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ABSTRACT
1. INTRODUÇÃO
Tradução e Comunicação - Revista Brasileira de Tradutores • Nº. 18, Ano 2009 • p. 159-176
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Repetindo: “no conto não há espaço para esconder a palavra errada, o tom
errado, a falta de uma metáfora iluminada” - eis aí um importante lembrete ao escritor de
contos – e, por extensão, ao tradutor. Nada no conto - palavra ou pontuação - é aleatório.
Seu autor é/está tão atento à linguagem que utiliza quanto o poeta. No conto, cada
palavra tem peso de ouro. Um conto é magnitude encerrada em uma miniatura, prestes a
explodir em significados nas mãos do leitor perspicaz e sensível.
Também Tom Bailey (2000, p. 74-75) chama-nos a atenção para a palavra exata no
conto:
The words we use in our writing must be the right words – the exact words. There is a
huge difference between the verbs “walked” and “skipped” or “jumped” and “lunged.”
One does not work interchangeably with the others.Only one can be correct given the
mood and specific objective of the particular action that needs to be conveyed. It’s the
writer’s job to make sure the word fits.
[…]
Short stories are no less attentive to language than poems – nothing in a short story is
random – but because the language of a poem is even further distilled it is easier to see
any word’s individual responsibility. (grifos do autor)
[As palavras que usamos em nossas histórias devem ser as palavras certas – as palavras
exatas. Há uma enorme diferença entre os verbos “caminhou”, “pulou” e “deu uma
estocada.” Um não substitui o outro. Somente um deles é o correto, dependendo do tom
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e do objetivo específico da ação particular que precisa ser descrita. É tarefa do escritor
ter certeza de que usa a palavra adequada.
Contos não são menos atentos à linguagem do que poemas – nada em um conto é aleatório
– mas pelo fato de a linguagem de um poema ser ainda mais destilada, é mais fácil
perceber lá a responsabilidade de cada palavra tomada individualmente] (tradução
nossa).
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Para o resgate do tom, há que ser, portanto, leitor criterioso, “inspirado”, sensível
às nuances do discurso. Ainda recorrendo a Isabel Allende, pensemos no papel do
tradutor como co-criador – sobretudo no gênero conto:
In a novel, you can have a lot of knots and bad stitches, and if you are lucky, the charm
of the tale will carry the book, and the reader will be trapped in the plot and in
everything that happens there: it’s like a party, an orgy. A short story is not; a short story
has very brief time, very condensed concentrated plot, if there is a plot. The subtleties
are important; the suggestion is important. Yo work with the reader’s imagination, and
your only tool is language, and there is no space or time for anything else. Everything
shows. This is how I compare these genres: the novel being a very elaborate tapestry that
has a lot of details, and you embroider it with threads of many colors without even
knowing what the finished design is. A short story is like an arrow; you have only one
shot, and you need the precision, the direction, the speed, the firm wrist of the archer to
get it right. So, you do it right from the very beginning or just abandon it. Get it right the
first time. How does one do it? I think that’s where inspiration comes in, the muse (apud
IFTEKHARUDDIN, 1997, p. 6).
[Em um romance, você pode ter uma série de nós e pontos mal feitos, e, com sorte, o
encanto da história garantirá a leitura e o leitor ficará preso na trama e em tudo o que
acontece lá: é como uma festa, uma orgia. Não ocorre o mesmo com o conto; um conto
tem um tempo muito curto, uma trama muito condensada, concentrada – se houver uma
trama. As sutilezas são importantes; a sugestão é importante. Você está trabalhando com
a imaginação do leitor e sua única ferramenta é a linguagem, e não há espaço nem tempo
para qualquer outra coisa. Tudo fica à mostra. Comparo esses gêneros da seguinte
forma: o romance é como uma tapeçaria muito elaborada, repleta de detalhes; você
borda-a com linhas de cores diferentes sem saber como ficará o desenho final. Um conto
é como uma flecha; você tem apenas uma seta; então, deve ter a precisão, o senso de
orientação, a velocidade, o pulso firme do arqueiro para atingir o alvo. Assim, você faz
tudo corretamente desde o início, ou abandona tudo. Faça a coisa certa na primeira
tentativa. Como consegui-lo? Acho que é nesse momento que entra a inspiração – a
musa.] (tradução nossa)
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conto não dá respostas; ele gera perguntas, muitas delas perceptíveis somente no subtexto
(Chekhov que o diga!).
Se Chekhov deixa tanto por dizer em seus contos, porque seu método implica “o
enorme mistério das coisas como elas são” (apud IFTEKHARUDDIN, 2000, p. 86, tradução
nossa), caberá certamente ao tradutor considerar o que está ‘out’ para não deixar o leitor
com um espaço vazio no ato de leitura. Se, conforme afirmam diferentes contistas,
escrever contos é difícil, poderíamos também dizer que traduzir contos é igualmente
difícil: o mundo recriado não deve ser nem menor nem maior do que o original; muito do
que está “out” precisa estar “in” no texto traduzido; afinal, para o leitor, a tradução é o
original.
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Antes de adentrarmos o conto objeto de análise, acredito ser válido considerar o que
Susan Bassnett (2005, p.102) afirma sobre a tradução do texto literário:
A incapacidade de muitos tradutores de entender que um texto literário é composto de
uma série complexa de sistemas existentes em uma relação dialética com outras séries
fora de seus limites tem freqüentemente levado à ênfase em aspectos particulares de um
texto em detrimento de outros.
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