicado e aperfeiçoado pelas classes dominantes, na intenção de dominar a
massa popular, com o temor dos deuses.
(324) Não falamos aqui dos pontífices, dos ángures, dos feciais e dos decenvirios,
mais tarde XV, viris sacris facindis, que têm a guarda dos livros sibilinos: referi-
mo-nos aos sacerdotes pròpriamente ditos: os flamines, o rex sacrificulus, as ves-
tais, etc.
(325) Os jovens libertos eram, muitas vezes, a titulo de pena, nomeados flamines
•.capti) pelo Pont, max., T ito L ivio , XXVII, 8.
O ESPÍRITO DO DIREITO ROMANO 239
também, púg. 00. Qual foi a causa desta decadência? O mêsmo autor observa que
já antes da primeira guerra púnica, existem provas de que dccrescia o respeito pela
veligião. Veja-se nota 116.
(329) C om o efe tiv a m e n te chegou a su c ed er. T ito L ivio , IV, c . 6.
(330) O m o tiv o p elo q u al se p ro ib ia era: q u o d n e m o p l e b e j u s a u s p ic ia h a b e r et
id eo q u e d e c e m v i r o s c o n n u b i u m d i r e m i s s e , n e in c e r t a p r o l e a u s p i c i a t u r b a r e n tu r .
(331) S c h w e g le r , R ô m . G. (H is tó r ia r o m a n a ) , I, 735, cita com razão, como exem
plo, a constituição plebéia, na qual era um elemento secundário, o sacerdócio, en
quanto que a antiga constituição patrícia foi religiosa dêsde o seu início. Veja-se,
também, pág. 688, 1. c.
V , .... ; ;.
láços>dô; prihcifpo-^^rel%i^jsoi òs plèbéüs lhes presíáiáiñ una sér-:
viço inapreciávej, obrigando-os ’*a sep* two rom anos quanto êles^
Esta caducidade da religião, na constituição do Estado*- não
se èxtendia mais além do que éxigia o interesse dos "plebeus.
Éicou-lhe resèrvado, nos limites da constituição, um pingar : im-
pÓTjahte, d e onde poude continuar .a exercer um a incontestável
influencia. Mas, na realidade, a autoridade que lhe restavà;
ríão lhe pertencia; conservava-se nas mãos do E stado. Os^unia-
nos aprenderam , erri suas lutas de partido, a subordinar a reli
gião ao interesse" político, e os seus; atos ulteriores honraratn
êste ensinamento. Desse mòdo, a religião experimentou^ tam
bém, o efeito do caráter romano. x
Não podia fugir à esta conseqüência, porque, cornò viiiios,
o carater romano era de tal fórma, que tudo o què existia e gere
m inava no sólo daquêle grande mundo, devia servir a seus inte«
resses. Perdendo a religião as suas forças vivas* sob os golpes
repetidos que experimentara, submeteu-se a êles de bom grado
e sem resistência; e soube evitar, assim, com esta ' bubmissãò> ■
todá; espécie de conflito com o interesse politico, conservando
aparèntem ente a sua autoridade e independência. O Estádp ro*.
m ano conformou-se sempre com as suas. regras e preceitos, síjfe^
metendo-se completamente à sua autoridade. Nada arriscava*
com ,isso, porque os preceitos da religião eram feitos a gôsfo
do Estado.. A autoridade da religião nao fazia mais que confir
m ar o que o próprio Estado queria; de sorte que, nó final d e
contas, obtinha o concurso de um a aliada sem pre poderosa, sem
fazer, por sua" vez, nenhum gráúde sacrifício (3323) .
Vamos provar a exatidão do que dissemos, examinando ás
principais instituições e princípios religiòsos é políticos* que se
referem ao nosso assunto (33a) . Éxãmiiiêmos as pessoas enear-
lim ita aos objetivos que têm conexão com a religião, mas pode ser
aplicada a qualquer instituição (341)
Ao declarar a guerra, os feciais deviam arremessar a lança
no território inimigo; mas quando a extensão do território ro
m ano julgou incômodo o cumprimento de tal preceito, venceu-se
çste obstáculo, comprando-se, por intermédio de um soldado die
Pyrrhus, feito prisioneiro, um terreno diante do templo de Be
tona, que Se considerava como inimigo (342) . O general do
exército que sofresse um revés, devia voltar a Roma pára esperar
lá novos auspicios favoráveis; os romanos iludiram , da mêsmá
fórma, este preceito incomodo, eonvertendo em ager romanus
um lugar qualquer -do campo de batalha, onde se renovavam os
auspícios (343) A vítim a prometida por um voto, devia ser
im olada; mas, é preciso saber, diz S e r v i u s (344) , que em~matéria
de vítimas se tome a aparência pela realidade; quando se trata,
pois, de um sacrifício de animais difíceis de se obterem, repre-
sentavam-se êstes por figuras semelhantes, feitas de massa ou
de céra, sacrifieavam-se cordeiros, dando-se-lhes o nome de
veados, >
O flam en dialis não podia prestar juram ento, enquanto que
o magistrado era obrigado a prestá-lo, para investir-se do cargo;^
assim, pois, essas duas funções eram incompatíveis. M as|quan
do se elegeu edil um flam ien dialis (345) (e a casualidade quiz
que se designasse, precisamente, um Jiomem que por sua auste
ridade chamava a atenção universal) (346347)), transpôz-se o obs-
táeuip, fazendo com que prestasse juram ento por êle um repre
sentante, e o rígido defensor do direito eclesiástico não teve ne
nhum. escrúpulo em falsear o que um plebiscito expressamente
drspiisera. Istp, no fundo, equivale a dizer, que, de nenhum
mòdo, o' juram ento, era proibido, senão o ato, ou o mòdo de efe
tuá-lo. Certos dias, deviam ser santificados, e^a violação inten
cional déste preceito exigia um grave castigo; mas a ,religião se
ateve às necèssidades práticas, permitindp-se os trabalhos urgen
tes durante os dias feriados (34T) .
Em vez de seguirmos acumulando exemplos (348), será mais
instrutivo exam inar a tedria completa do direito sacerdotal, que
tem para o Estado m aior importância: a dos auspícios e a dos
(341) M a is t a r d e , p o r e x e m p l o , o S e n a d o d e c i d i u p o r d e c r e t o , o q u e d e v i a s e r fas.
Veja-se F o n t i n , Stratag., IV, 1.38: ne quem ex iis sepelire pel lugere fa s e s s e t .
(342) V e j a m - s é os t e x t o s e m H a r t u n g , l. c ., II, p á g . 271.
(243) Vejam-se os textos em R ubino , l. c ., pág. 89.
(344) Ad A e n . II, 116, H a r t u n g , I. I, pág. 160.
(345) Ano de 552 antes de J. C. Tito -Livtö, XXXI, 50^
(346) T it o L iv io , XXVII, 8.
(347) H artung , I. c., I, pág. 188. Macrobe, S at. I, 16: Sccevola consultus, q u it
fejriìs agi liceret res pond it, quod proetermissum noceret.
(348) Vejam-se, outros, era D anz, I. c ., págs.^238 e seg;
^sinais (349) . Era de necessidade, para a fé religiosa dos roma-
nos, obter o consentimento de seus deuses, em todos os. atos de
alguma importância. 0 céu e os pássaros são, para a alma cré
dula, mensageiros da vontade divina. Roma, depois, conheceu
uma infinidade de preságios: o mòdo de comer das aves sagra
das, as vísceras da vitima sacrificada, etc.; e a credulidade tam
bém dava um sentido favorável, ou desfavorável, às ações dos
homens, às desgraças comuns, aos nomes, etc.
A sutileza dos romanos mostrou-se ainda nesta m atéria. A
doutrina dos preságios estava disposta, de tal mòdo, que não
era o homem quem dependia dos sinais, senão os sinais que
dependiam do homem.
E’ preciso distinguir os auspícios pròpriamente ditos, que
deviam ser observados e interpretados, segundo as regras da
arte, dos sinais simples, que se manifestavam por si mesmos.
Relativamente a êstes últimos, sabe-se (35°) que a sua interpre
tação dependia de quem os observava, quem os podia aceitar
(accipio omen), ou recusá-los (ad me non pertinet), assim como
àar-lhes o u tro >destino (351)> ou outra significação. Se no mes
mo momento em que os observava, sabia substituir a significa
ção oportuno, favorável ao sentido desfavorável que se impunha
à primeira vista, o efeito do presàgio desfazia-se, e a ameàça
aparente transformava-se em promessa (352) . Um sinal desfa
vorável, que escapasse à atenção pública, se tinha por não visto;
e, também, havia o costume, durante os sacrifícios, de cobrir-se
a face com um véu, para se não vêr nenhum sinal, assim como
durante as preces solenes e a leitura^das fórmulas dos juram en-
(349) Por muito importante que seja o papel que os auspícios, os preságios, etc.,
representaram, em Roma, na vida privada, sem dúvida, muito característico que não
possamos assignalar o menor traço de sua influência no direito privado. Fez-se, é
certo, num escrito recente, a aventurosa tentativa de reivindicar esta influência para o
omen; mas as idéias supersticiosas do povo chocam-se, .sem êxito, contra a teoria do
direito. O modo pelo qual o direito trata o juramento, é uma prova palmar da-bar.-
relra invencível que o direito privado sabia opôr a toda idéia que lhe tósse extranha.
O juramento promissório não tinha, legalmente, nenhum efeito. (Compare-se, para
vêr o contraste, o direito canônico sobre esta matéria). O juramento afirmativo era
considerado como uma transação, cuja verdade ou falsidade oram indiferentes: contemta
jurisjurandi religio satis cleiim habet iilorem (L. 2, Cad. de reb. cred., 4-1).
(3 5 0 ) H a r t u n g , l. c., I. p á g . 1 0 1 . L e r n iu s ad A e n ., I, 550 num nostri arbitra
est, visa omina vet improbare vet recipere. P i . i n ., História Natural, XXVIII, 4, acres
centa: quo muñere divinoc indusyentia: majus nullum est.
(351) Podia-se, também, por astúcia, c até por fraude, apropriar-se de um pre
sàgio que cabia a outrò individuo. Nós rccordariamos o do sacerdote de Diana, de
que fala T it o L iv io , I, 45, e uma outra tentativa semelhante de engano, descoberta pela
prudência da parte oposta, de que fala P l i n ., História Natural, XXVIII, 4, § 15:
( . . . TRANSiTURUM FUÍSSF. F a t u m i n ETRURiAM n i s i p r a e m o n í t i . legrtti Romani respon-
dissent, etc.).
(352) Hawtu-ng, l. c., pág. 101, cita, entre outros, o exemplo muito conhecido de
César, que, desembarcando na costa d’África, deu uma quéda e, levantando-se do chão,
em seguida exclamou: África, já és minha 1
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