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SEVERINO PEDRO CA SILVA

A DOUTRINA DA
PREDESTINAÇÃO

CPAD
Todos os Direitos Reservados. Copyright © 1989 para língua portuguesa da
Casa Publicadora das Assembléias de Deus.

234.9 Silva, Severino Pedro da, 1946-


SILd A Doutrina da predestinação. Rio de
Janeiro, CPAD, 1989.
1v.

1. Predestinação. 2. Doutrinas cristãs.


3. Salvação. I. Título.

Capa: Cecconi

Casa Publicadora das Assembléias de Deus


Caixa Postal 331
20001, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
9a Impressão - 2015 - Tiragem: 1.000
/

índice
Prefácio.................................................................................................. 9
Introdução.................................................................................................. 11
1. Predestinação........................................................................................ 12
2. Predestinação Incondicional .............................................................. 16
3. Predestinação R estrita........................................................................ 25
4. Predestinação Condicional.................................................................. 32
5. A Doutrina da Eleição........................................................................ 39
6. A Doutrina da Eleição Divina ............................................................ 47
7. A Eleição é de Deus ........................................................................... 53
8. Deus Quer que Todos os Homens se Salvem .................................... 60
9. Um Salvo Pode Perder-se .................................................................. 65
10. Os Métodos da Salvação .................................................................... 69
11. As Crianças e a Predestinação........................................................... 76
12. Treze Palavras G regas........................................................................ 87
13. Todas as Crianças são Salvas?............................................................ 91
14. A Doutrina da F é ................................................................................. 98
15. A Doutrina da Graça ........................................................................... 106
16. A Doutrina da Regeneração................................................................ 116
17. A Doutrina da Justificação.................................................................. 123
18. A Doutrina da Expiação...................................................................... 130
19. A Doutrina do Arrependimento ......................................................... 136
20. A Doutrina do Perdão ......................................................................... 145
21. A Doutrina da Reconciliação............................................................. 152
22. A Doutrina da Redenção .................................................................... 159
23. A Doutrina da Santificação ................................................................ 166
24. A Doutrina da Adoção de Filhos ....................................................... 173
Bibliografia................................................................................................ 180
ÍNDICE DAS ABREVIATURAS
USADAS NESTE LIVRO

VELHO TESTAMENTO
Gn - Gênesis Ec - Eclesiastes
Êx - Êxodo Ct - Cantares
Lv - Levítico Is - Isaías
Nm - Números Jr - Jeremias
Dt - Deuteronômio Lm - Lamentações de Jeremias
Js - Josué Ez - Ezequiel
Jz - Juizes Dn - Daniel
Rt - Rute Os - Oséias
1 Sm - 1 Samuel J1 - Joel
2 Sm - 2 Samuel Am - Amós
1 Rs - 1 Reis Ob - Obadias
2 Rs - 2 Reis Jn - Jonas
1 Cr - 1 Crônicas Mq - Miquéias
2 Cr - 2 Crônicas Na - Naum
Ed - Esdras Hc - Habacuque
Ne - Neemias Sf - Sofonias
Et - Ester Ag - Ageu
JÓ - JÓ Zc - Zacarias
Sl - Salmos Ml - Malaquias
Pv - Provérbios

NOVO TESTAMENTO
Mt - Mateus 1 Tm - 1 Timóteo
Me - Marcos 2 Tm - 2 Timóteo
Lc - Lucas Tt - Tito
Jo - João Fm - Filemon
At - Atos Hb - Hebreus
Rm - Romanos Tg - Tiago
1 Co - 1 Coríntios 1 Pe - 1 Pedro
2 Co - 2 Coríntios 2 Pe - 2 Pedro
Gl - Gálatas 1 Jo - 1 João
Ef - Efésios 2 Jo - 2 João
Fp - Filipenses 3 Jo - 3 João
Cl - Colossenses Jd - Judas
1 Ts - 1 Tessalonicenses Ap - Apocalipse
2 Ts - 2 Tessalonicenses
Prefácio
Todo o estudante da Bíblia deve possuir bons livros, espe­
cialmente aquele ardoroso e cuidadoso cristão.
O apóstolo Paulo exemplifica essa classe de cristãos nobres
que tem paralelo nos cristãos bereanos (At 17.11), pois mesmo
aprisionado numa sombria masmorra, não exclui seu ardente desejo
pela leitura edificante das obras escritas até então.
Por amor de seu argumento, ele exclama para seu com­
panheiro efilho segundo a fé: “Quando vieres [Timóteo], traze a
capa que deixei em Trôade, em casa de Carpo, e ‘os livros’, prin­
cipalmente 'ospergaminhos’’’ (2Tm4.13).
Parafraseando, então, ele diz: “Traga minha Bíblia’’ [os
pergaminhos], mas não esqueça dos “livros ’’’.
Existem na Escritura coisas profundas, e “...entre as quais há
pontos difíceis de entender...’’ (2 Pe 3.16).
Outrossim, quando analisamos sistematicamente a “doutrina
da salvação’’, nos deparamos com umas de suas divisões que,
disseminada e sistematizada por Paulo, chama-se “doutrina da
predestinação’’.
Para muitos leitores da Bíblia, a presente doutrina ainda é um
tanto obscura em sua forma de aplicação, porém, esperamos que,
este livro, emergido da pena fecunda do irmão SEVERINO
PEDRO DA SILVA, pastor, escritor e mestre, seja uma bênção para
quantos venham a estudá-lo, quer sejam missionários, pastores,
evangelistas, presbíteros, diáconos, cooperadores, professores da

9
escola domonical epregadores em geral, ou simplesmente cristãos
amantes dos estudos das Escrituras.
Recomendo a todos, sua leitura e disseminação entre o povo
de Deus e até fora dele.
São Paulo, Capital, 1989.
JOSÉ W ELLINGTON BEZERRA DA COSTA

10
Introdução
O vocábulo “ predestinação” , vem de uma palavra grega
“ proordzo” que gravita por “ seis vezes” em o No vo Testamento.
Sua preposição grega/?ro(...), faz com que esta palavra indique uma
atividade feita de antemão. Com o passar dos tempos, esse vocá­
bulo tornou-se sinônimo de ‘decreto divino’ e, com este sentido,
passou a indicar um conjunto de palavras e expressões com os se­
guintes resultados: “ ...determinado conselho e presciência de
D eus...” (At 2.23); “ ...predestinação” (Rm 8.30); “ ...bene­
plácito...” (E f 1.9); “ ...o propósito... da sua vontade” (Ef 1.11),
“ ...eleição...” (1 Ts 1.4); “ ...presciência de Deus...” (1 Pe 1.2), etc.
Seja qual for a maneira que interpretemos esta doutrina, ela
é proeminente na Bíblia. É, de fato, uma das doutrinas notáveis das
Escrituras Sagradas.
Necessariamente, três pontos importantes devem ser aqui
anotados no que diz respeito à doutrina da predestinação, para que
o leitor tenha maior compreensão do significado do pensamento:
1Q. Predestinação Incondicional (Calvino e seus seguidores).
2Q. Predestinação Restrita (Armínio e seus seguidores).
3e. Predestinação Condicional (sistematizada por Paulo e
aceita pela maioria dos cristãos, e consequentemente, defendida
pelo autor).
Portanto, com a graça de Deus, iremos estudá-los à luz de
cada contexto.

11
1
Predestinação
1. Definição do vocábulo
“ E nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo,
para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade...Nele
[Cristo], digo, em quem também fomos feitos herança, havendo
sido predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas as
coisas, segundo o conselho da sua vontade” (E f 1.5-11).
O termo predestinação do ponto de vista literário, traz em si
a idéia de " destinar com antecipação; escolher desde toda a eter­
nidade; destinar a grandes feitos; reservar” .(*)
D o ponto de vista divino de observação, porém, predesti­
nação, segundo se depreende, assume um caráter de profundo
significado e de infinito alcance.
Tal expressão vem do grego “ proordzo” , que, literalmente,
significa “ assinalar de antem ão” , visto que o vocábulo grego
‘ ‘oridzo’ ’ quer dizer “ di vidir com fronteira’ ’ (entre o escolhido e o
rejeitado), “ limitar” , “ definir” .(2)
A preposição grega “ pro” faz essa palavra indicar uma
atividade feita de antemão, etc.
Como já tivemos ocasião de afirmar no início desta seção, o
termo grego “ proordzo” com a idéia de predestinação aparece por
seis vezes em o Novo Testamento.
Uma vez é traduzido por “ ...ordenou antes...” (1 Co 2.7),
outra, por “ ...anteriormente determ inado...” (At 4.28), e quatro
vezes por “ destinar” (Rm 8.28,30; E f 1.5,11).
Em algumas seções do Novo Testamento a palavra predesti-
12
nação assume também em si a idéiade eleição', e, necessariamente,
com tal sentido, gravita da seguinte maneira: verbo eleger (19
textos), pelo adjetivo eleito (23 textos) e pelo substantivo eleição (7
textos).
Um primeiro relance sobre estes textos e seus contextos,
revela que se trata de um dos temas característicos da reflexão cristã
primitiva. (3)
a) 0 seu significado. Com tal sentido de predestinação, estes
vocábulos são mantidos, definidos e completados por vários grupos
de verbos e substantivos que gravitam em tom o da eleição divina
em relação ao crente. (4)
Estes termos são usados livremente para indicação destes
sentidos e aplicações, como: conhecer de antemão (Rm 8.29; 11.2;
1 Pe 1.20; 2 Pe 3.17) e o substantivo correspondente presciência
está também em foco em vários elementos desta doutrina (At 2.23;
1 Pe 1.2); preparar de antemão, conforme a idéia sugerida no tempo
e no espaço (At 4.28; Rm 8.29,30; 1 C o 2 .7 ;E f 1 .5 ,ll,e tc .)e o u tro s
contextos similares que expressam o significado do pensamento e
o fim a que se destina (Rm 1.13 e ss; 3.25; E f 1.9, etc.).
Todos esses termos têm a peculiaridade de serem formados
com a ajuda do prefixo grego “ pro” antes, diante, compreendido
estritamente no sentido temporal: Exemplo (Mt 12.4; M e 2.26; Lc
6.4; At 11.23; 27.13; Rm 8.28; 9.11; 2 Tm 1.9; 3.10; H b 9.2, etc.).
b) /4 importância desta doutrina. A doutrina da predestinação
foi objeto do interesse de muitas pessoas no decorrer dos séculos,
desde os primórdios do cristianismo. (5)
Na Igreja Ortodoxa, por exemplo, o vocábulo se tornou
sinônimo virtual da posição calvinista, porque foi Calvino quem, tão
lógica e vigorosamente, afirmou tais idéias sistematizadas. (6)
À luz da Bíblia, conforme deduzimos, a idéia de predesti­
nação é encontrada em vários elementos doutrinários (Cf. Gn
50.20; Êx 4.21; 7.3; 9.16; 10.1; 14.4,17; D t 7.6-8; JÓ 27.13,14; Sl
139.13-17;Pv 16.1,4; 20.24; Is 14.1-5; 46.10; Jr 1.5; 10.23; 18.1-6;
31.3; Dn 4.35; 5.23; Am 3.2; Me 4.11,12; Lc 1.15; 10.21; Jo
6.37,44,65; 12.39,40; At 4.27,28; 13.48; 18.10; Rm 8.29,30; 9.6 e
ss; 1 Co 2.7; E f 1.5,11; 2.3-10; 2 Ts 2.13; 2 Tm 1.9; 2.25; 1 Pe 2.8,9;
Ap 3.5; 13.8 e 17.8).
Com efeito, porém, a doutrina deste alto mistério, da predesti­
nação, deve ser tratada com especial prudência e cuidado, a fim de

13
não sermos arrastados pelas garras do determinismo e fatalismo
filosóficos. (7)
Porém, com cuidado e graça de Deus, chegaremos onde
Deus quer que cheguemos: “ ...à unidade d a fé !” . E este, portanto,
nosso objetivo.
2. O objetivo da predestinação
O objetivo da predestinação, conforme teremos ocasião de
ver durante o estudo deste livro, não se prende unicamente (como
alguns têm procurado provar) no propósito de Deus para re­
provação. Não, a predestinação, à luz de cada contexto, assume um
objetivo e missão mais sublimes. (8)
Observemos alguns detalhes desta importante doutrina; e,
depois, passaremos a deduzir cada significado do pensamento:
a) 0 equilíbrio. Quando argumentamos dedutivamente, co
base na onisciência e na onipotência de Deus, o livre arbítrio
humano parece ser afastado do campo inteiro de nossa visão.
Por outro lado, quando argumentamos dedutivamente, com
base no livre arbítrio humano, a presciência divina e o poder divino
de determinar as ações parecem ser excluídos.
Não obstante, ambas essas verdades precisam receber nossa
atenção, uma sem detrimento da outra; e, necessariamente, é esse
(além dos demais), o objetivo preciso da predestinação.
b) /4 transformação segundo à imagem de Cristo. Da p
sagem de Romanos 8.29, deduzimos tal significado.
A transformação segundo à imagem de Cristo é um processo
gradual, produzido através da dedicação diária de todo o nosso ser,
através do contato contínuo com a divindade, mediante o Espírito de
Deus, que é a força suprema dessa transformação. Ela passa de
glória para glória, porquanto consiste na transformação da elevada
glória do Senhor,que é Cristo Jesus (2 Co 3.18). O objetivo dessa
transformação é a implantação, no crente individual, daquela
mesma imagem, caráter essencial ou ser essencial que é possuído
pelo próprio Filho de Deus (Ef 4.13). Portanto, Paulo diz: “ ...os
predestinou para serem conforme à imagem de seu Filho...” (Rm
8.29).
Há ainda outros objetivos que serão desenvolvidos no decor­
rer do estudo deste livro. (9)
Nas seções seguintes, portanto, estudaremos cada linha de

14
pensamento sobre a predestinação que, necessariamente são “ a
predestinação incondicional” , “ a predestinação restrita” , “ apre-
destinação condicional ” , a ‘ ‘eleição di vina ” e similares.

(**) Pcq. Dic. Bras. da Llng. Port. 11® Ed. 10* Imp. 1979
(*) O NT. Int. v. p. v. R. N. Champlin, Ph. D. 1982
(3) As ‘INSTITUTAS’ • J. C. 1* Ed. cm Port. 1984
(4) Eleição (Doutrina), C. H. Spurgcon, 1985
(s) op. cit. 1985
(‘) Idem. 1985
O Calvino (1509-1564), Sua Vida e Sua Obra. V. T. L. 1984
(*) Predcst. S. F. 1981
(*) op. cit. R. N. Champlin, Ph. I). 1982

15
2
Predestinação Incondicional
1. João Calvino
Antes de darmos prosseguimento à forma com o Calvino
entendeu e sistematizou a “ predestinação” , devemos passar de
relance sobre sua vida e obra.
João Calvino, o maior teólogo do Cristianismo depois de
Agostinho, bispo de Hipona, nasceu na cidade de Noyon, Picardia,
França, aos 10 de julho de 1509. Era Noyon cidade episco­
pal, povoada de igrejas e conventos e onde padrese frades moviam-
se em plena liberdade. Por isso, a denominavam de Noyon - a
“ Santa” . (10)
Era o nome de seu pai Geraldo Chauvim, que se pronuncia
Cauvin no dialeto picardo, conforme anota Ferdinand Rossignol, no
seu livro Les Protestants Ilustres (Paris, 1862).
O nome Calvino, usado mundialmente pelo Reformador, era
a forma derivada do latim Calvinus.
Também usou algumas vezes do anagrama Allcuino. (n )
Geraldo tornou-se pai de quatro filhos - Carlos, João (Calvi­
no), Antônio e Francisco, além de duas filhas, uma por nome de
M aria e outra, que se consorciou em Noyon e cujo nome se ignora.
Supõe-se que esta permaneceu fiel à Igreja Romana.
M aria e Antônio mais tarde foram se reunir a Calvino, em
Genebra. Carlos, o primogênito, seguiu a carreira eclesiástica e
morreu moço, em 1537, sendo excluído da comunhão da igreja em
1531, por questões de disciplina e de doutrina.

16
A mãe de Calvino, Joana Lefranc, de Cambrai, de família
burguesa, se distinguia pela formosura e, sobretudo, por uma ver­
dadeira piedade.
Segundo os melhores biógrafos de Calvino, seu pai trabalhou
em vários postos civis e eclesiásticos, e era muito apreciado pelo
seu talento e prudência. Calvino foi educado juntam ente com os
filhos da família nobre de M ontmorency, e, com a idade de treze
anos, seu pai, que não era acomodado, conseguiu com o bispo que
lhe desse o lugar de capelão. Assim conseguiu o brilhante estudante
sustentar-se em Paris e custear seus estudos no colégio de Maturin
Cordier, famoso Pedagogo, a quem Calvino deve muito.
Infatigável nos seus estudos, e de inteligência aguda, João
Calvino deixou de lado os jogos e diversões, e dedicou-se com
ardor à sabedoria. Seu pai viu que seu filho, como advogado,
melhoraria sua condição.
Desta maneira Calvino abandonou o sacerdócio e foi para
Orleans estudar direito com 1‘Etoile, grande jurista. Mas ali, em
meio aos seus estudos legais, dedicou-se, com mais fervor do que
quando era sacerdote, ao conhecimento de Deus e de sua santa lei.
Calvino converteu-se completamente, e logo as multidões
cansadas do formalismo romano acorreram a ouvir suas sábias
prédicas.
Depois da morte de seu pai, Calvino passou uns três anos em
Paris, onde morava na casa de um artesão, Etienne de la Forge,
destinado mais tarde a ser mártir. (u ) '
Na casa dele, Calvino discursava sobre o Evangelh<p com
extraordinário fervor, para um grupo de crentes. Abandonando seus
estudos, consagrou a plenitude das suas forças a propagar a fé de
Cristo segundo se revela nas Escrituras Sagradas.
Com grande desinteresse, renunciou aos lucrativos postos
eclesiásticos de que desfrutava, e , na idade de 24 anos, o vemos
completamente desvinculado da Igreja Romana, e sendo conside­
rado o principal cérebro da Reforma na França.
Sua luz não pôde ser escondida, e logo teve que fugir de Paris
e se refugiar nos castelos dos protetores dos refor-
madores...passando rapidamente de um lugar para outro; por fim
Calvino foi se refugiar em Basiléia, naSuiça, onde, aos 25 anos
de idade, deu ao mundo o seu famoso livro “As ‘Institutas da
Religião Cristã’’’, isto é, Instrução Básica na Religião Cristã, es­

17
crito em latim, e no qual delineou as grandes doutrinas cristãs fun­
damentais.
Era um sistema completo de teologia, lógico e contundente,
e exerceu uma profunda influência no pensamento da humanidade.
A soberania de Deus no mundo, a eleição por parte de Deus dos
seus escolhidos, a justificação pela fé, e a predestinação incondi­
cional, eram os seus principais temas.
2. Como Calvino entendeu a predestinação
Para Calvino, o ponto principal na salvação da pessoa humana
era a sua ‘ ‘predestinaçãoincondicional” .
Calvino, porém, recebeu as primeiras informações da “ pre­
destinação incondicional” por meio de Agostinho. Seu pensamento
teológico era: ‘ ‘Deus criou o homem como um ser puro e à sua
imagem, e o dotou de livre-arbítrio (Agostinho ensina que, após a
queda, o homem perdeu o livre-arbítrio).
“ O homem foi tentado e caiu. Nele pecou a humanidade
inteira.
‘ ‘Era capaz de ser restaurado, não por si mesmo, mas sim pela
graça de Deus. Esta graça não vem porque o homem crê, antes
precede à fé e é dada para que o homem creia. Por meio desta graça
se chega ao estado de arrependimento, deste se passa à conversão,
e depois à perseverança final.” (13)
Calvino, então, delineou a “ predestinação incondicional” da
seguinte maneira:
‘ ‘Predestinação é o decreto divino com referência aos seres
morais - os anjos e os hom ens.”
A confissão de Fé de W estminster apresenta a doutrina da
predestinação nos seguintes termos: ‘ ‘Pelo decreto de Deus e para
manifestação da sua glória, alguns anjos e hom ens- são predes­
tinados para a vida etem a, e outros preordenados para a morte
eterna.” (14)
a) Nas Institutos, ele declara: “ Chamamos ‘predestinação’ a
eterno decreto de Deus, pelo qual determinou em si mesmo o que
Ele quis que todo indivíduo racional (os anjos e os homens) viesse
a ser.
“ Porque eles não são criados (defendia Calvino) todos com
o mesmo destino; mas para alguns é preordenada a vida etem a, e
para outros, a condenação etema. Portanto, sendo criada cada

18
criatura para um ou outro destes fins, dizemos que é predestinação
ou para a vida ou para a m orte.” (1S)
b) Sua sistematização. A ‘ ‘Predestinação para a vida (con­
forme as linhas teológicas traçadas por Calvino) é o propósito etemo
de Deus mediante o qual antes que fossem lançados os fundamen­
tos do mundo, Ele decretou de maneira constante, através do seu
conselho secreto a nosso respeito, que livraria da maldição e da
condenação aqueles a quem Ele escolhera em Cristo dentre a
humanidade, para conduzi-los à salvação eterna por meio de Cristo,
como vasos destinados a honra’
Em face disso, argumentava ele, aqueles que foram dotados
por Deus de tão excelente benefício são chamados, de conformi­
dade com o propósito de Deus, pelo seu Espírito, o qual atua no
tempo apropriado, tendo em mira: que, pela graça, obedeçam a essa
vocação; sejam gratuitamente justificados; sejam feitos filhos de
Deus por adoção; sejam moldados segundo a imagem de seu Filho
Unigênito, Jesus Cristo; andem piedosamente em boas obras; e,
afinal, pela misericórdia de Deus, cheguem à bem-aventurança
eterna.
3. A soberana vontade na predestinação
‘‘Que Deus salva da corrupção e da condenação aqueles a
quem escolheu desde a fundação do mundo, não por causa de
qualquer disposição, fé ou santidade que Ele tenha previsto neles,
mas por motivos de sua pura misericórdia e soberana vontade, em
Cristo Jesus, Seu Filho, deixando de levar em conta quaisquer
outras considerações, segundo a irrepreensível razão de sua própria
livre vontade e justiça.” (,6)
A influência calvinista da predestinação incondicional pre­
gada e sistematizada, influenciou toda a Europa. Um de seus ilustres
seguidores foi Charles Haddom Spurgeon; e, certa ocasião quando
ministrava aulas aos seus alunos, disse:
“ Tam bém quero apresentar a vocês um extrato da antiga
confissão batista.
“ Nesta congregação, somos batistas - ou pelo menos a
maioria de nós o é - e gostamos de averiguar o que os nossos
predecessores escreveram. Cerca de 200 anos atrás, os batistas se
reuniram e publicaram os seus artigos de fé, a fim de que se pu­
sesse um ponto final em certos rumores que atacavam a ortodoxia
deles.” (17)
19
a) Spurgeonfaz referência as Institutas de Calvino.
‘ ‘Abro agora este antigo livro (as ‘Institutos’), e encontro no
seu terceiro artigo, o seguinte: ‘Por decreto de D eus, tendo em vista
a manifestação de sua glória, alguns homens e anjos foram predesti­
nados ou ordenados de antemão para a vida eterna, por meio de
Jesus Cristo, para louvor de sua gloriosa graça; e, quanto aos
demais, foi-lhes permitido continuarem em seus pecados, tendo em
vista a sua justa condenação, para o louvor da gloriosa justiça divina.
‘Esses anjos e homens assim predestinados e ordenados com
antecedência, foram particular e imutavelmente designados, e o
seu número foi determinado de maneira tão certa e definida que
esse total não pode ser nem aumentado e nem diminuído.
‘No caso daqueles membros da humanidade que foram
predestinados para a vida, Deus, antes de serem lançados os
fundamentos do mundo e de conformidade com o seu eterno e
imutável propósito, bem como de acordo com o secreto conselho e
beneplácito de sua vontade, escolheu em Cristo, para a glória eterna
e com base em sua pura graça gratuita e em seu amor, sem que
houvesse qualquer outra consideração na criatura, como condição
ou causa que o tivesse impelido a isso, aqueles a quem assim o
quis.” ’ (lg)
Podemos observar que, C. H. Spurgeon, segue para­
lelamente, no que diz respeito à doutrina da predestinação, as
mesmas teses estabelecidas por Calvino. Aqui ou acolá, há apenas
variações; no mais, tudo se harmoniza em cada detalhe.
b) O ponto de apoio. Tanto Calvino como seus seguidores,
tomavam (além de outras passagens das Escrituras) como base
algumas declarações de Cristo e dos escritores do Novo Tes­
tamento. Vejamos:
‘‘Não tivesse o Senhor abreviado aqueles dias, e ninguém se
salvaria; mas por causa dos ‘eleitos’ que Ele ‘escolheu’, abreviou
tais dias...pois surgirão falsos cristos e falsos profetas, operando
sinais e prodígios, para enganar, se possível, os próprios eleitos”
(Me 13.20,22). “ Não fará Deus justiça aos se u s‘escolhidos’, que a
ele clam am dia e noite...” (Lc 18.7a).
Calvino dizia:
‘ ‘Juntamente com esses textos, muitos outros poderíam ser
selecionados, onde aparecem palavras como ‘eleitos’, ‘escolhidos’,
‘conhecidos de antem ão’ ou ‘destinados’, ou então onde aparece

20
alguma expressão como ‘minhas ovelhas’, ou alguma designação
similar, demonstrando que o povo de Cristo é distinguido do resto
da humanidade.
‘ ‘Em todas as epístolas dos apóstolos, os santos são continua­
mente chamados de ‘os eleitos’. Na epístola aos Colossenses, en­
contramos o apóstolo Paulo asseverando: ‘Revesti-vos pois, como
eleitos de Deus, santos, e amados, de estranhas de m isericórdia...’
(3.12a).
‘ ‘Quando Paulo escreveu a Tito, designou a si mesmo nestes
termos: ‘Paulo, servo de Deus, e apóstolo de Jesus cristo, segundo
a fé dos eleitos de D eus...’ (1.1a). E, referindo-se aos crentes, o
apóstolo Pedro diz: ‘Eleitos, segundo a presciência de Deus P ai...’
(1 Pe 1.2a).
‘ ‘E então, se vocês examinarem os escritos de João [continua
C. H. Spurgeon] descobrirão que ele apreciava muitíssimo esse
vocábulo. Declara ele: ‘O Ancião à senhora eleita...' (2 Jo 1). E
também refere-se aos ‘...filhos de tua irmã, a eleita...' (v 1 3 ).E ,por
semelhante modo, sabemos onde é que está escrito: ‘A vossa co-
eleita em Babilônia vos saúda... ’ (1 Pe 5.13a). Não, durante aqueles
primeiros dias, os crentes não se envergonhavam de usar essa
palavra; e nem receavam falar a respeito da idéia por ela represen­
tada.’^ 19)
c) A convicção de Spurgeon. Spurgeon tinha firme convicçã
na doutrina da ‘ ‘eleição incondicional” ; e, em quase todos os seus
sermões ele fazia menção dela. Em um outro trecho do seu livro
Eleição, ele diz:
‘ ‘De fato, o vocábulo comumente utilizado nas conversações
diárias, entre muitos daqueles cristãos primitivos, para aludirem uns
aos outros, era eleito’.
‘ ‘Com grande freqüência empregavam o termo para se diri­
girem uns aos outros, ficando assim demostrado que eles acredi­
tavam que todo o povo de Deus manifestamente se compõe de
‘eleitos’ do Senhor.
‘ ‘No entanto, passemos a examinar os versículos bíblicos que
provarão de forma positiva, a veracidade dessa doutrina. Abram
suas Bíblias no trecho de João 15.16, e ali vocês observarão que
Jesus Cristo escolheu o seu povo, pois Ele mesmo declara: “ Não
me escolheste vós a mim, mas eu vos escolhi a vós... ’ E em seguida,
no versículo 19, deste mesmo capítulo, assegura o Senhor: ‘Se vós

21
fôsseis do mundo, o m undo amaria o que era seu, mas, porque não
sois do mundo, antes eu vos escolhi do m undo...’ Verifiquem
também o que está escrito em João 17.8,9: ‘Porque lhes dei as
palavras que tu me deste; e eles a receberam, e têm verdadeira­
mente conhecido que saí de ti; e creram que me enviaste. Eu rogo
por eles: não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste,
porque são teus’.
“ Abramos ainda as nossas Bíblias na passagem de Atos 13.48:
‘E os gentios, ouvindo isto, alegraram-se, e glorificavam a palavra
do Senhor; e creram todos quantos estavam ordenados para a vida
eterna.’
“ Se certos indivíduos quiserem dissecar em pedacinhos
miúdos essa passagem, poderão fazê-lo; mas o fato inegável é que
ela diz: ‘ordenados para a vida eterna’, no original grego, tão
claramente como é possível dize-lo; e não nos importamos com
todos os comentários em contrário que têm surgido” , conclui
Spurgeon. (20)
d) O alcance do argumento. Pregadores piedosos calvinistas,
do tipo de Carlos H. Spurgeon e Carlos Finney, pregavam a
perseverança dos santos de tal m odo a evitar a negligência. Eles
tiveram m uito cuidado de ensinar que o verdadeiro filho de Deus
certamente perseveraria até o fim, mas acentuaram que se não
perseverassem, poriam em dúvida o fato do seu novo nascimento.
‘ ‘Se a pessoa não procurasse andar na santidade (dizia Calvino),
bem se faria duvidar de sua eleição.”
Nosso objetivo em frisar as opiniões destes ilustres servos de
Deus, não se prende, necessariamente, a nenhuma crítica ou
desprezo.
A convicção de Calvino, Spurgeon, Finney e outros era de
que sentiam em sua vidas uma certeza profunda e arraigada da
salvação que jam ais pensavam que uma criatura humana alcançada
por tão grande bênção voltasse atrás. (Ver notas expositivas sobre
isso,em “ A Eleição D ivina” .)
e) A preservação na salvação. “ Apesar de Calvino e outros
ensinadores terem pensado assim, a Bíblia, porém, ensina e exorta
o crente a permanecer. Somente o fato de a Bíblia exortar o crente
a permanecer constitui prova de que não concorda com a idéia de
uma permanência automática independente da atitude e do seu
procedimento pessoal:

22
“ Primeiro: Jesus mandou que os crentes permanecessem.
Jesus dizia pois aos judeus que criam nele: ‘Se vós permanecerdes
na m inha palavra, verdadeiramente sereis meus discípulos’ (Jo
8.31). Aquele que não permanecer em Jesus, como a vara na
videira, é lançado fora (Jo 15.1-6).
“ Segundo: Jesus mandou os crentes vigiarem. Ele disse:
‘Vigiai, pois...’ (Mt 24.42a; Me 13.33). É na hora da tentação que
aparece o perigo de o crente se desviar (Lc 8.13). Mas se ele estiver
vigiando, receberá a graça de vencer a carne (M t 26.41), e achará
‘escape’ (1 Co 10.13),vencendo assim a batalha.
‘ ‘Terceiro: Jesus exortou a igreja em Filadélfia a que ‘guar­
dasse’ o que havia recébido: ‘...Guarda o que tens, para que
ninguém tome a tua coroa’ (Ap 3.11b). Ele não disse: ‘Você já é
salvo, e ninguém jam ais poderá tomar a sua coroa. ’ Mas falou
‘Guarda! ’. O mesmo conselho Ele deu à igreja de Tiatira (Ap 2.23).
Aliás dá-nos idêntico conselho ainda hoje.
“ Quarto: A palavra ‘perm anecer’ aparece muitas vezes na
Bíblia. Os apóstolos aconselhavam sempre os crentes a permane­
cerem na fé (At 14.22; 1 Ts 3.2-5), e na graça (At 11.23; 13.43),
advertindo-os de que ninguém ‘...se prive da graçade D eus...’ (Hb
12.15). Os que não atenderem a essa exortação correm o perigo de
cairem da graça (Gl 5.4). Afirmar que ‘uma vez na graça sempre na
graça ’, é induzir muitos a transformarem em libertinagem a ‘graça
de D eus’ (Jd 4), expondo-os ao perigo de receberem a graça de
Deus em vão (2 Co 6.1). E assim, decairem de sua firm eza.” (21)
f) A permanência é explanada por meio de três exemplo
“ Estes exemplos são extraídos do Antigo Testamento, nos quais
Deus condicionou a manifestação do seu poder protetor à atitude
dos homens de permanecerem no lugar determinado por Ele:
‘ ‘Primeiro: A salvação pela aspersão do sangue do cordeiro
pascoal na noite em que os primogênitos do Egito foram mortos,
estava condicionada à obrigação de ninguém sair de casa, até pela
manhã (Êx 12.22,23).
“ Segundo: A proteção contra o vingador do sangue, que a
cidade de refúgio proporcionava ao homicida que havia matado
alguém por erro, em qualquer atividade da vida (Nm 35.11,22-25),
era condicionada ao dever de permanecer na cidade! ‘Porém, se de
alguma maneira o homicida sair dos termos da cidade do seu
refúgio, onde se tinha acolhido. E o vingador do sangue o achar fora

23
dos termos da cidade do seu refúgio, se o vingador do sangue matar
o homicida, não será culpado do sangue’ (Nm 35.26,27).
“ Terceiro: A salvação prometida sob juramento, em nome do
Senhor, a Raabe e à sua família, na condição da conquista de Jericó
por Israel, também era condicionada à obrigação de conservar uma
fita cor de escarlata na sua janela, e cuidar que ninguém da família
saísse da sua casa, pois para aquele que estivesse fora da porta da
casa não haveria proteção (Js 2.12-20). Observamos, assim, que o
ato de ser um crente preservado na salvação não é automático, mas
depende da sua atitude de permanecer no Senhor...A Bíblia ad­
verte: ‘Aquele pois que cuida estar em pé, olhe não caia’ (1 Co
10.12). O escritor da epístola aos Hebreus advertiu aos judeus que
estavam em perigo de apostatar da fé: ‘Procuremos pois entrar
naquele repouso, para que ninguém caia no mesmo exemplo de
desobediência’ (Hb 4.11), e incentivou-os a não serem como
aqueles que se retiram para a perdição, mas como os que ‘crêem
para a conservação da alm a’ (Hb 10.39b). Assim, observamos que
a Bíblia, em lugar de incentivar os crentes a uma segurança
absoluta, sem responsabilidade pessoal, exorta-os a permanecerem
na benignidade de Deus, a fim de que não sejam cortados, com o o
foram os israelitas, que não permaneceram observando as ordens
de Deus (Rm 11.20,21). Porisso, diz a Bíblia: ‘Examinai-vos a vós
mesmos, se permaneceis na fé; provai-vos a vós mesmos. Ou não
sabeis quanto a vós mesmos, que Jesus Cristo está em vós? Se não
é q u e jáestaisreprovados’ (2 Co 13.5). Existe, portanto,possibili­
dade, para quem não tom ar cuidado, de ser reprovado e de ter crido
em vão.” í22)

(I0) op. cit. R. N. Champiin, Ph. D. 1982


(“ ) Le Réformateur de France ct de Genève, J. C. G. G. 1983
(12) Les Pères de la Réformation, Paris, 1879
(°) Idem. 1879
(M) Calvin, sa vie, son oeuvre et ses écrits. Saint Diniz, 1863
(ls) Dic. d‘ Histoire Ecclésiastique. J. A. B. Genève, 1884
(w) Seízième siède - Études littéraires. E. F. Paris, s/d
(IT) Michel Cervet. H. T. Paris, 1879
('*(*) op. cit. 1879
(**) Idem. 1879
f*0) A era dos Dogmas e das Dúvidas. J. L. G. Vol, 8. São Paulo. 1984
C21) Teol. Sist. n* 4. Sec, D. da Salv. E. B. 1984
í22) op. cit. 1984

24
3
Predestinação Restrita
1. Jacó Armínio
Jacó Armínio (James Arminius) era um idistinto pastor e
professor holandês, cuja formação teológica havia sido profunda­
mente calvinista.
De fato, boa parte de seus estudos ocorreram em Genebra,
sob a direção de Teodoro de Beza, o sucessor de Calvino nessa
cidade. Voltando à Holanda, ocupou um importante púlpito em
Amsterdam e logo sua fam a se tomou grande.
Devido a essa fam a e ao seu prestígio como estudioso da
Bíblia e da teologia, os dirigentes da igreja de Amsterdam lhe
pediram que refutasse as opiniões do teólogo Dirck K oomhert, que
havia atacado algumas das doutrinas calvinistas, particularmente, no
que se referia à ‘predestinação’.
Com o propósito de refutar Koomhert, Armínio estudou seus
escritos e dedicou-se a compará-los com as Escrituras, com a
teologia dos primeiros séculos da Igrej a e com vários dos principais
teólogos protestantes.
a) Surge a predestinação restrita. Por “ predestinação restrita”
com o sugere o termo, se entende ‘‘a predestinação ” ou “ a eleição ’’
mais ocasionada por parte do livre-arbítrio humano, do que oca­
sionada pela soberana vontade de Deus. Diverge, portanto, da
*‘predestinação incondicional’ ’ que ensina que a salvação humana
depende de um a “ eleição absoluta e soberana” - que depende
exclusivamente de Deus: A vontade do homem fica excluída.

25
E de igual modo, da “ predestinação condicional” ( o que nós
aceitamos) que, ensina que, na salvação humana, existe uma
espéciede “ cooperação m útua” tanto por parte de Deus (odoador)
como por parte do homem (e recipiendário). ‘Chegai-vos a Deus,
e ele se chegará a vós.’
Portanto, os dois, cooperam para tal fim (Tg 4.8).
Por fim, depois de profundas lutas de consciência, chegou à
conclusão de que K oom hert tinha razão. Armínio passou a fazer
objeções às idéias fortíssimas de Calvino sobre a “ predestinação
incondicional” , tendo-se oposto a ele quanto a esse particular.
Armínio também combatia outros no tocante a outros pontos,
como a “ eleição” e a “ segurança eterna do crente em qualquer
estado de vida” , que são conseqüencias lógicas e naturais daquela
primeira doutrina. Portanto, o termo “ arminianismo” veio expressar
a oposição ao calvinismo, quanto a essas particularidades.
Armínio frisava grandemente o livre-arbítrio humano, a ponto
de extravasar-se dos limites possíveis desta concepção.
b) Sistematização da doutrina. Posto que em 1603 Armínio
tomou-se professor de teologia da Universidade de Leyden, suas
opiniões foram publicamente reveladas. Um colega d a mesma
Universidade, Francisco Gomaro, era partidário extremista da
predestinação e, portanto, o conflito era inevitável.
Foi assim, segundo os historiadores, que Jacó Armínio, calvi-
nista de boa qualidade, deu nome à doutrina que, a parti daí, seria
vista como a antítese do calvinismo, o arminianismo.
Armínio, entretanto, nunca duvidou da pessoa em si de
Calvino. O ponto principal de desacordo entre Armínio e Gomaro
não era se havia ou não predestinação. Ambos concordavam que as
Escrituras falam de “ predestinação” . Ç2)
O que se debatia era mais a base dessa predestinação.
Segundo Armínio, Deus predestinou os eleitos porque sabia,
de antemão, que teriam fé em Jesus Cristo.
Segundo Gomaro, Deus predestinou a alguns a terem essa fé.
Antes da criação do mundo, a vontade soberana de Deus
determinou quem se salvaria e quem não.
Armínio, por sua vez, deduzia que o grande decreto da
predestinação era a determinação de que Jesus Cristo seria o
mediador entre Deus e os seres humanos. Esse era o decreto
soberano, que não dependia da resposta humana. O decreto refe­

26
rente ao destino de cada indivíduo baseava-se não na vontade
soberana de Deus, mas em seu conhecimento, o qual seria a
resposta de cada pessoa ao oferecimento da salvação em Jesus
Cristo.
c) Armínio era Calvinista. Em quase tudo mais, Armíni
continuava calvinista. Sua doutrina daigrejaedos sacramentos, por
exemplo, seguia as linhas gerais de Calvino. Portanto, ainda que, no
fim, foram os opositores de Armínio os que tomaram para si o nome
de “ calvinistas ” , o fato é que “ toda a controvérsia aconteceu entre
os seguidores de Calvino e os admiradores de Armínio.
Armínio morreu em 1609, mas o conflito não terminou com
sua morte. Seu sucessor na cátedra de Leyden sustentava as
mesmas opiniões e continuou a controvérsia com Gomaro. Às
questões teológicas se somaram os interesses políticos e econômi­
cos. Todavia, debatia-se entre os holandeses qual deveria ser sua
relação com a Espanha. A classe mercantil, que constituía uma
verdadeira oligarquia (governo de poucas pessoas, pertencentes ao
mesmo partido, classe ou família), tinha interesse em manter boas
relações com a Espanha, o que contribuía para o bom comércio.

2. O protesto do partido arminiano


D e acordo com as informações históricas que chegaram até
nós, as duas linhas partidárias se apresentavam assim:
‘ ‘A diferença entre arminianos e calvinistas, com referência
a esta doutrina (predestinação) para a salvação, é que os primeiros
ensinam ‘eleição condicional’, ao passo que os últimos sustentam
que a ‘eleição incondicional’, isto é, os arminianos ensinam que
Deus elegeu aqueles que previu iriam aceitar sua oferta de sal­
vação, creríam na m ensagem do Evangelho e perseverariam na fé
e na obediência até o fim.
‘ ‘Os calvinistas ensinam que a eleição de Deus não depende
absolutamente do homem, mas unicamente da vontade, da graça e
do poder soberano do Senhor. ’ ’ (24)
Segundo eles, os homens não são eleitos porque Deus previu
que eles creríam, mas os homens crêem porque Deus os elegeu. E
assim, de acordo com os arminianos, a salvação do homem não
depende somente de Deus, mas também da fé, da obediência e da
perseverança desse homem. Nesse ponto, o pensamento de
Arm ínio se coaduna com o ensinamento da Bíblia. Mas, dado sua

27
maneira restrita na idéia da predestinação, ele discordava um pouco
quando dizia: ‘ ‘De modo que ninguém sabe se é salvo ou não, até
que chegue ao fim .” Os calvinistas ensinam que Deus elegeu
aqueles a quem decidiu escolher, sem qualquer referência à fé e
obediência deles, que conhecesse de antemão, etc.
a) A separação. Frente a isso, e a ligação que o partido
arminiano tinha com o Estado, a ordem calvinista sustentava que tais
relações corromperíam a pureza doutrinária da igreja holandesa.
Os que não participavam da prosperidade trazida pelo
comércio, eram, por assim dizer, as classes médias e baixas,
embuídas de patriotismo, de calvinismo e de ressentimento contra
os mercadores e que se opunham a tais relacionamentos.
Logo, a oligarquia fixou-se no grupo dos arminianos e os seus
opositores adotaram a tese de Gomaro.
b) Os cinco artigos. Em 1610, o partido arminiano, produziu
um documento de protesto, o “ Remonstrantia” , em virtude do qual,
a parti de então, deu-se o nome de ‘ ‘rem onstrantes” .
Esse documento incluía cinco artigos que tratavam sobre as
principais questões em disputa.
Primeiro Artigo: “ O primeiro artigo define a ‘predestinação’
em termos diferentes, pois declara que Deus determinou, antes da
fundação do mundo, que os que se salvariam seriam os que cressem
em Cristo. Não está claro se isto quer dizer, como havia ensinado
Armínio, que Deus sabia quem haveria de crere predestinou essas
pessoas, ou se queria dizer, simplesmente, que Deus determinou a
quem quer que cresse, que seria salvo (o que depois se chamou ‘o
decreto da predestinação’). ’’
Em todo caso, o parágrafo da “ Rem onstrantia” declara que
isto é tudo o que se requer para a salvação, que ‘ ‘não é necessário,
nem proveitoso elevar mais alto, nem penetrar mais profunda­
m ente” . Portanto, a especulação acerca da causa do decreto da
predestinação deve ser refutada. (2S)
Segundo Artigo: ‘ ‘O segundo artigo afirma que Jesus Cristo
morreu por todos os seres humanos, mesmo que só os crentes
recebam os benefícios de sua paixão.” (26)
Terceiro Artigo: “ O terceiro artigo trata de rejeitar a acusação
do ‘pelagianism o’ de que os gomaristas (seguidores de Gomaro)
faziam objeção aos arminianos (o pelagianismo foi sistemati­
zado pelo herético Pelágio, o qual nega o pecado originai e a

28
corrupção da natureza humana). A essa doutrina também se opôs
Agostinho.” C27)
Quarto Artigo: ‘ ‘O quarto artigo rebate a conclusão que tanto
Agostinho como Calvino e Gomaro tiravam dessa doutrina, isto é,
que a graça é irresistível.‘No que se refere ao modo de operação
desta graça, não é irresistível, posto que está escrito que muitos
resistiríam ao Espírito Santo’, afirmavamos arminianos.” (28)
Quinto Artigo: “ O quinto artigo trata acerca de que os que
creram em Jesus Cristo podem perder a graça ou não.
“ Com respeito a isto, os gomaristas declaravam que a força da
predestinação é tal que, os que foram predestinados a crer não
podem perder a graça. A resposta dos arminianos neste ponto não
é categórica, mas dizem, simplesmente, que é necessário que se
lhes dêem melhores provas das Escrituras, antes que estejam
dispostos a ensinar uma coisa ou outra. ’ ’ (29)

3. A resposta do Sínodo de Dordrecht


Uns poucos anos mais tarde, as circunstâncias políticas traba­
lharam drasticamente entre os arminianos. O príncipe M aurício de
Nas sau, que, durante algum tempo não havia interferido na disputa,
tomou o partido dos calvinistas estritos.
Joham Van Oldenbamevelt, o Bamevelt, que tinha dirigido
o país nas negociações de uma trégua com a Espanha e era
partidário dos arminianos, foi encarcerado. Seu amigo, Hugo
Grocio, um dos fundadores do direito internacional moderno,
também foi aprisionado.
Como parte dessa reação contra o partido mercantilista e
contra o arminianismo, os estados gerais holandeses convocaram
uma grande assembléia eclesiástica.
Essa assembléia, que se conhece historicamente como
‘ ‘Sínodo de D ordrecht’ ’, reuniu-se de novembro de 1618 a maio de
1619.
O propósito dos estados gerais ao convocá-lo, foi conseguir
o apoio não somente dos calvinistas no país, mas também dos do
resto da Europa. Por isso estenderam convites a outras igrejas
reformadas e um total de vinte e sete delegados apresentaram-se,
desde a Grã-Bretanha, Suíça e Alemanha.
De acordo com as informações de Schaff (Swiss Reforma-
tion), os franceses não puderam assistir porque Luís XIII os proibiu.

29
Os holandeses eram quase setenta, dos quais aproximadamente a
metade eram ministros e professores de teologia, a quarta parte
anciãos leigos e o resto membros dos Estados Gerais.
As primeiras sessões do Sínodo trataram de diversos assuntos
administrativos. Decretaram que se produziría uma nova tradução
da Bíblia em holandês.
M as o propósito principal da Assembléia era condenar o
arminianismo, para, desse modo, conseguir o apoio do resto das
igrejas reformadas nas brigas internas que dividiam a Holanda.
Portanto, os decretos do Sínodo de Dordrecht, no que se
refere a teologia, eram dirigidos contra os arminianos que, segundo
se diz,tinham aberto uma cisão na reforma efetuada por Calvino, no
que diz respeito à doutrina da predestinação, Ainda que a assem ­
bléia não tenha aceito as teses mais extremas de Gomaro (que era
um dos seus membros naquela ocasião), concordou com ele na
necessidade de condenar o arminianismo. (30)
A assembléia geral ali reunida promulgou cinco doutrinas
contra os arminianos e a partir daí, essas doutrinas fizeram parte
fundamental do calvinismo ortodoxo.
a) Primeira doutrina: “ A primeira dessas doutrinas é a da
eleição incondicional. Isto queria dizer que a eleição dos predesti­
nados não se baseava no conhecimento de que Deus tem do m odo
pelo qual cada um responderá ao oferecimento da salvação, senão
unicamente no inescrutável beneplácito divino.”
b) Segunda doutrina: ‘ ‘O segundo dos princípios de Dordre­
cht afirma a limitada expiação. Os arminianos afirmavam que Jesus
Cristo havia morrido por todo o gênero humano. Frente a eles, o
Sínodode Dordrecht declarou: ‘aindaque o sacrifício de Cristo seja
suficiente para toda a humanidade, Jesus Cristo m orreu para salvar
unicamente os eleitos’, conclui. ’ ’
c) Terceira doutrina: “ Em terceiro lugar, D ordrecht ‘ainda
afirmou que, embora reste no ser humano caído certo vestígio de luz
natural, sua natureza foi corrompida de tal modo que essa luz não
pode ser usada corretamente.
‘ ‘Isso é certo, não somente no que se refere ao conhecimento
de Deus e à conversão, mas também no que se refere às coisas
‘civis’ e ‘naturais’.”
d) Quarta doutrina: “ A quarta doutrina fundamental de

30
Dordrecht é a da graça irresistível, a que já nos referimos anteri­
ormente numa outra seção deste livro.”
e) Quinta doutrina: “ Por último, o Sínodo afirmou a perseve­
rança dos santos, ou seja, a doutrina segundo a gual os eleitos têm
de perseverar na graça. Embora isto não seja obra sua, senão de
Deus, servirá para dar-lhes confiança em sua salvação, firmeza no
bem, ainda que vejam o poder do pecado atuando neles.” (31)

4. Os resultados
Imediatamente depois do Sínodo de Dordrecht, tomaram-se
medidas contra os arminianos e seus partidários.
Joham Oldenbamevelt foi executado e Hugo Grocio foi
condenado à prisão perpétua - pouco depois, graças ao auxílio de
sua esposa, conseguiu escapar em um baú, supostamente cheio de
livros.
Quase uma centena de ministros de convicções arminianas
foram desterrados e outros tantos foram privados de seus púlpitos.
Os que insistiram em continuar pregando foram condenados
a prisão perpétua. Os leigos que assistiam aos cultos arminianos
corriam o perigo de terem que pagar pesadas multas... (32)
Maurício de Nassau morreu em 1625. A parti daí, acalmaram-
se os rigores contra os arminianos, até que se começou a tolerá-los
oficialmente em 1631. Logo organizaram suas próprias congre­
gações, que subsistem até hoje. Eis aí, portanto, um resumo de
como surgiu o que se entende por “ predestinação restrita” segundo
Jacó Armínio.

'15) Souvenirs de Ia Réformation, Touiouse, 1872


^ Micbel Cervet y Calvino, València, 1919
■*) Micbel Cervet. H. T. Paris, 1879
op. cit. Saint Diniz, 1863
'"H op. cit. As ‘Institutas’. 1984
"“ J Idem. 1984
■” ) Anthologie Protestant Francaise. Paris, 1918
■*) op. cit. 1918
•*) Idem. 1918
■“ 1 A Reforma. T. M. L. Lisboa. 1912

31
4
Predestinação Condicional
1. O equilíbrio da Bíblia
Os fundamentos da “ predestinação condicional” conforme
indica o expressivo, tomam como base fundamental os ensinamen­
tos do apóstolo Paulo e de outras passagens similares dos escritores,
tanto do Antigo como do Novo Testamento.
Foi, sempre'ensinada pelos Pais da Igreja e posterior mente,
sistematizada por Martinho Lutero e seus seguidores.
A doutrina da predestinação condicional (o que nós aceitamos
por estar de acordo com o pensamento geral das Escrituras) sempre
se refere “ ao m eio” da salvação e nunca ao “ destino eterno” ,
irrevogável, de cada pessoa.
No contexto da promessa divina, esta predestinação é vista
englobando a Igreja como um todo; e, quando se refere a uma
“ eleição individual” ou “ pessoal” , refere-se à chamada diretiva de
Deus para um serviço no seu reino.
a) Sentido individual. Deus escolheu Abraão para que foss
pai de uma multidão de nações (Gn 12.1 ess; Ne 9.7); Arão para o
sacerdócio (Sl 105.26); Moisés como libertador (Sl 106.23); Davi
para rei de Israel (1 Rs 8.16); Salomão para continuidade de seu
nome (1 Cr 28.5); Isaías como profeta (Is 49.1-6: figura profética do
apóstolo Paulo: At 9.15,16; 13.47); Jeremias (Jr 1.5); João Batista
(Lc 1.76); Pedro (At 15.7); Rufo (Rm 16.13).Nesse mesmo sentido
Jesus é também denominado como tendo sido escolhido de Deus
(Is 42.1; Mt 12.18 etc.). E outros exemplos em ambos os Testamen-

32
tos. Esta eleição, portanto, se baseia na ‘ ‘presciência divina’ ’, mas
é realizada por meio de sua ‘ ‘vontade diretiva” .
b) Eleição coletiva. Quando a predestinação toma sentido
coletivo, conforme indica o termo, segue restritamente sua forma
pluralizada; e, assim, se combina entre si em cada detalhe.
“ Porque os que dantes conheceu também os predestinou
para serem conforme à imagem de seu Filho...E aos que predesti­
nou aestes também cham ou...” (Rm 8.29,30). “ E nos predestinou
para filho de adoção...” (Ef 1.5,11). Estas, e em outras passagens
que falam sobre a predestinação, eleição ou decreto, mostram-nos
que o grande alvo de Deus na predestinação é a chamada dos
crentes dentro do tempo, e o resultado de ambas as coisas é a
transfiguração do crente segundo a “ imagem de C risto” , tanto
moralmente (no que respeita à participação do crente na própria
santidade de Deus, tal como Cristo dela participa) como metafisi-
camente (no que concerne à natureza essencial de Cristo).
Dentro deste alvo, não existe predestinação para reprovação,
portanto. (33)
Em outras palavras, apesar de que Deus predestina para a
vida, para a transformação segundo a imagem de seu Filho e para
a santidade, isso não quer dizer que, por outro lado, Ele predestine
alguns para a condenação, sem ‘antes’ lhes oferecer uma opor­
tunidade para a salvação, conforme alguns teólogos (não todos)
calvinistas mais radicais têm imaginado.
c) O propósito de Deus. Podemos notar que até mesm o no
capítulo nono da epístola aos Romanos, o trecho bíblico mais forte
sobre a predestinação incondicional para alguns, podemos ler, no
décimo quinto versículo, o que segue: “ ...Compadecer-me-ei de
quem me compadecer, e terei misericórdia de quem eu tiver
misericórdia” (Rm 9.15), mostra que, a determinação divina sempre
visa o lado positivo, servindo como agente de misericórdia, ao invés
de visar ao lado negativo, servindo como agente de juízo.
Assim, pois, o Senhor Deus tolerou os vasos da ira, mas
preparou os vasos da misericórdia. Não obstante, alguns eruditos
têm argumentado, com base no trecho de Romanos 9.18 e ss, onde
lemos: “ Logo pois compadece-se de quem quer, e endurece a
quem quer’ ’ que, existe aí uma reprovação por parte de Deus, o que
não é bem assim. Este endurecimento de Deus é um ato ativo de sua
vontade. Em outras palavras, não se trata apenas de uma questão de

33
‘ ‘deixar passar’ ’ ou de ‘ ‘reter’’ a misericóiidia; e, sim, é a questão de
um endurecimento ativo, que naturalmente resulta em uma vida
pecaminosa e rebelde.

2. Deus predestinou a Igreja


“ Nele [Cristo], digo, em quem também fomos feitos
herança,havendo, sido predestinados, conforme o propósito
daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua
vontade...Em quem também vós estais, depois que ouvistes a
palavra da verdade, o Evangelho da vossa salvação; e, tendo nele
também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa’ ’ (Ef
1.11-13).
Os textos divinos que falam da nossa predestinação dizem
que ela foi efetuada por Deus através de Cristo, em “ ...quem
também vós estais...’’, “ depois que ouvistes a palavra...e, tendo
crido...” Paulo diz claramente: “ ...nos elegeu nele...” (E f 1.4) e
“ nos predestinou para filhos de adoção (por) Jesus Cristo...” (Ef
1.5). E no versículo 11 desta mesma seção da Bíblia, aparece
novamente o expressivo “ nele” .
Este ato de escolher-nos, mediante nossa eleição, muito antes
da fundação do mundo, estava nele - o Filho...E, isto pôde ser assim
porque o Filho, ames do começo, já se havia entregue, em aliança
solene, para a obra da redenção. Ele é o “ ...Cordeiro que foi morto
desde a fundação do m undo” (Ap 13.8).
Mediante tal redenção, já efetuada na “ presciência de
Deus ” , fomos ‘ ‘predestinados (os salvos) para filhos de adoção... ’ ’
Esta é a nossa posição presente: ‘ ‘Amados, agora somos filhos de
Deus, e ainda não é manifestado o que havemos de ser...” (1 Jo3.2).
a) Nossa filiação. (O leitor terá um conhecimento mais
aprofundado sobre isso, em a “ doutrina de adoção de filhos” ). A
palavra “ filhinhos” refere-se ao nosso nascimento, enquanto que
‘ ‘filhos ” , à nossa situação legal. í34)
Esta última nos está totalmente assegurada pela adoção que
não denota tanto uma palavra de parentesco, como de posição. A
predestinação é, por assim dizer, o Ato Reforçador de Deus, pelo
qual, o que Ele determinou para nós seja realizado.
Ela opera através da sua vontade soberana (Ef 1.5), ela
assegura que o que Ele predestinou para nós não se torne nulo, mas
aconteça.

34
Falando sobre isso, declaraN . B. Harrison: ‘ ‘A predestinação
e o livre-arbítrio são os antigos irreconciliáveis (para alguns); no
entanto, como duas linhas paralelas que se encontram no infinito,
eles se harmonizam em Deus, e vistos da eternidade, não háconflito
entre eles.” (35)
b) João Wesley e a predestinação. João W esley,o grande
pregador e reform ador metodista, era de índole arminiana e sua
tendência era mais voltada para o ensinamento da predestinação
condicional. Ele assim definiu:
‘ ‘A Escritura diz-nos claramente o que é ‘predestinação’ - é
Deus designar de antemão para a salvação os crentes obedientes,
não sem conhecer antecipadamente todas as obras deles, mas
‘segundo sua presciência’ dessas obras, ‘desde a fundação do
mundo’.”
Como bem expõe o apóstolo, Paulo: ‘‘Porque os que dantes
conheceu também os predestinou para serem conformes à imagem
de seu filho...” (Rm 8.29a).
‘ ‘D e igual m odo predestina ou designa de antemão todos os
incrédulos desobedientes para a condenação, não sem conhecer
antecipadamente todas as obras deles, mas ‘segundo sua
presciência’ dessas obras ‘desde a fundação do m undo’.” (36)
Então poderá surgir a pergunta: ‘ ‘O Senhor fez todas as coisas
para os seus próprios fins, e até o ímpio para o dia do mal” (Pv 16.4).
- Não há nisso injustiça por parte de Deus?
- Respondemos que não!
O Salmista Davi responde porque o ímpio será destruído no
dia do mal. Então ele diz: ‘‘Se o homem se não converter, Deus
afiará a sua espada; já tem armado o seu arco, e está aparelhado. E
já para ele preparou armas m ortais...” (Sl 7.12,13a). Mas devemos
pensar que isso acontecerá “ se” ele não se converter. Se ele se
converter, Deus então modificará sua sentença em relação a ele,
como bem descreve o profeta Jeremias: “ No momento em que falar
contra um a nação, e contra um reino para arrancar, e para derribar,
e para destruir. Se a tal nação, contra a qual falar, se converter da sua
maldade, também eu me arrependerei do mal que pensava fazer-
lhe” (18.7,8). E outras passagens similares, tanto do Antigo como do
Novo Testamento.

35
3. A predestinação não é empecilho para a
salvação
Defender o princípio do determinismo filosófico, científico
ou até mesm o teológico, não é a mesma coisa que negar a existência
do livre-arbítrio humano, embora, para alguns pensadores, isso
pareça logicamente a mesma coisa. M as as Escrituras Sagradas, em
outras passagens defendem a vontade humana livre, e a própria
experiência humana o demonstra.
Os teólogos calvinistas, em sua maioria, seguem o pensa­
mento de Agostinho, no que diz respeito ao livre-arbítrio. Segundo
Agostinho, o ser humano, depois da queda, não tem liberdade para
não pecar. Como quando foi criado, originalmente, a possuía.
Porém, a queda de tal modo corrompeu sua liberdade que, agora,
em seu estado natural, somente é livre para pecar.
‘ ‘O homem pecador (afirma Agostinho) não tem forças nem
vontade para olhar para Deus e, portanto, ama a si mesmo, am a as
criaturas com amor que devia reservar unicamente ao Criador. ’’
‘ ‘O livre-arbítrio do pecador é, na realidade, escravo do
pecado e necessita ser libertado pela graça divina. Sem essa graça,
nada de bom podemos fazer.
‘ ‘Essa graça é, como seu nome diz, absolutamente gratuita.
“ Nada podemos fazer para merecê-la (pois ao contrário,
estaríamos dizendo que nosso arbítrio pecador pode fazer o bem).
“ Como graça imerecida, é dom de Deus. E é soberana e
irresistível, não porque force a vontade, mas porque trabalha dentro
da vontade de tal modo que a leva a desejar o bem.
“ Em conseqüência, a salvação depende de ‘predestinação’,
pois Deus ‘predestinou’ a uns para a salvação, enquanto que os
outros continuam sendo parte dessa massa de condenação que é a
humanidade depois do pecado.
“ A salvação e a condenação não dependem, em última
instância, da vontade humana, mas da ‘predestinação divina’ que faz
os eleitos receberem o dom da graça, e os réprobos, carecendo
desse dom, seguem como parte da ‘massa de condenação’ que é a
raça humana depois da queda em Adão.’ ’ (37)
Vejamos agora:
a) Há oportunidade para todos. A opinião de Agostinho e d
outros expositores defensores da “ predestinação incondicional”
não dá margem para “ todos” . Mas, um exame cuidadosamente
36
racional das Escrituras, leva-nos a entender que a predestinação não
limita a salvação de ninguém.
A predestinação, assim, não deve ser empecilho para a
salvação de quem quer que seja, ainda que, para muitos, pareça ser
um obstáculo intransponível.
“ Todos os hom ens” , de uma maneira ou de outra, são
iluminados por Cristo (Jo 1.9) e no contexto de uma outra seção da
Bíblia, declara o Senhor: “ E eu, quando for levantado da terra [na
cruz], todos atrairei a m im ” (Jo 12.32).
Nesta declaração do divino Mestre há um esclarecimento no
sentido de que não somente os judeus, mas também os gentios, par­
ticipam dos benefícios da expiação no sangue de Cristo, pois o
cristianismo não é de âmbito local, como o judaísmo, e, sim, de
aplicação universal. A expressão “ todos” significa “ todos” sem
qualquer restrição, isto é, a expiação no sangue de Cristo tem uma
aplicação universal.
“ Ele morreu por todos...” (2 Co 5.15a).
Ellícott declara: “ A expressão ‘todos’ nesta seção, não pode
ser limitada pelas interpretações que julgam tratar-se das nações, ou
aos indivíduos eleitos dentre todas as nações; porém, deve ser
considerada na plenitude de sua significação, com o sentido que ela
tem naturalmente - todos! ’ ’ (38)
b) Segundo o seu beneplácito. O apóstolo Paulo diz-nos que
a nossa predestinação para sermos “ ...para louvor da sua glória” foi
‘ ‘segundo o seu beneplácito’ ’ (Ef 1.5,9 e ss).
A RV (English Revised Version, 1881), traduz “ preordena-
dos segundo o seu beneplácito” . Isto é, aquilo que quer que
sejamos em nossa vida de santidade, já existia no seu coração desde
a eternidade, mas que somente foi manifestado na consumação dos
séculos por meio de Cristo (Ef 1.4). O grego “proorisas” (predesti­
nados) significa literalmente nesta passagem “marcados de an­
temão’’.
É apenas uma palavra que expressa o fato de que o plano de
Deus para seu povo vem desde a eternidade. Tal plano é o ato
divino de adoção de filhos por meio de Jesus Cristo. Tudo o que
somos e quanto somos (no presente) e havemos de ser (no futuro),
é somente por causa de Cristo.
Os homens foram criados para viverem em comunhão com
Deus, como filhos com o Pai (Gn 1.26; At 17.28). Pelo pecado, o

37
privilégio se perdeu, mas pela graça em Cristo e através dele, a
restauração à filiação se tomou possível, porém, não esqueçamos
de que, esta filiação requer boa vontade da parte do homem. ‘ ‘Veio
[Jesus] para o que era seu, e os seus [judeus] não o receberam, mas,
a todos [judeus e gentios - toda criatura] quantos o receberem, deu-
lhes o poder de serem feitos filhos de D eus...” (Jo 1.11,12a).
c) “Eudokia” (beneplácito). O vocábulo beneplácito tem do
sentidos nas Escrituras. Estes vão além do sentido meramente
literário que apenas traz a idéia de “ consentimento; licença; apro­
vação, etc.” O
Mas significa boa vontade e propósito. Quando significa boa
vontade é sempre destinado para uma pessoa que corresponde ao
mesmo sentimento (cf. Lc 2.14), mas onde não há referência à
pessoa que sente esta boa vontade, geralmente significa propósito,
tal como bem se encaixa no contexto aqui (Ef 1.5,9).
Esta boa vontade de Deus é manifestada no processo da
adoção de filhos que é, trazer ao seio da família um que outrora era
estrangeiro, passando agora a ter os mesmos privilégios e deveres
de um filho de nascimento.
Esta vontade soberana por parte de Deus, opera de conformi­
dade com o propósito de Deus pelo seu Espírito, o qual atua no
tempo apropriado, tendo em mira: que, pela graça, obedeçam a essa
vocação; sejam gratuitamente justificados; sejam feitos filhos de
Deus por adoção; sejam moldados segundo a imagem de seu Filho
Unigênito, Jesus Cristo; andem piedosamente em boas obras; e,
finalmente, pela misericórdia de Deus, cheguem à bem-aven-
turança etem a que é, portanto, o alvo deste propósito!

(33) op. cit. 1912


c34) Dogmática Bíblica. T. H. SC. 1987
(3S) Idem. Champlin, Ph. D. 1982
(M) Pai, em Teol. Sist. H. C. T. 1987
(37) op. cit. 1987
C3*) Idem. Champlin, Ph. D. 1982
(3#) Idem. Champlin, Ph. D. 1982

38
5
A Doutrina da Eleição
1. Como Calvino a entendia
A doutrina da eleição divina, segue quase que paralelamente
os mesmos ditames da doutrina da predestinação e que alguns já
chegaram até a sugerir que uma é a conseqüência da outra.
Como já tivemos ocasião de ver em notas anteriores sobre a
predestinação incondicional, JoãoCklvino, o grande reform ador da
França e dos Países Baixos, segue a mesma linha de pensamento,
quanto à predestinação e àeleição. Paraele, tanto um acom o aoutra,
são incondicionais, isto é, nada depende do homem, mas tudo
somente de Deus.
Então ele diz:
“ O Evangelho não é pregado em toda a parte do mundo, e
onde é pregado não encontra sempre a mesma recepção; e esta
circunstância, sem dúvida, está subordinada à determinação de
Deus na sua ‘eleição’ eterna.
“ Mas embora seja assim evidentemente o beneplácito de
Deus que a salvação seja livremente oferecida a alguns, e que
outros sejam barrados dela, isto imediatamente gera grandes e
sérios problemas que podem ser resolvidos de uma só maneira, a
saber, numa crença reverente e correta na eleição e na predesti­
nação.” O
a) Sua dissertação. “ A muitos, esta parece ser uma questão
intrincada (diz Calvino em suas ‘Institutas’ - livro III, p. 271), porque
lhes parece desarrazoado, em altíssimo grau, que alguns homens
sejam predestinados à salvação e outros à destruição.
39
“ Entretanto, conforme logo veremos, eles, perversamente,
colocam uma pedra de tropeço no seu próprio caminho, pois nunca
teremos uma convicção correta e clara de que nossa salvação flui da
fonte da misericórdia gratuita de Deus, até que cheguemos a um
conhecimento da sua ‘eleição’ eterna’.” (41)
“ Deus não adota todos os homens sem distinção para a
esperança da salvação, e sim dá a uns aquilo que nega a outros; e o
próprio contraste projeta luz sobre sua graça.
“ A ignorância deste princípio despoja Deus da sua glória e
nós da hum ildade.”
b) Baseado nos ensinos de Paulo. ‘ ‘Paulo [continua Calvino]
testifica claramente que quando a salvação de um remanescente é
atribuída a livre eleição, então, somente então, reconhecemos que
Deus salva mediante seu mero beneplácito a quem Ele quer; e que
assim Ele não paga nenhuma dívida a nenhum homem.
‘ ‘O mesmo apóstolo diz: ‘Assim pois também agora neste
tempo ficou um resto, segundo a eleição da graça. Mas se é graça,
já não é pelas obras: de outra maneira, a graça já não é graça’,
conforme está declarado em Romanos 11.5,6.
“ Ora, se assim é necessário lembrar-nos da eleição para
mostrar-nos que a salvação é somente pela graça, então os que
querem abolir esta doutrina arrancam a humildade, dentro de suas
possibilidades, e obscurecem uma verdade que deveria ser procla­
mada em voz alta. ’ ’ (42)
c) A convicção de Calvino. Durante o tempo em que se
processa a Reforma, Calvino teve de enfrentar muitas con­
trovérsias, até mesmo entre alguns dos seus discípulos, como
teremos ocasião de ver nas seções seguintes.
Calvino também não os poupava no que diz respeito à defesa
de suas convicções e, lhes respondia de acordo com suas críticas.
Em sua majestosa obra As “ Institutas” , Calvino responde a
tais críticas da seguinte forma:
“ Reconheço que os ímpios acham na eleição um alvo para
suas cavilações, vituperações e zombarias.
“ Mas se a insolência deles vai impedir-nos de pregá-la [a
eleição], deveremos pelo mesmo motivo esconder todas as doutri­
nas principais da fé. E quanto àqueles que são tão cautelosos e
tímidos que evitam toda a menção da ‘predestinação’, a fim de não
pertubarem as mentes fracas, porventura não estão indiretamente

40
acusando Deus de falta de consideração e de não perceber um
perigo que, segundo pensam, eles são suficientemente sábios para
evitar?
‘ ‘E agora trataremos da própria doutrina. ’ ’ (43)
2. Não se deve omitir a predestinação
Em sua defesa sobre a “ eleição incondicional” , Calvino
defendia e exortava os crentes piedosos a não negligenciarem a
doutrina da predestinação:
‘ ‘Ninguém que se arroga ser piedoso ousa negar totalmente
a doutrina da predestinação: no momento muitas objeções são
levantadas contra ela, e especialmente por aqueles que a conside­
ram ser o efeito da presciência, ou que ensinam que a presciência
é a sua causa.
“ Nós também cremos firmemente que Deus não somente
predestina como também pré-conhece, contudo, dizemos que é
absurdo fazer de sua presciência a causa do seu propósito predesti-
nador.
“ Quando falamos da presciência de Deus, queremos dizer
que todas as coisas sempre estiveram e perpetuamente continuam
presentes aos seus olhos; de tal maneira que, para seu conhe­
cimento, nada é futuro ou passado, mas todas as coisas são presen­
tes.” H
Ainda em sua defesa sobre a “ eleição incondicional” ele
alega o seguinte:
“ E esta presciência estende-se ao universo inteiro e a todas
as criaturas. Todavia, por predestinação queremos dizer o etem o
decreto de Deus mediante o qual Ele determinou consigo mesmo
o que haveria de ser com todos os homens.
‘ ‘Pois nem todos são criados em condições iguais; mas sim a
vida eterna é preordenada para alguns e a condenação eterna para
outros. E assim, conforme cada homem está preparado (conditus)
para uma finalidade ou outra, dizemos que é predestinação ou para
a vida, ou para a morte. ’ ’
a) Sua objeção. “ Não é apenas com respeito a indivíduos que
Deus revelou isto [defende Calvino]; Ele deu exemplo disto nos
seus procedimentos com a família inteira de Abraão, mostrando
assim que Ele mesmo é o árbitro do estado e da condição de toda
nação.

41
“ * Senhor não tomou prazer em vós, nem vos escolheu,
porque a vossa multidão era mais do que a de todos os outros povos,
pois vós éreis menos em número do que todos os povos; mas porque
o Senhor vos amava, e para guardar o juram ento que jurara a vos sos
pais, o Senhor vos tirou com mão forte e vos resgatou da casa da
servidão, da mão de Faraó, rei do E gito’ (Dt 7.7,8). Agora [respon­
dia ele para seus opositores] apresentai-vos, vós que quereis
vincular a eleição de Deus à dignidade dos homens ou ao mérito das
obras! Quando percebeis que uma nação foi preferida a todas as
outras, e sóis informados de que Deus não foi guiado por nenhum
respeito às pessoas para conferir seu favor sobre aqueles que eram
poucos e ignóbeis, até mesmo perversos e desobedientes, con­
tendereis com Ele porque foi seu beneplácito dar tal prova da sua
compaixão?
“ As estilingadas que arremessais contra o céu não danificarão
sua retidão - cairão de volta sobre vossas próprias cabeças! ’ ’(45)
b) O alcance da eleição. “ Embora seja suficientement
provado que Deus, pelo seu conselho secreto, livremente escolha
a quem quer, entretanto, somente declaramos metade da verdade
acerca da eleição até que falemos particularmente de indivíduos,
aos quais não simplesmente oferece a salvação, como também a
outorga de tal maneira que não pode haver a m ínim a dúvida quanto
à sua eficácia.
‘ ‘N a adoção da família de Abraão brilhou o favor gratuito de
Deus, que Ele negou a outras, mas nos membros de Cristo brilha
um a demonstração m uito mais excelente do poder da graça; pois
aqueles que estão unidos com Ele como seu Cabeça nunca decaem
da salvação.’^46)
' ‘A eleição geral de Israel dentre as nações do mundo era, por
assim dizer, uma imagem visível de um benefício maior que Deus
achou por bem outorgar a alguns entre muitos.
‘ ‘Esta é a razão por que Paulo distingue tão cuidadosamente
entre os filhos de Abraão segundo a carne, e os descendentes espi­
rituais que são chamados como foi chamado Isaque - não porque era
um a coisa vã ou infrutífera ser um filho de Abraão, mas porque o
conselho imutável de Deus, mediante o qual Ele ‘predestinou’ para
si mesmo a quem quis, foi eficaz para a salvação destes somente.

42
‘ ‘No capítulo seguinte [Calvino faz referência ao capítulo 22
do 3Slivro das ‘Institutos’], citarei aquelas passagensdas Escrituras
que estabelecem esta doutrina; entrementes, peço aos meus lei­
tores que se acautelem contra um preconceito pró ou contra ela.” (47)
3. Os opositores da doutrina da eleição
Já tivemos ocasião de ver as lutas de Calvino diante de alguns
opositores da “ predestinação incondicional” . Um deles, como já
ficamos sabendo, foi Jacó Armínio que, mesmo tendo sido discípulo
de Calvino através de Teodorode Beza, pregava a “ predestinação
restrita” ao invés da “ incondicional” .
Agora, na nova sistematização de Calvino no que dizrespeito
à “ eleição incondicional” , surgem novamente novos opositores.
As lutas de Calvino não foram somente no terreno da disci­
plina que, uma vez estabelecida, tantos benefícios operou em
Genebra. Houve, também, as disputas doutrinárias. Além dos
demais, Calvino teve de enfrentar três opositores quanto à eleição,
ou à “ doutrina da eleição divina incondicional” .
Estes três foram:
a) Sebastião Castellion. Um dos casos surgidos de imediato é
o de Castálio, Castélio ou Castellion, personagem que se tornou
mais conhecido graças às suas relações e contendas com o reforma­
dor francês.(48)
Sebastião Castellion nascera em 1515, na Sabóia, no Delfi-
r.ado, segundo outros ou, ainda, pertode Mantua. Em 1540, achava-
se em Estrasburgo, onde se relacionou com Calvino, em cuja casa
veio a residir.
De regresso, depois da revogação do banimento, este o
tomou sob sua proteção, convidando-o para a regência do colégio
em Genebra, em substituição a Marthurin Cordier.(49)
Dado a estudos filosóficos, tornou-se competente em latim,
grego e hebraico. Escreveu bastante, fez duas versões do Pen-
tateuco e traduziu os Salmos e outros trechos poéticos do Antigo
Testamento.
Começou, em Genebra, uma tradução latina da Bíblia, que
terminou em Basiléia em 1551, dedicando-a a Eduardo VI, da
Inglaterra.
Calvino desaprovou a tradução, feita ao gosto dos humanis­
tas.

43
Castellion substituira certos termos por outros, mais ao seu
sabor.
Por exemplo, em vez de “ batismus” , “ lotio” ; “ genius” , em
lugar de “ angelus” ; “ respublica” , substituindo “ ecclesia” ; “ colle-
gium ” , em vez de sinagoga; “ senatus” , por “ presbyterium ” , e
ss.(50)
A tradução vinha assim a enfraquecer o sentido bíblico, na
crítica de Calvino e Beza. Publicou, também, em 1555, uma
tradução francesa do livro sagrado.
Era filólogo, crítico, orador e poeta.
Quis meter-se, igualmente, a teólogo e daí as amarguras.
Era um místico com tendências céticas.(51)
Q uando em Genebra, começou a discórdia com Calvino, que
o tratava com bondade. Não concordava com aquela severidade
(segundo ele) dadisciplina, nem com certas opiniões teológicas do
reform ador, principalmente em referência à “ eleição incondi­
cional” .
b) Jerônimo Bolsec. Caso mais grave que o de Castellion é
de Bolsec.
Jerônimo Bolsec era parisiense e monge carmelita. Suspeito
de heresia por causa de um sermão pregado em Saint-Bartelemy
(São Bartolomeu), buscou refúgio, em 1535, na corte da duquesa de
Ferrara, que o acolheu com a bondade que lhe era usual, e fez dele
seu esmoler.
Soube porém dissimular.
Renée tinha-o por protestante e ocupava-o como interme­
diário na correspondência com Calvino; o duque, que era católico,
tinha-o nesta categoria e servia-se dele como espião junto à
duquesa.
Em Ferrara contraiu matrimônio e dedicou-se à profissão
médica.
Pelo seu gênio violento, contudo, veio a ser, não muito
depois, expelido da corte da duquesa.(52)
Passou então a residir em território bernês, pondo-se a ser­
viço do Senhor de Falais, a três léguas de Genebra (18 quilô­
metros). Em 1550, estabeleceu-se nesta última cidade como
médico.
Começou a propender para a teologia e atacou a doutrina da
eleição... Em 16 de outubro, a situação do antigo carmelita se

44
agravou. Era numa daquelas sextas-feiras em que havia conferência
em São Pedro e tinham a palavra os que a solicitavam.
Pregava um orador sobre a ‘predestinação’, no evangelho de
João, 7.47, quando Bolsec o interrompeu, dizendo que os homens
não são salvos por terem sido eleitos, mas são eleitos por terem fé.
Declarando-se assim, inimigo de Calvino e de suas idéias.
c) Miguel Serveto. Serveto (Servetus em latim) era um per­
feito demolidor com os seus conceitos panteístas e sua posição anti-
trinitária.(53)
Insurgindo-se contra a velha ortodoxia, imaginava um sistema
doutrinário mais completo (segundo ele) e mais bíblico, na sua
hermenêutica singular.
Na sua imaginação teomânica (de teomania), julgava-se um
novo Arcanjo Miguel destinado a combater não só o Dragão de
Roma (papa), como o novo Simão Mago personificado em Calvino.
Negava a “ doutrina da predestinação” e considerava a
“ eleição incondicional” que Calvino pregava puro absurdo... Con­
siderava um grande erro a doutrina da escravidão da vontade, que
vinha tom ar os homens ociosos, desprezando a oração e as obras.
Deus dá liberdade a todos, mas a nossa impiedade converte a li­
berdade em servidão. A doutrina da ‘‘depravação total” , dizia ele:
‘‘é uma blasfêmia” ^ 54)
Serveto foi muito influenciado pela leitura do Apocalipse, a
que deu interpretações fantásticas em alguns pontos.(55)
Entendia que havia chegado o reino do Anticristo, obrigando
a verdadeira Igreja ou o reino de Cristo a fugir para o deserto, onde
teria de permanecer por 1200 dias, que ele os transformou em 1200
anos (cf. Ap 12.6,14), do ano 325 até 1525, quando seria o Milênio.
Com estas, e outras interpretações grosseiras feitas por
Serveto, pondera o historiador Schaff, Calvino e Tollin passaram a
representar os dois extremos na apreciação ao último volume de
Serveto.
O primeiro (Calvino) considera o livro como um caos de
blasfêmias; o último encara o lado bom da obra. Assim, segundo os
historiadores da Reforma Calvinista, Serveto tomou-se inimigo de
Calvino e da doutrina da eleição incondicional para o resto da vida.

(*) As ‘Institutas’ - J. C. 1* Ed. em P ort 1984


.;«) op. d t. 1984
í®) Idem. 1984

45
(°) Les Pères de la Réformation, Paris, 1879
O op. cit. 1879
(■“) Idem 1879
(«) Calvino (1509-1564), Sua Vida e Sua Obra. V. T. L. 1984
í47) op. cit. 1984
C**) Idem 1984
O A Era dos Dogmas e das Dúvidas. J. L. G. Vol, 8. São Paulo. 1984
O op. c it Calvino, 1984
(SI) Idem. 1984
(5J) Michel Cervet. H. T. Paris. 1879
(53) op. c it 1879
(M) Idem. 1879
(“ ) Michel Cervet Y Calvino, Valência, 1919

46
6
A Doutrina da Eleição Divina
l.Em ambos os Testamentos
O ato de escolha mediante o qual Deus seleciona um in­
divíduo ou grupo dentre uma companhia maior, para um propósito
ou destino de sua própria determinação, é chamado de ‘ ‘eleição” .
A principal palavra do Antigo Testamento para indicar isso é
o verbo “ bãhar” que expressa a idéia de “ selecionar deliberada-
mente a alguém ou alguma coisa depois de considerar cuidadosa­
mente as alternativas necessárias” .
Quando Deus escolhe, segundo se depreende da Bíblia, essa
escolha não se torna absolutamente incondicional como é ensinada
pelos defensores do determinismo.
Deus escolhe, e depois usa seus meios e métodos providen­
ciais. Por exemplo:
a) Preventivo (Gn 20.6) - “ ...Disse-lhe Deus...eu te tenho
impedido de pecar contra m im ...” Deus usa os pais, os governos, as
leis, os costumes, a opinião pública, sua Palavra, seu Espírito e a
consciência como meios de impedir providencialmente o mal, na
vida daquele que atende ao seu chamado para a salvação.
b) Permissivo (Dt 8.2; 2 Cr 32.31; Os 4.17; Rm 1.24,28). Estes
textos mostram que Deus prova o eleito para conhecer “ o que es­
tava no seu coração” .
Essa é a maneira de Deus, que abrange aquilo que Ele não
restringe, fica, contudo, evidenciado, que o “ seu cuidado” guarda
o homem de tropeçar; mas, existindo também por parte do homem

47
o devido tem or (JÓ 10.12). Deus não “ guarda ‘no’ pecado; e, sim,
‘do’ pecado” .
c) Diretivo (Rm 12.1,2). Este método “ diretivo” de Deus,
baseia-se em sua vontade perfeita, por cuja ação Deus dirige os
movimentos dos homens e muitas vezes sem que eles tenham
consciência dessa direção (cf. Gn 50.20; Sl 76.10; Is 10.5; Jo 13.27;
At 4.28 etc.).
d) Determinativo (JÓ 42.2), por cujo exercício Deus decide e
executa todas as coisas conforme o conselho de sua própria von­
tade. Esta providência divina, porém, ajusta-se de tal forma à
liberdade humana que, apesar da certeza de Deus agir, não é
fatalismo em sentido nenhum.
Igualmente, a providência de Deus na “ eleição” dos santos
é o oposto de causualidade ou determinismo sectário.(56)
O cuidado divino alcança todas as necessidades para proteção
da vida, mas, necessariamente, o eleito tem também sua partici­
pação (colabora) nesse processo (Dt 4.9, etc.).
(A) O Antigo Testamento. O Antigo Testamento apresenta
Deus, o Criador, como alguém pessoal, poderoso, com propósitos
específicos, e nos assegura que, assim como seu poder é ilimitado,
assim também os seus propósitos serão certamente cumpridos (JÓ
9.12; 23.13; 42.2; Sl 33.10 e ss; Is 14.27; Dn 4.35).
Ele é o Senhor da terra, e como tal é o Governo supremo de
toda a situação, ordenando e dirigindo todas as coisas para
chegarem à finalidade para a qual Ele as fez (Pv 16.4), e determi­
nando cada acontecimento, grande ou pequeno, desde os pensa­
mentos e ações premeditadas de todos os homens (Pv 16.1,9) até o
lançamento da sorte, que aparentemente é ao acaso (Pv 16.33).
Porém, tratando-se da salvação da pessoa humana, tanto
Deus como o homem cooperam mutuamente no processo (Tg 4.8).
Na passagem de Mateus 25.34, nosso Senhor diz aos que estiverem
àsu a direita: “ ...Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o
reino que vos está preparado desde a fundação do m undo” . Com
efeito, porém, esta escolha de Jesus será feita através de um
conhecimento prévio das obras de cada um: “ ...quando o fizestes,
etc.” (v 40). Enquanto que a rejeição, baseia-se também nas obras
de cada um: “ ...quando... o não fizestes, etc.” (v 45). Estas pas­
sagens, mostram-nos que o propósito de Deus é firme, mas que o

48
homem deve contribuir para consolidação de tal propósito em sua
vida (cf. 1 Sm 2.30; Jn 3.10).
a) O alvo da eleição. O alvo da eleição de Israel foi, em
seguida, a bênção e a salvação do povo por meio do fato de Deus
tê-los separado para si mesmo (Sl 33.12) e, finalmente, para a
própria glória de Deus fazendo com que Israel exibisse seus
louvores perante o mundo (Is 43.21 e ss); e desse testemunho sobre
as grandes coisas que Ele fizera (Is 43.10-12; 44.8).
Mas depois Deus rejeitou alguns, como é lembrado por Judas
em sua epístola (v 5), que diz: “ Mas quero lembrar-vos, como a
quem já uma vez soube isto, que, havendo o Senhor salvo um povo,
tirando-o da terra do Enito, destruiu depois os que não creram ” .
A eleição de Israel portanto, envolvia separação. Por ela,
Deus tornou Israel um povo santo, isto é, separado para si mesmo
(Dt 7.6). Um sem número de passagens da Bíblia falam sobre esta
forma de eleição.(57)
É de fato uma das doutrinas notáveis das Escrituras. Lemos,
por exemplo, que Deus escolheu Abraão e sua descendência para
abençoá-los e deles fazer uma bênção para todas as nações (Gn
12.1-3).
b) Exemplificando. Podemos observar tal significadodopen-
samento em Neemias 9.7, que diz: “ Tu és Senhor, o Deus que
elegeste a Abrão, e o tiraste de Ur dos Caldeus, e lhe puseste por
nome Abraão” . Há muitas passagens em que Israel é chamado povo
escolhido. Basta citar algumas:
“ ...O Senhor teu Deus te escolheu, para que lhe fosses o seu
povo próprio, de todos os povos que sobre a terra há” (Dt 7.6b;
14.2b).
“ Feliz a nação cujo Deus é o Senhor, e o povo que ele
escolheu para sua herança’ ’ (Sl 33.1
‘ ‘Mas tu, ó Israel, servo meu, tu Jacó, a quem elegi, semente
de Abraão, meu amigo, tu a quem tomei desde os fins da terra, e te
chamei dentre os seus mais excelentes, e te disse: Tu és o meu
servo, a ti te escolhí e não te rejeitei” (Is 41.8,9).
“ ...Porei aguas no deserto, e rios no ermo, para dar de beber
ao meu povo, ao meu eleito ” (Is 43.20b).
“ Produzirei descendência a Jacó, e a Judá um herdeiro, que
possua os meus montes; e os meus eleitos herdarão a terra e os meus
servos habitarão ali” (Is 65.9).

49
“ Não edificarão para que outros habitem; não plantarão para
que outros comam; porque os dias do meu povo serão como os dias
da árvore, e os meus eleitos gozarão das obras das suas mãos até a
velhice’ ’ (Is 65.22). E outras passagens similares!
(B) O Novo Testamento. Em o Novo Testamento, anuncia-se
a extensão das promessas de aliança de Deus ao mundo gentílico,
bem com o a transferência dos privilégios do pacto da descendência
de Abraão para um grande grupo predominantemente gentio (Mt
21.43), que consiste de todos aqueles (judeus e gentios) que se
tom am membros do corpo de Cristo por intermédio de seu sangue
(Rm 4.9-18; 9.6 e ss; Gl 6.16; E f 2.11 e ss; 3.6-8).
Por esta e outras razões, estas palavras “ eleito” e “ escolhido”
encontram-se em vários elementos doutrinários do Novo Tes-
tamento.(58)
a) Nos Evangelhos. ‘ ‘E, se aqueles dias não fossem abrevi­
ados, nenhuma carne se salvaria; mas por causa dos escolhidos
serão abreviados aqueles dias” (Mt 24.22).
‘ ‘Porque surgirão falsos cristos e falsos profetas, e farão tão
grandes sinais e prodígios que, se possível fora, enganariam; até os
escolhidos ’ ’ (Mt 24.24).
“ E ele enviará, os seus anjos, e ajuntará os seus escolhidos,
desde os quatro ventos, da extremidade da terra até a extremidade
do céu” (Me 13.27).
‘ ‘E Deus não fará justiça aos seus escolhidos, que clamam a
ele de dia e de noite, ainda que tardio para com eles?” (Lc 18.7). E
outras passagens similares!
b) Nas Epístolas. “ Quem intentará acusação contra os
escolhidos> de Deus? E Deus quem os justifica” (Rm 8.33).
“ Assim pois também agora neste tempo ficou um resto,
segundo a eleição da graça’’ (Rm 11.5).
‘ ‘Pois quê? O que Israel buscava não o alcançou; mas os
eleitos o alcançaram, e os outros foram endurecidos” (Rm 11.7).
‘ ‘Assim que, quanto ao evangelho, são inimigos por causa de
vós; mas, quanto à eleição, amados por causa dos pais” (Rm 11.28).
“ Como também nos elegeu nele [Cristo] antes da fundação
do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele
em caridade; E nos predestinou para filhos de adoção por Jesus
Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade...Nele
[Cristo], digo, em quem também fomos feitos herança, havendo

50
sido predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas as
coisas, segundo o conselho da sua vontade” (Ef 1.4,5,11).
“ Revesti-vos pois, como eleitos de Deus, santos, e amados,
de entranhas de misericórdia, de benignidade, humildade, man­
sidão, longanimidade” (Cl 3.12).
“ Sabendo, amados irmãos, que a vossa eleição é de Deus ” (1
Ts 1.4).
“ Porque Deus não nos destinou para a ira, mas para a
aquisição da salvação, por nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Ts 5.9).
“ Mas devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos
amados do Senhor, por vos ter Deus elegido desde o princípio para
a salvação, em santificação do Espírito, e fé da verdade’ ’ (2 Ts 2.13).
“ Portanto tudo sofro por amor dos escolhidos, para que
também eles alcancem a salvação que está em Cristo Jesus com
glóriaeterna” (2T m 2.10).
“ Paulo, servo de Deus, e apóstolo de Jesus Cristo, segundo
a fé dos eleitos de Deus, e o conhecimento da verdade, que é
segundo a piedade” (Tt 1.1).
' ‘Eleitos segundo a presciência de Deus Pai, em santificação
do Espírito, para a obediência e aspersão do sangue de Jesus Cristo:
graça, e paz vos seja m ultiplicada” (1 Pe 1.2).
“ A vossa co-eieita em Babilônia vos saúda, e meu filho
M arcos” (1 Pe 5.13).
‘ ‘Portanto, irmãos, procurai fazer cada vez mais firme a vossa
vocação t eleição] porque, fazendo isto, nunca jamais tropeçareis”
(2 Pe 1.10). E outros contextos similares!

2. O alcance do arg u m en to
Com efeito, portanto, não ignoramos uma “ doutrina da
eleição’ ’, ou de uma ‘ ‘escolha’ ’ por parte de Deus entre os homens;
contudo, negamos que, esta escolha divina seja irreversível, sem
trégua!
Desde Abraão até os cristãos, a Bíblia mostra uma infinidade
de pessoas escolhidas - primeiro um homem; depois, uma família,
logo mais uma nação, e dentro desta, mais adiante, uma família real,
os profetas e finalmente Cristo é tido também como ‘ ‘um escolhido
do Senhor’’ (Mt 12.18); um grupo de apóstolos, uma multidão de
homens fiéis, inclusive todos os cristãos.(59)
Fala-se de todos estes como tendo sido escolhidos ou eleitos

51
por e, para Deus. Porém, como já tivemos ocasião de alirm ar, ne­
gamos, entretanto, que nesta eleição ou escolha, não exista
nenhuma condição.
Na passagem de João 15.16a, assim diz nosso Senhor: “ Não
me escolheste vós a mim, mas eu vos escolhi a vós, e vos nomeei,
para que vades e deis fruto, e o vosso fruto perm aneça...” Aí,
portanto, está o grande objetivo desta eleição: “ ... para que... deis
fruto’ ’. Porquê? Jesus responde: “ ...Toda a vara [crente] em mim,
que não dá fruto, a tira ” (Jo 15.1,2).*()

(s<) op. cit. 1919


(S7) O NT. Int. v. p. v. R. N. Champlin, Ph. D. 1982
(**) op. cit. 1982
(59) Idcm. 1982

52
7
A Eleição é de Deus
1. Deus é o a u to r da eleição
‘ ‘Sabendo, amados irmãos, que a vossa ‘eleição’ é de Deus ”
(1 Ts 1.4). Observemos, portanto, com o nossa eleição está presente
e, simultaneamente, como pertencendo a Deus.
“ .. .Por causa dos eleitos que ele escolheu, abreviou tais dias ”
(Me 13.20-A&4).
“ ...Não falo a respeito de todos vós, pois eu conheço aqueles
queescolhi...” (Jo 13.18-A/M).
A nossa eleição tem, portanto, três períodos sucessivos e, que
todos são completados em Cristo.
Oprimeiro : “ ...antes da fundação do m undo” (Ef 1.4).
O segundo: “...desde a fundação do m undo’’ (Ap 13.8).
O terceiro: “ ...naplenitude dos tempos” (cf. Jo 15.16; Gl. 4.4;
2 Ts 2.13). Na passagem de João 17.6, nosso Senhor então diz em
sua Oração Sacerdotal: ‘ ‘M anifestei j]o teu', nome aos homens^ que
do mundo me deste: eram teus, e tu mos deste...”
Evidencia-se, destas e de muitas outras passagens, que Deus
é a Causa Eficiente da eleição. Como já vimos em outras notas ex-
positivas, a Bíblia Sagrada não fica num extremo e nem vai para o
outro, no que diz respeito à nossa eleição, predestinação e con­
selho, ou decreto de Deus, mas, acima de tudo, equilibra cada uma
destas coisas, em seus devidos lugares. A eleição em Deus é
absoluta; mas no homem é condicional.(60)
a) A eleição é eterna. “ Assim como nos escolheu nele ante
da fundação do m undo...” (Ef 1.4a).

53
Não só este texto, mas outros contextos e similares, falam de
uma eleição eterna, preparada por Deus, antes, e desde a fundação
do mundo.
‘ ‘Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que
vos está preparado desde a fundação do m undo” (Mt 25.34b).
“ Como também nos elegeu nele antes da fundação do
mundo...” (Ef 1.4a).
“ Que nos salvou, e chamou com uma santa vocação; não
segundo as nossas obras, mas segundo o seu próprio propósito e
graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos dos
séculos” (2 Tm 1.9).
Alguns dos seguidores de Jacó Armínio, contrariando estas
declarações explícitas da Bíblia, ensinam que a eleição não ocorre
na eternidade e, sim, no tempo. Confundindo assim causa com
efeito, dizem que, a eleição só passa a existir quando o homem se
arrepende.
Ora, nós aceitamos que a eleição seja eterna, como eterna é
a salvação. Mas, como vimos em outras notas expositivas, qualquer
bênção no, e para o homem, é condicional. Isto não limita de forma
nenhuma o propósito divino; pelo contrário, o justifica. Na salvação
humana há sempre uma condição a seguir. Veja:
“ Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu
Filho unigênito [até aqui, Deus!], para que [agora a parte do
homem] todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida
eterna” (Jo 3.16).
São inúmeros os casos na Bíblia que, sem sombra de dúvida,
mostram que a eleição (especialmente para a Igreja) se condiciona
à previsão divina da perseverança na fé e santa obediência até o fim.
Um crente pode, perto do fim de sua carreira terrena, cair da graça,
total e finalmente, e perecer para sempre.
“ ...Sê fiel até a morte, e dar-te-ei a coroa da vida’ ’ (Ap 2.10b).
b) Nossa eleição éfeita em Cristo. “ Bendito o Deus e Pai d
nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as
bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo. Como também
nos ‘elegeu nele’ antes da fundação do m undo...” (Ef 1.3,4a).
De acordo com a Bíblia, especialmente nas páginas do Novo
Testamento, tudo quanto gozamos, como crentes, temo-lo “ em
Cristo” .(61)
Este expressivo ‘ ‘em C risto” é empregado por 164 vezes nas

54
epístolas de Paulo, servindo de “ nota chave” de sua teologia. Nossa
eleição e glorificação é somente por intermédio de Cristo. Por nossa
identificação com Ele, morremos, fomos sepultados e ressurgimos
com Ele, e somos abençoados nas regiões celestiais ainda com Ele
(cf. Rm 6.3-6; E f 1.3 e ss). O amor com que Deus nos ama e do qual
nada nos pode separar, é o amor ‘ ‘em Cristo’ ’ (Rm 8.39).
Nele temos o perdão de nossos pecados (Ef 4.32). Somos um
só corpo em Cristo (Rm 12.5). Em Cristo somos novas criaturas (2
Co 5.17). O pacto da graça foi confirmado em Cristo (E f 3.6). Em
Cristo triunfamos (2 Co 2.14). Com Ele morreremos, com Ele
viveremos; com Ele sofrem os,com Ele reinaremos (2 T m 2 .1 1,12).
Assim também na eleição, o Pai fez doação dos eleitos a
Cristo (Jo 6.39; 17.2,6,9,11,12,24). Somos ovelhas do seu redil e
um dia Ele nos apresentará ao Pai, dizendo: ‘ ‘...Eis-me aqui a mim,
e aos filhos que Deus me deu” (Hb 2.13b).

2. 0 alvo da eleição
“ Que nos salvou, e chamou com uma santa vocação...” (2 Tm
1.9a).
Nesta passagem e em outras que a Bíblia encerra, vemos que
a nossa eleição visa a um objetivo em cada cristão. No presente
texto, somos salvos “ ...para uma santa vocação” . Na passagem de
1 Pedro 1.2, somos eleitos “ ...para a obediência” . E na passagem de
João 15.16, eleitos para “ ...produzir frutos” .E , em qualquer outra
seção da Bíblia, onde esta palavra “ eleição” está presente, visa,
sempre, a um objetivo divino para com suas criaturas.(62)
Com o já tivemos ocasião de afirmar em outras notas exposi-
tívas, a eleição que a Bíblia revela é “ a eleição da graça” (Rm 11.5),
e graça, como já sabemos, quer dizer ‘ ‘favor não merecido’ ’. Fomos
escolhidos e predestinados “ para que fôssemos santos e irre­
preensíveis” diante dele em caridade.

3. A doutrina da reprovação
Calvino definia a doutrina da reprovação da seguinte ma­
neira:
‘ ‘Deus predestinou pessoas para ‘...o louvor de sua glória...”
(Ef 1.6a), e os eleitos são chamados ‘...vasos de m isericórdia...”
(Rm 9.23b). Ora, graça e misericórdia pressupõem pecado e culpa
naqueles que são seus objetos.

55
‘ ‘Deus não podia ter escolhido como objetos de sua m ise­
ricórdia e graça, seres que Ele contemplasse como inocentes, sem
culpa. ” (“ )
Calvino, então, apresentava vários pontos de vista, a saber:
a) “ Oj vasos íia ira. Os reprovados são chamados ‘...vasos da
ira, preparados para a perdição’ (Rm 9.22c). Não é possível conce­
ber-se ira de Deus a não ser contra pecadores. ‘Ora, como mise-
ricórdia e bondade implicam uma apreensão de culpa e miséria nos
objetos delas, assim justiça implica merecimento de castigo. Isto
mostra que o homem é predestinado como criatura caída; não se
permite sua queda pelo fato de ser predestinado’.
b) ' ‘Escolhidos do mundo. As Escrituras apresentam os elei
tos como ‘escolhidos do m undo’ (Jo 15.16,19), e João diz numa
seção de sua prim eira epístola: ‘Sabemos que somos de Deus, e que
todo o mundo está no m aligno’ (5.19). Portanto, os eleitos são
escolhidos do meio dos perdidos, que jazem sob o poder do
maligno. Isto ajuda a compreender o sentido das palavras de Paulo
em Romanos 9.19-24, onde diz que o oleiro tem poder sobre o
barro, para ‘do mesmo... fazer um vaso para honra e outro para
desonra.’”
Ora, com efeito, sabemos ser, de fato, isso verdade, mas não
devemos esquecer de que, em toda a extensão da Bíblia que fala da
eleição divina, ‘qualquer’ serhum anoqueaceitaJesuscom oSalva-
dor, tom a-se um ‘candidato’ a esta eleição. “ Glória, porém, e honra
e paz a ‘qualquer’ que obra o bem; primeiramente ao judeu e
também ao grego; Porque, para com Deus, não há acepção de
pessoas” (Rm 2.10,11).

4 .0 fatalism o
As opiniões filosóficas variam bastante no que diz respeito à
salvação da pessoa humana.
Passaremos, portanto, a enumerar alguns destes pontos.
O prim eiro deles, como já expomos acima, é o “ fatalism o” .
Fatalismo, segundo conceito filosófico, é ‘ ‘atitude ou doutrina que
admite que o curso da vida humana está, em graus e sentidos
diversos, previamente fixado, sendo a vontade ou a inteligência
impotentes para dirigi-los"X64)
O fatalismo sustenta que todas as coisas acontecem por via de
uma força cega, estúpida, impessoal, amoral, que não se distingue

56
de necessidade física e que nos arrasta indefesos pela sua força
como um caudaloso rio arrasta um pedaço de madeira.
A Bíblia, porém, condena o fatalismo, quando diz: *‘Porque o
que sucede aos filhos dos homens, isso mesmo também sucede aos
animais; a mesm a coisa lhes sucede...” (Ec 3 .19a). “ ...o tempo e a
sorte pertencem a todos” (Ec 9.1 lb). E que Deus pode modificar
qualquer coisa a nosso respeito (2 Rs 20.1-11; Jn 3.10, etc.).

5. O determinismo
A doutrina do determinismo, prende-se a um conceito
filosófico que nega o livre-arbítrio ou a influência pessoal na
determinação do ato e atribui esta a força de causas (internas e ex-
temas).
Para os defensores de tal doutrina, todos os fenômenos do
Universo, abrangendo a natureza, a sociedade e a história são su­
bordinados a leis e causas necessárias.
Nada ocorre sem estacorrelação determinista (afirmam eles),
enquanto no fatalismo os fatos são fixados de antemão por uma força
externa e superior ‘a vontade. Por conseguinte, todo esforço é
inútil, porque tudo ocorre de modo infalível.
O determinismo ensina, apenas, que para cada fato há de ter
havido sempre razões suficientes que o determinaram.(65)
O determinismo, portanto, nega o livre-arbítrio.
A Bíblia, porém, não aceita o determinismo, quando diz: ‘ ‘Os
céus e a terra tomo hoje por testemunhas contra vós, que te tenho
proposto ‘a vida e a m orte’, a bênção e a maldição; escolhe, pois,
a vida, para que vivas... ’ ’ (Dt 30.19). E acrescenta: ‘‘...escolhei hoje
a quem sirvais...!” (Js 24.15a). Isto, portanto, significa livre-arbítrio.
6 .0 voluntarismo
O “ voluntarism o’ ’, conforme sugere o termo, trata da noção
filosófico-teológica de que a vontade de Deus é suprema, pois
Deus agiria principalmente de acordo com a sua ‘ ‘vontade” , e não
de acordo com a sua ‘ ‘razão’ ’, aniquilando assim, a justiça de Deus.
Isso significaria, por sua vez, que tudo aquilo que Deus determina
por sua vontade é correto, sem importar o que o homem possa
pensar sobre a moralidade dos atos divinos.
Foi Sócrates quem ventilou a questão crucial, quando per­
guntou: ‘ ‘Um a coisa é direita porque Deus a determinou pela sua
vontade, ou Deus determina alguma coisa porque ela é direita?”

57
Ora, segundo este conceito, existe por parte de Deus uma
“ reprovação divina” , pois, mediante esse fator é que Deus en­
durece, condenae julga, devido à sua própria vontade soberana, in­
teiramente à parte do que o homem tenha sido, seja ou possa vir a
ser. Isso porém, nem sempre está em harm onia com o pensamento
geral da Bíblia. D izer que Deus age de acordo com sua vontade
soberana, não está errado. Está certo. Porém dizer que Deus opera
de acordo com sua ‘ ‘razão’ ’ está errado.
Na passagem de Romanos 9.30; 10.21, ensina-se que a
vontade e o agir humano entram em cena na questão da salvação,
pelo que qualquer forma de voluntarismo é abandonada. O volun-
tarismo é uma verdade, por um prisma divino; porém, não é a única
verdade, posto existirem considerações humanas. A razão divina,
corresponde também a razão humana no plano da redenção (Rm
12.1 e ss).

7. O livre-arbítrio
O problem a do livre-arbítrio ou d a 4‘liberdade da vontade’ ’, é
encarado entre os defensores da ‘‘predestinação incondicional’ ’ da
seguinte forma: “ ...Ficará fora de qualquer dúvida que o hom em
não possui livre-arbítrio (vontade própria) para boas obras, a não ser
que seja assistido pela graça especial concedida aos eleitos na
regeneração” ^ 66)
Numa outra seção de suas “Institutas” Calvino diz:
“ Dir-se-á que o homem possui livre-arbítrio neste sentido,
não o de ter capacidade de ‘escolher livre e igualmente o bem e o
m al’, mas porque faz o mal voluntariamente, e não p or coação. Sua
vontade se mantém em servidão, agrilhoada pelo pecado.”
O ensino de Calvino a este respeito, como já tivemos ocasião
de ver em outras notas, é que foi somente antes da queda que o
homem teve esse poder de escolha contrária entre o bem e o mal;
que foi somente então que ele teve livre-arbítrio. Ensina que depois
da queda o homem perdeu esse livre-arbítrio. Afirm a que o hom em
ainda tem uma vontade, porém não livre, em vista de estar
escravizada sua natureza corrompida. Não tem mais poder de
escolher entre o bem e o m al e, portanto, não tem poder de escolher
a Deus, o céu, e a santidade.(67)
Desde o início deste livro que abordamos os conceitos da pre­
destinação- “ incondicional” , “ restrita” e “ condicional” ; nosso

58
objetivo é, acima de tudo, mostrar como a Bíblia Sagrada equilibra
cada coisa em seu devido lugar, e a seguir, mostrar o caminho pelo
qual devemos seguir. No livre-arbítrio, por exemplo, fica eviden­
ciado, nas próprias palavras do Criador, que o livre-arbítrio continua
no, e com o homem: “ ...Eis que o homem é como um de nós,
sabendo o bem e o mal; ora, pois, para que não estenda a sua mão,
e tome também da árvore da vida, e com a e viva etem amente [na
miséria]” (Gn 3.22b).

H Idera. 1982
(“ ) Scofield, Dr. C. I. (Scofield Reference Biblc)
(“ ) op. cit. Champlin, Ph. D. 1982
(“ ) op. cit. As ‘Institutas’. 1984
(“ ) Int. a FU. N. G. e P. F. São Paulo. 1983
O op. cit. 1983
(“ ) Idem. 1983
(47) Idem. ‘Institutas’. 1984

59
8
Deus Quer que Todos os
Homens se Salvem
1. A salvação é oferecida a todos
“ Mas Deus, não tendo em conta os tempos da ignorância,
anuncia agora a ‘todos os hom ens’, e em ‘todo o lugar’, que se ar­
rependam ” (At 17.30). Devemos observar livremente para uma
melhor compreensão do significado do pensamento que cada
palavra chave que o Novo Testamento usa para descrever a m ani­
festação da graça de Deus e seus efeitos, é sempre vista no sentido
universal.
Seu objetivo é sempre “ todos” .
‘‘Todos’’, portanto, é um testemunho das riquezas da graça de
Deus; além disso, é uma prova incontestável de que graça é graça
mesmo. Se a graça se manifestasse fazendo discriminação entre
pessoas, já não seria graça.(68)
a) Todos. Selecionamos alguns textos e contextos bíblicos
para m ostrar a importância desta totalidade de alcance muito vasto
na palavra ‘ ‘todos ’ ’, quanto à oportunidade de salvação.
“Todo aquele, pois, que escuta estas minhas palavras e as
pratica, assemelha-lo-ei ao homem prudente, que edificou a sua
casa sobre a rocha’ ’ (Mt 7.24).
‘ ‘Portanto, qualquer que me confessar diante dos homens, eu
o confessarei diante de meu Pai, que está nos céus” (M t 10.32).
‘ ‘Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprim idos, e eu
vos aliviarei” (Mt 11.28).

60
“ E disse-lhes: Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a
toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo...” (Me
16.15,16a).
‘‘E toda a carne verá a salvação de D eus” (Lc 3.6).
‘ ‘E dizia a todos\ Se alguém quer vir após mim, negue-se a si
mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e siga-m e” (Lc 9.23).
“ ...Se vos não arrependerdes, todos de igual modo pere­
cereis” (Lc 13.3b).
“ Respondeu-lhe o Senhor: Sai pelos caminhos e atalhos e
obriga a todos a entrar, para que fique cheia a minha casa” (Lc 14.23
-ARA).
“ A lei e os profetas duraram até João; desde então é anun­
ciado o reino de Deus e todo o homem emprega força para entrar
nele” (Lc 16.16).
‘ ‘Este veio para testemunho, para que testificasse da luz, para
que todos cressem por ele” (Jo 1.7).
“ Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de
serem feitos filhos de Deus; aos que crêem no seu nom e” (Jo 1.12).
‘ ‘Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu
filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas
tenha a vida eterna” (Jo 3.16).
“ Porquanto a vontade daquele que me enviou é esta: que
todo aquele que vê o Filho, e crê nele, tenha a vida eterna...” (Jo
6.40a).
Em outras seções do Novo Testamento, podemos observar
como esta expressão “ todos” no que diz respeito à salvação da
pessoa humana, está presente com sentido universal (At 2.21;
17.31; Rm 1.16; 10.13,14; 1 Tm 2.3,4, etc.).
b) A razão divina. A razão divina no plano da salvação não
mostra restrição a quem quer que seja. ‘ ‘Deus anuncia a ‘todos os
hom ens’, e em ‘todo o lugar’, que se arrependam .” Este, portanto,
é um dos motivos porque alguns têm por tardia a promessa da vinda
do Senhor; o fato é que Ele não deseja que alguns se percam, senão
que todos venham a arrepender-se (2 Pe 3.9).
Na passagem de 1 Timóteo 2.3,4, o apóstolo Paulo diz o
seguinte: “ Porque isto é bom e agradável diante de Deus nosso
Salvador. Que quer que todos os homens se salvem ...” O termo

61
“ quer” é transliteração da palavra “ deseja” (ARA). E, necessari­
amente, o vocábulo “ deseja” é tradução da palavra “ thelo” , que
significa “ desejar” , “ querer” , “ ter prazer em ” ^ 69)
A vontade de Deus é que o Evangelho progrida, que seus
efeitos sejam ampliados até se tomarem universais. O presente
versículo não contempla qualquer limitação como ‘ ‘eleição incon­
dicional ” e ‘ ‘decreto divino reprobatório” . Tais considerações são
simplesmente esquecidas aqui!
Isto não significa, por outro lado, que o “ determinismo
relativo” não seja uma verdade. Pois tanto a “ vontade livre do
hom em ’ ’ como a ‘ ‘predestinação condicional” são verdades bíbli­
cas. Quanto à conversão, como que surgem à sua frente duas
estradas, assim é esta. Por sua própria vontade, o homem pode
querer seguir aquilo que está de acordo com a vontade de Deus.
Quando do arrependimento, o homem quer arrepender-se, e Deus
lhe confere poder para tal.(70)
Não podemos negligenciar qualquer desses aspectos. O ser
divino sempre vem ao encontro do ser humano; o ser humano
sempre coopera com o ser divino. E assim que o homem usa de seu
livre-arbítrio, exercendo o arrependimento e fé, e, portanto, se con­
vertendo.

2.Em direção a Deus


Paralelamente a essas observações, pode-se dizer que a von­
tade de crer e a própria “ fé” , como também toda a boa ação ou passo
na direção de Deus, devem ser conferidas por Deus. Isso é uma
verdade, mas é apenas um dos lados da verdade.
Tal verdade é ensinada em Gálatas 5.22; Efésios 2.8. Trata-
se do lado divino da verdade do livre-arbítrio. É verdade que
nenhum homem pode vir a Cristo, a menos que ‘ ‘Deus se achegue”
a ele. Mas não é menos verdadeiro que “ Deus se achegue a nós na
cruz” . Por conseguinte, as Escrituras ensinam que todos os homens
são donos potenciais da “ fé” conferida por Deus, a fim de que
venham realmente a crer, se assim o quiserem fazer.
Essa é uma dádiva divina aos homens. Todo e qualquer passo
dado na direção de Deus deve ser feito em meio à agonia da alma,
não sendo algo automático, como também a experiência humana o
demonstra. Aqui, não tratamos de méritos próprios, e, sim, de boa
62
vontade do pecador que olha para Cristo. Já no aspecto da “ pre­
destinação incondicional” , isso é visto automaticamente e não
voluntariamente.
No último convite de Deus ao homem, subentende-se o con­
curso do li vre-arbítrio humano, quando a voz divina conclama. ‘ ‘E
o Espírito e a esposa dizem: Vem. E quem ouve, diga: Vem. E quem
tem sede, venha; e quem quiser, tome de graça da água da vida” (Ap
22.17). E esse é o último convite da Bíblia aos homens, para que se
deixem salvar.(71)
a) A ajuda de Deus. Num conceito geral da Bíblia, não deve­
mos compreender que o homem possa agir totalmente “ sem causa
ou razão” , conforme diz a definição filosófica do “ livre arbítrio” .
Antes, devemos entender que o homem é dotado de “ livre-
arbítrio’ ’, isto é, pode alterar o curso de sua maneira de pensar e de
viver, sendo responsável por fazer tal. Nunca devemos pensar que
isso funciona no vácuo. De fato, para vir a crer, cada indivíduo
humano tem de vencer a si mesmo, além de ter de vencer muita
oposição fora de si mesmo; e, para vencer na vida depois de salvo,
a mesma boa vontade para com Deus deve continuar: “ ...Esforça-
te, e...o Senhor teu Deus é contigo...” (cf. Js 1.9).
Deus tornou isso possível, através do que Ele realizou na
cruz, em Cristo Jesus. “ Isto é, Deus estava em Cristo reconciliando
consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados...” (2 Co
5 .19a). Através, e por meio deste gesto de Deus, até a alma humana
caída é capaz de reconhecer seu próprio Criador; e isso continuará
possível mesmo que não houvesse livre agência em cada um de
nós; embora, seguida de muita dificuldade (cf. Jr 13.23).
b) A chamada para o arrependimento. A chamada para o ar­
rependimento e a fé, dados através da Bíblia, e que visam a todos
os homens, conforme se vê em Atos 17.30e 1 Timóteo 2.4 e outras
passagens similares, seria apenas uma zombaria para aqueles que já
se encontram em estado de miséria espiritual.(72)
Essa chamada divina universal seria um absurdo se os ho­
mens não se pudessem arrepender. O mandamento de Deus é que
Ele “ ...não tendo em conta os tempos da ignorância, anuncia agora
a todos os homens, e em todo o lugar, que se arrependam ” (At
17.30).
Como se poderia pensar que Deus ordena aos homens uma
coisa que lhes é impossível obedecer? Isso é inconcebível, fazendo

63
as Escrituras se tornarem mera zombaria. Bem pelo contrário disso,
Deus é o Salvador, que ama o mundo inteiro (Jo 3.16), e que proveu
meio seguro de salvação para todos, contanto que se deixem salvar.
É verdade, como diz Paulo: “ Nem todos obedecem ” , mas a
culpa não está em Deus, e, sim, neles.
As verdades bíblicas da predestinação e do livre-arbítrio
humano não se contradizem entre si, pelo contrário, se harmonizam
entre si em cada detalhe, porquanto são apenas dois lados de uma
grande verdade, que diz respeito à interação da vontade divina e da
vontade humana.
c) Como Deus age. Deus se utiliza da vontade humana par
cumprir os seus decretos, mas sem destruir essa vontade. Todavia,
como Deus faz isso, não sabemos dizer. Estudos acerca da perso­
nalidade humana e sobre seus poderes inerentes afirmam que o
homem é um ser criativo, que pode estabelecer as suas próprias
circunstâncias, porquanto até mesmo em seu estado decaído no
pecado, continua sendo um ser espiritual, que não se situa muito
abaixo dos anjos.
Nessa capacidade, pois, o homem é um ser responsável,
dotado de livre-arbítrio. Por conseguinte, bem longe de mero
boneco ou robô, lançados pelos ventos cósmicos e forças mecâni­
cas para lá e para cá.
A grande estrutura espiritual do homem é ilustrada pela
vontade de seu livre-arbítrio; e é isso que o torna responsável pelas
suas próprias ações (Pv 22.11, etc.).

O O NT. Int. v. p. v. R. N. Champlin, Ph. D. 1982


(“ ) op. cit. 1982
Ò°) Dogmática Bíblica. T. H. SC. 1987
C” ) op. cit. 1987
C2) Apoc. v. p. v. S. P. S. RJ. 1988

64
9
Um Salvo Pode Perder-se?
l.A s duas opiniões
A doutrina da predestinação incondicional (ensinada por
Calvino), ensina que “ não” . Daí, segue-se o ensino de “ uma vez
salvo sempre salvo” .
A doutrina bíblica da predestinação condicional, ensina que
um salvo, pode vir a ‘ ‘desviar-se” . No decorrer deste livro temos
estudado as condições impostas por Deus mediante a sua Palavra
para a permanência dos salvos, pois, a salvação em si mesma é
eterna e incondicional. No homem, porém, ela é vista do ponto de
vista condicional. A experiência humana prova a possibilidade
duma queda temporária da graça, conhecida por ‘ ‘desviar-se” .
Existe uma palavra hebraica que descreve este estado da
pessoaque significa “ voltar atrás” ou “ virar-se” ^73)
Uma outra palavra significa ‘ ‘volver-se’ ’ ou ser ‘‘rebelde’ ’.
a) A possibilidade. Existem, em toda a extensão da Bíblia,
muitas passagens que, sem nenhuma mistificação, mostram a pos­
sibilidade de uma pessoa, por meio do descuido, vir a “ desviar-se” .
Não nos deteremos a todas, mas apenas a algumas para melhor
compreensão do significado do pensamento.
“ Então disse o Senhor a Moisés: Aquele que pecar contra
mim, a este riscarei eu do meu livro” (Êx 32.33).
“ Sejam riscados do livro da vida, e não sejam inscritos com os
justos” (Sl 69.28).
“ Eis que todas as almas são minhas; como a alma do pai,
65
também a alma do filho é minha: a alma que pecar, essa m orrerá”
(Ez 18.4,24,26).
“ Ora, se teu irmão pecar contra ti, vai, e repreende-o entre ti
e ele só; se te ouvir, ganhaste a teu irmão; mas se não te ouvir, leva
ainda contigo um ou dois, para que pela boca de duas ou três
testemunhas toda a palavra seja confirmada. E, se não as escutar,
dize-o à igreja; e, se também não escutar a igreja, considera-o como
um gentio epublicano” (Mt 18.15-17).
‘ ‘Mas aquele que perseverar até o fim será salvo ’ ’ (Mt 24.13).
b) Outros exemplos. São inúmeros os textos e contextos que
exemplificam e reforçam este argumento, tais como: (At 8.13,20-
24; Gl 1.6; 3.1,3; 5.4; 1 Tm 1.18-20; 3.6,7; 4.1; 5.11,12,15; 6.10,21;
2 Tm 2.12,17. 4.4,10; Tt 1.14; Hb 2.1; 3.12; 4.1,11; 6.4-6; 10.25-
27,32,35,38; 12.3,13,16,17,25; 2 P e 2.1,15,20-22; 1 J o 5.16; Jd v .
24; A p3.1,2 etc.).
Estas passagens não só mostram a possibilidade de um
verdadeiro deslize na fé, mas também nos exortam à perseverança
na fé dos santos pois, somente assim fazendo, alcançaremos nosso
objetivo final: a salvação de nossas almas (cf. 1 Pe 1.9).
2 .0 filho da perdição
Muitos expositores têm argumento sobre a “ perdição” de
Judas Iscariotes, afirmando que, sua “ reprovação” foi algodetermi-
nativo da predestinação divina. Devemos, entretanto, observar que
os discípulos haviam atingido elevado nível espiritual, pelo que
haviam acrescentado a virtude à sua fé. Entrementes, Judas, de
alguma maneira, ficou imune à benéfica influência de Jesus.
Se comovia e ficava impressionado, mas nunca se con­
verteu. (74)
Na passagem de João 17.12, nosso Senhor então diz: “ Es­
tando eu com eles no mundo, guardava-os em teu nome. Tenho
guardado aqueles que tu me deste, e nenhum deles se perdeu,
senão o filho da perdição, para que a Escritura se cumprisse” . Nosso
Salvador afirma ter guardado, em nome do Pai, todos os seus
discípulos. Contudo, houve um caso notável de fracasso - o filho da
perdição, Judas Iscariotes, que se perdeu.
O título “ filho da perdição” édado pelas Escrituras somente
a Judas e ao Anticristo, o qual aparecerá à face da terra durante o
tempo sombrio da Grande Tribulação (Jo 17.12; 2 Ts 2.3; Ap 17.8).

66
a) Seu significado. Neste ponto temos um jogo de palavras:
‘ ‘nenhum deles se perdeu, senão o filho da perdição’ ’. Trata-se de
uma expressão idiomática no hebraico, em que ser filho de alguma
coisa é ser possuidor do caráter essencial da coisa mencionada.(75)
Por exemplo, ser alguém filho da justiça é ser alguém cujo
caráter essencial se destaca pela sua justiça ou bondade, tal como
um filho participa da natureza de seu pai.
As Escrituras, por exemplo, falam de ‘ ‘filhos de D eus” (Gn
6.2); “ filhos dos poderosos” (Sl 29.1); “ filhos da ira; (Ef 2.3); “ filhos
deste mundo” (Lc 16.8); “ filhos da desobediência” (Ef 2.2); “ filhos
da ressuneição” (Lc 20.36); “ filho do diabo” (At 13.10); “ filho da
perdição” , etc. Cada uma dessas expressões indica o caráter mais
destacado dos indivíduos mencionados. Assim sendo, “ filho da
perdição” indica alguém que inevitavelmente perecia.
‘ ‘Ele, ‘Judas Iscariotes’ estava não somente condenado, mas
também já possuía em seu caráter o material da perdição. ’ ’(76)
Outro tanto sucede no caso dos “ filhos da ira” , conforme
vemos em Efésios 2.3. ‘ ‘O indivíduo que se queixou acerca de um
suposto ‘desperdício’ (Me 14.4; Jo 12.3) foi justam ente o produto
desperdiçado no ministério do Senhor. ’ ’(77)
b) A incerteza de Judas. H orrorizada,algrejaPrim itivadizia:
‘ ‘Um dos doze é que traiu a Jesus. ’’ E enfaticamente, argumentava:
“ Judas ter-se-ia realmente convertido?” João 6.70 mostra-nos com
clareza seu caráter anterior. Ele era “ um ladrão” (Jo 12.6); era
“ hipócrita” (Lc 22.48); era “ um diabo” (Jo 6.70).
Podemos deduzir que Judas Iscariotes cumpriu as Escrituras,
e que esse cumprimento era necessário. Mas em tudo quanto fez,
de alguma maneira ele jamais deixou de exercer a sua vontade livre;
ele preferiu a maldade, tomou-se maldoso e se perdeu por causa
dessa maldade. Judas perdeu-se a si mesmo. Até depois que traiu
seu Mestre poderia ter sido salvo, se realmente se tivesse arre­
pendido e fugido para a cruz.
Está escrito a seu respeito que ele nunca desejou a bênção da
salvação: “ Visto que amou a maldição, ela lhe sobrevenha, e pois
que não ‘desejou a bênção’, ela se afaste dele” (Sl 109.17).
Mas, fora da atitude de Judas, nosso Senhor garante aqui:
“ nenhum deles se perdeu...” , isto é, “ nenhum outro” discípulo cujo
coração era dominado pelo amor de Deus. E nesse sentido foi que
Jesus orou.

67
Por isso mesmo é que nenhum dos discípulos pereceu, exceto
aquele cuja natureza fazia-se pender para a perdição. Nisto, por­
tanto, não se deve ver restritamente predestinação.

(” ) Conhec. as Dout, da Bíbl. M. P. Miami. 1977


Ç*) Idem, Champlin, Ph, D. 1982
(” ) Idem. 1982
H As ‘ Institutas’ - J. C. 1! Ed, cm Port. 1984
C1} op. cit. 1984
68
10
Os Métodos da Salvação
1. Seus significados na vida
A salvação ou a palavra que a descreve com o significado do
pensamento, tem suaraiz no vocábulo grego “ sõteria” , ocorrendo
em ambos os Testamentos como tema de alcance muito vasto.
Por toda a extensão da Bíblia ocorre apenas uma vez no plural
(2 Sm 22.51). Do ponto de vista legal e espiritual, ‘‘salvação” é um
termo inclusivo, que abrange dentro de seu escopo muitos aspectos.
Por exemplo:
Há a salvação do passado, no presente e para o futuro; ou seja,
salvação da penalidade, do poder e da presença do pecado.
H á a salvação do espírito na regeneração, da alma na santifi­
cação, e do corpo na glorificação.
D e acordo com o Dr. C. I. Scofield, são incluídos nesses
diversos aspectos as doutrinas fundamentais que, teologicamente,
constituem aquilo que chamamos de SOTERIOLOGIA, ou seja,
4‘doutrina da salvação’’.
a) Definição do termo. O vocábulo português que aparece em
nossas versões e traduções, se deriva do latim, “ salvare” ; “ salvar”
d e “ salus” , “ saúde” , “ ajudar” , e traduz o termo hebraico “ yeshua”
e cognatos com o significado de: “ largura, facilidade, segurança,
etc.” .(7*)
No Novo Testamento, o verbo ‘4salvar’’ e o substantivo ‘ ‘sal­
vação” aparecem por mais de 150 vezes, correspondendo mais de
100 vezes ao verbo, ora no ativo, ora no passivo. Porém, o Novo
Testamento conhece também o significado mais comum do verbo
69
salvar, que no grego clássico deriva de ‘ ‘são’ ’ e significa devolver
a saúde ao doente, segurança ao ameaçado, e arrancar da morte o
moribundo (cf. M t 8.25; 14.30; 27.40,42,49; Me 3.4; Lc 6.9; Jo
12.27; At 27.20; Hb 5.7). Sendo, porém, ampla e objetiva em todos
os aspectos.
b) Sua origem. A salvação, do ponto de vista divino de obser­
vação, teve sua origem em Deus. Deus é o autor da salvação (Lc
1.68,69; Jo 12.48,49; 16.7-14, etc.).
A obra propiciatória de Jesus Cristo, nosso Senhor, é a maior
revelação do grande propósito de Deus no plano da redenção em
salvar a humanidade. Foi nele que todos os matizes da salvação
plena tiveram seu centro de expansão (Hb 2.3).
A encarnação do Verbo e a propiciação feita por Jesus
constituem a maior prova da boa vontade de Deus. Lemos nas
páginas douradas da Bíblia Sagrada, da soberania de Deus em
relação à salvação do homem e a sua iniciativa na obra redentora.^9)
Vimos em outras notas expositivas que Deus deseja a sal­
vação de todos e tomou essa iniciativa dando origem à salvação com
este fim em mira. Assim sendo, a origem da salvação, e sua
manifestação está em Deus e não no homem.
Se Deus não tivesse tomado essa tão sublime decisão prim or­
dial na salvação da criatura, ninguém seria salvo.
Assim, este ato criador de Deus não é apenas manifestação da
sua vontade, mas também, a sua satisfação, pois Ele é amor e como
tal, ama e deseja o bem-estar de todos.
c) Sua natureza. A natureza da salvação, conforme sugere o
termo em foco, compreende todos os “ atos e processos” que
salientam todos os elementos da fé cristã. Estes “ atos e processos”
são vistos e desenvolvidos no plano da redenção da seguinte forma:
Primeiro: Salvação no passado: essaefetuou a justificação do
pecador que olhou para Cristo, tendo origem na graça de Deus (Rm
3.24; Tt3.4,5). É pelafé, não pelas obras (Rm 2.28,29; 4.5; Gl 2.16;
3.8,24) e pode ser chamada de o ato judicial de Deus.
Segundo: Salvação no presente: essa efetua a santificação
diária na pessoa humana: e, através dela, “ ...somos transformados
de glória em glória na mesma imagem, com o pelo Espírito do
Senhor” (2 Co 3.18, etc.). Ela diz respeito à nossa posição entre
Deus e o mundo.(80)
70
Terceiro: Salvação no futuro: essa efetuará a glorificação dos
salvos, a saber, a redenção do nosso corpo (cf. Lc 21.28; Rm 8.23).
O motivo deste aspecto da salvação é que, na presente
dispensação, somos salvos “ d o ” pecado, mas não de sua “ pre­
sença” que tão de perto nos rodeia (Hb 12.1). Na ressurreição,
transformação, mudança e trasladação dos santos, a qual se chama
“ a redenção do nosso corpo” , seremos salvos da “ presença” do
pecado.
Os demais aspectos da salvação podem ser vistos e analisados
nas doutrinas fundamentais e essenciais aos elementos da fé cristã,
conforme teremos ocasião de ver no decorrer deste estudo.

2. A salvação e as condições preliminares


Como já tivemos ocasião de afirmar em outras notas exposi-
tivas e desenvolvidas nos capítulos anteriores, a salvação divina
exige certas condições, apesar de ser uma dádiva de Deus; contudo,
deve haver, por parte do homem, alguma boa vontade, para que,
através dela o homem possa atender ao convite de Deus, por meio
de seu Evangelho.
O apóstolo Paulo enfatiza isso por amor de seu argumento,
quando diz: “ Porque não me envergonho do evangelho de Cristo,
pois é o poder de Deus ‘para salvação’ de todo aquele que crê...”
(Rm 1.16a).
No plano da redenção, portanto, o Evangelho é, em suma, o
primeiro Elo que liga por Jesus Cristo a mão humana com a mão
divina.
Pois, através dele, e por Ele, o homem descobre “ a justiça de
D eus” (Rm 1.16,17), isto é, não somente da justiça de Deus, mas
também do pecado - contra Cristo (Jo 16.9); da justiça - de Cristo (Jo
16.10); e do juízo - por Cristo (Jo 16.11). Por isso em qualquer época
ou lugar, o Evangelho é chamado de:
a) Em Marcos 1.15, simplesmente “ Evangelho” .
b) Em Romanos 1.1, “ o Evangelho de D eus” .
c) Em Romanos 146, ‘ ‘o Evangelho de Cristo” .
d) Em Mateus 4.23, “ o Evangelho do Reino” .
e) Em Marcos 1.1, “ o Evangelho de Jesus C risto” . *'
f) Em Atos 20.24, “ o Evangelho da graça de D eus” .
g) Em Romanos 1.9, “ o Evangelho de seu Filho’ \
h) Em 2 Coríntios 4.4, “ o Evangelho da glória de C risto” .

71
i) Em Efésios 1.13, “ o Evangelho da vossa salvação’
j) Em Efésios 6.15, “ o Evangelho da Paz” .
l) Em 2 Tessalonicenses 1.8, “ o Evangelho de nosso Senhor
Jesus Cristo” .
m ) Em Apocalipse 14.6, “ o Evangelho eterno” .
1‘O Evangelho que Paulo pregava’ ’ (Romanos 2.16).
“ Outro Evangelho” (2 Coríntios 11.4; Gálatas 1.6). Embora
o Evangelho seja apresentado por todos estes títulos, devemos ter
em mente que o “ Evangelho é um só” (Gl 1.6-9). Ele é as boas-
novas de todas as épocas, e com este sentido, o termo se acha por
mais de 55 vezes no Novo Testamento.!81)
3. Sua significação
A palavra “ Evangelho” , em si significa “ boas-novas” ; por
isso o Evangelho é alguma coisa essencialmente diferente de
qualquer ensino ou doutrina anterior. Em grego, essa palavra é
“ euangelion” , “ boas-novas” , o que já ficou demonstrado. Na
literatura clássica essa palavra designava a recompensa dada pela
entrega de boas notícias, e sua transferência posterior para as boas-
novas pertence ao Novo Testamento e à primitiva literatura
cristã.(82)
No grego da Septuaginta (LXX), a palavra “ Evangelho” traz
consigo duas ocorrências de expressão do Evangelho. Sendo a
primeira em (Gn 12.3; Gl 3.8), e a segunda, na passagem de (2 Sm
4.10). Portanto, intercalado no Novo Testamento, sugere um sen­
tido tipicamente cristão.
O Evangelho é a boa-nova (ou mensagem) de que Deus, em
Jesus Cristo, cumpriu suas promessas a Israel, e de que o caminho
da salvação foi aberto para todos. O Evangelho não deve ser
colocado em contraposição ao Antigo Testamento, como se Deus
tivesse alterado sua maneira de tratar com o homem, mas antes, é
o cumprimento da promessa do AntigoTestamento (cf. Mt 11.1-5
etc.). O próprio Jesus viu, nas profecias de Isaías, uma descrição de
seu próprio ministério (Lc 4.16-21).
Observemos, portanto, o Evangelho e sua significação, con­
forme teremos ocasião de ver;
a) O ‘ ‘Evangelho” (Me 1.15), aqui ele é descrito como sim ­
plesm ente “ Evangelho” , isto é, o seu “ princípio” (Me 1.1).
b) O ‘ ‘Evangelho de D eus’ ’ (Rm 1.1), porque originou-se no

72
seu amor, tendo como origem a plenitude de sua bondade.
c) O ‘‘Evangelho de Cristo’’ (Rm 1.16), porque dimana do seu
sacrifício e porque Ele é o único objeto de fé para salvação do mais
vil pecador que olha para Ele.
d) O “ Evangelho do reino” (Mt 4.23). Isto é, “ As Boas-
Novas’ ’ que Deus propôs estabelecer na terra, em cumprimento do
Concerto Davídico (2 Sm 7.16, etc.), um reino não político, mas
espiritual; judaico, porém, universal, sobre o qual o Filho de Deus,
herdeiro de Davi, haverá de reinar por mil anos.
Duas pregações deste Evangelho são mencionadas nas
Escrituras: uma passada, começando com o ministério de João
Batista e terminando com a rejeição do seu Rei pelos judeus. A
outra, ainda futura (cf. M t 24.14), durante a GrandeTribulação, e
imediatamente antes da Vinda do Rei em glória (Ap 14.6,7).
e) O “ Evangelho de Jesus C risto” (Me 1.1), isto é, “ o
Evangelho do Filho de D eus” que, sem nenhum acréscimo, pode
salvar o mais vil pecador!
f) O ‘ ‘Evangelho da graça de Deus ’ ’ (At 20.24), porque salva
aquele que a Lei condena sem nenhuma trégua.
g) O “ Evangelho de seu Filho” (Rm 1.9), isto é, as “ boas-
novas” nascidas no coração de Deus e transmitidas por seu Filho
(Hb 1.1).
h) O “ Evangelho da Glória de C risto” (2 Co 4.4), porque diz
respeito àquele que está na Glória, e que leva muitos filhos à Glória
(Hb 2.10).
i) O “ Evangelho da vossa [nossa] salvação” (Ef 1.13), assim
chamado porque é o poder de Deus para salvação de ‘ ‘todo aquele
que crê” .
j) O “ Evangelho da Paz” (Ef 6.15), porque por Cristo o
Evangelho estabelece paz “ entre o pecador e D eus” , e dá paz
interior também. E, deste modo, Deus e o pecador arrependido se
“ encontram em paz” (Ef2.15).
l) O “ Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo” (2 Ts 1.8), isto
é, “ as boas-novas de advertência” para aqueles que vivem na
obediência e que devem ser despertados para a obediência deste
Evangelho.
m) O “ Evangelho eterno” (Ap 14.6,7). Este será a conti­
nuação do ‘ ‘Evangelho do reino’ ’ que, por um pouco de tempo foi
interrompido por motivo da rejeição de Jesus como Rei. Mas agora,

73
será pregado durante o tempo sombrio da Grande Tribulação;
especialmente na sua fase final, e imediatamente antes do julgam en­
to das nações vivas descritas em M ateus 25.31-46.
O ‘ ‘Evangelho da circuncisão” (Gl 2.7), porque diante deste
Evangelho “ ...não há grego nem judeu, circuncisão nem incircunci-
são, bárbaro, cita, servo ou livre; mas Cristo é tudo em todos” (Cl
3.11).
O “ Evangelho da incircuncisão” (Gl 2.7), porque salva intei­
ramente, à parte de formas e ordenanças.(83)
O “ Evangelho que Paulo pregava” (Rm 2.16). Paulo o
chamou ‘‘de meu evangelho’ ’. Este é o Evangelho da graça de Deus
no seu mais pleno desenvolvimento, e inclui a revelação do
resultado desse Evangelho na chamada da Igreja, e as revelações,
posições, privilégios e responsabilidades de seus pregadores.'
‘ ‘Outro evangelho’ ’ (2 Co 11.4; Gl 1.6). Este é apenas uma
falsificação que alguém usa para tirar proveito do “ Evangelho de
Cristo” . Somos advertidos contra tal evangelho (cf. Gl 1.8 etc.).
4. O Evangelho pregado aos mortos

“ Porque por isto foi ‘pregadooevangelho’ também aos m or­


tos...” (1 Pe 4.6a).
O leitor deve observar, como já tivemos ocasião de afirmar,
que o plano divino para a salvação é o d e alcançar todas as criaturas.
O próprio Jesus depois de ter ressuscitado ordenou aos seus
discípulos dizendo: “ .. .pregai oevangelhoa toda a criatura... ’ ’ (Me
16.15).
E agora, na presente passagem de primeira Pedro aparece o
Evangelho sendo pregado aos mortos. Embora esta seção da Bíblia
tenha sido motivo de muitas discussões, não devemos, todavia,
fugir do significado do pensamento, isto é, que se trata aqui de
‘ ‘espíritos humanos desincorporados” e não de “ espíritos angéli­
cos” como querem alguns.(84)
É verdade que o termo grego “ pneuma” , é, então, usado por
eles (isto é: aqueles que advogam ser anjos os tais espíritos) aqui
livremente para indicar qualquer tipo de ‘ ‘espírito ’’, como a ‘ ‘alma
hum ana” , aporção imaterial do homem, os ‘ ‘espíritos angelicais ” ,
os “ espíritos demoníacos” .
a) O porquê da questão. Aqueles que aqui identificam os
“ espíritos em prisão” como anjos caídos, esperando pelo juízo
daquele grande dia, provavelmente fazem-no por causa da obser­

74
vação que em algumas histórias de descida de nosso Senhor ao
Hades, na literatura judaica-helenista, está em foco a restauração de
anjos caídos, e, presumivelmente, pois, a história de Pedro poderia
estar descrevendo tal coisa.(85)
M as estes textos em parte alguma indicam redenção de anjos,
ou de demônios, e introduzir tal pensamento aqui é algo fora de
lugar, mesm o que pudesse demonstrar que esse é um dos resultados
positivos dos sofrimentos de Cristo.
Os textos de prim eira Pedro (3.18,19; 4.6) procuram provar
que os sofrimentos de Cristo tiveram tais resultados positivos, afim
de convencer os crentes de que o bem pode vir do sofrimento de
Cristo e se o nosso é baseado nele, podemos então ter confiança.
b) O resultado. O pensamento que a descida de Cristo ao
Hades foi boa, de algum modo, não deve ter sido ruim, para aliviar
o sofrimento humano, seria um argumento lógico do que dizer que
isso teria sido destinado aos anjos caídos.
As passagens de prim eira Pedro 3.18 e ss; 4.6, afastam
totalmente a possibilidade de que tais seres sejam “ os anjos caídos” .
Pois, se assim fosse, contrariaria o que o mesmo Pedro declarou em
sua 2 Carta 2.4; “ ...Deus não perdoou aos anjos que pecaram... ” .(M)
Cristo pregou aos ‘‘mortos ” (1 Pe 4.6), isto é, aos ‘ ‘espíritos
humanos desincorporados” , chamados ‘ ‘mortos” por terem deixado
seus corpos mortais, quando a longanimidade de Deus esperava nos
dias de Noé, etc.(87)
Por esta, e outras razões é que Paulo diz: “ .. .o evangelho que
tendes ouvido... foi pregado a toda ‘criatura’ que há debaixo do
céu... ’ ’ (Cl 1. 23) . Portanto, o Evangelho é o ‘ ‘elo de ligação’ ’, seja
para salvação seja para juízo! Ele deve estar em foco em qualquer
uma dessas posições: ‘ ‘N odiaem que Deus há de julgar os segredos
dos homens, por Jesus Cristo, segundo o meu evangelho” (Rm
2. 16, etc.).

O o Nov. Dic. da Bíbl. Vol. II. 1983


C **)( Esb. de Teol. S ist A. B. L. RJ. 1977
(*•) op. d t 1977
(“ ) op. cit. Apoc. 1988
(*) Idem. 1988
(” ) Idem. 1988
(“ ) Os Anjos ■ sua n a t e oficio. S. P. S. 1988
(**) op. d t 1988
(“ ) Idem. 1988
C*7) Idem. 1988

75
11
As Crianças e a Predestinação
1. O ensino bíblico
Em toda a Escritura Sagrada as crianças são consideradas e
tratadas como incluídas nas promessas e nas bênçãos de Deus.
Abraão é abençoado com sua descendência (Gn 17.7 e ss).
No Pentateuco (especialmente em Deuteronômio) é sempre
lembrado que as crianças se encontram sob as promessas e os man­
damentos de Deus, devendo ser tratadas de forma correspondente
(Dt 4.40; 6.2,7; 11.21; 12.7,12,18,25,28). Essa mesma visão encon­
tramos no Livro dos Salmos (8.2; 103.17; 115.14).
Essa vontade graciosa de Deus que paira sobre as crianças en­
contra, no Antigo Testamento, sua expressão concreta no manda­
mento da circuncisão, pela qual a criança israelita (os machos) já no
oitavo dia de vida, era recebida solenemente na aliança de Deus
com seu povo. (88)
No Novo Testamento, essa promessa divina é lembrada e
intercalada na nova ordem do cristianismo: “ Porque a promessa vos
diz respeito a vós, a vossos filhos...” (At 2.39a). Portanto, a partir daí,
existe uma comunhão instituída por Deus, um vínculo constitutivo
entre pais e filhos (At 16.31 e alhures).
a) No ensino de Paulo. O apóstolo Paulo considerava tanto
essa união entre pais e filhos, no que diz respeito à salvação, que
chegou mesm o a considerar santos os filhos de matrimônios mistos,
ou seja, onde só um dos cônjuges é crente (1 Co 7.14). Então ele
diz: ‘ ‘Porque o marido descrente é santificado pela mulher [crente];
e am ulherdescrenteé santificada pelo marido [crente]; doutra sorte
76
os vossos filhos seriam imundos; mas agora [na Nova Aliança] são
santos” .
‘ ‘Agora são santos. ’ ’ Diz Paulo. ‘ ‘Doutra sorte seriam imun­
dos.” O apóstolo aqui, passa a enfatizar o costume judaico (espe-
cialmente praticado pelos judeus do pós-exílio) de excluir da
comunidade judaica aquelas crianças nascidas de um casamento
misto (Ed 10; Ne 13.23-31).
Entre eles, portanto, os filhos nascidos de adultério ou de um
casamento ilegal, eram considerados como pessoas ‘ ‘im undas’ ’, ou
seja, são frutos de alguma relação íntima pecaminosa, não podendo
ser contada na genealogia dos ancestrais (cf. Ed 2.62).
Tais descendentes eram reputados como sendo ‘ ‘da semente
de malignos” (cf. Is 1.4) e no Novo Testamento, de “ ...uma geração
m áe adúltera...” (Mt 12.39b etc.).
Com efeito, porém, já num casamento misto, nesse caso,
entre um crente e um incrédulo, em face de ser legítimo (para a so­
ciedade), produz efeitos “ santos” ,ou seja, “ legítim os” (conceito
social) e “ santos” (conceito religioso). Esse processo de santifi­
cação nos filhos é causado pela influência espiritual dos pais que,
automaticamente pode ser transmitida para seus filhos.
Um cônjuge crente, se for dedicado discípulo do Senhor,
poderá exercer certa influência, a influência do exemplo, sobre os
filhos do casal; e isso contribuirá para produzir uma verdadeira
santificação a Cristo, embora sempre através da decisão pessoal da
criança. As influências dessa ordem podem produzir uma decisão
pessoal desejável; e, necessariamente, é exemplificada na pessoa
de Timóteo: “ Trazendo à memória a fé não fingida que em ti há, a
qual habitou ‘prim eiro’ em tua avó Loide, e em tua mãe Eunice, e
estou certo de que também habita em ti” (2 Tm 1.5).
Ora, tudo isso é verdade, como temos observado tanto na
técnica como na prática!
b) No mundo antigo. Entre os gregos e romanos a criança
gozava, em geral, de pouquíssima estima. E claro que a procriação
se fazia necessária para assegurar a continuidade das famílias e
nações. (89)
Em especial, filhos homens saudáveis eram valorizados
como futuros soldados e trabalhadores. Mas as crianças em si não
tinham valor nenhum, e raras vezes alguém atentava para a sua per­
sonalidade.

77
Os romanos simplesmente numerávam suas filhas, e também
seus filhos homens, a partir do terceiro ou quinto, não mais recebiam
nomes. Por muito tempo, crianças eram apresentadas na arte grego-
romana como adultos em miniatura.
Pois a infância era caracterizada como uma fase frágil, insig­
nificante, biológica, algo assim como um prólogo para a idade
adulta. Com efeito, esse deve ter sido um dos motivos que levou o
Senhor a dizer: “ Vede, não desprezeis algum destes pequeni­
nos...” (M t 18.10a). De acordo com alguns historiadores antigos, a
manifestação mais clara deste status baixo conferido às crianças era
o costume amplamente difundido de enjeitar recém-nascidos. As
crianças eram descartáveis no sentido literal da palavra. U m a carta
de um trabalhador migrante egípcio de nome Hilarion, do ano 1
a.C., para sua mulher Alis, que estava grávida e tinha ficado em
casa, expressa este menosprezo de maneira brutal: “ Saiba que
ainda estamos em Alexandria...Rogo e imploro que cuide bem do
pequeno, e tão logo recebamos nosso pagamento, mandarei o
dinheiro para você. Se deres à luz a um menino, deixe-o viver; mas
se for menina, enjeita-a...” O
Enjeitar criança, principalmente meninas, crianças aleijadas
ou doentias era prática comum. O historiador grego Plutarco descre­
veu, por volta do ano 100 a.C., o que acontecia em Esparta quando
nascia uma criança: “ Não era o pai que decidia criar ou não o filho,
mas devia levá-lo a um local chamado de Lesque, onde os anciãos
das tribos examinavam a criança oficialmente. Caso fosse bem-
formada e robusta, ordenavam ao pai que a criasse e lhe atribuíam
um dos nove mil lotes de terra. Porém, se era malnascida e
deformada, enviavam-na a um lugar chamado de Apótetas, uma
espécie de precipício, localizado aos pés do Monte Taígeto, con­
vencidos de que uma vida que a natureza não tinha bem dotado,
desde o primeiro instante, com saúde e vigor, nada valia nem para
si nem para o estado. ” (91)
c) Em Roma. Em Roma, o recém-nascido era deitado aos pés
do pai. Se o pai não o levantava e reconhecia como filho, era aban­
donado. O verbo que em latim significa “ levantar” (suscipere)
passou a ser sinônimo de sobrevivência. Muitas das crianças
abandonadas morriam.
Outras eram criadas para serem escravas. Os rapazes eventu­
almente eram obrigados a se tomarem gladiadores, enquanto que as

78
moças acabavam se prostituindo. Sêneca, o Velho, um contem­
porâneo de Jesus, relata que em seu tempo mendigos profissionais
recolhiam crianças abandonadas, l'mutilavam-nas e depois explora­
vam seu estado lastimável para conseguir esmolas.
Em parte talvez eram motivos tradicionais que motivavam o
abandono das crianças. O motivo maior, porém, era mesmo a mais
absoluta miséria. Stobaeus, que viveu no Século V d.C., coletou
ditos éticos de autores gregos antigos, inclusive a seguinte frase: “ O
homem pobre cria seus filhos, porém as filhas, se alguém é pobre,
nós as abandonamos” , etc. M esmo pais abastados aderiram a este
costume. Isso só se explica pela pouca estima que as crianças -
consideradas insignificantes e descartáveis - desfrutavam naépoca.
C2)
O hábito de enjeitar crianças, juntamente com medidas con-
traceptivas e abortos, levaram ao despovoamento.
Verdade é que o filósofo estóico Musônio exaltou a pater­
nidade e combateu a desvalorização de mulheres e crianças no
primeiro século da nossa era. Já antes dele, Epícteto protestara
contrao abandono de crianças. Todavia, apoesiadeO vídioexerceu
mais influência que estas isoladas vozes discordantes. Na sua poe­
sia era exaltado o nascimento de um filho... (93)
d) Na Grécia. No mundo greco-romano as opiniões se
dividiam a respeito deste assunto. Por exemplo, da primeira infância
até a maturidade as crianças nascidas livres deviam ser cuidadas por
suas mães e educadas por seus pais ou deviam ser entregues a amas,
tutores e professores que o apóstolo Paulo chama de “ aios” (Gl
3.24; 4.1 e ss). No mundo greco-romano as opiniões variam
bastante conforme já tivemos ocasião de ver. Segundo o sistema
espartano de educação, bem como de acordo com o estado ideal
concebido por Platão, as crianças eram criadas fora de seu lar.
Porém, como já se mencionou antes, Catão assumiu ele mesmo a
educação de seu filho (op cit. H. R. W. Catão Maior, 20).Catão
advogava que o pai não só devia ser o professor do menino na
leitura, mas também seu mestre na lei e seu instrutor de atletismo.
O motivo disso era, segundo Catão, evitar que seu filho fosse
repreendido ou levasse um puxão de orelhas de um escravo quando
fosse vagoroso em aprender, menos ainda que ficasse em dívida
para com seu escravo por algo tão imensuravelmente valioso como
79
a educação. Este era o ideal educacional. Na prática, porém, a si -
tuação muitas vezes era bem diferente.
As instruções de Platão e outros mestres gregos eram mais ou
menos estas: “ Ensinem-lhes e admoestem-os desde a prim eira
infância até o último dos seus dias.” Tão logo uma criança entende
o que lhe é dito, a ama, a mãe, o tutor e o próprio pai se empenham
arduamente para que se supere; e a cada ato ou palavra que ocorre,
ensinam e incutem no filho que isso é justo, aquilo injusto, uma coisa
nobre, outra abjeta, isso santo, aquilo depravado, e que deve fazer
isso e deixar de fazer aquilo. Se obedecer pontualmente - ótimo;
caso contrário, tratam-no como um pedaço de madeira entortado e
retorcido e endireitam-no com ameaças e pancadas.
Depois mandam-no para a escola e encarregam o mestre de
atentar mais para o bom comportamento de suas crianças que para
suas letras e sua interpretação na harpa.
Os mestres se esforçam neste sentido; e tão logo as crianças
tenham aprendido suas letras e tenham condições de compreender
a palavra escrita, como antes só entendiam a palavra falada, forne­
cem-lhes obras de bons poetas para sua leitura e as obrigam a
decorá-las enquanto estão sentadas na sala de aula.
Aqui encontram muitas admoestações, muitas descrições,
louvores e panegíricos (discursos em louvor de alguém) de bons
homens de tempos passados, para que o menino, por inveja, vá
imitá-los e anseie tomar-se igual a eles... (93)
e) Entre osjudeus. De acordocom as informações colhidas do
Antigo Testamento, as crianças são um presente valioso concedido
por Deus. Longe de serem descartáveis como no mundo greço-
romano, são recebidas no mundo judaico como uma bênção e
herança divina: ‘ ‘Eis que os filhos são herança do Senhor, e o fruto
do ventre o seu galardão.
“ Como flechas na mão do valente, assim são os filhos da
mocidade.
“ ...Bem-aventurado o homem que enche deles a sua
aljava...” (Sl 127.3-5). G eraredarà luz filhos éum dos mandamen­
tos da criação de Deus e implica numa bênção especial de Deus(Gn
1.28). A fecundidade constitui uma parte essencial da promessa que
Deus fez a Abraão e seu povo (Gn 12.3). Assim, o Êxodo, o e vento-
chave da história israelita da salvação, inicia-se quando as mulheres
hebréias exibem uma fertilidade miraculosa, que frustra todas as

80
contramedidas drásticas do monarca egípcio Faraó (Êx 1 a 2).
Para o povo da aliança, ser mãe de muitos filhos é ser bem-
aventurada (Gn 24.60; Lc 1.48), enquanto que a esterilidade é con­
siderada uma maldição. As orações de Ana são exemplo tocante
para descrever o desespero pela esterilidade, bem como para
mostrar a imensa gratidão pela graça de ter um filho (1 Sm 1).
As leis e os costumes especiais garantiam a continuidade das
famílias. Se um homem casado morria sem deixar descendência
masculina, o seu irmão era obrigado a casar com a viúva, para que
lhe nascesse um filho e o nome do irmão falecido não se apagasse
(Dt 25.5-10).
Uma mulher estéril podia ceder uma criada ao seu marido,
para que através dela tivesse filhos (Gn 30.1-13 e ss).
Nos dias do historiador Tácito, segundo testemunho dele
mesmo, foi estabelecida uma norma entre os judeus proibindo
abandonar crianças e de igual modo, passaram a “ considerar um
crime matar qualquer criança que tivesse nascido no seu tem po” .
(95)
2. A esperança messiânica
Este desejo ardente pela graça preciosa de gerar filhos
originou-se do sentido forte no povo escolhido de Israel de ter sido
chamado e escolhido por Deus para trazer o Messias ao mundo (Gn
3.15, etc.).
De igual modo, como membros do povo da aliança, os judeus
se sentiam na obrigação de assegurar a sua presença sobre a terra.
Tinha sido prometida e confiada a eles a terra, e por isso era ne­
cessário salvaguardar sua futura descendência para que esta mesma
terra fosse cultivada.
O Deus de Abraão, Isaque e Jacó lhes tinha revelado a sua
vontade na Lei, isto é, sua vontade e seus preceitos. Com isso, se
tom ava impossível a aniquilação de seu povo. Também para
sempre haveria de existir israelita para adorar a Deus e viver entre
as nações, seguindo a sua santa Lei. Tanto esta continuidade de
Israel e a promessa do Redentor por meio dele, faziam com que as
crianças fossem consideradas uma dádiva mui graciosa.
a) A diferença. Os israelitas deferenciavam-se dos demais
povos pagãos que não idealizavam as crianças nem prestavam muita
atenção à sua individualidade. O nome era coisa de especial

81
cuidado para eles. Isto porque, longe de ser apenas simples
etiqueta, o nome para eles representava a natureza profunda do ser
que o carregava. As crianças pequenas, fossem meninos ou
meninas, faziam parte do povo.
Já com oito dias de vida os meninos eram circuncidados para
evidenciar, desta maneira, sua participação na aliança (Gn 17.12 e
ss).
E a partir da mais tenra idade as crianças participavam dos
rituais religiosos familiares e das grandes celebrações da aliança.
No período anterior ao exílio babilônico não havia ainda esco­
las ou qualquer educação religiosa especialmente programada e
adaptada para crianças. Tinham de aprender convivendo, orando e
trabalhando com seus pais. (96)
Na Bíblia (especialmente no Antigo Testamento), fala-se da
inocência da criança em termos poéticos: ‘ ‘Da boca das crianças e
dos que mamam tu suscitaste força...” (Sl 8.2a). “ D ecerto fizcalar
e sossegar a minha alma; qual criança desmamada, para com sua
mãe, tal é a minha alma para-com igo” (Sl 131.2). Esta locução
proverbial é aproveitada para representar a paz, e, excepcio­
nalmente, até um menino como Samuel pode receber o dom de
profecia (1 Sm 3.1-9).
b) O Salvador. Como em outras partes do mundo antigo, o
Salvador esperado, às vezes, é visualizado com o sendo uma “ cri­
ança’ ’ (Is 7.14 e ss; 9.5 e ss). Porém, de acordo com a fé judaica, as
crianças presisavam estar debaixo da bandeira da expiação (aquilo
que cobre) “ ...porque a imaginação do coração do homem é má
desde a sua meninice...” (Gn 8.21). E um israelita (pelo menos na
poesia) por isso podia orar: ‘ ‘Eis que em iniqüidade fui formado, e
em pecado me concebeu minha m ãe” (Sl 51.5); enquanto que,
pensando-se numa criança filha de um ímpio, essa sentença era
visualizada por outro prisma mais contudente: “ Alienam-se os
ímpios desde a madre; andam errados desde que nasceram ...” (Sl
58.3a). Na concepção judaica, o homem podia pecar desde o ventre
materno; “ .. .Rabi, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse
cego?” (Jo 9.2b).
c) O mandamento. Nas tábuas de pedras, o quinto manda­
mento trazia em si uma promessa para os filhos em longevidade de
vida, ‘ ‘Honra a teu pai e a tua mãe, para que se prolonguem os teus
dias na terra que o Senhor teu Deus te dá” (Êx 20.12). Em todos os

82
mandamentos (com exceção deste), existe o expressivo (“ não” )
como forma de advertência prévia (20.3-11,13-15,17). O quinto,
porém, é o mandamento da família, e nele, portanto, não existe
“ não” .
‘ ‘Honra a teu pai e a tua mãe, que é o primeiro mandamento
com promessa; Para que te vá bem, e vivas muito tempo sobre a
terra” (Ef 6.2,3). Por esta razão vem a advertência divina logo a
seguir ‘ ‘Maldito aquele que desprezar a seu pai ou a sua m ãe... ’ ’ (Dt
27.16a).
Como dádiva concedida por Deus, as crianças apenas es­
tavam confiadas à guarda de seus pais. O primogênito pertencia a
Deus de modo particular, tinh a de ser oferecido a Ele e redimido por
meio de um sacrifício. (97)
Porém, mesmo que eram apenas curadores, os pais represen­
tavam a Deus, e sua autoridade vinha imediatamente da autoridade
de Deus. De acordo com o Talmude, os rabinos mais tarde ensina­
vam: “ Três (elementos) se combinam na formação dos homens:
Deus, pai e m ãe.” (98)
Se homens honram a seu pai e sua mãe, Deus diz “ Considero
isso em favor deles, como se eu tivesse morado no meio deles, e
como se tivessem honrado a m im .” Conforme a regra judaica, a
punição que se aplicava a um filho rebelde era de morte por
apedrejamento (Dt 21.18-21).
d) A disciplina. No Antigo Testamento o termo técnico para
a educação era “ Jasar” , que, originalmente, significa “ chicotear” ,
“ açoitar” , “ disciplinar” , etc. A disciplina e a instrução constituem,
por sinal, um dos temas prediletos da literatura sagrada no Antigo
Testam entoe nos termos intertestamentais. No livro de Provérbios,
de uma parte a outra, a instrução e a disciplina estão em foco: ‘‘O que
retém a sua vara aborrece a seu filho; mas o que o ama, a seu tempo
o castiga” (Pv 13.24). “ A estultícia está ligada ao coração do
menino, mas a vara da correção a afugentará dele” (Pv 22.15).
“ Instrui o menino no caminho em que deve andar, e até quando
envelhecer não se desviará dele” (Pv 22.6).

3. O ensino rabínico
Os rabinos judeus continuavam a enfatizar o relacionamento
importante entre as crianças, e a lei divina era implantada entre elas
em primeiro lugar. As escolas se concentravam exclusivamente na
leitura, memorização e compreensão de um único livro-texto: A

83
Bíblia Hebraica. Neste contexto não havia atributo sublime e sufi­
ciente para caracterizar as crianças. O mais importante seria, então,
a memorização dos oráculos divinos.
O rabino Hamnuna (Século IV d.C.), disse: “ Jerusalém
somente foi destruída porque não freqüentavam a escola e
vadiavam pelas ruas.” (op. cit. H. R. W. Shabbath, 119b). Trans­
parecia aí a preocupação com a Lei - e não com quaisquer pro­
priedades inatas das crianças - o que justificava tal valorização de
seu papel social. Ora, segundo este conceito apresentado pelo
rabino Hamnuna, a negligência à Lei, traz consigo a falta de tem or
para com Deus, atraindo, assim, a força do inimigo sobre a nação.
Consideradas à parte, as crianças ocupavam também na concepção
dos rabinos o mesmo status que lhes é atribuído no Antigo Tes­
tamento. (")
A obediência aos pais e mestres era enfatizada com igual
vigor e quando necessário, usava-se a vara (método) para castigá-
las.
a) As opiniões variáveis. Alguns rabinos alegavam que cri­
anças com menos de um ano de idade não podiam ser responsabili­
zadas por seus atos, e outros argumentavam que o mesmo critério
se aplicava para crianças até nove anos de idade. Até certo ponto,
estas crianças eram, portanto, consideradas sem pecado. Podia-se
afirm arinclusive que “ Deus disse: ‘Com oos sacrifícios são puros,
assim as crianças são puras tam bém ’” (op. cit. H. R. W. Pesikta
Kahana, 60-b-61a). Outros rabinos, no entanto, discutiam se as
crianças não pecavam já no ventre materno. Também se debatia
muito sobre se os filhos dos gentios que viviam na terra de Israel
participariam da ressurreição vindoura. (10°)
Em geral, crianças fora da escola eram consideradas insigni­
ficantes. Quando háenumeração, aparecem junto com as mulheres.
Há uma seção do livro de Esdras em que elas aparecem destacadas:
“ ...grande congregação de homens, e de mulheres, e de crianças...”
(Ed 10.1b).
Já em o Novo Testamento, elas aparecem junto com as
mulheres, Mateus certamente não foi o único judeu que nem as
contou quando relatou a miraculosa alimentação dos 5.000: ‘ ‘E os
que comeram foram quase cinco mil homens, além das mulheres e
‘crianças’” (Mt 14.21).
Segundo alguns historiadores, era perda de tempo para um

84
homem erudito brincar com crianças e ocupar-se com elas fora do
período escolar. (101)
Pelo menos era esta a opinião do rabino Dosa Ben Harkinas
(cer, 90 d.C.), que relata na Mishnah (op. cit. Aboth 3,11) - “ Um
homem que dorme de manhã e toma vinho ao meio-dia, conversa
com crianças e senta-se em casas de reuniões de gente ignorante
acaba fora do mundo. ’ ’
Muitas, porém, destas tradições eram extraídas de alguns
interpretes judaicos: “ Ai de ti, ó terra, cujo rei é criança...” (Ec
10.16a).
b) No Século II d.C. Para que ninguém se ilude e pense que
os rabinos não tinham senso de humor e que as coitadas das crianças
judias nunca podiam brincar, é bom acrescentar a seguinte história
que mostra que os rabinos também eram humanos e, vez por outra,
envolviam-se com crianças e suas brincadeiras:
“ Havia, pois, uma vez um homem que determinou no seu
testamento que seu filho não herdaria nada enquanto não se tor­
nasse tolo. O rabino José Ben Judah e o rabino Judah, o Príncipe,
procuraram o rabino Joshua Ben Karha para consultá-lo sobre a
questão.
“ Encontraram-no fora da sua casa e notaram que estava de
quatro, engatinhando sobre os seus pés e suas mãos, segurando um
junco na boca e seguindo seu filho.
“ Quando o viram, esconderam-se e depois foram ao seu
encontro e lhe perguntaram sobre o testamento. Ele riu e lhes disse:
‘A questão sobre a qual estão me consultando, aconteceu com igo’.
Donde vocês podem depreender que um homem age como um tolo
quando gosta de ter filhos’.” (102)

(“ ) Scofield, Dr. C. I. (Scoficld Reference Bible)


(***) op. cit. Michigan, 1843 e ss
(**) Idem, 1843 e ss
(*‘) Jesus e as crianças. H. R. W. RS. 1986
(” ) op. cit. 1986
(” ) Idem. 1986
f*4) Idem. 1986
(**) Jésus et l‘Enfant: “ cnfants” , “ petits” et “ simples” dans Ia tradicion synoptique,
Paris, 1969

85
(M) op. cit. 1969
(” ) Idem. 1969
(»*) Idem. 1969
(») Shabbath, 119 b. op. cit. s/d
O op. cit. H. R. W. 1986
(“») Idem. 1986'
(>“ ) Idem. 1986

86
12
Treze Palavras Gregas
1. A “ criança ‘no meio’ no NT”
‘ ‘E Jesus, chamando um menino, o pôs‘no m eio7deles” (Mt
18.2). No Novo Testamento achamos cuidadosamente cerca de
treze palavras gregas diferentes para designar “ criança” no sentido
amplo do termo. (103)
Cada palavra dessas exemplifica o valor sublime e a ralação
vital que o cristianismo devia (e deve) ter para com as crianças.
a) “ Brephos” . Esta palavra significa “ jov em ” , “ fruto do
corpo” . E trazia em si a idéia de “ uma criança já concebida mas
ainda não-nascida” (cf. Sl 22.9; Jr 1.5 etc.).
b) “ Thelazõn” . Este verbo, conforme os rabinos, significa
“ criança de peito” , e o particípio do verbo “ thelazo” , traz a idéia de
“ alguém que m am a” (cf. Sl 8.2 etc.).
c) “ Thegater” . Esta palavra grega trazia o sentido de ‘ ‘uma
filha’7 de idade não especificada, indicando que se trata de um
descendente femenino (cf. Ct 8.8 e ss).
d) “ Thygatrion” . Este termo é o dim inutivode “ thygater” ,
referindo-se a uma “ filha pequena77ou “ filha m oça77. Ele trazia em
si a idéia de uma criaturazinha indefesa e sem maldade.
e) “ Korasion” . Como são exemplo da seção anterior, “ kora-
sion” é o diminutivo de “ kora” , que significa “ menina” . Este termo
grego comum, entretanto, não aparece freqüentemente no Novo
Testamento. (104)
f) “ N epios7'.E ste termo, segundo os rabinos, tanto funciona
87
como adjetivo como substantivo com diversas mudanças de signi­
ficado.
Algumas vezes, significa: “ alguém que é ingênuo” ; outras
vezes “ alguém que é ignorante” ou “ tolo” . Como substantivo,
‘ ‘alguém que é im aturo’ ’, ‘ ‘infantil” (cf. 2 Co 11.1 -3 etc.).
g) “ Paidarion” . Este termo é o diminutivo de “ pais” , que traz
o significado de: “ criança pequena” , seja menino ou menina, que
já sabe andar e começa a falar.
Quando assume seu sinônimo de “ neanias” e “ neaniskos” ,
significa ‘ ‘escravo jovem ’, ‘ ‘homem jovem ” . O05)
h) “ Paidion” . Segundo o dicionário da lingua grega, “ pai-
dion” aponta para o diminutivo de “ pais” . Então significa “ criança
pequena” que ainda está sob os cuidados da sua mãe ou ama, isto
é, até a idade de “ sete anos” . Depois esta palavra passou adesignar
a ‘ ‘criança” em geral, menino ou menina de qualquer idade.
i) “ Paidiske” . Diminutivo femenino de “ pais” . Significa
então: “ moça jovem ” , ou “ mulher nova” , “ criada” ou “ escrava
jo v em ’ ’ sem capacidade física para o serviço.
j) “ P ais” . Derivado da raiz que significa “ pequeno” -
“ m iúdo” . Em geral, segundo os rabinos, queria dizer “ m enino” ,
mais restritamente a faixa etária entre os 7 e 14 anos. No grego
clássico, segundo Tácito, queria também dizer “ descendente” , seja
filho, genro, filha ou filhote até mesmo de animal, isto é,
descendente sem sentido especificado.
l) “ Teknion” .Esta palavra é um pouco desconhecida na litera­
tura popular e é encontrada no Novo Testamento com o sentido de
“ crainça pequena” ; outros rabinos, porém, lhe dão o sentido de
“ forma carinhosa de tratam ento’ ’. (106)
m) “ Teknon” . Literalmente, significa “ o que foi conhecido
ou nasceu” . Isso apontava para uma ‘ ‘criança’ ’ visto sob o aspecto
de sua origem, seja menino ou menina. No Novo Testamento,
algumas vezes significa também ‘ ‘prole’ ’, ‘ ‘povo” , etc.
n) “ H yos” . Esta palavra, segundo os rabinos, formava a
contraparte masculina para “ thygater” . Sendo usada para designar
“ um filho hom em ” independente de sua idade, etc.

2. A ‘criança’ como poema ilustrativo


Os profetas do Antigo Testamento descreveram a nação de
88
Israel como quem sofria as dores de parto com o objetivo de trazer
uma criança (Cristo), a fim de que regesse todas as nações.
Quando nosso Senhor nasceu, os escribas do Novo Tes­
tamento começaram a chamá-lo de “ filho de M aria” (Me 6.3),
“ filhode José” (Lc 3.23), “ filhode Davi” (Mt 1.1 ess). E muitos
outros textos que fazem referência à descendência biológica (Mt
7.9; 17.15; 20.20 e ss; Lc 15.1 e ss). Os alunos dos fariseus podem
ser chamados de “ filhos dos fariseus” (Mt 12.27; At 23.6). O
apóstolo Pedro também usou esta maneira ilustrativa chamando
Marcos de “ meu filho” (1 Pe 5.13). Tanto o Antigo Testamento
como o Novo ilustram com grande gama de variedades o valor vital
de que as crianças deviam desfrutar para com o povo de Deus, em
ambos os pactos. Por isso, muitas vezes se indica uma relação
positiva ou negativa com termos como ‘ ‘filhos do reino’ ’ (Mt 8.12),
“ filhos da paz” (Lc 10.6), “ filhos da luz” (Jo 12.36), “ filhos da res­
surreição” (Lc 20.36), “ filhos do diabo” (At 13.10)ou “ filho da
perdição” (Jo 17.12; 2 Ts 2.3).
Revela-se o relacionamento com Deus com a expressão
“ filhos de Deus” (Mt 5.9; Rm 8.14), “ filhos de vosso Pai celestial”
(Mt 5.45), filhos do A ltíssim o’ ’ (Lc 6.35, etc.).
a) “Hyos” . Este termo traduz o vocábulo hebraico (em
aramaico - ‘ ‘BA R’ ’), que no Antigo Testamento hebraico é usado
cerca de 4.850 vezes.
Ali designa descendentes e familiares biológicos. Algumas
vezes, com várias exceções, refere-se em sentido lato a outros
vínculos sociais ou a um relacionamento com Deus. Estas mesmas
variantes de significados encontram-se também no Novo Tes­
tamento. (107)
Como já tivemos ocasião de afirmar acima, tanto os profetas
do Antigo Testamento como os escritores do Novo, ilustram em
poemas contemplativos os sofrimentos de uma pessoa, família ou
nação, a fim de trazerem uma criança ao mundo.
Em João 16.21, se ilustra a intensidade e a natureza do
sofrimento que sobreviría a qualquer mulher, ao dar nascimento a
um filho. Esse emprego é também encontrado em outros lugares do
Novo Testamento. (108)
Em Romanos 8.22, se f ala sobre a criação inteira que aguarda
ansiosamente a fruição da promessa de Deus concernente à mani­
festação dos filhos de Deus, ao fim desta dispensação, quando fará

8Q
ocorrer aquela operação especial da redenção do nosso corpo. (109)
Em Gálatas 4.19 o apóstolo Paulo emprega esta ilustração
acerca de si mesmo, como luz sobre seus sofrimentos e lutas em
favor das igrejas, a fim de que Cristo seja formado nelas. Isso
novamente ilustra a idéia de fruição ou concretização dos planos de
Deus, sendo também destacada a idéia da nova vida que dessa
maneira é conferida aos que crêem. (n0)
Em primeira Tessalonicenses 5.3 faz-se referência ao ju l­
gamento repentino que apanhará os ímpios de surpresa, por have­
rem rejeitado o Cristo; e isso sucedará quando do seu aparecimento
(ou Parousia), em glória. Esse texto igualmente alude à culminação
de todas as coisas,. mas enfatiza’particular mente o aspecto da
inevitabilidade e da severidade do juízo divino. (m )
Em Apocalipse 12.2 - Aqui é focalizado o caso de Israel
(ainda que não seja a nação toda), que foi usado como instrumento
para trazer o Cristo, o Messias, ao mundo, o que ilustra novameníe
a doação da vida a um mundo morto. (n2)
b ) O alcance do argumento. As palavras “ B A R” - “ B EN ” -
“ HYOS” muitas vezes incluem proles e quando ocorre na narrativa
o vocábulo “ Thygater” , 19 vezes, referem-se à descendência
direta (cf. M t9 .1 8 :10.35; 14.6) e quatro a uma relação mais vaga
e associativa, por exemplo, “ filhas de A rão” (Lc 1.5)ou “ filhas de
Jerusalém” (Lc 23.28). Portanto chegando ao fim deste argumento,
isto é, focalizando cada palavra grega que expressa o significado do
pensamento, podemos, então, deduzir que a criança era, e é, algo
de muita apreciação e estimação para com Deus e o seu povo!

(,w) Midrash Sl 92,14,206b. II séc. d.C.


(,M) Idem. H. R. W. 1986
O05) Idcm. 1986
(>“ ) Idcm. 1986
(><") Apoc. v. p. v. S. P. S. RJ. 1988
(,M) op. cit. 1988
('” } Idem. 1988
(M0) Idcm. 1988
(>") Idcm. 1988
(112) Idcm. 1988

90
13
Todas as Crianças
são Salvas?
1. O ensino de Cristo
“ E Jesus, chamando um menino, o pôs no meio deles. E disse:
Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos
fizerdes como meninos, de modo algum entrareis no reino dos
céus” (Mt 18.2,3).
Alguns rabinos (depois passou para os Pais da Igreja) admi­
tiam uma espécie de ‘ ‘predestinação am pla’ ’ para todas as crianças;
isso, sem importar com sua origem de filiação: filha de quem quer
que seja (santo ou pecador). “ As crianças (diziam eles) não são
responsáveis pelo “ pecado hereditário” , pois não há culpa sem a
noção do bem e do mal. Somente aos vinte anos (segundo os
rabinos) começa a plena responsabilidade, que tom a possível o
pecado atualv Isso é deduzido de certas passagens do Antigo
Testamento (Êx 30.14; 38.26 e ss).
Já para os Pais da Igreja a faixa de “ vinte anos” para a
concepção do “EU” era bastante longa; e, estabeleciam outras
faixas etárias para tais fins.
Alguns alegavam que crianças com menos de ‘ ‘um ano’ ’ de
idade não podem ser responsabilizadas por seus atos; enquanto que,
outros, opinavam que isso seria possível até “ sete anos” e um
terceiro grupo, até ‘ ‘nove! ’’ e, assim, interminavelmente. (M3)
Nossa opinião nesse sentido é que, em algumas crianças isso
é exigido mais cedo e, em outras, mais tarde (cf. Is 7.15). Algumas
91
passagens da Bíblia nos levam a entender, em bora um tanto vago,
que Deus passa a exigir a concepção do “ e u ” , ou o senso de
responsabilidade pessoal a partir dos “ doze anos” (cf. Êx 2.10; 1 Sm
1.20-28; 2.1-11; Lc 2.42; 8.42, etc.). Em caso de transgressão para
a morte, isso era aumentado para os “ vinte’ ’ (Êx 30.14 e ss).
a) Filhos de crentes e de incrédulos. Sobre a salvação gene­
ralizada para as crianças, incluindo filhos de pessoas crentes e filhos
de pessoas incrédulas, as Escrituras têm muito que dizer. Antes,
porém, devemos ver a ternura de nosso Senhor Jesus em relação a
isso.
Nas passagens de Mateus 19.13-15; 25.31-46; Marcos
10.13-16; Lucas 18.15-17; 23.28, etc. vemos nosso Senhor preocu­
pado com essas pequenas criaturas.
Notamos, igualmente, este tipo de sentimento nos escritos
rabínicos; porém, entre os pagãos, geralmente dava-se o oposto.
Por exemplo, um dos papiros escrito no princípio da Era Cristã, por
um trabalhador egípcio, de nome Hilário, como já citamos, contém
uma mensagem afetuosa dirigida à sua esposa, de nome Alis; nessa
mesma carta, todavia, há instruções sobre o que se devia fazer com
a criança deles que estava prestes a nascer se fosse menino, ela
deveria criá-lo, mas, se fosse menina, deveria deixá-la morrer. ( '14)
A atitude de Cristo para com as crianças se tem tom ado um
elem ento permanente da moral cristã: a criança, antes de ser
atingida pelo orgulho, pela maldade, pela ostentação e pela am ­
bição pessoal, é dotada de um espírito humilde e de uma fé simples
que se tom am elementos essenciais para atraírem a simpatia de
Cristo.
b) Quem foi aquela criança? No que diz respeito à identifi­
cação desta criança tomada por Jesus e colocada ‘ ‘entre os discípu­
los” , a tradição ensina que foi Inácio, o Mártir, mas isso não tem base
histórica; antes, como sempre acontece com a tradição, há uma
tentativa de ornam entar a história mediante a adição de detalhes,
especialmente com nomes de pessoas.
Inácio menciona em sua carta à igreja de Esm im a, que ele foi
uma das testemunhas oculares da ressurreição de Cristo, isto é, viu
a Jesus vivo, após sua morte, e essa referência demostra claramente
que era impossível ser ele aquela criança mencionada.
Jesus morreu somente alguns meses depois desta ocorrência,
92
e Inácio deve ter visto Cristo ressurreto quando adulto e não quando
criança.
Diversas lendas foram difundidas sobre a identidade dessa
criança, mas nenhuma delas é digna de confiança. Jesus, quando fez
este ato, se encontrava em Cafamaum, provavelmente na casa de
Pedro (Mt 17.24,25), e, assim sendo, o mais provável é que se
tratasse de uma das crianças de Pedro, ou filho de algum vizinho de
Pedro, em Cafamaum. (ns)
O cuidado de Jesus pelas crianças como pessoas e objetos do
amor de Deus foi transferido para a Igreja Primitiva, como sendo a
forma generalizada do amor divino para com a salvação de todas as
crianças.

2. Se a criança não é crente, é salva?


Esta é uma pergunta bastante fácil de se fazer e muito difícil
de se responder, a não ser, com aquilo que depreendemos dos
textos divinos que falam sobre isso.
Alguns acham que não. E outros acham que sim. Convém
observar que em algumas passagens da Bíblia, vemos como Deus
exigia destruição total que ia desde o homem mais velho até a menor
criança.
a) No Dilúvio. ‘ ‘Assim foi desfeita toda a substância que havia
sobre a face da terra, desde o homem até ao animal, até ao réptil, e
até as aves dos céus; e foram extintos da terra; e ficou somente Noé,
e os que com ele estavam na arca’ ’ (Gn 7.23).
b) Em Sodoma. ‘ ‘Então o Senhor fez chover enxofre e fogo,
do Senhor desde os céus, sobre Sodoma e Gomorra. E derribou
aquelas cidades, e toda aquela campina, e todos os moradores
daquelas cidades, e o que nascia da terra” (Gn 19.24,25).
c) Em Jericó. “ E, tudo quanto na cidade havia, destruíram
totalmente ao fio da espada, desde o homem até a mulher, desde o
‘menino’ atéo velho...” (Js 6.21).
d) Os Amalequitas. “ Vai, pois, agora e fere a Amaleque, e
destrói totalmente a tudo o que tiver, e não lhe perdoes; porém
matarás desde o homem até a mulher, desde os ‘m eninos’ até aos de
‘mama’...” (1 Sm 15.3a).
e) Em Jerusalém. “ Matai velhos, mancebos, e virgens, e
‘meninos’, e mulheres...” (Ez 9.6a). E outros textos e episódios
similares. Evidentemente, porém, devemos observar que estas

93
passagens descrevem acontecim entos que m arcam um a
“ destruição físic a ” . Portanto, não dizem respeito à alma; e,, sim,
ao corpo.
3. As opiniões variáveis
Os intérpretes da Bíblia estão divididos nesta questão. Alguns
são de opinião que todas as crianças são salvas mediante a “ ex-
piação de C risto” , desde a fundação do mundo. Outra corrente,
entretanto, defende que, como a salvação não é coletiva, e sim
individual, então, por essa razão, nem todas as crianças são salvas,
mas somente aquelas que aceitaram Jesus como Salvador (Cf. Me
16.15,16; At 17.30 etc.).
Na passagem de Mateus 18.5 , por exemplo, quando nosso
Senhor falou: “ E qualquer que receber em meu nome um menino
tal ‘como este’, a mim me recebe’’. A primeira corrente é de opinião
que essa declaração de Jesus se referia a uma criança em sentido
literal; enquanto que a segunda comente, advoga que Jesus usou o
termo como símbolo do crente, querendo indicar que o crente deve
ter a humildade das crianças.
Parece razoável que, repentinamente, Jesus nos tenha
deixado o exemplo de seu cuidado pelas crianças. O mundo antigo,
de modo geral, tinha pouco respeito pelas crianças, e, de fato, sentia
pouca responsabilidade por elas, por muitas vezes encontramos
idéias diferentes, mas no mundo cristão não deve existir tal precon­
ceito. (116)
a) A compaixão de Jesus ilustrada. Diversos artistas têm
ilustrado essa compaixão de Jesus em suas pinturas, mostrando
cenas em que o Senhor abençoa as crianças. Ele diz que devemos
acolher as crianças, tanto para salvação como no conceito social, em
nome dele, como se elas fossem Ele mesmo.
Podemos, portanto, aceitar esse ensino como se tratando de
criança em sentido literal (o que deve estar em foco), mas também
podemos aceitá-lo no sentido espiritual.
Todas as crianças estão debaixo da ‘ ‘expiação’ ’ da morte de
Cristo e, como pequenas criaturas de Deus, são candidatas ao reino
dos céus.
O trecho de Mateus 18.10 , refere-se aos “ anjos” que são
colocados por Deus como guardiões das crianças. E ali é acrescen­
tado: “ eles vêem a face de D eus” .

94
Existem algumas passagens da Bíblia que, sem sombra de
dúvida, nos levam a entender, pela metodologia dedutiva, que
todas as crianças são salvas e gozam do privilégio de um tipo de
“ salvação peladispensação da inocência” .
b) O alcance desta dispensaçáo. Em Gênesis 1.28, mostram
se-nos as condições desta dispensação. O homem foi colocado num
ambiente perfeito, sujeito a uma lei simples, e advertido das
conseqüencias da desobediência. Para esta dispensação da ino­
cência, como pode ser visto nas outras que se seguem, não podemos
fixar uma data precisa na escala do tempo. (n7)
Adão e sua esposa eram como ‘‘crianças ’ ’ no que diz respeito
a “ malícia e a m aldade” antes de despertarem para a concepção do
“EU ’'. Essa dispensação terminou com julgam ento da expulsão do
casal do Jardim do Éden, mas a inocência, ambos a perderam
quando tiveram seus “ olhos abertos” (Gn 3.7).
De igual modo, as crianças desde que nascem até desper­
tarem para o discernimento do “ bem e do m al” , estão debaixo e
protegidas pela dispensação da inocência: ‘ ‘até que saiba rejeitar o
mal e escolher o bem ’ ’ (Cf. Is 7.15b etc.). É esta, portanto, a minha
solene convicção, e penso que tenho o Espírito de Deus!
É verdade que alguns textos da Bíblia mostram a possibili­
dade de uma criança ‘‘pecar’ ’ desde o ventre (Sl 51.5; 58.3; Pv 15.6
etc.) e que, há possibilidade de uma criança ser ‘ ‘santificada ’’ desde
o ventre (Is 49.1; Jr 1.5; Lc 1.15; Gl 1.15 etc.). Mas isso não aniquila
a regra geral do significado do pensamento. Portanto, tomemos para
nós a sábia advertência de nosso Senhor: “ Deixai os m eninos...”
(Mt 19.14) - “ nãodesprezeis algum destes pequeninos!” .

4. O que acontecerá com as crianças que estão no


ventre materno no dia do arrebatamento da Igreja?
Algumas passagens das Escrituras nos deixam entrever entre
linhas que aquelas crianças cujas vidas ainda estão em processo de
formação mas que, segundo se diz, já são personalidades, cuja
identificação como um ser vivo já se encontra em evidência, serão
arrebatadas por ocasião do arrebatamento.
Verdade é, que, explicitamente falando, isso não é tão
provável como talvez alguém queira exigir; mas, dedutivamente,
aceitado.
Por inferência, deduzimos isso de alguns textos das Escritu­

95
ras: “ Mas tu és o que me ‘tiraste’ do ventre...Sobre ti fui lançado
desde a ‘m adre’; tu és o meu Deus desde o ventre da m inha m ãe”
(Sl 22.9,10).
‘ ‘Pois possuíste os meus rins; entreteceste-me no ‘ventre’ de
minha mãe...os teus olhos viram o meu ‘corpo ainda inform e’, e no
teu livro todas estas coisas foram escritas...” (Sl 139.13-16).
Para Agostinho, qualquer tipo de métodos usados para impe­
dir a existência, reputava-se como crime perante Deus e a so­
ciedade. Para ele, depois dos 18 dias, após a concepção, uma nova
vida já estava em evidência. Visto que, segundo os médicos, entre
18 a 21 dias, já se têm informações por vias sensoriais como sinal
indicativo de vida.
Por analogia:
“ ...tu me tiraste do ventre...” (Sl 22.9). E M ateus 24.19, diz:
“ Mas ai das grávidas e das que amamentam naqueles dias!” . O
leitor poderá então dizer: “ Mas este texto não se refere a isso; e,
sim, descreve acontecimentos por ocasião do ano 70 d.C. e,
escatologicamente, por ocasião do retom o de Cristo à Terra com
poder e grande glória.”
Respondemos que sim! Mas aqui invocamos o termo “ analo­
g ia’ ’ para uma melhor compreensão do significado, pois quando
invocamos a presente regra, seus resultados são: “ ponto de seme­
lhança” entre coisas diferentes; influência assimiladora de uma
forma sobre outra; aplicação de uma norma especial, diferente
daquela para que foi editada, fundamenta-se no princípio de que,
havendo identidade de razões, deve haver a mesma disposição.
Portanto, por analogia, estes textos acima mencionados apresentam
semelhança com aquilo que acontecerá no dia do arrebatamento.
O patriarca JÓ fala de crianças que repousarão sem que
tenham vindo a uma existência judicial. Então ele diz: ‘ ‘Porque não
morri eu desde a madre, e em saindo do ventre, não expirei? Porque
já agora jazería e repousaria; dormiría, e então haveria repouso para
m im ” (Jó 3.11,13). Alguns podem achar um tanto preocupante o
estado físico ocorrido nas mães das tais crianças, mas isso em nada
impossibilita tal processo; razão porque o arrebatamento será algo
sobrenatural; metafísico, portanto, e nada que seja visualizado
dentro, ou por meio das leis físicas deve aqui entrar em foco.
Tenho am inhaprópriaconvicção (respeitando a dos demais):
por ocasião do arrebatamento da Igreja, as crianças serão também
arrebatadas!

96
í'*1? ü V à s p- v’ R N' champ,ín’ ph- 1982
(,u) Idem. 1982
("*) op. cit H. R. W. 1986
( *) Esc Dout das Últ. Cois. S. P. S. RJ. 1988
14
A Doutrina da Fé
1. A “ fé” • um dos elem entos da salvação
‘ ‘Porque pela graça sois salvos, por ‘meio da fé ’; e isto não
vem de vós; é dom de D eus” (Ef 2.8).
O leitor deve estar lembrado de que durante nosso estudo
feito no presente livro, abordamos os vários aspectos d a 4‘doutrina
da predestinação” . Ali afirmamos também que a salvação é uma
dádiva divina e que, necessariamente, é Deus quem salva o homem
e não o homem que se salva a si mesmo; mas, como já tivemos
ocasião de afirmar em outras notas expositivas, a salvação é de
Deus, mas também requer algum esforço por parte do homem.
Numa linguagem popular: ‘ ‘Ninguém é salvo forçado. ’’
Portanto, é necessário que alguns elementos essenciais
cooperem para a salvação, fazendo com que a pessoa humana seja
aquilo que Deus quer que seja. (m )
Entendemos que jamais a salvação divina seja “ a presta­
ções” . Não! A Bíblia não a concebe assim; mas, necessário é que
certos elementos, tais como a ‘ ‘fé” , a ‘ ‘graça’ ’, a ‘ ‘regeneração’ ’, a
“ justificação” , a “ expiação” , o “ perdão” , o “ arrependimento” , a
“ reconciliação” , a “ redenção” , a “ santificação” , a “ adoção” e ss,
estejam presentes e acoplados na salvação plena da pessoa humana.
a) A importância da fé. As Escrituras, tanto no Antigo como n
Novo Testamento, mostram que a “ fé ” é altamente proeminente.
Embora no primeiro Pacto ela ocorra como “ confiança” , com
exceção de duas únicas ocorrências, sendo que, a primeira é um

98
adjetivo (1 Sm 21.5) e a segunda, um substantivo (Hc 2.4); e , (Dt
32.20) , como interpretação.
A Bíblia declara que somos salvos pela fé (At 16.31; Rm 5.1;
9.30-32; E f 2.8), enriquecidos com o Espírito pela fé (Gl 3.5,14),
santificados pela fé (At 26.18), guardados pela fé (Rm 11.20; 2 Co
I . 24;1 Pe 1.5; 1 Jo 5.4),^restabelecidos» curados pela fé (Is 7.9; At
14.9; Tg 5.15). Novamente consideramos o valor da fé no pensa­
mento de Deus. Ele declara ser a fé necessária para agradá-lo (Hb
I I. 6),econsideraadescrençacom oum grandepecado(Jo 16.9; Rm
14.23) e como uma restrição sobre a manifestação de seu poder (Me
6.5,6). A fé, portanto, além de ser uma operação do Espírito, é
também um areação da alma. Ela é uma operação direta de Deus (At
11.21) ; é preciosa (2 Pe 1.1); é santíssima (Jd v 20); é frutífera (1 Ts
1.3).
Entre o povo cristão, a fé mais conhecida e exercitada é a “ fé
salvadora ” (Lc 18.42; E f 2.8). Esta fé pode ser chamada também de
‘ ‘fé subjetiva’ ’ (fé interior), oriunda do coração que, em sua própria
natureza, desenvolve essa espécie de fé (Rm 10.8,9). É o princípio
básico para que o homem se “ aproxime” de Deus, crendo na sua
existência (Hb 11.6). Esse gênero, portanto, era o mais usado pelos
cristãos primitivos para designarem-se a si mesmos como crentes
(At 2.44, etc.).
b) Definição teológica de fé. Biblicamente falando, a Escr
tura define a fé da seguinte maneira: “ Ora, a ‘fé’ é o firme funda­
mento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não
vêem ” (Hb 11.1).
Teologicamente, porém, o substantivo “ pistis” e o verbo
“ pisteuõ” (ocorrem por cerca de 244 vezes, enquanto que o
adjetivo “ pistos” ocorre por 77) definem-se como a “ atitude medi­
ante a qual o homem abandona toda confiança em seus próprios
esforços para obter a salvação ” .
É a atitude de completa confiança em Cristo, de dependência
exclusiva dele, a respeito de tudo quanto está envolvido na sal­
vação. (n9)
Assim, o verbo “ pisteuõ” é freqüentemente seguido pela
palavra: ‘‘que ’ ’, indicando que a fé diz respeito a fatos. Entretanto,
o conceito de fé, mediante o uso de outros termos, ainda é mais
freqüente. (120)

99
Com efeito, quando o homem é possuído pela fé verdadeira,
ele, então, passa a andar num campo espiritual, em que as bênçãos
de Deus se tomam sucessivas em sua vida.
c) É preciso ir além do mundo dos sentidos. Agostinho
declarou que, para se chegar a Deus, é preciso ir além do mundo dos
sentidos. (121)
Este mundo, entretanto, não pode ser ultrapassado sem que
o homem tenha em si o verdadeiro elemento da fé. Por isso, dizia
Agostinho: “ Que amo então, quando amo o meu Deus? Quem é
aquele que está acima de minha alma? Pela minha própria alma
subirei até Ele, ultrapassarei a força que me prende ao corpo e
vivifica meu organismo. Mas não é por ‘meio desta força’ que
chegarei ao meu Deus. Se assim fosse, também o alcançariam o
cavalo e a mula que não tem inteligência, e cujos corpos vivem
graças àquela mesma força. Mas ‘existe’ outra força, que não só
vivifica, mas também sensibiliza o corpo que o Senhor me deu,
ordenando aos olhos, não que ouçam, mas que vejam; e aos
ouvidos, não que vejam, mas ouçam; e assim determinou a cada um
dos outros sentidos a respectiva posição e atividade...; portanto,
ultrapassarei outra força além do mundo dos sentidos; e, através da
tua fé, ó Senhor, a mim me entregue, chegarei a ti e te verei assim
mesmo como és. ’ ’ (122)

2. O significado da fé
Por “ a fé ” , queremos dizer a soma total da doutrina cristã,
conforme contida nas Escrituras (Lc 18.8; A t 6.7; 1 Tm 4.1; 6.10; Jd
v.3). Confiança, diz o Dr. C. I. Scofield; “ é a palavra caracterís-
no Antigo Testamento, para descrever ‘fé ’, ‘crer’, etc. Ela ocorre
152 vezes ali, e é a tradução da palavra hebraica que significa bus­
car refúgio (Rt 2.12); apoiar-se (Sl 56.3); esperar em (JÓ 35.14),
etc.” . (123)
N o Antigo Testamento, a fé fundamentava a esperança nas
promessas de Deus; a religião de Israel se fundamentava na aliança
realizada por Deus com seu povo no Sinai. Esta aliança é o
fundamento da fé israelita. Crer é aceitar com o verdadeira a
existência do Deus vivo e poderoso cujo auxílio era invocado.
No Novo Testamento , a fé é difundida numa dimensão de
maior magnitude; ela aí, conforme se depreende, chega a ser
concebida como sendo “ consubstanciada” . Alguns destes exem-

100
pios, são: “ Jesus, ‘vendo’ (observe bem a frase - vendo) a fé...” (Me
2.5a). “ Este ouviu falar Paulo, que, fixando nele os olhos, e ‘vendo’
(novamente - vendo) que tinha fé...” (At 14.9). Já o escritor da
epístola aos Hebreus, define “ fé ” , como “ ...o firme ‘fundam ento’
das coisas que se esperam, e a ‘prova’ das coisas que se não vêem ’’
(Hb 11.1).
a) O conceito de Calvino quanto à fé. O grande reform ador
da Europa, João Calvino, definia o conceito da fé, da seguinte
maneira:
‘‘Devemo-nos lembrar, ainda mais, que a palavra fé, às vezes,
é empregada nas Escrituras para denotar a ‘sã doutrina’. Por exem ­
plo, Paulo diz a Timóteo que os diáconos devem conservar o
mistério da fé em uma pura consciência; e que nos últimos tempos
alguns apostatarão da fé (1 Tm 3.9; 4.1).
‘ ‘Por outro lado, ele lembra a Timóteo que um bom ministro
de Jesus Cristo deve ser ‘...criado com as palavras da fé...’ (1 Tm
4.6).
‘ ‘D e m odo semelhante, quando escreve a Tito: ‘Tu, porém,
fala o que convém à sã doutrina. Os velhos que sejam sóbrios,
graves, prudentes, sãos na fé...’ (Tt 2.1,2a).” Ele quer dizer por
‘sadios’ a pureza da doutrina.
“ Já definimos “ fé” - afirma Calvino- como sendo um conheci­
mento firme e certo da boa vontade de Deus para conosco,
conhecimento esse que está fundamentado sobre a veracidade da
sua graciosa promessa em Cristo, e revelada para nosso entendi­
mento e selado em nossos corações pelo Espírito Santo.
“ Agora [continuaCalvino] consideramos esta definição deta­
lhadamente. (124)
“ Por ‘conhecimento’ não queremos dizer aquele conhe­
cimento que percebemos por nossos sentidos naturais; mas um que
é tão superior que a mente do homem deve ex ceder a si mesma
para alcançá-lo. Por isso Paulo fala de ‘conhecer o amor de Cristo...’
(Ef 3 .19a). Além disso, desde que se diz que andamos por fé e não
por vista, fica claro que as coisas que aprendemos pela fé estão
atualmente ocultas da nossa vista. D aí concluirmos que o conhe­
cimento da fé consiste na certeza mais do que na compreensão (cf.
Hb 11.27). Temos chamado este conhecimento de firme e certo,
porque a fé não se satisfaz com opiniões vacilantes e percepções
confusas, mas procura uma certeza plena e fixa...” (125)

101
b) A fé descansa na certeza. “ ...A ‘fé é a certeza...’” (Hb
11.1) , diz aB íblia Sagrada. No beneplácito de Deus, para o qual
a fé olha, percebemos que temos a vida eterna; porque se Ele nos
assegura do seu amor, nenhum bem pode nos faltar. Portanto, assim
a fé descansa na certeza de que, embora nos faltem mais coisas que
pareçam necessárias aqui no mundo, Deus nunca nos faltará (Sl
23.1) ; pelo contrário, se tivermos todas as coisas que desejamos,
mas, não tivermos certeza se Deus nos ama ou nos odeia, nossa
felicidade estará sob uma maldição e, portanto, em nada melhor do
que a miséria. (126)
‘ ‘Onde quer que exista fé viva, ela necessariamente deve ser
acompanhada pela esperança da salvação eterna como doação
divina mediante esta fé, pois se não tivermos esta esperança, por
mais eloquentemente que discorramos sobre a fé, fica evidente que
não temos fé nenhuma..., pois a fé acredita que Deus é verdadeiro,
e, portanto, a esperança aguarda que Ele cumpra sua promessa no
devido tempo; a fé acredita que Ele é nosso Pai, e a esperança
confia que Ele nos trata como seus próprios filhos; e, sempre
estamos a ouvir o soar da voz divina: ‘...a tua fé te salvou’. E ainda
mais: ‘...em esperança somos salvos’ (Lc 18.42; Rm 8.24).” (IZ7)
c) O alcance do argumento. Em relação ao homem, a fé é o
aspecto positivo da verdadeira conversão, o lado humano da rege­
neração.
Pelo arrependimento, o pecador abandona o pecado; pela fé
ele se volta para Cristo. Mas o arrependimento e a fé são insepa­
ráveis e paralelos.
Tem-se dito que o “ arrependimento é a fé em ação, e que a
fé é o arrependimento em repouso” .Os aspectos desta fé são
aprofundados nas dimensões da vida espiritual. Nesse sentido, a fé
em relação àquele que a possui, deve ser coerente (não fingida), ou
seja, deve ser a expressão de sua vida interna. Neste prisma, a fé se
compõe de três elementos essenciais:
O primeiro deles é o elemento intelectual. Os versículos
chaves para expressar o significado do pensamento são Romanos
10.14,15, onde lemos: ‘ ‘Como pois invocarão aquele em quem não
creram? e como crerão naquele de quem não ouviram? e como
ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem
enviados? como está escrito: Quão formosos os pés dos que anun­
ciam a paz, dos que anunciam coisas boas! ” .

102
O segundo é o elemento emocional, compreendendo a
reação favorável do coração (sinônimo de alma). Os versículos
principais que descrevem essa parte da fé são Romanos 10.9,10,
que dizem: “ A saber: Se com a tua boca confessares ao Senhor
Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dos mortos,
serás salvo. Visto que com o ‘coração se crê’ para justiça, e com a
boca se faz confissão para a salvação” .
O terceiro é o sentido volitivo. Esse elemento da fé engloba
o consentimento da vontade. O versículo chave para essa definição
é João 1.12, que diz: “ Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes
o poder de serem feitos filhos de Deus; aos que ‘crêem ’ no seu
nome” .
3. Sua essência em plenitude
A essência da “ fé ” consiste em receber o que Deus tem
revelado e pode ser definida como aquela confiança em Deus, e em
Jesus Cristo, a quem Ele enviou, que o recebe como Salvador e
Senhor, e a seguir produz obediência por amor, e obras de acordo
com a revelada vontade de Deus (Jo 1.12 e ss; Tg 2.14 e ss).
Neste campo, portanto, a fé se manifesta sobre estes aspec­
tos:
a) No tocante à salvação. Quando analisada deste ponto de
vista de observação, a fé é uma confiança pessoal (sem merecimen­
tos próprios) no Senhor Jesus Cristo como m ono por nossas ofensas
e ressurgido para nossa justificação (Rm 4.5,23-25).
b) No tocante à oração.Nesse sentido, a fé é a confiança que
temos nele que, se pedimos o que precisamos (não o que m ere­
cemos), Deus colocará essa fé em confronto com sua vontade, e
assim, Ele nos ouve (1 Jo 5.14,15).
c) No tocante as coisas invisíveis. Referente às coisas in­
visíveis de que falam as Escrituras, a fé lhes dá ‘substância’, de
maneira que agimos na convicção da sua realidade (Hb 11.1-3,27
etc.).

4. Como princípio ativo


Como princípio ativo que opera na vida do homem, os usos
da fé são exemplificados em Hebreus capítulo 11. Ali, a fé é
descrita, em suas várias relações e tem diversos graus, que vão
desde a crença inicial até a confiança dependente.

103
Envolve o intelecto, as sensibilidades e a vontade e se
expressa em obras que se harmonizam com a verdade crida.
Portanto, quando vemos a fé com o princípio ativo na vida humana,
então ela passa a sofrer três graus de definições:
a) A fé comum. A fé com um conforme determina o termo,
significa aquela essência de confiança que nasce do coração.
Costumamos dizer: ‘ ‘todo o homem tem fé ! ” . M as também, repe­
timos: ‘ ‘N em todo o homem usa a fé ” . Na passagem de Romanos
10.9, encontramos uma definição da fé comum, a saber: “ ...Se...em
‘teu ’ coração creres...’ ’ A idéia prim ária da existência de Deus no
coração humano é necessariamente o princípio de formação desta
fé comum, peculiar a todos os homens.
Alguém pode dizer: “ Eu não quero Deus.” Ao invés de dizer
“ Eu não creio em Deus (cf. Rm 1.19 e ss).” Na epístola aos Hebreus
12.2 Jesu s é declarado como sendo “ o autor (criador) e consuma-
dor (aperfeiçoador) da fé... ’ ’ Isso significa que qualquer que seja o
grau de fé, ela tem em Jesus sua origem (cf. T t 1.4).
b) A fé especial. A fé especial, conforme se depreende do
significado do pensamento, é vista como sendo um dos ‘ ‘don;s; de
poder” (1 Co 12.9, etc.). Ela não é permanente na pessoa humana.
Em si mesma o é. E momentânea e circunstancial (opera dentro de
uma circunstância especial e necessária). Qualquer milagre divino
operado na Bíblia, era realizado através da fé especial (cf. Hb
11.5,11,20,23,29 etc.). A fé especial é uma capacidade vinda
diretamente de Deus, capacitando o homem para este ou para
aquele fim. Falando sobre ela, disse nosso Senhor: “ Ó mulher!
[uma pecadora] grande é a tua fé” (Mt 15.28). E para um dos seus
apóstolos: “ Homem de pouca fé...” (Mt 14.31). Alguém poderá
então perguntar se a fé de Pedro foi, ou era especial; respondemos
que sim! A poucos instantes de ele ouvir de Jesus esta exortação,
usando da fé, andou sobre as águas. Ninguém pode andar como
Pedro andou, sem uma fé especial. Mas, infelizmente, sua confi­
ança desceu um pouco e com ela ele desceu também (Mt 14.30).
Em cada grupo dos dons, há um dom de maior magnitude! Por
exemplo nos dons de saber, a palavra da sabedoria é mais sublime
do que os demais dons (ciência e discernimento); nos dons de
expressão vocal, a profecia é mais essencial que os demais ali
mencionados (línguas e interpretações). De igual modo, nos dons
de poder, a fé está em primeiro lugar; ninguém pode operar

104
maravilhas, curar, etc. se não for possuidor da fé especial (cf. Mt
17.20).
c) Afé intelectual. A fé intelectual, conforme sugere o termo,
é muito importante em si mesma para afirmação da verdade, mas
não é suficiente para a salvação (cf. At 17.28; Tg 2.19). Podemos
denominá-la de fé objetiva (fé exterior), que pode vir ao encontro
da pessoa humana pelo testemunho e estudo das Escrituras e a
manifestação do universo visível.
Assim sendo, a fé intelectual afirma a existência de Deus, mas
não descobre o plano da redenção (cf. Sl 19; At 17.11; Rm 10.17).
Os passos da fé. Em relação ao homem, e no plano de sua
salvação, a fé se apresenta com os seguintes resultados;
Traz a rem issão dos pecados (At 10.43); a justificação (Rm
5.1); a santificação (At 15.9); a luz espiritual (Jo 12.36,46); e vida es­
piritual no contexto profundo da promessa (Jo 20.31); a adora­
ção (Gl 3.26); o acesso aD eus (Rm 5.2); e o descanso espiritual (Hb
4.3).
A fé, portanto, é u m a ''qualidade espiritual, um dos atributos
da alma, um dos frutos do espírito’’.
No Antigo Testamento, apesar de ser um livro volumoso, e as
verdades acerca da salvação serem declaradas de várias maneiras,
o substantivo FÉ (“ pistis e o verbo pisteuõ” ), são encontrados
apenas por duas vezes.
Sendo a primeira em Deuteronômio 32.20 , onde lemos:
“ ...porque são geração de perversidade, filhos em quem não há
lealdade” (“ emun” ), e em Habacuque 2.4 , onde diz; “ E isq u e asu a
alma se incha, não é reta nele; mas o justo pela sua ‘fé’ viverá”
(“ emunâ” ). Até mesmo nestes dois casos a maioria dos eruditos são
de opinião que os termos hebraicos significam ‘ ‘fidelidade” . Mas,
é evidente que, onde não há confiança, não pode haver fidelidade.

O O NT. I n t V. p. v. R. N. Champlin, Ph. D. 1982


O op. c it 1982
O Idem. 1982
O Scofield, Dr. C. I. (Scofleld Reference BlWie)
O O Nov. Dic. da Bibl. Vol. I. 1983
(“ ) op. c it 1983
(“ *) As ‘Institutos’ . J.C. 1* Ed, em P o rt 1984
O op. c it 1984
O Idem. 1984
O Idem. 1984

105
15
A Doutrina da Graça
1. O surgimento da graça
“ Porque a ‘lei’ foi dada por Moisés; a ‘graça’ e a ‘verdade’
vieram por Jesus Cristo” (Jo 1.17).
Talvez o vocábulo “ graça” seja, além do nome JESUS que,
de um a certa maneira,, é a expressão da graça de Deus (Tt 2.11)
manifestada, a palavra mais usada, fundamentalmente, nos lábios
cristãos.
Tal expressão vem do grego, e é “ charis” . “ Charis” , que é
traduzida na Bíblia corrente por “ graça” , tem vários sentidos e
aplicações. Significa, entre outros, graciosidade, atrativos, favor,
cuidado ou ajuda graciosa, boa vontade. (12®)
No mundo literário pode significar “ saudação nas cartas” ,
“ bênção expressa no fim delas ou no desejo de bem-estar acerca
dos leitores dessas cartas’ ’.
Isso ocorre em todas as epístolas de Paulo, aparecendo ali os
significados de aplicação prática da boa vontade, favor, dom graci­
oso, ou bênção graciosa (cf. 2 Co 8.4,6 e ss).
No sentido amplo da graça divina, Deus aparece como sendo
‘ ‘o Deus de ‘toda’ a graça...” (1 Pe 5.10); pelo que esse vocábulo
também indica os efeitos produzidos pelo modo gracioso como
Deus trata com os homens (2 Co 8.1; Gl 2.9; E f 3.2) e também o
sentimento de gratidão amplamente difundido (Hb 12.28 etc.).
Numa linguagem popular, se define graça como sendo “ favor
im erecido” (R m 3.24;G l 1.15).

106
a) No AT. No Antigo Testamento, apalavra ‘ ‘charis” (graça)
especialmente no grego da Septuaginta (LXX), é empregada cerca
de 190 vezes, das quais, somente cerca de 75 têm um equivalente
hebraico. (129)
Entre os equivalentes, o substantivo “ hen” (61 vezes) é o
mais freqüentemente usado no sentido de “ favor” , “ inclinação para
fa z e ro b e m ” .
‘ ‘Charis, a parti de Homero em diante, significa ‘ ‘aquilo que
traz bem-estar entre os homens ’ O substantivo ‘ ‘charm a” , trazia
em si a idéia de “ encanto” , de onde provém “ charme” -aquilo que
é lindo, ou talvez, aquilo que é atraente, etc. (13°)
Na mitologia grega, por exemplo, “ graça” podia ser usada
como nome pessoal. Ali, esse vocábulo ocorre personificado para
expressar o nome de uma esposa (‘ ‘Charis” ), extremamente bela,
de Heféstion. Talvez na passagem de Provérbios 31.3 0 , Salomão
tenha em mira uma figura feminina para expressar tal significado do
pensamento, deduzimos.
No mundo antigo, o emprego da palavra “ hen” esclarece o
sentido de ‘ ‘graça’ ’ na história e nas ações. Denota o mais forte que
vem ao socorro do mais fraco que precisa de socorro por causa das
circunstâncias ou da sua fraqueza natural.
Age mediante uma decisão voluntária, embora seja im pul­
sionada pela dependência ou a petição da parte do m ais fraco. (131)
U m a expressão típica que se emprega para descrever seme­
lhante evento do ponto de vista do fraco é a fórmula “ achar graça
aos olhos de alguém ” , isto é, adquirir seu favor, sua afeição, sua
benevolência, sua condescendência e sua compreensão. Alguns
exemplos bíblicos são: Jacó diante de Esaú (Gn 32.5); José para
Potifar e os homens de Faraó (Gn 39.4; 50.4); os egípcios para com
José (Gn 47.25); Rute perante Boaz (Rt 2.2,10,13); e um a jovem
esposa para com seu marido (aqui, no negativo, D t 24.1); A na para
com Eli, o sumo sacerdote (1 Sm 1.18); D avi para Saul e Jônatas (1
Sm 16.22; 20.3); Joabeparacom D avi (2 Sm 14.22); E sterparacom
o rei A ssuero (Et 8.5, etc.).
Esta aceitação é desejada (Zc 4.7) ou experimentada (Ec
9.11) - como boa fortuna ou salvação. M uitas vezes pode ser
entendida somente com o resultado de intervenção especial de
Deus que dá sua graça aos fracos. N o contexto da promessa,
107
portanto, “ Deus resiste aos soberbos, dá, porém , ‘graça’ aos hu­
m ildes” (Tg 4.6b).
b) No NT. No Novo Testamento, o termo “ charis” (graça)
empregado 155 vezes, mormente, nas epístolas de Paulo (100
vezes), especialmente em 1 e 2 Coríntios (10 e 18 vezes). Porém,
isso não se prende unicamente a estas epístolas; em outras, como
Romanos (24 vezes) e Efésios (12 vezes). Nas epístolas gerais,
acha-se mais freqüentemente em 1 Pedro (10 vezes); ocorre em
Hebreus (8 vezes).
Nos evangelhos, por exemplo, ‘ ‘charis” não é tão frequente
como talvez, em nosso conceito, deveria ser. Em Lucas (8 vezes)
e João (4 vezes).
Nos Atos dos Apóstolos, entretanto, a palavra está presente
com maior intensidade (17 vezes).
Ela está ausente em Mateus e Marcos. (132)
Nos ensinos de Jesus, evidentemente não ocorreu o conceito
da graça no sentido de o “ dom não m erecido” , da parte de Deus.
Entretanto, o tema central de seus ensinos e dos seus atos com o um
todo se centraliza na condescendência de Deus para com os fracos,
pobres, desesperados e perdidos (Mt 11.5,28 e ss; Me 10.26e ss; Lc
15 etc.).
O perdão de uma dívida incalculável (M t 18.21-34), o
galardão precioso no reino de Deus (Mt 20.1-16), e o perdão que
leva a uma vida nova (Lc 13.6-8; 19.9,10), são conceitos centrais
no seu ministério.

2. A chamada geral da graça


N a parábola da grande ceia, em Lucas 14.15-24, fala-se
prim eiro em “ convidados” (v.17), que receberam o convite para
a festa, e depois daqueles que inesperada e desprevenidamente
foram chamados de “ ruas e bairros da cidade” (v.21). Os con­
vidados são os judeus, os outros são os gentios. No lugar do povo
da aliança, do Antigo Testamento, surge agora o povo da Nova
Aliança, do Novo Testamento. Todos aqueles que crêem sob a
graça são, em princípio, convidados (cf. Ap 19.9).
No grego do Novo Testamento, a palavra para ‘‘convidados ’’
é a mesma que para “ cham ados” . Temos, assim, uma chamada
geral. Esta chamada divina para a salvação ocorre por meio do
Evangelho (Mt 11.28 e ss; Rm 10.17; 2 Co 5.20; 1 Ts 2.12 e ss; Ap

108
22.17), no qual se oferecem aos ‘ ‘convidados ’ ’ perdão dos pecados
e a vida eterna (1 Pe 2.9; 5.10). Com este convite, o Senhor, sua
palavra e seus servos se dirigem a ‘ ‘todos ” , no sentido de ninguém
ser excluído (At 17.30; 1 Tm 2.4), mas também diretamente a cada
um, individualmente, de modo que lhe fique claro como se es­
tivesse sendo chamado por seu próprio nome.
a) O sentido da chamada da graça. No Novo Testamento, a
palavra “ cham ar” aparece (entre outros) em três sentidos:
Primeiro: A chamada geral: “ Porque muitos são ‘cham a­
dos’, mas poucos escolhidos” (Mt 22.14).
Segundo: A chamada especial, com o um ato de Deus em
relação ao qual o homem deve tomar uma posição pessoal (1 Ts
2.12; 2 Tm 1.9; l P e 1.15).
Terceiro: A chamada do homem para participação do con­
vite, a partir do que ele passa a pertencer aos “ chamados santos”
ou como diz o original: “ chamados para serem santos” (Rm 1.7=
ARA).
b) A lei e a graça. ‘ ‘De maneira que a lei nos serviu de ‘a io \
para nos conduzir a Cristo, para que pela fé fôssemos justificados”
(Gl 3.24).
A palavra ‘“ a io \ no original grego é ‘pedagogos’” , que
significa “ guia” , “ auxiliar” .(133)
Essa palavra não significa aqui “ mestre-escola” , “ tutor” ,
aquele que tinha a incumbência de educar uma criança. N a litera­
tura secular, porém, algumas vezes indicava isso. M as, na pas­
sagem em foco, não deve estar presente tal idéia. Pelo contrário,
está em foco a idéia de um “ auxiliar” ou “ guardião” . U su­
almente, o “ aio” tratava-se de um escravo, que cuidava da criança
desde os seis aos dezesseis anos de idade. Tinha por tarefa discipli­
nar a criança, podendo até corrigir as suas faltas por meios
apropriados para a ocasião.
Entretanto, o dever mais apropriado do “ pedagogo” era
conduzir a criança para a escola, cuidando para que nenhum perigo
a ameaçasse.
Mas quando a criança atingia a idade apropriada, cessava a
autoridade do “ guardião” , e a criança não mais era responsável
perante ele, e nem mais estava sujeita às suas exigências.
Paulo, então, passa a ilustrar a missão limitada da lei e o
trabalho permanente da graça. Como poema ilustrativo, Moisés,

109
através da Lei, não pôde conduzir-nos a Canaã celestial, embora
possa conduzir-nos até suas fronteiras. Mas nesse ponto ele é
substituído pelo verdadeiro Josué, que conduz o Israel espiritual
até a possessão de sua herança. Assim também a Lei nos conduziu
a Cristo; mas, nesse ponto, cessa o seu ofício.
c) A graça e a misericórdia. A graça e a misericórdia de Deus
são as expressões de seu amor, em duas direções. Graça é o amor
para com os humildes, pequenos, indignos, de direito condenados
à morte e corrupção; misericórdia é o amor aos que sofrem, aos
desesperados e perdidos.
N aepístolade Paulo a Tito, aprendemos que, Deus m anifesta
seu amor da seguinte maneira, para alcançar a todos: “ A Tito, meu
verdadeiro filho, segundo a fé comum, graça [para os gregos - Tito
era um deles, talvez], misericórdia [para os gentios], e paz [para os
judeus] da parte de Deus Pai...” (Tt 1.4).
Da graça de Deus testificam as passagens deÊxodo 34.6;
Jeremias 33.11; Lucas 15.2 e ss; Efésios 2.7 e ss, etc. Prova d a graça
de Deus é o evangelho no paraíso, ali, onde Deus, estendeu sua mão
ao pecador caído, dando-lhe a prim eira promessa de um Redentor
(Gn 3.15; Gl 4.4), e por meio dela prometeu não abandoná-lo logo
à etem a destruição; além disso, a soma total das promessas do
Antigo Testamento, as ofertas, os cultos, as festas e o ministério
dos profetas, e por fim a manifestação da salvação em Cristo.(w )
A graça de Deus se mostra, ao mesm o tempo, como am or que
a si mesmo se rebaixa, se humilha.
Deus olha de sua santa habitação para bem baixo, e contem­
pla as coisas mais pequenas no céu e sobre a terra (Sl 113.5 e ss);
Ele se inclina para baixo e procura pelos humildes; escolhe os
pequenos, os insignificantes, os fracos, e tem prazerem habitar, de
maneira especial, também com os de coração quebrantado e
humildes de espírito (Sl 51.17; Lc 1.48; 1 Co 1.26 e ss).
Da misericórdia divina testifica especialmente a passagem
de Êxodo 34.6,7. Moisés então clamou: ‘‘...Jeová, o Senhor, Deus
‘misericordioso’ e piedoso, tardio em iras e grande em bene­
ficência e verdade; que guarda a beneficência em milhares; que
perdoa a iniquidade, e a transgressão...”
Provas da misericórdia de Deus: sua providência para com as
viúvas, os órfãos e os estrangeiros na legislação mosaica (Êx 22.20
ess; Dt 10.18,19; 14.29; 27.19 etc.). Em especial,consolidadas em

110
Jesus Cristo nosso Senhor (Jo 3.16).

3. A missão da graça
A m issão plena da graça de Deus é ampla e irrestrita para
todos! Mas para que não houvesse injustiça (aos olhos de alguém)
por parte da graça, ela é, então, acompanhada pela ‘verdade’. “ ...A
graça e a verdade” vieram por Jesus Cristo (Jo 1.17). Isso se dá,
porque, Deus é o Deus da verdade.
Alguém poderá então dizer: “ Se somos justificados gratui­
tamente pela graça, devemos então elim inar a obediência?” . Res­
pondemos que não!
A graça não elim ina a obediência, mas antes, tom a-a im peri­
osa (Rm 1.5; 6.17); a graça requer a ‘ ‘santificação’ ’, sendo a pro­
dutora desta última, porque é mediadora do poder do Espírito
Santo, o qual é o agente dessas operações. A obediência e a
santidade são meramente termos que apontam para a m esm a
realidade, a ‘ ‘santificação ’ ’, mediante o que a ‘ ‘imagem de C risto”
vai sendo formada em nós. Portanto, aquilo que realmente tom a
santos os homens não é a lei, e, sim, a ‘‘graça’ ’; e a santidade de que
o homem necessita é a própria santidade divina, a única que Deus
pode aceitar nos seus remidos.(135)
Com efeito, como já tivemos ocasião de afirmar, ninguém
pode começar pela graça, e então passar a seguir a lei, como guia
diário. A lei não pode guiar o crente, da mesma maneira como não
poderia tê-lo salvo, a princípio.
Na graça, portanto, a segurança é absoluta, pois essa é a
promessa de Deus.
a) A graça e o livre-arbítrio. Apesar de a graça, naturalmente
como uma proposição teológica, se alinhar juntamente com a pre­
destinação condicional e a eleição divina, pois nelas todo o crédito
da salvação humana é atribuído a Deus, o que a graça também de­
clara, não é ela contraditória ao livre-arbítrio e à responsabilidade
humana. Isso é confirmado tanto pela doutrina neotestamentária
como pela experiência diária. A própria graça possibilita uma
salvação universal (Rm 11.32); e o seu produto, a cruz de Cristo,
atrai todos os homens a Cristo (cf. Jo 12.32). Os decretos divinos
são estabelecidos na graça; e de alguma maneira eles cooperam
como livre-arbítrio humano e se utilizam deste sem destruí-lo.

111
Em termos gerais, significa aquilo que já afirmamos, “ favor
im erecido” ou “ benevolência da parte de D eus” para com os
homens. Em alguns casos, esse favor também podia vir por parte
dos homens; não para a salvação da alma; e, sim, com o cooperação.
Os apóstolos, a princípio, obtiveram o “ favor” ou “ aprovação”
do povo (At 4.33). O vocábulo também indica a fé cristã, em sua
inteireza. Nessa categoria, talvez caiba o trecho de João 1.17; que
diz que a Lei foi dada por M oisés, mas a graça e a verdade, vieram
por m eio de Cristo. Nesse sentido, a ‘ ‘graça’ ’ é posta em confronto
com a Lei. Em Atos 13.43, a exortação é que os novos convertidos
continuassem na fé cristã. Em Romanos 6.14 é afirmado que não
estamos debaixo da Lei, e, sim, da graça.
b) A graça no sentido da salvação. A palavra “ graça”
continuamente usada pelo apóstolo Paulo, em ligação com a
doutrina da salvação.
O sentido elementar desse vocábulo, nesse caso, é “ atração” ,
“ encanto” , conforme se vê em Eclesiastes 10.12: “ Nas palavras
da boca do sábio ‘há favor’... ” (sg. LXX). E a idéia é similar àquilo
que foi dito como poema ilustrativo “ ...das palavras de graça que
saíam da sua boca...’ ’ (Lc 4.22). Desse sentido, a palavra passou a
significar também “ gentileza” , “ boa vontade” , “ graciosidade” .
Com fieqüência, dentro do uso que dela fazem as Escrituras, essa
palavra significa “ boa vontade” ou “ graciosidade” , que os homens
podem obter de algum poder mais elevado, com o da parte de um
rei, de quem, entretanto, nada poderíam receber devido a quaisquer
“ direitos” , pois não os possuem. Assim sendo, se qualquer coisa
tivesse de ser recebida, teria de sê-lo devido à “ graça gratuita”
dessa pessoa ou poder superior, daí, advém o siginificado do
pensamento de charis: “ favor imerecido” .(136)
Portanto, no que diz respeito à sua associação ao evangelho
(o que está em foco nesta seção), a “ graça” passou a significar “ a
bondade espontânea” de Deus para salvação completa da pessoa
humana. Pela graça ‘sois salvos’, diz a palavra divina!

4. A aplicação da g raça
A graça de Deus, revelada por Jesus Cristo, tem vários sig­
nificados e aplicações, dependendo do contexto.
Ela se m anifesta na salvação (E f 2.8; T t 2.11); no andar e
servir dos santos (Rm 6.15); no serviço para Deus (Rm 12.6); no

112
crescimento espiritual do cristão (2 Pe 3.18); em repartir (2 Co
4.15); e na esperança (1 Pe 1.13).
Quando ela se manifesta como ‘‘favor’ ’, obedece aos seguin­
tes critérios:
a) Favor de Deus. No qual os homens se descobrem; vivendo
em abundante graça (At 4.33; 6.8). Deus, então, favorece a todos
e depois, fica satisfeito com o resultado.
b) Encontrar graça em Deus. Reflete uma decisão de Deus,
no sofrimento e na fraqueza do homem (2 Co 12.9), no ministério
(2 Co 1.12).
Na medida do “ dom ” de Cristo: ministério padrão (Rm
12.6; 1 Co 12.5; E f 4.7 e ss).
c) O favor divino à criatura humana. Noé, exemplifica o
significado do argumento (Gn 6.8), seguido por Maria, mãe do
Senhor (Lc 1.28), Isabel, mãe de João Batista (Lc 1.25).
d) A proteção divina diante do sofrimento. Muitos cristãos
exemplificaram-se como recipiendários dessa proteção por parte
de Deus. Paulo (2 Co 12.9); a vida eterna, Pedro por am or de seu
argumento (1 Pe 3.7); o sofrimento pelo bem (1 Pe 2.20); fi­
nalmente, sofrimento por amor a Cristo (Fp 1.29).
e) Toda espécie de favores. Isso engloba favores materiais e
espirituais (2 Co 9.8; E f 4.29), pois Deus é o Deus de toda a graça
(Tg 1.17; l P e 5.10).
f) A ressurreição de Cristo. A ressurreição de nosso Senhor
é evidência também (ou foi) evidenciada por esta graça (cf. A t
4.33).
Assim, quando a graça é empregada para denotar deter­
minada atitude ou ação de Deus para com o homem, faz então parte
da própria essência da questão que o mérito humano seja excluído.
Ao usar da graça, Deus age de Si para aqueles que merecem, não
seu favor, mas a sua ira.
A graça, portanto, caracteriza a Era Presente, assim como a
Lei caracterizou a Era compreendida entre o Monte Sinai e o
Calvário. Assim, com tal significado, ambas se contradiríam, se
agissem ao mesmo tempo: Seguem assiim
Na lei. Deus proibindo e exigindo (Êx 20.1-17).
Na graça. Deus rogando e concedendo (2 Co 5.18-21).
Na lei. Ministério de condenação (Rm 3.8).
Na graça. M inistério do perdão (Ef 1.7).

113
Na lei. Condenação (Gl 3.1).
Na graça. Redime da condenação (Gl 3.13).
Na lei. O homem é morto (Rm 7.9,11).
Na graça. O homem é vivificado (Jo 10.10).
Na lei. O homem se afasta de Deus (Êx 20.18,19).
Na graça. O homem se aproxima de Deus (Ef 2.13).
Na lei. Toda a criatura fechava a sua boca (Gl 3.19).
Na graça. Toda a criatura deve abrir a sua boca (Rm
io.9,io):
Na lei. Se dizia: “ Olho por olho” (Êx 21.24).
Na graça. Se roga: “ Não resistais ao m al” (Mt 5.39).
Na lei. Se dizia: “ Faze e viverás” (Lc 10.28).
Na graça. Se roga: “ Crê, e viverás” (Jo 3.36).
Na lei. É condenado o melhor dos homens (Fp 3.4-9).
Na graça. É justificado gratuitamente o pior dos homens (Lc
23.34,40-43; Rm 5.6; 1 Tm 1.15).
Na lei. O homem era submetido a um sistema de provação
(Gl 3.23-25).
Na graça. O homem é submetido a um sistema de favor
divino (E f 2.4,5 etc.).
O resultado geral desta graça é que, em Jesus Cristo, encon­
tramos perdão - perdão dos pecados - justificação, redenção (Cl
2.13) .
Para este fim Jesus se deu a si mesmo a Deus (2 Co 8.9; 1 Tm
1.14) . A graça, portanto, nesse sentido, é mais freqüentemente
mencionada em oposição a outro meio de salvação: A circuncisão
e a observação da Lei (At 15.11); as obras da lei (Rm 11.6).
Nosso Senhor era também relacionado com a graça que, em
sua vida diária contextuava sua vida com a graça.
Segundo o costume judaico, Jesus deu graças ao sentar-se à
m esa (Lc 24.30) e de igual modo durante seu ministério terreno,
antes da multiplicação dos pães (Mt 14.19; Lc 9.16), e também
antes de ressuscitar Lázaro (Jo 11.41). Evidentemente, essa graça
é dada àquele que fez todas as coisas (Ap 4.9 etc.).
Conclusão: A dispensação da graça começou com a morte e
ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo, e terminará em pleni­
tude com o arrebatamento da Igreja. Mas é evidente que, cronolo­
gicamente falando, os seus efeitos seguirão até a abertura do 7S
selo. O selo do silêncio! (Ap 8.1-4). Todas as orações feitas no

114
tempo da graça, aqui subirão e a seguir se iniciará um a nova ordem
na salvação humana. Isto significa, que a dispensação da graça foi
concedida por Deus para preparar o ‘ ‘Corpo de C risto’ ’ que é a sua
Igreja. E mediante esta presente dispensação três dispositivos
operavam juntos na salvação humana: A fé (Lc 18.42); A graça (Ef
2.8); E o sangue do Cordeiro (1 Jo 1.7; Ap 12.11, etc.).
Porém, com o arrebatamento da Igreja, a graça terminará sua
missão (cf. M t 25.10); mas Deus, em sua justiça e retidão, continu­
ará usando dois dispositivos ainda: A fé e o sangue do Cordeiro (cf.
Ap 7.14; 12.11; 14.13). Portanto, não é em vão que a Bíblia afirma:
“ Deus é o Deus de toda a graça! ” .(137)

('*•) o NT. Int. v. p. v. R. N. Champlin, Ph. D. 1982


(”*) op. cit. 1982
O1*) Idem. 1982
0M) Dlc. Int, de Teol. do NT. Vol. II. 198S
('”) op. c it 1985
('” ) Scofield, Dr. C. I. (Scofidd Rcference Bible)
O P d , em Teol. Sist. H. C. T. 1987
0” ) Voc. Bibl. J. J. V. A. 1972
0“ ) As ‘Institutas’ - J. C. 1* Ed, em Fort, 1984
(IW) op. c it 1984

115
16
A Doutrina da Regeneração
1. O significado da regeneração
“ Não pelas obras de justiça que houvéssemos feito, mas
segundo a sua misericórdia, nos salvou pela lavagem da ‘regene­
ração’ e da ‘renovação’ do Espírito Santo” (Tt 3.5).
A palavra “ regeneração” ou “ recriação” somente aparece
por duas vezes nas Escrituras. Aqui (3.5) e em M ateus 19.28.(138)
Em Tito, está em foco a regeneração presente e atual na vida
do crente que, encontrando Cristo, nasceu de novo.
Em M ateus 19.28, porém, está em foco a regeneração da Era
Milenar.
No grego temos a palavra “ paliggensia” , isto é, “ novo
nascim ento’ ’, ‘ ‘regeneração’ ’, palavra usada exclusivamente aqui
e em M ateus, conforme já tivemos ocasião de ver em todo o Novo
Testamento. Naquela outra passagem, alude à Era M essiânica, ou
seja, à Era Vindoura, o novo mundo, o período d a renovação,
renascimento do mundo, o que produzirá uma nova ordem social,
que substituirá a ordem social em que vivemos.
a) Não é o batismo em águas. M uitos têm confundido a
regeneração com o “ batismo das águas” ou “ em águas” con­
forme a expressão usada no momento. Mas, necessariamente, deve
estar em foco aqui “ o lavar regenerador e renovador do Espírito
Santo” (v 5 - ARA), conforme determina o term o no original. Na
verdade, esse é o batismo (lavagem) que salva, e não o batismo
sacramental. O evangelho de João (3.1 e ss) fala do ato da
116
regeneração. Neste caso, entretanto, temos uma “ realidade indi­
vidual” . H á uma purificação do indivíduo, com a renovação da
velha natureza, em que o indivíduo é expurgado do pecado, o que
resulta na ‘ ‘regeneração’ ’ do ser, no seu ‘ ‘novo nascimento’ ’. Isso
ocorre agora, e depois terá um sentido pleno. Agora, a “ regene­
ração m oral” ; e em seguida há a “ regeneração m etafísica” ; e
ambas as coisas produzem o “ novo nascimento” , quando uma
nova criatura nasce, a saber, o “ novo hom em ” , feito segundo a
imagem de Cristo, para que seja apto cidadão do mundo celestial,
extremamente elevado.(139)
Essa é a completa explicação sobre o “ novo nascim ento” .
Assim sendo, o novo nascimento não consiste apenas da “ conver­
são” , conforme as vezes costumamos dizer. Antes, envolve tudo
quanto ocorre na alma de um homem, até que ele penetre no novo
e majestático mundo celestial como uma nova espécie de ser.
Nosso Senhor explicou muito bem isso para um príncipe dos
judeus, Nicodemos (Jo 3.3b): “ ...aquele que não nascer de novo,
não pode ver o reino de D eus” ; e, na seção seguinte: “ ...não pode
entrar...” (v 5).
O indivíduo ‘ ‘nasce dentro’ ’ do mundo celestial, como uma
nova espécie de ser, da mesma maneira que nasceu neste mundo
terrenal, na forma de ser humano mortal.
b. O conceito errado. Mesmo antes de nosso Senhor vir a este
mundo, já havia por parte de alguns filósofos uma idéia de rege­
neração.
Para Pitágoras (570-496 a.C.) era a “ transmigração das
alm as” , a reencamação.
Para os adeptos das religiões gregas misteriosas era uma
espécie de renascimento espiritual em que o indivíduo era iniciado
nos mistérios dessas religiões.
Para os filósofos estóicos era a restauração áurea do mundo,
após ter sido consumido pelo fogo, dando início a uma nova série
de ciclos.
Com efeitos, porém, a regeneração não é nada dessas coisas,
conforme é usada nas passagens de Mateus (19.28) e Tito (3.5),
respectivamente. O vocábulo “ regeneração” consiste da “ trans­
formação moral e espiritual do crente, segundo a imagem de
C risto’ ’, de tal modo, a produzir um ser moral semelhante a Cristo,
no fim do processo.(140)

117
Essa transformação moral provoca a transformação metafísica,
em virtude da qual o homem salvo adquire a própria natureza de
Cristo. Na passagem de João 3.3,5, a “ regeneração” ou “ novo
nascimento” inclui tanto o aspecto moral como o aspecto metafísico,
os quais são indicados, respectivamente, pelos termos “ regene­
ração” e “ renovação” , em outros lugares. Nenhum sacramento
pode conferir a um homem a natureza que existe em Cristo, ou a
plenitude de Deus (cf. E f 3.19). Nenhum mérito humano pode
conferir isso a quem quer que seja. Somente o Espírito Santo,
mediante a sua transformação mística, pode fazer ocorrer essa obra
admirável na alma humana.

2. U m a nova c ria tu ra
‘ ‘Assim que, se alguém está em Cristo, ‘nova criatura é ’: as
coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo” (2 Co 5.17).
O substantivo “ regeneração” (“ paliggensia” ), na passagem
de Tito (3.5), refere-se à restauração, ou melhor, à transformação
do homem salvo que de agora em diante entrou numa nova vida.
Várias passagens do Novo Testamento (especialmente no livro de
João) empregam este vocábulo com significação especial.
Uma dessas significações refere-se à alteração que o Espírito
Santo efetua.
Por exemplo, o vocábulo “ gennaõ” - juntam ente com
“ anõthen” (Jo 3.3,5), significa “ gerar” ou “ dar nascimento a ” ,
sendo usado em João 1.13; 33,4,5,6,7,8; 1 Jo 2.29; 3.9; 4.7;
5.1,4,18, etc.
Segundo Stribb, em 1 Pedro 1.3,23, a palavra “ anagennaõ”
que significa “ gerar de novo” , ou “ dar novo nascim ento” , é
encontrada com sentido especial para a regeneração.(141)
Os escritores clássicos usaram estes vocábulos para des­
crever o ato inicial da renovação. Assim as palavras ‘‘anakainõsis ’ ’
(que vêm citadas em Rm 12.2 e Tt 3.5), juntam ente com o verbo
“ anakainõo” , em 2 Coríntios 4.16 e Colossenses 3.10, denotam
uma idéia de refazer, de fazer de novo.
a) O sentido lato. No sentido lato da doutrina daregeneração,
estes termos apontam para uma transformação do hom em velho,
em um novo homem (2 Co 5.17); e, necessariamente, é isso que o
apóstolo Paulo e outros escritores da Bíblia usam em vários
elementos doutrinários.

118
Em Romanos 12.2, Paulo diz: “ E não vos conformeis com
este mundo, mas ‘transformai-vos’ pela ‘renovação’ do vosso
entendim ento...”
Em Gálatas 6.15, novamente ele afirma: ‘ ‘Porque em Cristo
Jesus nem a circuncisão nem a incircuncisão têm virtude alguma,
mas sim o ser uma ‘nova criatura” ’.
E em Efésios 2.15, lemos: “ Na sua carne [de Cristo] desfez
a inimizade, isto é, a lei dos mandamentos, que consistia em orde­
nanças, para criar em si mesmo dos dois [judeus e gentios] um
‘novo homem’, fazendo a paz” .
Portanto, a regeneração, em vários de seus elementos trans­
formadores, toma como primeiro passo, o novo nascimento (Jo
3.3,5), pois através dele o homem pode vir a ser uma nova criatura
criada segundo a imagem de Cristo, em santificação (cf. Rm
8.29,30). Feito isso, então ele está apto para “ v er” e “ entrar” no
reino de Deus (cf. Mt 19.28 etc.).
No Antigo Testamento, por exemplo, apesar da palavra
‘ ‘regeneração’ ’ não estar explicitamente presente com o no Novo,
contudo, a idéia se faz presente em vários contextos similares. Em
Ezequiel, por exemplo, Deus conclama uma transformação radical
para o homem, dizendo: “ E lhe darei um mesm o coração, e um
‘espírito novo’ porei dentro deles...” (Ez 11.19a; 18.31, e outros
versículos similares).
b) O significado da regeneração. Do lado divino de obser­
vação, a mudança de coração é chamâcla de “ regeneração” , de
novo nascimento; e do lado humano é chamada de conversão. N a
regeneração, a alma é passiva; na conversão, porém, é ativa.
Podemos definir a regeneração como a comunicação de vida divina
à alma (Jo 3.5; 10.10,28; 1 Jo 5.11,12), com o a concessão de uma
nova natureza (2 Pe 1.4) ou coração novo (Jr 24.7; E z 11.19;
36.26), e a produção de uma nova criação (2 Co 5.17).
As Escrituras apresentam a regeneração como um a obra de
Deus; mas há numerosos meios e exigências envolvidos na ex­
periência, que são apresentados da seguinte maneira:
Primeiro, a vontade de Deus. Somos nascidos não “ ...da
vontade da carne, nem da vontade do varão, mas de D eus” (Jo
1.13b). As palavras de Tiago enfatizam mais isso ainda: ‘ ‘Segundo
asu a vontade,ele nos gerou pela palavra da verdade...” (Tg 1.18a).
Segundo, a morte e ressurreição de Cristo. Precisamos lem­

119
brar de que o novo nascimento é concedido mediante a fé no Cristo
crucificado (Jo 3.14-16); e que a ressurreição de Cristo está
igualmente envolvida em nossa regeneração (1 Pe 1.3).
Terceiro, a Palavra de Deus. ‘ *Sendo de novo gerados, não de
semente corruptível, mas da incorruptível, pelapalavrade Deus... ’ ’
(1 Pe 1.23a). O mesmo pensamento é expresso em João 3.5 e Tiago
1.18, respectivamente. De Efésios 5.26, aprendemos que a nossa
purificação é relacionada à Palavra de Deus. E a passagem de João
15.3, expressa o significado do argumento. Isso não significa
‘ ‘regeneração batism al’ ’ como Tertuliano de Cartago, a entendeu;
e, sim, regeneração moral e metafísica.
Quarto, pelos ministros da palavra. “ Porque ainda que
tivésseis dez mil aios em Cristo não teríeis contudo muitos pais;
porque eu peloevangelho vos ‘gerei’ em Jesus C risto’’ (1 C o4.15;
Gl 4.19 etc.).
Quinto, pelo Espírito Santo. “ Jesus respondeu: N a verdade,
na verdade te digo que aquele que não nascer da água [palavra] e
do Espírito [Espírito Santo], não pode entrar no reino de D eus” (Jo
3.5). E outros contextos similares.(142)

3. O alcance da regeneração
Poderiamos chamar a conversão de a causa, e a regeneração
de o efeito. Jesus aponta a necessidade mais profunda e universal
de todos os homens - uma mudança radical e completa na natureza
e caráter íntimo em sua totalidade. Mediante este processo, a
regeneração produz no homem os seguintes resultados:
a) Nascimento. Deus o Pai é quem o “ gerou” , e o crente é
“ nascido de D eus” (1 Jo 5.1), “ nascido do Espírito” (Jo 3.3,5,8),
“ nascido do alto” (tradução literal de João 3.3,7). Esses termos
referem-se ao ato da graça criadora que faz do crente um filho de
Deus (Jo 1.12,13 etc.).
b) Purificação. Deus nos salvou pela “ lavagem ” (literal­
mente, lavatório ou banho) da regeneração (cf. Tt 3.5). A alm a foi
lavada completamente das imundícias da vida de outrora, rece­
bendo novidade de vida, experiência simbolicamente expressa no
ato de batismo (At 22.16). Por inferência é o que Pedro diz: “ Que
também, com o uma verdadeira figura, agora vos salva, ‘batism o’,
não do despojamento da imundicia da carne, m as da indagação de
uma boa consciência para com D eus...” (1 Pe 3.21a).

120
c) Vivificação. Somos salvos não somente pela “ lavagem da
regeneração” , mas também pela “ renovação do Espírito Santo”
(cf. Cl 3.10 e Tt 3.5). O Espírito de Deus é quem opera neste
processo de vivificação do crente, como bem podemos depreender
dos seguintes textos: Salmo 51.10; 119.25,37, 40,50,88, 149,
154,156,159; Romanos 12.2; Efésios 4.23, etc. A essência da
regeneração é uma nova vida concedida por Deus Pai, mediante
Jesus Cristo e pela operação do Espírito Santo.(143)
d) Criação. Aquele que criou o homem no princípio e soprou
em suas narinas o fôlego de vida, o recria novamente pela operação
do Espírito Santo. “ O Espírito de Deus me fez, e a inspiração do
Todo-poderoso me deu vida” (JÓ 33.4; cf. 2 Co 5.17; E f 4.24). O
resultado prático é uma transformação radical da pessoa em sua
natureza e caráter, pois saiu das trevas para a luz do Senhor (cf. 1
Pe 2.9).
e) Ressurreição. Isso é exemplificado em vários elementos
doutrinários das Escrituras (Rm 6.4,5; E f 2.5,6; Cl 2.12; 3.1).
Como Deus no princípio vivificou o pó da terra inanimado e o fez
vivo para com o mundo físico (Gn 2.7), assim Ele vivifica a alma
em seus pecados perdoando-a deles e a faz vida para as realidades
do mundo espiritual.
Este ato de ressurreição espiritual (Cl 3.1) é simbolizado pelo
batismo das águas.
A regeneração é “ a grande mudança que Deus opera na alma
quando a vivifica” . Quando Deus levanta a alm a da morte do
pecado para a vida de justiça; então, a partir daí, a alma humana
começa a desfrutar esta transformação espiritual.
A regeneração, declara o dr. Evans, ‘ ‘é um ato sobrenatural
da parte de Deus. Não é evolução, mas sim, elevação a outra
potência - a comunicação de uma nova vida. É uma revolução -
uma mudança de direção resultante dessa vida. E uma fase que tem
em vista um processo. Passa a gerir, na vida do homem regenerado,
um novo poder governante, mediante o qual este é capacitado a
tomar-se santo em sua experiência” .
f) Seu resultado. Os homens nascem de novo quando gerados
por Deus mediante sua Palavra. A soberania de Deus, nesse caso,
se interpõe.
Algo é infundido. Na salvação de cada pessoa há uma
autêntica operação do poder divino, mediante o qual o pecador

121
morto é vivificado; o pecador indisposto, o pecador recalcitrante e
obstinado tem a consciência abrandada, e aquele que anteriormente
rejeitava a Deus e desprezava o oferecimento do evangelho é
levado a lançar-se aos pés de Jesus; e ali, recebe uma transformação
que, nenhuma outra força ou meio, jam ais teriam capacidade para
o fazer!*()

(,M) Scofleld, Dr. C. I. (Scofleld Refcrcnce Bible)


('") O NT. I n t v. p. v. R. N. Champlin, Ph. D. 1982
(’“ ) op. c it 1982
(«') Idem. 1982
(**) Idem. 1982
("“) As ‘Institutas’ - J. C. 1* Ed, cm P ort 1984

122
17
A Doutrina da Justificação
1. Definição da doutrina
“ O qual [Jesus] por nossos pecados foi entregue, e ressusci­
tou para nossa justificação” (Rm 4.25).
A palavra “ justificar” ocorre trinta e nove vezes no Novo
Testamento; vinte e sete das quais nas epístolas de Paulo. Usu­
almente está vinculada ao sentido do adjetivo paralelo, ‘ ‘dikaios’ ’,
que significa ‘‘reto’ ’, ‘ ‘ju sto ’ ’ (este último, 81 vezes no NT), e que,
nas passagens que falam sobre a justificação, indica um homem
que possui essas qualidades ‘ ‘à vista de D eus” , ou seja, “ correta
posição’ ’. É por essa razão que a tradução inglesa de W illiams diz
“ right standing” (correta posição), na passagem de Romanos
3.24, ao invés de usual tradução “ justificados” .(144)
Essa palavra, pois, pode indicar a correta posição forense, ou
pode também subentender aquela correta posição que é declarada
porque o indivíduo envolvido é realmente justo ou reto, partici­
pando realmente da santidade de Deus.
Assim, pois, no Novo Testamento encontramos os seguintes
usos do termo:
a) Justificar. No grego bíblico a forma verbal “ justificar”
pode significar demonstrar justiça para com alguém (Sl 81.3; Is
1.17).
Poném, quando este alguém já é justo, pode significar também
vindicar, tratar justo, mostrar que alguém é justo (Gn 44.16; Lc
7.29). E, nesse caso, envolve alguém que já é justo, mas que precisa
123
ser vindicado como tal. Em alguns casos, pode-se usar este termo
em pronunciamentos forenses, sem que isso indique, necessari­
amente, a condição real da pessoa envolvida (M t 12.37; Gl 2.16).
E é dessa maneira que a maioria dos intérpretes protestantes con­
sideram ser o uso dessa palavra, no segundo e terceiro capítulo de
Romanos.(145)
Nesse caso, a justificação é mais do que perdão. O perdão é
um ato que livra o ofensor da penalidade da lei, que ajusta as suas
relações externas para com a lei, mas que não afeta necessari­
amente a sua personalidade, em nada a modificando. O autor aqui,
se refere ao perdão moral; e não ao perdão divino, pois, nesse
campo, não pode haver justificação sem o cam inho do perdão (At
2.38 etc.). O perdão é necessário para a justificação, mas não é a
justificação. A justificação tem por escopo direto o caráter. Assim,
prim eiro perdão, depois, justificação.
O intuito da justificação bíblica é expressamente declarado
por Paulo como a conformidade com a imagem de Cristo. Assim:
‘ ‘...aos que [Deus] predestinou a estes também chamou; e aos que
chamou aestes tam bém justificou...” (Rm 8.30). b ) A justificação
em Cristo. O pecador é justificado somente por meio de Cristo, e
sob a condição da fé verdadeira, mediante o que esse pecador,
purificado de seu pecado, tom a-se realmente unido a Cristo,
passando a ser participante de sua vida santa. Por conseguinte,
quando Deus declara que alguém é justo, esse alguém se tom a
potencialmente justo, sendo uma “ nova criação em C risto” ; as
coisas velhas agora já passaram, e tudo se fez novo (2 Co 5.17).
Quando o apóstolo Paulo, invocando uma citação do Salmo 14,
diz: “ Não há um justo, nem um sequer” (Rm 3.10b), não está
contradizendo o pensamento geral da justificação divina; antes,
está dizendo que justo não há, mas há pessoas que foram declaradas
justificadas por Deus. Assim podíamos parafrasear: “ Não há um
justo, mas há justificados.”
A justificação já era um processo bastante conhecido no
mundo antigo. Conferia-se uma pedrinha branca a um homem que
sofrerá processo e fora absolvido. E, como prova, levava, então,
consigo a pedra para provar que não cometera o crime que se lhe
imputara. Assim, a passagem do Apocalipse 2.17, que fala de
“ uma pedra branca” concedida ao vencedor, alude a uma antiga

124
prática judicial da época de João: quando o juiz condenava alguém,
dava-lhe uma pedrinha preta, com o termo da sentença nela escrito;
e, quando impronunciava alguém, dava-lhe uma pedrinha branca,
com o termo da justificação nela escrito. Portanto, para esse
homem, não mais era imputado processo algum. “ Justo” é o
oposto exato de “ condenado” (cf. D t 25.1; Pv 17.15); assim a
justificação é um ato do próprio juiz. D o ponto de vista litigante,
por conseguinte, ‘ ‘ser j u stificado’ ’ significa ‘ ‘obter o veredito’ ’ (Is
43.9,26). O patriarca JÓ, que viveu talvez no século XVI a.C.,
pergunta, então, como isso pode acontecer: “ ...Como se justifi­
caria o homem para com D eus?” (JÓ 9.2).
Então o apóstolo Paulo responde depois: “ ...pela fé...” (Rm
5.1).
A justificação tem seu aspecto simultâneo com a salvação da
pessoa humana. Pois desde o momento da conversão até o fim da
vida terrena, a justificação é sempre a mesma. O crente poderá
necessitar (o que acontece na vida diária) de perdão como filho do
Pai, mas nunca mais será considerado criminoso perante o juiz.
‘ ‘A justificação é ato do juiz; o perdão é ato do Pai. A justi­
ficação abrange o passado, o presente e o futuro. A questão do
pecado, entre a alma e Deus, foi resolvida para sempre. É possível
o crente ser um filho desobediente, e assim necessitar da correção
e castigo do Pai (cf. Hb 12.6), mas nunca mais pode ser considerado
pecador perdido e sujeito à condenação do juiz; a menos, que ele
se desvie totalmente.”
A justificação, em seu sentido lato, é um termo inclusivo, e
pode ser empregado para abranger todos os aspectos da vida do
crente, desde seu ato inicial (momento da conversão) até a glorifi­
cação. Paulo sempre via na justificação uma calm a e paz interior na
alma e paz conciliadora entre o homem e Deus: “ Sendo pois
justificados...temos paz com D eus...” (Rm 5.1).
c) Um ato declarativo. Veremos que a justificação é um at
declarativo. Em outras palavras, ela diverge da santificação; a
primeira, não é algo operado no homem (interiormente falando),
mas sim algo declarado a respeito do homem. Isso significa que a
justificação opera de fora para dentro; Deus é quem declara justo
aquele a quem a Lei condena. Já na santificação, o processo se
inverte; ela opera na pessoa humana de dentro para fora. Por isso
diz a Bíblia: “ quem é santo, seja santificado ainda...”

125
2. A justificação é feita mediante a fé
‘ ‘Sendo pois ‘justificados’ pela fé, temos paz com Deus, por
nosso Senhor Jesus Cristo ’ (Rm 5.1).
Para Calvino, qualquer forma de justificação, somente se
dava mediante a fé. Então ele dizia:
“ Já vimos que Cristo, que é a dádiva do amor de Deus, é
conhecido e possuído pela fé e que recebemos assim dois bene­
fícios principais.
‘ ‘O primeiro é que, sendo reconciliados com Deus mediante
a sua inocência, temos no céu um Pai clemente ao invés de um juiz;
“ Em segundo lugar, que, sendo santificados pelo seu Espírito,
seguimos a inocência e a pureza de vida.” (146)
Calvino também argumentava:
‘ ‘Diz-se que um homem é justificado diante de Deus quando,
no julgam ento de Deus, é considerado justo e, portanto, aceito, pois
o pecado é odioso a Deus, e um pecador não pode achar favor aos
seus olhos enquanto for considerado um pecador. A ira de Deus é
revelada sempre que o pecado é achado. Mas o homem que não é
considerado um pecador, e sim um justo, é justificado, e por esta
razão pode ficar em pé diante do tribunal da justiça de Deus, onde
todos os pecadores devem cair.”
Depois, o reformador declara: ‘ ‘Por outro lado, dizemos que
um homem é justificado pela fé se, não tendo suas próprias obras
de justiça apreende pela fé a justiça de Cristo, e sendo revestido por
ela, fica diante de Deus, não como pecador, e sim como pessoa
justa.
‘ ‘Isto quer dizer que a justificação consiste na remissão dos
pecados e na imputação da justiça de Cristo. ” (147)
Ora, neste ponto, tanto Calvino como as Escrituras se har­
monizam em cada detalhe. Com efeito, ninguém é justificado por
suas próprias obras; e, sim, pelo sangue precioso e justificador de
Cristo. Mas há um elemento da salvação que, mediante a operação
do Espírito Santo em nós, coopera para tal fim: a fé (Rm 5.1, etc.).
a) O sentido da justificação . A justificação é um termo
clássico, que tanto no hebraico “ çãdhaq” como no grego da
Septuaginta (LXX) - “ dicaioõ” é um termo forense que significa
“ absolver” , ‘‘declarar’’. ‘‘Quem é justo, faça [não diz seja, como
na santificação] justiça ainda” (Ap 22.11).

126
Diz-se que o homem está justificado aos olhos de Deus
quando, no julgam ento de Deus, ele é considerado justo, e é aceito
por causa de sua justiça (de Deus). Portanto, a pessoa justificada
tem seus pecados perdoados e a pena de seus pecados revogada; foi
também restaurada ao favor de Deus pela imputação da justiça de
Cristo. Este processo de justificação dá segurança e paz. Não existe
tristeza que o céu não possa curar, e nem existe tribulação que possa
desviar o crente de vir a participar, eventualmente, de tudo quanto
Cristo é. Esse aspecto está particularmente em foco nesta doutrina.
Ora, a justificação traz para o crente a certeza da sua salvação e vem
sobre ele a realidade dessa certeza pela paz que lhe é infundida na
alma, e isso serve, ao mesmo tempo, de poderosa influência
controladora da alma, ajudando-a a manter-se bem equilibrada e
constante na presença de Deus.(148)
A palavra “ paz” , que está ligada à nossa justificação, é
idêntica à palavra hebraica “ shalom ” ; geralmente indica todas as
formas de bênção, ainda que especialmente indique harmonia e
unidade, bem como o vínculo de tal unidade. A derivação mais
provável do termo grego, “ eirene” ,é d e “ eiro” , amarro, e “ e n ” ,
um - porquanto a paz une e amarra aqueles que estavam em
discórdia, que antes andavam desunidos.(149)
A paz envolve tudo quanto constitui o repouso, o conten­
tamento e a verdadeira felicidade do coração, à base da salvação
cristã e da união vital com Cristo. A tribulação tanto consiste na
perseguição emanada do lado de fora, como na interrupção e
perturbação que se origina em nossas próprias fraquezas e pecados,
o que é um aspecto tão perturbador como aquele que se deriva deste
mundo ímpio. No entanto, lá no recesso mais profundo da alma, a
paz continua a reinar no crente, ainda que grande parte da su­
perfície do oceano da existência seja agitado pelo vento e pelas
tempestades.
3. Deus por meio de C risto
O pecador não é justificado fora de Cristo, mas somente em
Cristo, à base do sacrifício perfeito de Cristo, e sob a condição da
fé verdadeira, mediante o que esse pecador, purificado de seu
pecado, torna-se realmente unido a Cristo, passandoa ser partici­
pante de sua vida santa. Por conseguinte, quando Deus declara que
alguém é justo, esse alguém se torna potencialmente justo, sendo

127
um a “ nova criatura em C risto” . Porém, com o já tivemos ocasião
de afirm arem outras notas expositivas, tudo isso se dará mediante
a fé justificadora que, segundo se diz, é por si mesma uma obra da
graça divina em nós, bem como a fonte de todas as nossas boas
obras.
O apóstolo Paulo declara, em Romanos 5.18, que “ ...por um
só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justifi­
cação de vida” . Isso significa que a justificação é algo que
‘ ‘envolve a vida” . E isso é uma alusão àquela justificação que não
é apenas uma declaração forense, qual pronunciamento legal frio,
conforme alguns intérpretes têm reduzido a doutrina da justifi­
cação; pelo contrário, é aquela justificação que incorpora em si
mesm a o próprio princípio de ‘ ‘vida’ ’ que tem por fruição o poder
transformador do Espírito Santo, na vida do crente. Em outras
palavras, portanto, justificado para que possa viver.
a) Como ato exterior. Quando a justificação se apresenta
como algo exterior, então passa a ser encarada do ponto de vista
judicial. Deus é o juiz, Jesus é o advogado, o homem é oréu que está
diante do tribunal divino; o pecado é a transgressão da lei divina.
Diante deste tribunal, Deus na sua justiça e retidão, declara
justificado aquele pecador que olhou para Cristo como propiciação
de seus pecados que vindicou a Lei (Rm 3.24-26; 1 Jo 2.2).
Jesus, nesse momento, toma-se o mediador ‘ ‘entre Deus e o
hom em ” ; de um lado, um Deus santo e justo; do outro, um pecador
corrompido e injusto; nunca jam ais, mediante as obras deste
homem, ele se chegará a Deus sem o risco de ser fulminado!
Nesse momento, nosso Senhor usa três dispositivos impor­
tantes na justificação deste pobre homem que está a olhar para Ele:
A graça (Rm 5.18; Tt 3.7); o sangue (Rm 5.9); e a fé (Rm 3.28 e
5.1).
Portanto, seja como for, a nossa justificação é um ato direta­
mente de Deus por meio de Jesus Cristo!
b) Não épelas obras, é pela graça. Já tivemos ocasião de ver
issoem outras seções deste livro; precisamos, portanto, novamente,
nos voltar para uma consideração daquele método de justificação.
Observamos que a justificação não se dá através de obras,
sejam obras pessoais, sejam obras da lei. Paulo diz; “ Sabendo que
o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus
C risto...” (Gl 2.16) e em Efésios 2.9: “ Não vem das obras, para

128
que ninguém se glorie” . É verdade que Jesus se referiu à Lei
quando o jovem rico perguntou como poderia obter a vida eterna
(Me 10.17-22); mas é claro que Ele fez isto apenas para demonstrar
ao jovem que a salvação é impossível nessa base sem que também
tenha uma dosagem da graça divina. Portanto, concluindo este
argumento, podemos afirmar; “ Logo muito mais agora, sendo
justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos...!” (Rm 5.9).

("“) Dic. Int. de Tcol. do NT Vol. II. 1985


O O NT Int. v. p. v. R. N. Champlin, Ph. D. 1982
O op. cit. 1982
C*7) As ‘Instilutas’ - J. C. 1! Ed. em Port. 1984
O o p .c i t . 1984
O Idem. 1982

129
18
A Doutrina da Expiação
1. D efinição da expiação
“ Pelo que convinha que em tudo fosse semelhante aos
irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que
é de Deus, para ‘expiar’ os pecados do povo” (Hb 2.17).
Na edição atualizada (especialmente, a Bíblia Vida Nova), o
vocábulo “ expiação” está traduzido por “ propiciação” .
‘ ‘propiciação’ ’ no grego é ‘ ‘ilasm os’ ’ e em 1 João 2.2 e 4.10
obedece ao mesmo sentido, com base na forma verbal que significa
“ aplacar” , “ conciliar consigo m esm o” , “ expiar” .(150)
A expiação tem muitos aspectos e muitos significados. Um
de seus aspectos é aquele em que Deus aparece como “ irado”
contra o pecado.
Mas isso não significa uma “ em oção” forte, conforme se
entende humanamente falando, e, sim, uma espécie de desprazer
que fatalmente resultará em juízo. Essa expressão fala da neces­
sidade que Deus tem de retribuir o pecado, pois o “ julgam ento
divino” é uma realidade.
Por isso é que Deus é retratado com o quem está irado contra
o mal, pronto a lançar-se contra ele. E é essa ação que atinge em
cheio o pecador. Tal situação precisa ser remediada, e o remédio se
encontra na expiação.
Assim é “ aplacado um Deus irado” ; e a esse aspecto da
expiação é o que chamamos de “ propiciação” .
Na passagem de Romanos 3.25, por exemplo, é usada a

130
palavra grega “ ilasterion” (palavra correlata dessa que aqui é
empregada), onde é traduzida por “ expiação” .
a) A propiciação. O sentido da palavra grega “ ilasterion” ,
em Romanos 3.25, traduzida por “ propiciação” , indica, com
grande clareza, o sacrifício propiciatório. Quando Cristo morreu
sobre a cruz, por causa de seu supremo valor, Deus aceitou nele a
todos homens, com a condição do exercício da fé. A santidade
perfeita de Cristo torna-se a santidade do homem, ao mesmo tempo
que Cristo, que ‘se fez pecado por nós’, se tornou o ponto final da
questão do pecado. A enorme dívida contraída pela transgressão
foi saldada por Ele, e assim os homens, quando do arrependimento
verdadeiro, podem apagar todos os seus pecados, de tal modo que
nenhum deles possa ser lançado contra eles, e nem mais exercer o
seu poder contra eles. Nesse sentido, pois, é que o pecador é liberto
por Cristo.
Diversas culturas estabeleciam vários níveis de idéias sobre
a doutrina da expiação. Por exemplo:
A primeira delas, praticava a expiação pelo sangue. A idéia
comum era que o sangue da vítima, tocando no altar do deus ao qual
a vítima era dedicada, ficava carregado com o poder e as virtudes
do deus, como magia. A pessoa, então, que oferecia o sacrifício,
tocando no sangue, supostamente recebia o poder e as virtudes do
deus.(151)
A segunda, era que muitos antigos pensavam que o sangue
tinha poderes de purificação, e assim, a pessoa, tocando no sangue,
seria liberta de seus pecados. Nem o Antigo Testamento e nem o
Novo, ensinam nenhum absurdo deste tipo.
Certamente, a expiação de sangue, no Novo Testamento,
significa, à luz de cada contexto, que Deus, por causa do sacrifício
de Cristo, aceita os homens na pessoa dele, como Salvador, e os
declara justificados.
T anto na expiação, como na justificação, deve residir o poder
de purificar os homens de seus pecados. Assim lemos em 1 João
1.7b: “ ...o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo
o pecado” . Ora, com efeito, este “ pecado” , certamente, não é
somente “ o pecado passado” , embora seja isto também. O sangue
também nos purifica dos pecados diários (Ap 22.14). Por esta
razão, todos os dias o crente deve estar debaixo da expiação.
b) O dia da expiação. Na passagem de Levítico 23.27, lemos:

131
“ Mas aos dez deste mês sétimo será o dia da ‘expiação’...” . Esse
dia conforme o original, era: ‘ ‘yôm hakkippurim ” (era no décim o
dia do mês sétim o-“ Tisri” -setembro-outubro). Esse dia Israel
observava solenemente de um pôr-do-sol a outro. Todo trabalho
profano era proibido, e era exigida, de todo o povo, a participação
numa festa estrita. Ele servia como lembrete de que os sacrifícios
diários, semanais e mensais, em favor do pecado, eram lançados
para trás das costas de Deus, e como também de igual modo,
naquele dia, o Tentador, não acusaria o povo da aliança, pois o
sangue da expiação lhe tirava esse poder.(152)
O profeta Isaías fala de Cristo como sendo a vítima da
expiação divina. Então ele diz: “ Todavia, ao Senhor agradou moê-
lo, fazendo-o enfermar; quando a sua ‘alm a’ se puser por ‘expiação
do pecado’, verá a sua posteridade, prolongará os dias; e o bom
prazer do Senhor prosperará na sua m ão” (Is 53.10).
A doutrina da expiação percorre toda a Bíblia; de Gênesis a
Apocalipse ela está em foco em cada seção. Assim se expressou
certa ocasião o dr. Evans: ‘ ‘A expiação é a ‘fita de escarlata’ que
liga a história da redenção ao trono de D eus.”

2. Na antiga aliança
No Antigo Testamento, especialmente no livro de Levítico,
a expiação tem seu maior significado nos sacrifícios cerimoniais;
ali, nos capítulos 1 a 4, encontramos as leis dos sacrifícios estabe­
lecidas e que imputavam a morte de animais, os quais como
“ som bras” tipificavam Cristo que havia de ser a realidade (cf. Hb
8.5; 9.23). O dr. C. I. Scofield comenta estes sacrifícios da seguinte
maneira:
a) O holocausto. “ E porá a sua mão sobre a cabeça do
‘holocausto’ para que seja aceito por ele, para a sua expiação” (Lv
1.4 e ss).
O holocausto, simbolizava Cristo oferecendo-se sem mácula
a Deus, conforme é depreendido de Hebreus 9.14, no desejo de
fazer a vontade do Pai, mesmo até a morte. Tem valor expiatório;
tem valor de substituição porque Cristo morreu em vez do pecador.
Os animais aceitáveis para sacrifícios são cinco:
O primeiro: um novilho. Ele simbolizava o servo paciente (1
Co 9.9,10; Hb 12.2,3) servindo à vontade divina e à necessidade
humana. Isto é, Cristo, o servo de Jeová. Nesse sentido e em outros

132
de sua vida Ele foi obediente até a morte, e morte de cruz (Is 53.1
e ss; F1 2.8).
O segundo: uma ovelha. Ela também simbolizava nosso
Senhor Jesus Cristo submisso, mesmo na senda da cruz (Is 52.13,14;
53.7; At 8.32-35).
O terceiro: um bode. Esse simbolizava um pecador (Mt
25.33 - NT - NM: Nestle-Marshall, The New International Ver-
sion, Interlineal Greek English New Testament, The Zondervan
Corporation, E.U.A. 1976), porém, este, quando era tomado para
sacrifício, simbolizava Cristo, “ ...contado com os transgressores”
(Is 53.12 ae Lc 23.33), e feito “ ...pecado” e “ ...m aldição” por nós
(Gl 3.13). Neste sentido Ele foi oferecido como substituto do
pecador (2 Co 5.21). O bode para tal sacrifício não podia ultrapas­
sar três anos; isto é, não podia ser um bode velho; neste sentido, sua
idade jovem , representava a inocência de Cristo.(153)
O quarto e quinto: as rolas e o pombinhos. Essas duas
espécies de aves eram símbolos de tristeza e inocência (Is 38.14 e
59.11); associados com a pobreza em Levítico 5.7; falam de quem
por amor de nós se fez pobre (Lc 9.58), e cujo caminho de pobreza
começou com o largar: “ a forma de D eus” e terminou com o
sacrifício pelo qual fomos enriquecidos (cf. 2 Co 8.9; F 1 2.6-8).
b) A oferta pelo pecado. A oferta pelo pecado e suas formas
de aplicações, vem citada em Levítico 2. Em suas diversas formas,
‘ ‘tipificava Cristo nas suas perfeições e na sua dedicação ao Pai. A
flor de farinha fala de igualdade e equidade no caráter de Cristo; o
fogo, de Ele ser provado pelo sofrimento até a morte; o incenso, a
fragrância de sua vida perante Deus; ausência de fermento, seu
caráter como a verdade; o azeite misturado, Cristo nascido do
Espírito Santo; azeite untado, Cristo cheio do Espírito Santo; o
forno, os sofrimentos de Cristo; a frigideira, os sofrimentos mais
evidentes; o sal, o sabor da verdade de Deus, o que faz parar a ação
do fermento, o pecado ” .
c) A oferta pacífica. A oferta pacífica e suas formas vem
declarada em Levítico 3. Essa tipificava toda a obra de Cristo em
relação à paz do crente. A sua morte na cruz consumou a paz. “ E
vindo ele evangelizou a paz...” (Ef 2.17). “ ...Ele é a nossa paz...”
(Ef 2.14). Por meio dele, Deus e o pecador se encontram em paz.
Aqui está uma salvação consumada. Por isso a oferta em vez de
subir a Deus como o holocausto, ou ser dada ao sacerdote como a

133
oferta de manjares, fornece, em figura, uma refeição em que Deus,
o sacerdote, e o ofertante se encontram -- perdão consumado.
d) O sacrifício pelo pecado. O sacrifício pelo pecado, co
todas as suas porções, vem declarado em Levítico 4. Scofield (op.
cit.), diz dele o que segue: ‘ ‘O sacrifício pelo pecado, em bora ainda
simbolize a pessoa de Cristo, significa Cristo carregado com o
pecado do crente, no próprio lugar do pecador. Ele foi feito ‘pecado
e m aldição’ por nós (2 Co 5.21). Esse sacrifício tem aspecto de
expiação e substituição, conforme depreende-se de Levítico
4.12,29,35 e em outros elementos similares. ” (154)
Os sacrifícios em si mesmos eram insuficientes para tirar o
pecado, mas apenas o cobriam. Eis uma das razões por que eram
chamados de “ sombra” , isto é, “ sombra” do verdadeiro sa­
crifício de Cristo na cruz. Mas, a expiação feita por Cristo, p or si
mesma, sem nenhum acréscimo, é pura e eficaz para purificar o
crente do pecado; e, além disso, Ele é o “ ...Cordeiro de Deus que
‘tira’ o pecado do m undo” (Jo 1.29 etc.).

3. N a nova aliança
No Novo Testamento que, necessariamente, é o tema central
da expiação feita por nosso Senhor Jesus Cristo, a expiação possui
muitos aspectos positivos - todos!
Deve ser suficiente mencionar apenas aqueles aspectos como:
a redenção, a reconciliação, a justificação, a adoção e a propi-
ciação. Esses elementos doutrinários estão sendo, todos, estudados
neste livro; e à parte, em cada capítulo, para uma melhor compreen­
são do significado do pensamento, mas, evidentemente, todos eles
fazem parte da doutrina da expiação; e, necessariamente, se englobam
na doutrina geral da salvação.
Como já tivemos ocasião de ver em outras notas expositivas,
a palavra usada para expiação em o Novo Testamento é ‘ ‘hilas-
terion” , ou seja: “ aquilo que propicia” , ou ainda, “ sacrifício
propiciatório” .
O “ propiciatório” ou a “ tampa da arca” , estava sob os pés
de dois querubins de ouro, que, por expressa ordem de Deus, foram
postos ali. Era este lugar o propiciatório, o ponto de encontro entre
Deus e o homem: “ E ali virei a ti, e falarei contigo de cim a do
propiciatório, do meio dos dois querubins...” (Êx 25.22). Os
querubins ali postos na solidão eram uma figura do Cristo crucifi-

134
cado, o ponto central de encontro entre Deus e o homem (cf. Jo
12.32; 2 Co 5.19). Em cim a do propiciatório era aspergido o
sangue, no dia da expiação, para simbolizar que a sentença divina
da Lei havia sido (tipicamente) imposta; pelo que o lugar que,
doutro modo, seria o local de julgam ento, podia com justiça ser
propiciatório. Em cumprimento disto, Cristo mesmo “ ...é a propi-
ciação pelos nossos pecados...” (1 Jo 2.2).
a) O alcance do argumento. Na propiciação não há nenhum
pensamento de aplacar um Deus vingativo, mas antes, que foi
satisfeito seu propósito estabelecido na sua santa lei, tom ando
possível assim que Ele demonstrasse misericórdia com toda a
justiça.
Restritamente falando, o pecado não era “ tirado” mas
‘ ‘coberto’ ’. E isso dá para a expiação o sentido lato de ‘ ‘cobrir’ ’ ou
“ cobertar” . Era um sacrifício cruento (sacrifício de sangue) que
‘ ‘conciliava’ ’ os que anteriormente eram adversários. O sangue da
expiação em cima do propiciatório (a tam pa da arca) cobria tanto
o pecado como o pecador dos olhos da ira divina: “ ...Vendo eu
sangue, passarei por cima de vós...” (Êx 12.13). Todos os sacri­
fícios ligados à expiação, tanto em seu conceito restrito como
etimológico, simbolizavam a morte de Cristo, pois seu sangue
derramado na cruz, se tomou o “ manto da expiação’ ’ que nos livra
da “ ira futura” (Rm 3.25). A expiação para o ofertante era a
confissão de sua fé, fé no sangue sacrificial, para Deus, era “ ...as
som bras...” (Hb 10.1), das quais Cristo havia de ser a reali­
dade.(155)
A expiação tem muitos aspectos e muitos significados, con­
forme já dissemos acima. Com efeito, porém, o mais sublime e o
mais eficaz é a ‘ ‘expiação de todos os nossos pecados” (1 Jo 2.2).
Este, e somente este, para nós já significa tudo!

('*) Scofield, Dr. C. I. (Scoficld Rcfcronce Bible)


(,51) O NT. Int. v. p. v. R. N. Champlin, Ph. D. 19*2
(m) op. cit. 1982
Ò0) op. c it Scofield, 1843 e ss
('**) Idem. 1843 c ss
(,M) Apoc. v. p. v. S. P. S. RJ. 1988

135
19
A Doutrina do Arrependimento
1. Definição do arrependimento
‘ ‘Arrependei-vos... para que sejam apagados os vossos peca­
dos...” (At 3.19a).
Sobre o arrependimento, tanto o Antigo Testam ento como o
Novo têm muito o que dizer. O Novo Testamento, por exemplo,
usa o vocábulo “ m etanoia” por 60 vezes para designar tal signi­
ficado do pensamento. Metanóia, conforme teremos ocasião de ver
no decorrer deste argumento, tem diversos significados de apli­
cações, sendo, que seu sentido primário é: “ uma mudança de
parecer ou pensam ento” . Em outras palavras, “ uma mudança de
um lado para o outro” .(156)
A importância do arrependimento não é sempre reconhecida
em nossos dias como deveria ser. Mas nos dias apostólicos era um
dos temas centrais que aparecia em primeiro lugar. Quase que todas
as pregações iniciais, tinham como base o arrependimento (M t 3.2
e ss; 4.17 e ss; Me 1.15 e ss; Lc 24.47; A t 2.38; 3.19 etc.).
Necessariamente, porém, isso não é somente tem a para o
Novo Testamento; no Antigo Testamento, o tem a arrependimento
está em foco em vários de seus elementos proféticos. A rrependi­
mento era a mensagem dos profetas da antiga aliança: Dt 30.10; e
Rs 17.13; Jr 8.6; Ez 14.6; 18.30. Foi o ponto alto da pregação de
João Batista (Mt 3.2), de Cristo (Mt 4.17; Lc 13.3,5), dos doze
apóstolos (Me 6.12) e de Pedro, em particular no Dia de Pentecoste
(At 2.38; 3.19). Era também fundamental napregação de Paulo (At

136
20.21; 26.20). A mudança dispensacional não tom ou desnecessário
o arrependimento em nossos dias; é definitivamente uma ordem
para todos os homens em qualquer tempo ou lugar. “ Deus...
anuncia agora a todos os homens, e em todo o lugar, que se
arrependam ” (At 17.30).
N o campo inicial da salvação, o arrependimento é um funda­
mento e a base necessária; isto porém, sem excluirmos a fé e a graça
(Mt 21.32; Hb 6.1). O arrependimento como uma m udança de
mente, conforme depreendemos de seu sentido mais claro, tem três
aspectos distintos: o intelectual, o emocional e o volitivo.Q51)
a) O elemento intelectual. Este subentende uma mudança de
idéia. E uma mudança de idéia em relação ao pecado, a Deus e ao
próprio eu. O pecado passa a ser reconhecido como culpa pessoal;
Deus, como Aquele que justamente exige a retidão; e o “ e u ” como
maculado e desamparado.
As Escrituras falam deste aspecto do arrependimento como
conhecimento do pecado “ epignosis ham artias” , conforme de­
preende-se de Romanos 3.20, etc.
No caso da mudança de pensamento, tal como no caso da fé,
com base no Novo Testamento, deve significar uma mudança
espiritual e essencial do ser, e não mera mudança de intelecto ou
emoções, no tocante ao aspecto do pecado. O termo, portanto,
inclui mudança da mente, acerca do pecado, do eu, de Deus e do
destino. A remissão de pecados o acompanha com um resultado.
Outra palavra que também se usa para arrependimento é “ meta-
m elom ai” ,que significa “ entristecer-se depois” ; e esse vocábulo
é usado por cinco vezes no Novo Testamento (M t 21.29,39; 27.3;
2 Co 7.8 e Hb 7.21).
b) O elemento emocional. Este subentende uma mudança de
sentimento. E a fase do arrependimento na qual pensamos mais
freqüentemente; na realidade, a palavra arrepender vem do latim
“ re plus poenitere” , “ ficar triste de novo” .(1S8)
Temos por isso que lembrar que tristeza pelo pecado e desejo
de perdão são aspectos do arrependimento (Sl 51.1,2; 2 Co 7.9,10).
As Escrituras apresentam a idéia com a palavra grega
“ metamelom ai” que, necessariamente, já definimos acima como
“ entristecer-se depois” .
Quando o arrependimento está ligado simultaneamente à
conversão, na Escritura isso é representado pelo verbo hebraico

137
“ sub” e no verbo grego “ epistrepho” , ambos significam “ voltar”
ou “ retom ar” , quer física quer espiritualmente.
c) O elemento volitivo. Este elemento subentende uma mudanç
da vontade e da posição em que se encontra. Esta é a volta íntim a
contra o pecado. E apresentada na Escritura pela palavra grega
‘ ‘m etanóia’ ’, que significa ‘ ‘mudança de idéia ou pensam ento’ ’. O
substantivo ocorre 22 vezes no Testamento Grego e o verbo 34
vezes; sendo que, o exemplo primeiro é M t 3.8,11; A t5.31; 20.21;
Rm 2.4; 2 Co 7.9,10; 2 Pe 3.9; e do último; M t 3.2; Lc 13.3; 15.7;
At 2.38; 17.30; Ap 2.5. A versão Douay traduz o verbo ‘ ‘arrependi­
m ento” como “ fazer penitência” .
Esta edição publicada com a aprovação do Cardeal Gibbons
acrescenta como explicação, em uma nota de rodapé, Mateus 3.2.
Então ele diz: “ Essa palavra, de acordo com as Escrituras e os
santos pais, não somente significa arrependimento e regeneração
de vida, mas também punir pecados através de jejum, e outros
exercícios penitenciais semelhantes.”
No campo religioso, como já tivemos ocasião de ver, isso é
bastante singular, pois indica o arrependimento como sentimento
profundo no recôndito da alma, de ter ofendido a Deus. A ssim
sendo, em qualquer seção da Bíblia, a palavra arrependimento é
sempre vista em conexão com uma mudança de vontade, de
parecer, desistência de coisa feita ou empreendida (Mt 21.29; Lc
16.16).

2. A exigência p a ra que h a ja p erd ão


De acordo com os ensinamentos da Bíblia, o arrependimento
se faz necessário para que haja perdão. Não somos salvos para o
arrependimento, mas sim se nos arrependermos. Arrependimento
não é uma satisfação dada a Deus, mas um a condição do coração
necessária para que possamos crer para a salvação. Além disso, o
verdadeiro arrependimento nunca existe independente da fé. Isto é,
não se pode “ voltar” contra o pecado sem ao mesmo tem po se
‘ ‘voltar’ ’ para Deus. Por oposição, podemos dizer que a verdadeira
fé nunca existe sem o arrependimento. Os dois estão inseparavel-
mente unidos.(159)
“ Arrependei-vos” , essa expressão marca a principal exi­
gência para que haja perdão de pecados, e com o arrependimento
tem início a conversão, que é o primeiro passo da regeneração. A

138
conversão ainda não é a “ regeneração” propriamente dita; mas
antes, faz parte dela, sendo o início do novo nascimento. Sem
conversão não há regeneração, embora a conversão não encerre a
totalidade da regeneração. E o começo, o ponto em que o pecador
abandona o pecado e o seu “ eu’ ’, a sua rebeldia contra a vontade
revelada de Deus. A conversão, além disso, é um ato produzido e
consumado pela influência do Espírito Santo, que não pode suceder
sem esse poder, em bora existam agitações emocionais que pro­
vocam transformações por pouco tempo, que podem im itar a con­
versão.
Contudo, a verdadeira conversão é uma transformação in­
terna da alma, e esse é exatamente o primeiro passo da regeneração.
a) Em que consiste o arrependimento. O verdadeiro arre­
pendimento é um ato divino que transforma o homem, mas que
depende da reação positiva do homem, uma vez inspirado pela fé.
Quando isso acontece, seus passos seguintes são:
Primeiro: E o começo do processo da santificação (M t 3.8-
12).
Segundo: Juntamente com a fé, perfaz a conversão: “ Arre­
pendei-vos, pois, e convertei-vos...” (At 3.19).
Terceiro: E determinado por Deus (At 17.30) e é conferido
por Ele (2 Tm 2.25).
Quarto: Foi determinado por Cristo (Ap 2.5,16; 3.3).
Quinto: É uma operação do Espírito Santo (Zc 12.10; Hb
3.7).
Sexto: Só a bondade de Deus nos leva ao arrependimento
(Rm 2.4).
Sétimo: A tristeza segundo Deus fomenta o arrependimento
para a salvação: da qual ninguém se arrepende... (2 Co 7.10).
Oitavo: Conduz à vida eterna (At 11.18).
Nono: E necessário para o perdão dos pecados (A t2.38; 3.19;
8. 22).
Os elementos usados para produzi-lo são:
a Palavra de Deus (Lc 16.30,31);
a pregação do Evangelho (Mt 12.41; Lc 24.47; A t 2.37,38; 2
Tm 2.25);
a correção do Senhor (Hb 12.10,11; Ap 3.19);
a crença da verdade (Jn 3.5 e ss);

139
uma nova visão de Deus (JÓ 42.5,6 etc.). São portanto, meios
definidos que Deus usa para produzir o arrependimento.(160)
b) Arrependimento efé. Essas duas palavras aparecem frequen­
temente associadas na chamada aos homens, para que venham a
Cristo, a fim de receberem gratuitamente a salvação que Ele
oferece. Então diz: “ Arrependei-vos [arrependimento], e crede
[fé] no evangelho” (Me 1.15b).
O trecho de Atos 20.21, diz, concernente ao ministério de
Paulo e à mensagem por ele pregada: “ ...o arrependimento para
com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus C risto’ ’ (ARA). O anúncio
feito por Jesus, em suas mensagens, logo depois de haver sido
batizado por João Batista, era: “ ...arrependei-vos, e crede no
evangelho” . Esses dois atos, na realidade, são apenas aspectos de
uma mesma realidade espiritual. A fé provoca o arrependimento,
e vice-versa, pois uma coisa revela a natureza da outra. No livro de
Atos, por exemplo, Pedro mostrou aos seus ouvintes a verdadeira
natureza do arrependimento, quando disse: “ Arrependei-
vos...convertei-vos, para que sejam apagados os vossos peca­
dos...” (At 3.19).
c) Seus resultados. Os verdadeiros resultados do arrependi­
mento, são: abandonar o mal (Jr 18.8); voltar-se para o Senhor,
deixando todas as vaidades humanas (Ml 3.7); é uma mudança e
transformação que pode ser resistida, devido à natureza perversa
do homem; nesse caso, então, produz resultado inverso (Os 5.4);
Deus é sua força impulsionadora prim ária (Jr 31.18); mas o homem
é seu cooperador necessário (Jr 24.7); envolve indivíduos (2 Rs
23.25); pode também envolver nações (cf. Jn 3.10).
No Novo Testamento, muitas idéias sobre o arrependimento
do Antigo Testam ento são aplicadas, de uma forma ou de outra: a
pregação dos apóstolos insistia sobre sua necessidade (At 2.38);
consistia de voltar-se do mal para Deus (At 14.15; 1 Tm 1.9).
O arrependimento assim, torna-se o primeiro aspecto da
experiência inicial da salvação experimental; experiência essa que,
num contexto geral é chamada de conversão. A conversão autêntica
é uma parte essencial e a prova da regeneração. A regeneração é a
obra de Deus no íntimo e a conversão é a exteriorização da
salvação, por parte do homem, através do arrependimento e da fé.
De acordo com alguns comentaristas, a palavra “ arrependi­
m ento” e a tradução que tem, no Novo Testamento, abrange

140
também o sentido primário de “ reflexão posterior” ; e, com
sentido secundário, “ mudança de pensam ento” . E difícil com­
preender amplamente como sentido secundário, a não ser que
sigamos a significação primária, pois, em todas as épocas, a
reflexão posterior tem descoberto razões para mudança de pensa­
mento. O arrependimento segundo Deus, diz Paulo: “ ...opera
salvação” (2C o7.10). Assim sendo, o arrependimento está ligado
à conversão (At 3.19; 26.20), bem como ao perdão (Me 1.4; Lc
17.3; 24.47; At 2.38; 5.31; 8.22) à fé (At 20.21), ao conhecimento
da verdade (2 Tm 2.25); à cura (Me 6.12 e ss); à nova vida com
significação (Mt 3.8; At 11.18; Hb 6.1; Ap 2.5; 16.19; etc.).
3. A rrependim ento e conversão
Às vezes, os termos “ arrependimento” e “ conversão” são
empregados nas Escrituras livremente como sinônimos. Por exem ­
plo, em Mateus 12.41, está escrito: “ Os ninivitas... se arre­
penderam com a pregação de Jonas...” ; e, em Lucas 11.32, lemos:
“ Os homens de Nínive...se converteram com a pregação de
Jonas...” Por via de regra, o arrependimento é apresentado como
processo interior que na conversão chega à expressão na vida e no
comportamento (cf. At 3.19; 26.20). Quando o filho pródigo
ensaiou as palavras: “ levantar-me-ei, e irei ter com meu pai...”
(isto é arrependimento). E, quando é dito pelo escritor sagrado: ‘ ‘E,
levantando-se, foi para seu pai...” (isto é conversão).
O leitor deve observar que, na língua hebraica, ‘ ‘conversão”
e “ arrependimento” quase significam a mesma coisa. Por exem­
plo, conversão em seu sentido lato, significa “ voltar-se” , “ retor­
nar para Deus” ; exatamente como se disse do arrependimento.
As principais palavras originais para expressar essa idéia são,
no Antigo Testamento, “ shubh” (traduzida por “ voltar-se” ou
“ retom ar” ), e no Novo Testamento, “ strephom ai” (Mt 18.3; Jo
12.40): a voz média expressa o ato reflexivo da ação, sendo no
português “ converter-se” .(161)
a) O sentido da conversão. No Novo Testamento, “ epistre-
phõ” é empregado apenas uma vez para indicar a volta a Cristo de
um crente que caíra em pecado: Pedro (Lc 22.32). Noutras pas­
sagens, os desviados são exortados, não a se converterem, mas a se
arrependerem (Ap 2.5,16,21; 3.3,19). Através dos registros neotes­
tamentários, encontramos certo número de experiências de conver-

141
são, algumas mais agudas e repentinas, tais como: a de Paulo (At
9.5 e ss); a do carcereiro de Filipos (At 16.29 e ss); outras, porém,
mais calmas, tais como: Cornélio (At 10.44 e ss); o eunuco etíope
(At 8.30 e ss); Lídia (At 16.14 etc.).
Lucas aborda por três vezes as conversões de Paulo e de
Cornélio (At 10.5 e ss; 10.44 e ss; 11.15 e ss; 15.7 e ss; 22.6 e ss;
26.12 e ss),
b) Voltar-se para Deus. O arrependimento indica uma mudança
da atitude mental e do coração para com Deus; a fé indica a crença
em sua Palavra e a confiança em seu Cristo - a conversão inclui
ambos os aspectos, isto é, o arrependimento e a fé. Por isso é que
encontramos tanto o arrependimento como a fé ligados à conver­
são, como conceitos mais estreitos inclusos no conceito mais alto
(At 3.19; 11.21; 26.20 etc.).
Calvino (op. cit), definia o arrependimento como segue: “ A
palavra hebraica para ‘arrependimento’ significa ‘conversão’ ou
‘vol ta ’; a grega, uma mudança de mente e de propósito; e a própria
coisa corresponde bem com ambos estes termos. Logo, na minha
opinião, o arrependimento pode ser corretamente definido da
seguinte maneira: ‘uma verdadeira conversão da nossa vida a
Deus, provinda de um tem or sincero e sério de Deus; sendo que esta
conversão consiste na mortificação do nosso velho hom em e da
renovação do espírito do nosso entendimento’. Este é o verdadeiro
sentido das palavras mediante as quais os profetas, e posteri­
ormente os apóstolos, exortaram os homens dos seus próprios dias
a se arrependerem.
“ Lutavam somente para que seus ouvintes, tendo vergonha
dos seus pecados e tocados pelo tem or do julgam ento divino, se
humilhassem diante daquele contra quem pecaram, e voltassem
para seus retos caminhos, com arrependimento verdadeiro. ” (162)

4. O arrependimento de Deus
“ Então arrependeu-se o Senhor de haver feito o homem
sobre a terra, e pesou-lhe em seu coração” (Gn 6.6).
O assunto do ‘ ‘arrependimento de D eus’ ’ tem causado certos
problemas para alguns comentaristas, quando confrontam a pa­
lavra “ arrependimento” com a “ im utabilidade” de Deus (Nm
23.19; Ml 3.6). Porém, devemos ter em mente que, em qualquer
ponto de vista doutrinário, as Escrituras são proféticas e se combi­

142
nam entre si em cada detalhe. É certo que a palavra “ arrependi­
m ento” , quando é empregada com referência a Deus, não contém
certos elementos que lhe pertencem quando se refere ao pecador.
Mas, necessariamente, o sentido primitivo de “ m udança de
pensamento” lhe é inerente. Os rabinos mais conservadores faziam,
ainda que improvável, por ser um tanto obscuro, distinção entre
“ nãham ” (arrependimento com sentido estritamente para Deus),
e “ shubh” (arrependimento com sentido especificado para o
homem). Isso, portanto, é bastante lógico.
a) O significado do arrependimento de Deus. Em nossas
versões e noutras correlatas em línguas similares, os vocábulos
“ arrepender-se” e “ arrependim ento” são raramente usados no
Antigo Testamento com referências aos homens (exemplificando:
Êx 13.17; Jz 21.6,15; 1 Rs 8.47; JÓ 42.6; Jr 8.6; Ez 14.6; 18.30).
Calvino, em suas institutas - (Instrução Básica na Religião
Cristã), interpretava que as traduções da raiz hebraica “ nãham ”
são mais freqüentemente aplicadas a Deus, como por exemplo: Gn
6.6,7; Êx 32.14; Jz 2.18; 1 Sm 15.11; 2 Sm 24.16; 1 Cr 21.15; Jr
18.8,10; 26.3,13,19; 42.10; J1 2.13,14; Am 7.3,6; Jn 3.9,10; 4.2;
etc. O negativo (dizia Calvino) com referência a Deus, também
aparece com igual ênfase, em Nm 23.19; 1 Sm 15.29; Sl 110.4; Jr
4.28; Ez 24.14; Os 13.14.(163)
O termo mais freqüentemente empregado para denotar o
arrependimento humano nãoé “ nãham ” , como já tivemos ocasião
de ver; mas antes o termo “ shubh” , que significa “ girar” ou
“ retom ar” . Essa é a maneira característica primordial no Antigo
Testam ento (cf. 2 Rs 17.13; 23.25; 2 C r 6.26; 7.14; 15.4; 30.6; Ne
1.9; Sl 78.34; Is 19.22; 55.7; Jr 3.12,14,22; 18.8; Ez 18.21;
33.11,14; Dn 9.13; Os 14.1,2; J12.13; Jn 3.10; Zc 1.3,4; Ml 3.7).
O assunto é bastante profundo, mas devemos ter em mente
que o Senhor nosso Deus é um Ser Pessoal. Assim a criatura não é
a única a se arrepender. Muitos textos da Bíblia nos mostram o
arrependimento de Deus. Mas, já procuramos enfatizar o signifi­
cado do pensamento, é desnecessário dizer que o termo aqui, deve
ser entendido de modo radicalmente diferente do que acabamos de
ver.
b) O alcance do argumento. O dr. J. Taylor salienta que,
quando o arrependimento é atribuído a Deus, quer na direção do
julgam ento ou da misericórdia, há uma referência à alteração que

143
tem lugar em suas relações para com os homens. Deus não é o Deus
dos filósofos, prisioneiro da sua eterna imutabilidade, mas o Deus
vivo e pessoal que sempre está atento ao comportamento de seus
filhos e pronto a sublimar (não excluir) seu plano, por am or ao
cumprimento da sentença de condenação, diante do arrependi­
mento sério deles.
Deus não deseja a morte do ímpio, mas sua conversão e sua
vida (Ez 33.11). Portanto, Deus é eterno e real, veraz e imutável.
Ele é aquilo que sempre será, toda escolha, porém, depende de sua
vontade! (164)
Deus é imutável em seu ser, perfeições e propósitos. Mas Ele
não muda seu plano, de maneira que venha a aniquilá-lo, mas
apenas o altera para executá-lo de uma forma ainda mais sublime
(cf. Gn 8.21; Rm 11). O Dr. Torry entendia que a palavra “ arre­
pendim ento” , que está em foco aqui, significa que Deus pode
mudar de pensamento porque, em alguns casos, muda de métodos.
E, que seus métodos são sempre melhores para o homem que, até
então, era alvo de sua divina ira. Seja como for, quando lemos na
Bíblia, sobre o “ arrependimento de D eus” ; Ele está criando (ou
usando) um novo método para beneficiar o homem (cf. 1 Rs 21.29;
Jn 3.10) e outros contextos similares.(16S)

('“) O Nov. Dic. da Bibli. Vol. 1. 1983


(,5T) Pal, em Teol. Sist. H. C. T. 1987
('“) op. cit. 1987
('”) As ‘Institutas’ • J. C. 1* Ed. cm Port. 1984
(,<0) O NT. Int. v. p. v. R. N. Champün, Ph, D. 1982
C") op. cit. 1982
('“ ) op. As ‘Institutas’. 1984
O Idem. 1984
C " ) Teol. Elem. E. H. B. 5! Ed. 1983
(,<5) op. cit. 1983

144
20
A Doutrina do Perdão
1. Definição do perdão
‘ ‘Antes sede uns para com os outros benignos, misericordio­
sos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus vos per­
doou em C risto” (E f 4.32).
No Antigo Testamento, a idéia de perdão é transmitida
principalmente por vocábulos derivados de três raízes. “ K pr”
mais usualmente transmite a idéia de expiação, e seu uso em
conexão com os sacrifícios é freqüentemente presente.
Seu uso como perdão implica em que alguma expiação foi
efetuada. O verbo “ ns” significa, basicamente, “ elevar” , “ carre­
gar” , e nos apresenta um quadro vivido em que o pecado é levado
do pecador e transportado para longe que, nas interpretações
rabínicas, esse “ longe” seria: “ ...as profundezas do m ar” (Mq
7.19) e o atrás das costas de Deus (Is 38.17 etc.). A terceira raiz,
“ slh” , de derivação desconhecida, corresponde, entretanto, bem
de perto ao nosso vocábulo “ perdoar” .(166)
São todos esses termos empregados sempre para indicar o
perdão concedido por Deus, enquanto que “ n s” é aplicado
igualmente ao perdão humano. Conforme já dissemos, o verbo da
raiz “ K pr” tem o sentido essencial de “ fazer expiação” .
No Novo Testamento, existem dois verbos principais que
nos convém considerar, a saber, “ charizom ai” (que significa
“ tratar graciosamente com ” ) e “ aphiemi” (mandar embora,
“ soltar” ). O substantivo “ aphesis” (ou seja, “ remissão” ), também

145
é encontrado com alguma freqüência. Contudo, tanto nos ensinos
de Jesus como no dos apóstolos, essa palavra segue o seu sentido
primário, que significa “ mandar em bora” . E em M ateus 26.28,
sugere a idéia de “ rem issão” .
a) O seu sentido lato. A palavra “ perdão” , conforme já
afirmamos acima, pode seguir vários métodos de significados e
formas de aplicação. Pois, além dos verbos já citados por nós nesta
seção, existem outros vocábulos, “ apoluõ” (libertar), que é em ­
pregado em Lucas 6.37, que diz: “ ...soltai, e soltar-vos-ão’ ’; con­
forme o original primitivo: “ ...perdoai, e sereis perdoados” ; e
“ paresis” , “ o deixar passar” , empregado em Romanos 3.25,
quando Deus deixa “ passar” os pecados cometidos nos dias
anteriores.(167)
Ainda no Novo Testamento, há diversos exemplos que são
esclarecidos. Um deles é que o pecador perdoado deve também
perdoar aos outros (Mt 6.14). Isso é manifestado além da presente
citação em Lucas 6.37 e Efésios 4.32, respectivamente. Em adição
às passagens especificadas que ligam o perdão à morte de Cristo,
há todo o peso de muitas passagens similares no Novo Testamento,
que abordam a morte expiatória do Salvador. O próprio nome
“ Jesus” , por via de regra, trazia em si esta idéia: “ ...e chamarás o
seu nome 'Jesu s’, porque ele ‘salvará’ o seu povo dos seus
pecados” (Mt 1.21b).
O princípio fundamental nas Escrituras do perdão é sem
dúvida alguma, separar pecado do pecador. A origem do perdão
está em Deus, que em Cristo nos perdoou (Sl 130.4; E f 4.32); é
somente o Evangelho que explica como isso pode-se dar: mediante
uma obra redentora que expia o pecado e garante o perdão, o poder
miraculoso do perdão desfaz as inimizades que fazem divisão entre
o homem e o seu Criador (Is 59.2; E f 2.12-17, etc.).
b) O ministério da reconciliação.. (Ver notas expositivas
sobre isso em “ A Doutrina da Reconciliação” ). Para muitos de
nós, o ministério da reconciliação nos convoca, não tanto a corrigir
outros cristãos quanto a examinarmo-nos a nós mesmos, a olhar
para nosso íntimo, a olhar para nosso passado e fazer uma avaliação
de nós mesmos. Sabemos, é claro, que se nos entregamos a Cristo,
Deus já nos perdoou e esqueceu completamente os nossos pecados.
Contudo, mesmo depois de termos sido perdoados, e nossos
pecados terem sido esquecidos, com freqüência o entulho deles

146
continua em nossas costas - pessoas a quem magoamos ou ofende­
mos ou deixamos enraivecidas. Muitas vezes, cometemos ações
que levaram à quebra de relacionamentos. Essas pessoas e esses
relacionamentos precisam ser restaurados, e nós também.
Quando assim fazemos, a confissão nos liberta da culpa,
restaura-nos espiritual e emocionalmente, e restaura nosso re­
lacionamento uns com os outros. A confissão traz saúde ao corpo
de Cristo, que é sua Igreja.
É verdade que o perdão humano sempre é baseado no perdão
divino. Paulodiz: “ ...perdoando-vos uns aos outros, como também
Deus vos perdoou em Cristo” . Por essa razão é que o perdão é
conferido exclusivamente por Deus (Me 2.7); alicerça-se sobre a
expiação pelo sangue de Cristo (Hb 9.22); é dado por meio de
Cristo (Lc 1.69,77); é a exibição das multiformes misericórdias de
Deus (Is 55.7; Rm 5.20; E f 1.7); consiste em serem apagadas as
nossas transgressões (Is 44.22), com total olvido delas por parte de
Deus (Hb 10.17); restaura o pecador diante de Deus (Is 44.22). E
finalmente, é o começo da salvação, além de ser condição ne­
cessária para ela (Rm 4.8).

2. O p erd ão significa rem issão da pena


Em qualquer seção da Bíblia que fala sobre o “ perdão” ,
segue-se a execução da pena (Lv 4.32; M t 26.28; Hb 9.22). O
pecado do crente perdoado e justificado interrompe a sua comu­
nhão e é perdoado quando confessado, mas sempre na base do
sacrifício de nosso Senhor Jesus Cristo: ‘ ‘E Ele é a propiciação
pelos nossos pecados...” (1 Jo 2.2).
Logo, mediante o perdão, segue-se a doutrina da reconci­
liação, pois somente através do perdão é que a criatura humana
pode ser aceita (Lc 15, etc.). Assim sendo, o arrependimento
habilita-nos para a recepção do perdão, ainda que não nos dê esse
direito. Somente o sangue de Cristo é que garante e pode fazer isso
na pessoa humana. É evidente que o princípio do perdão deve fun­
cionar a despeito da ausência de arrependimento. Talvez seja fácil
perdoar se o ofensor se mostra arrependido. Lembremo-nos, en­
tretanto, de que Cristo, já na cruz, perdoou aos seus próprios
adversários e assassinos. Nota-se a mesma atitude em diversos
incidentes da história da Igreja, a começar por Estêvão (At 7.60).
Agora, porém, na época atual, o Espírito Santo intercede por nós

147
com o mesmo sentimento, dizendo: “ Já perdoamos a todos?” . Em
Deus nos perdoar e nós perdoarmos àqueles que nos ofendem, é
nisso que está a diferença entre o perdão divino e o perdão
humano.(168)
a) O sentido do perdão. O perdão humano, conforme já
tivemos ocasião de afirmar, é baseado no perdão divino e resulta
dele. Todas as espécies de expressões, no Antigo e no Novo
Testamento, designam o perdão e sua natureza. A expressão mais
corrente, contudo, é “ rem ir” , “ abandonar” (uma transgressão),
em comparação com a remissão de uma dívida (Sl 32.1; M t 9.2; Lc
7.48). Há outras expressões “ não imputar a culpa” (Nm 12.11; Sl
32.2; Rm 4.8), “ cobrir” , como algo que não mais se quer ver (Sl
85.3; Rm 4.7), “ esquecer” , como algo cuja lembrança se quer
evitar (Ez 33.16), “ apagar” , e “ purificar” , como se faz com
qualquer mancha (cf. Is 6.7; 43.25), para que o transgressor fique
mais “ alvo que a neve” (Sl 51.4,7; Is 1.18 etc.); “ lançar para trás”
também está em foco! (Is 38.17), “ pisar aos pés” , “ lançar aos
pés” , “ lançar nas profundezas do m ar” (Mq 7.19).
Algumas vezes o verbo “ perdoar” é empregado em sentido
absoluto no tempo e no espaço (Mt 6.15; 12.32; Me 4.12). Quando
ele é seguido por um complemento, trata-se essencialmente do
pecado e dos pecados (Sl 32.1; 51.4; M e 2.5; Lc 17.4), da
transgressão, da iniqüidade (Sl 32.1 e ss; R m 4.7), das ofensas (Mt
6.14), das blasfêmias (Me 3.28). Todas essas falhas apresentadas
na vida humana, encontram solução no perdão, que aparece como
o ato de Deus pondo fim à situação desastrosa criada pelo pecado
do homem, situação ofensiva a Deus e opressora para o hom em .(169)
b) Autoridade para perdoar. ‘ ‘E, havendo dito isto, assoprou
sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo. Aqueles a quem
perdoardes os pecados lhes são perdoados; e aqueles a quem os
retiverdes lhes são retirados” (Jo 20.22-23).
Alguns intérpretes têm observado que os verbos principais
deste versículo último estão vazados no tempo perfeito, no original
grego, os quais, por isso mesmo, poderíam ser traduzidos como
“ foram retidos” e “ foram perdoados” ; ao invés daqueles “ ... a
quem perdoardes os pecados lhes são perdoados; e aqueles a quem
os retiverdes lhes são retidos” .
Assim dizendo, esses intérpretes ensinam que essa aparente
retenção ou perdão do pecado é meramente um discernimento

148
daquilo que já fora determinado pela vontade divina.
Já para a interpretação eclesiástica exagerada, que tem as­
sumido ou formulado muitas formas, defendida por muitos intérpre­
tes, é aquela que diz que os apóstolos, na qualidade de representan­
tes de Cristo, podiam verdadeiramente perdoar ou reter os pecados
dos homens em sentido plenamente literal através da adminis­
tração do confessionário, ou de outros meios eclesiásticos. Para
nós, porém, essa maneira de interpretação não se coaduna com o
pensamento geral da natureza das Escrituras.
Devemos, entretanto, ver nisso a promessa de Jesus a Pedro
e aos demais discípulos nas passagens de Mateus 16.19 e 18.18,
respectivamente. A interpretação comum é que as chaves dadas a
Pedro representavam a essencial honra que lhe foi concedida: a de
ser o primeiro a anunciar o evangelho aos judeus (no dia de
Pentecoste) e aos gentios (na casa de Comélio), tendo sido o
Espírito Santo dado do céu em cada uma dessas ocasiões (cf. Atos
2. 10).
Pedro mesmo descreveu seu privilégio assim: “ ...Deus me
elegeu dentre vós, para que os gentios ouvissem da minha boca a
palavra do evangelho, e cressem ” (At 15.7). Assim ele anunciou
o perdão dos pecados a todos os que crêem e semelhantemente tal
autoridade de Deus foi conferida não só a Pedro mas aos demais
discípulos do Senhor (Mt 18.18; Jo 20.23). E com isso concorda o
Dr. Graham Scroggie: “ E de fato não podemos excluir os outros
apóstolos no dia de Pentecoste; nem no caso de Comélio podemos
concordar que esse fosse o único uso das chaves com relação aos
gentios, nem admitir que fosse necessária outra chave diferente
daquela que abrira o Reino aos judeus. Um só ato não havia de
esgotar o uso da chave, nem seriam duas chaves para abrir a porta
duas vezes. Podemos entender que a porta, uma vez aberta, assim
permaneceu para nunca mais precisar da chave? Pelo contrário,
creio que se pode demonstrar concludente que a administração do
Reino, simbolizada por estas chaves, ainda não terminou: não
findou num só ato inicial de autoridade. Os homens ainda recebem
o Reino e são recebidos no Reino, e o Reino é a esfera do
discipulado, então a chave é, de fato, somente autoridade.” (17°)
c) “...O que ligardes na terra será ligado no céu” . E o
contexto imediato: “ ...O que desligardes na terra será desligado no
céu ” .

149
Com efeito, “ ligar” e “ desligar” , na linguagem rabínica,
queria dizer: ‘ ‘permitir ou proibir” , e é isto que a Igreja tem feito
desde os dias dos apóstolos até apresente era (Jo 20.23; 1 Co 5.4,5;
2 Co 5.18,19 etc.).
Ora, podemos entender que depois da porta do Evangelho
estar aberta para os gentios, Deus, através de seus discípulos, abriu
uma nova porta para eles, os gentios: a porta da fé (At 14.27). E, de
lá para cá, a experiência nos tem mostrado que sempre a porta do
perdão continua aberta: ainda não se fechou (cf. Mt 25.10).
d) O método correto. Ora, necessariamente, um dos método
mais corretos para que alcancemos o perdão é sem dúvida a
confissão. A confissão traz perdão da parte daquele a quem fizemos
mal e produz a reconciliação. No Sermão da M ontanha Jesus
ensinou-nos que, aos olhos divinos, um relacionamento é mais
importante que a religião formal: “ Portanto, se trouxeres a tua
oferta ao altar, e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa
contra ti, deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai reconciliar-te
primeiro com teu irmão, e depois vem e apresenta a tua oferta’ ’ (Mt
5.23,24). De acordo com os ensinamentos de nosso Senhor Jesus,
a reconciliação com o irmão é mais urgente do que o rito e o culto
do Templo, pois, sem essa reconciliação o culto seria uma hipocrisia.
A reconciliação humana deve preceder à reconciliação divina.
Segundo os pais da Igreja, era costume na Igreja Primitiva
corrigir as discórdias entre os membros antes do ritual da Santa
Ceia.(171)
Era sempre costume em Israel que, quando se trazia a oferta,
esperava-se que o sacerdote viesse recebê-la das m ãosdoofertante.
O sacerdote, tendo-a recebido, oferecia-a sobre o altar. A oferta
indicava o desejo do ofertante de receber o perdão de Deus e adorar
ao Deus de bondade, que perdoa o pecado. Nesse ínterim, se por
acaso o ofertante se lembrasse de qualquer desentendimento entre
ele e outrem, enquanto esperava que o sacerdote viesse receber a
oferta, deveria primeiramente ir corrigir suas relações com a outra
pessoa. Dificilmente Deus aceitaria o culto do indivíduo que
guardasse ódio nocoração, ódio contra uma criatura feita por Deus.
O fato de que o ofendido era que ia atrás do ofensor significa que
o primeiro tinha saúde e o segundo estava enfermo. Então, nesse
caso, o primeiro é que devia ir ao segundo. Isto significa que a

150
pessoa em paz com Deus é mais fácil de visitar aquela que é
queixosa.
e) O caminho certo do perdão. A Bíblia nos mostra uma
forma de sermos curados; curados no corpo, curados na alma; de
sermos reconciliados, de sermos perdoados e de sentirmo-nos
perdoados. O amor e o perdão cobrem uma m ultidão de pecados,
injustiças, mágoas e diferenças.(172)
Deus nos está chamando para a reconciliação mútua, para
enterrarmos nossas discórdias e rancores, para amarmos incondi­
cionalmente enquanto ainda é hoje, e não ficarmos rememorando
rancores passados. Muitos de nós deixamos irmãos fora do nosso
coração mediante atos de condenação, ou por orgulhosamente
recusarmos confessar nossas faltas. Mas o caminho certo para a
vitória completa em nossas vidas é: “ Confessai as vossas culpas
uns aos outros... para que sareis...” (Tg 5.16a, etc.).

('“ ) O Nov. Dic. da Bibl. Vol. II. 1983


('”) op. cit. 1983
(“ *) Scofield, Dr. C. I. (Scofiold Rcfcrcnce Bible)
O op. cit. 1843 e ss
(,w) O NT. Int. v. p. v. R. N. Champlin, Ph, D. 1982
(” ') op. cit. 1982
O72) Idem. 1982

151
21
A Doutrina da Reconciliação
1. D efinição do vocábulo
‘ ‘E não somente isto, mas também nos gloriamos em Deus
por nosso Senhor Jesus Cristo, pelo qual agora alcançamos a
‘reconciliação’” (Rm 5.11).
A palavra “ reconciliação” , conforme sugere o termo, é
contem plada por toda a extensão das Escrituras Sagradas, onde
existem quatro importantes passagens no Novo Testamento, que
tratam sobre a obra de Cristo debaixo do prisma da reconciliação,
a saber: Romanos 5.10 e ss; 2 Coríntios 5.18 e ss; Efésios 2.11 e ss;
Colossenses 1.19 e ss. Os vocábulos gregos mais importantes são
os substantivos “ K atallage” e os verbos “ Kataççassõ” e
“ apokataççasso” .(173)
“ K atallage” que descreve a natureza da reconciliação, sig­
nifica “ uma mudança completa tanto no viver com o no agir” . No
sentido religioso, significa “ renovação” que, segundo se diz,
envolve vários aspectos, dependendo do contexto.
Esta ‘ ‘renovação’ ’, prende-se a “ uma renovação de um pacto
quebrado entre o pecador e a Pessoa de D eus” .
Em um sentido mais lato, a doutrina da “ reconciliação” ,
segundo a própria palavra demonstra, quer dizer, essencialmente,
“ troca” , ou “ perm uta” . Consiste da mudança da relação de
hostilidade que pode existir entre dois indivíduos, passando eles a
serem amigos entre si.
Essa relação de hostilidade é alterada para a relação de paz.
Há, portanto, a “ perm uta” de estado. Do estado de paz, em
152
seguida, fluem todas as bênçãos da salvação; portanto, reconci­
liação, neste e em alguns outros sentidos similares, significa
também “ aproximação” .
a) Por meio da morte de Cristo. A reconciliação não pode ser
alcançada fora de Cristo. Paulo, afirma que, somente por meio de
Jesus Cristo podemos chegar a Deus por meio da reconciliação.
Então, ele diz: “ E tudo isto provém de Deus, que nos reconciliou
consigo mesmo por Jesus Cristo, e nos deu o ministério da
reconciliação’, isto é, Deus estava em Cristo reconciliando consigo
o mundo, não lhes imputando os seus pecados; e pôs em nós a
palavra da reconciliação ...Rogamo-vos pois da parte de Cristo que
vos reconcilieis com D eus” (2 Co 5.18-20).
Reconciliação assim demonstrada é um ato diretamente de
Deus. E isso significa no sentido cristão, a mudança nas relações
entre Deus e um homem efetuada por meio de Cristo. E isso
envolve: primeiro o movimento de Deus em direção ao homem,
tendo em vista quebrantar a hostilidade humana, recomendar o
amor e a santidade divina ao homem, e convencer o homem da
enormidade de seu pecado e das conseqüências do mesmo. É Deus
quem inicia esse movimento, na pessoa de Jesus Cristo (Rm 5.6,8;
2 Co 5.18-21; E f 1.6; 1 Jo 4.19).
Por isso é que o verbo é aqui encontrado na forma passiva,
“ nos reconciliou” , pelo ato reconciliador de Deus. Segundo um
movimento paralelo do lado do homem, em direção a Deus - em
que o homem cede ao apelo do am or de Cristo que foi ao auto-
sacrifício, deixando de lado a inimizade, renunciando ao pecado,
voltando-se para Deus com fé e obediência. Terceiro uma con-
seqüênte modificação do caráter do homem, a cobertura, perdão e
purificação do pecado; uma total revolução em todas as suas
disposições e princípios. Quarto a modificação correspondente da
parte de Deus, porquanto foi removido aquilo que era a única razão
da hostilidade divina contra o homem, de tal modo que agora Deus
o acolhe em sua comunhão, concedendo-lhe todo o seu amor
paternal e a sua graça (1 Jo 1.3,7). Portanto, a reconciliação é
completa (Rm 3.25,26).
b) Mudança completa. Através da reconciliação com Deus,
o pecador passou de um estado de inimizade e aversão para uma
vida de amor e confiança (Ef 2.14).
Nesta mudança completa, o pecado é propiciado, o pecador

153
reconciliado, e Deus fica satisfeito com o que Cristo fez (Rm 5.10;
1 Jo 2.2). A reconciliação evangélica redunda na completa sal­
vação, ou seja, na participação da plenitude de Deus, conforme se
depreende de Efésios 3.19 e em sua própria natureza. A m issão de
Cristo é universal, como também exerce efeitos sobre os perdidos,
produzindo uma forma de restauração completa da alma através da
reconciliação.(174)
Podemos ainda analisar a reconciliação nos seguintes aspec­
tos, como segue:
Primeiro: A reconciliação é um ato de Deus. Ele é quem
toma a iniciativa neste processo, e Ele é quem leva essa obra ao seu
final determinado. Há, portanto, interesse por parte de Deus,
porque, a reconciliação diz respeito à hostilidade que havia entre
Deus e o homem, por causa do pecado, conforme é exemplificado
em Isaías 59.2, que diz “ Mas as vossas iniqüidades fazem ‘divisão
entre vós e o vosso D eus’; e os vossos ‘pecados’ encobrem o seu
rosto de vós, para que vos não ouça’ ’. Mas agora, pode produzir um
estado de paz.
Segundo: O objetivo da reconciliação é o homem. Por causa
do pecado, o homem ficara alienado, provocando a desordem no
universo moral. O homem desafiou o propósito divino da vida.
Diante deste indiferentismo, o homem passou a agir sempre no
sentido oposto, mas Deus, ao contrário dele, “ mostra o seu amor
para com o hom em ” , reconciliando-o por m eio de Cristo (2 Co
5.18-21).
Terceiro: A reconciliação em relação à paz mostra-nos o
propósito divino em direção a ela. O dr. H. Roux, declara: “ Às
vezes é difícil, se não impossível, entre os numerosos textos que
falam da paz, distinguir aqueles em que se trata da paz de Deus, ou
com Deus, e aqueles que falam da paz com os homens ou entre os
hom ens” .(175)
O realism o bíblico não separa, restritamente falando, a paz
interior (=paz espiritual) da exterior (=paz social e moral): esta é o
sinal daquela e a primeira anuncia e condiciona a segunda (cf. Sl
122.6 e ss).
2. A reconciliação e a paz
“ Na sua carne [Cristo] desfez a inimizade... fazendo a paz.
E pela cruz ‘reconciliar’ ambos com Deus em um corpo, matando

154
com ela as inim izades” (E f 2.15,16). Teologicamente falando, a
paz é um dom de Deus (Nm 6.26), sinal de sua bênção na pessoa
humana (Sl 29.11). Ela está mais freqüêntemente relacionada à
graça, pela qual Deus estabelece ou restabelece a sua aliança (Is
54.10; Ez 34.25; 37.26). Neste caso ela é sinônimo da “ reconci­
liação” como está em foco na presente seção. M as às vezes ela
também é sinônimo de tranqüilidade e descanso, por isso ela deve
ser pedida (cf. Pv. 17.1; M t 5.9; Me 9.50; Rm 12.18; 2 Co 13.11;
1 Tm 2.2). Do ponto divino de observação: “ Orai pela paz...” (Sl
122.6a etc.).
As promessas messiânicas freqüentemente são acompanha­
das pelo anúncio da paz: o monarca Melquisedeque, em que a
Epístola aos Hebreus 5.6,7 vê um tipo de Cristo, é ‘ ‘rei de Salém ’’
(=Rei de Paz) como é depreendido das passagens de Gênesis 14.18;
Salmo 76.12; Hebreus 7.2; Salomão é também chamado rei pací-
fico erein aem Jerusalém, “ lugar de p az” ,e “ habitação tranqüila”
(Is 33.20).
Lembremos sobretudo, o Cântico dos Cânticos, que é de
Salomão, verdadeiro retorno aos primeiros tempos, à juventude da
humanidade. Ali aparecem dois nomes que, segundo se diz, não
expressam a idéia comum apenas de um homem ( “ Ish” ) e aquela
que leva seu nome (“ Isha=Gn 2.23” ) e sim por Salomão (“ She-
lom o” ) e Sulamita (“ Shulamith” ). O nome que eles trazem prova
a necessidade da paz ( ‘‘S halom ’ ’) e do perdão divino, para que não
haja “ dureza de coração” .(l76)
a) A vinda do Messias. (Inaugurará a paz!). O Messias é
chamado: “ Príncipe da Paz” (Is 9.6) e sua vinda em glória
inaugurará uma era de paz para toda a criação (Is 2.2 e ss; M q 4.1
e ss; Rm 8.18 e ss; Ef 1.9,10; Ap 11.15), assim haverá neste tempo,
a reconciliação dos reinos de Israel e Judá, e depois a submissão de
todos os povos, conforme Isaías 49.8-12; 60.17 e ss; Zc 9.9 e ss.
Durante o Reino Milenar de Cristo, todas as coisas serão “ recon­
ciliadas” ou melhor como diz o texto grego no “ N estle” =NT:
“ congregadas” em Cristo, na dispensação da plenitude dos tem­
pos “ tanto as que estão nos céus como as que estão na terra” . As
palavras “ as coisas... que estão nos céus como as que estão na
terra’ ’ em Efésios 1.10 e Apocalipse 21.1 marcam um reencontro
das coisas e dos seres: dos anjos e dos homens e da própria natureza.
É por isso que toda “ a criação gem e!” (Rm 8.22). Os animais

155
voltarão ao seu estado original de natureza dócil, conforme eram a
princípio, isto é, sua ferocidade será removida. Haverá, uma *‘es­
pécie” de reconciliação “ entre os homens e os anim ais” (cf. JÓ
5.22-24; Is 11). É por isso que encontramos no grego da Septuagin-
ta (LXX), “ helasm os” (cerca de 100 vezes) ou “ exhilasis (2
vezes) e exhilasmos (cerca de 15 vezes) para traduzir derivados do
verbo hebraico “ K ipper” (piei) = que significa “ cobrir” , “ paci­
ficar” , “ propiciar” , que descrevem o processo da propiciação
com o fase intermediária para que haja reconciliação.(177)
b) Somente pela morte de Cristo. O m eio eficaz da reconci­
liação é a morte de Jesus Cristo, o grande ato da misericórdia divina
para com os homens. “ A saber, que Deus estava em Cristo,
reconciliando consigo o mundo... ’ ’ O contexto desta passagem, já
citada em outras seções deste capítulo, deixa claro que Paulo
considerava a reconciliação como algo que é alicerçado na morte
e na ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo, e o segundo
capítulo da Epístola aos Efésios e o prim eiro capítulo da Epístola
aos Colossenses foram vazados em palavras tais que não deixam
margem para dúvida, no tocante à intimidade da conexão entre o
propósito de Deus e a cruz de Cristo, com o meio por Ele escolhido
para efetuar a reconciliação de todas as coisas.
3. O ministério da reconciliação
“ ...Deus... nos deu o ‘m inistério’ da reconciliação...e pôs em
nós a ‘palavra’ da reconciliação” (2 Co 5.18,19).
A outorga do ‘m inistério’ da reconciliação poderia ter sido
conferida aos anjos. Porém, foi entregue ao humilde homem, de tal
m aneira que, em amor, um ser humano pode ajudar o outro. Isso
agradou a Deus, porquanto isso deu aos homens a oportunidade de
viverem segundo a lei do amor, que é a prova mesma da espiritu­
alidade (1 Jo 4.7). O ministério da reconciliação não é do homem;
e, sim, de Deus que ‘ ‘deu ” e ‘ ‘pôs ’ ’ no homem. Por isso diz Paulo:
“ Somos em baixadores” apenas, para rogarmos da “ parte de
Cristo que vos reconcilies com D eus” .
De acordo com os rabinos, a forma verbal nesta passagem
para o uso do termo “ em baixador” é “ presbeuom ai” , a qual
significa “ ser enviado como em baixador” , “ trabalhar como
em baixador” , “ ir como representante” , e isso em prol de um
governante ou oficial de alguma sorte. A form a verbal se encontra

156
somente nesta passagem e em Efésios 6.20. A forma nominal,
“ presbeian” (embaixada), é usada em Lucas 14.32 e 19.14. E
nesta última passagem tal palavra pode ser traduzida por “ men­
sagem” . A raiz dessa palavra, no grego, é “ ancião” , talvez devido
ao sentido lato de “ idoneidade” que sempre era usado para esses
homens.
a) A missão do embaixador. O embaixador antes de agir,
recebe comissão da autoridade que representa. Um embaixador,
enquanto age, atua não somente como um agente, mas igualmente
como representante do seu soberano. Finalmente, o dever de um
embaixador consiste, não meramente em transmitir uma men­
sagem definida ou de agir segundo certa norma de conduta, mas
está na obrigação de esperar por oportunidades de estudar os
caracteres, de aguardar expedientes, a fim de que possa apresentar
a sua mensagem aos ouvintes em sua forma mais atrativa. Ele é um
diplomata.
Além daquilo que já ficou demonstrado, o embaixador é um
construtor de pontes. Em sua missão ele deve representar um poder
elevado, e então leva aqueles a quem é enviado a agirem favora­
velmente para com aquele que o enviou.
Em seu sentido espiritual, um embaixador cristão deve
caracterizar-se pelo amor, pelo altruísmo e pela paciência. Deve
ser capaz de sofrer afrontas, persuadindo os homens a passarem
para o seu lado, embora sejam seus inimigos naturais. Também
deve mostrar-se paciente para com a cegueira humana, para com a
pequenez dos homens, sem jam ais rebaixar-se à posição deles.
Seguir em sua missão o mesmo exem plo deixado por Jesus que,
“ ...sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a
Deus. Mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo,
fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem,
humilhou-se a si m esm o...” (F12.6-8).
b) O alcance do argumento. “ De sorte que somos ‘em ­
baixadores’ da parte de Cristo, como se Deus por nós rogasse. ’ ’ No
original grego, a frase “ ...rogasse” é tradução da palavra “ deo-
m ai” , que significa “ implorar” , uma palavra forte de con­
descendência. Não são muitos, os embaixadores que se humilham
até esse ponto, mas os ministros de Cristo, devido ao seu amor às
almas, e desejando dar-lhes o conhecimento da vida eterna, devem
fazer os apelos mais pungentes, as exortações mais vigorosas. A

157
reconciliação é o alvo, e da reconciliação se origina a vida etema.(178)
Portanto, “ rogamo-vos pois da parte de Cristo que vos
reconcilieis com D eus!” .
C”) O NT. In t v. p. V. R. N. Champlin, Ph, D. 1982

O74) op. cit. 1982


0") op. cit. Voc. Bibl. J. J. V. A. 1972
(,7‘) O Homem, Corpo, Alma e Espírito. S. P. S. 1988
C77) O Nov. Dic. da Bibl. Vol. I I 1983
C7*) op. cit 1983

158
22
A Doutrina da Redenção
1. Definição do vocábulo
“ Em quem temos a ‘redenção’ pelo seu sangue, a remissão
das ofensas, segundo as riquezas da sua graça” (E f 1.7).
A “ doutrina da redenção” lança diretamente nossos olhos
de volta ao Calvário. E, apontando para o futuro, lança nossos
olhos para contem plar a liberdade na qual nos encontramos.
O resultado de tudo, segundo Paulo, é “ ...porque fostes
comprados por preço. Agora, pois, glorificai a Deus no vosso
corpo” (1 Co 6.20). A doutrina da redenção tem noção carac­
terística da Bíblia, especialmente no Antigo Testamento, onde
desempenha, por meio de diferentes termos hebraicos, papel social
e religioso importante. No Novo Testamento, a doutrina da re­
denção está em foco, quase que em cada seção da Bíblia. No Antigo
Testamento, existem três palavras características que descrevem a
verdade completa da redenção, são:
a) Agorazo: Esta palavra, de acordo com os rabinos, queria
dizer: “ com prar no m ercado” .(179)
A palavra grega original, tal como também aparece no termo
latino ‘ ‘redeem ” , indicava o preço pago para com prar de volta um
escravo ou cativo, tomando-o livre pelo pagamento de um “ resgate”
(no grego, lutron, que aqui significa também ‘ ‘redenção” ). Assim,
expiação vinha do mundo religioso; enquanto que “ redenção” , do
mundo da escravidão.

159
Freqüentemente, entretanto, em seu uso comum, essa pa­
lavra se reveste dos seguintes sentidos:
Primeiro, significa “ livram ento” , conforme idéia extraída
dos livros considerados apócrifos, II Macabeus 7.24 e IV M acabeus
8.4-14, respectivamente. Enquanto que em H ebreus 11.35, é citada
livremente para expressar o sentido do argumento.
Segundo, passou a significar o “ perdão dos pecados” , que,
em outro sentido mais lato, trazia também a idéia de “ livramento
do pecado” , ou seja, “ ficar isento do poder da escravidão do
pecado” (cf. Rm 4.7 e ss), com a participação resultante de uma
nova vida em Cristo. Os trechos de Romanos 8.23; Efésios 1.7;
4.30; Colossenses 1.14 assim usam essa palavra. Este último trecho
de Colossenses 1.14, atribui a redenção ao preço do sangue de
Cristo, como também o faz Romanos 3.25. No trecho de Romanos
3.24, a “ graça” é assinalada com o a causa da “ redenção” e tudo
é ali declarado como algo que ocorre por meio de Cristo.
Terceiro, em seu aspecto m ais amplo, a redenção inclui tudo
aquilo a que denominamos de “ salvação” , não indicando apenas
o seu conceito restrito que esta doutrina pode envolver, mas antes,
significando toda a natureza da salvação na form a da participação
na vida de Cristo, em tudo quanto Ele é, a sua herança, a sua
filiação, a sua natureza santa, a sua natureza metafísica, e a
participação da divindade, segundo aprendemos em Colossenses
2. 1 0 . 0
O sentido profundo religioso, era: “ O homem está vendido
sob o pecado (Rm 7.14) e está sob a sentença de morte (Ez 18.4; Jo
3.18,19; Rm 3.19; Gl 3.10) e o preço da compra é o sangue do
Redentor (2 Co 5.21; Gl 3.13), o qual se dará sob a forma de
‘resgate’ (Mt 20.28; Me 10.45; 1 Tm 2.6) e outros contextos
sim ilares.”
b) Exagorazo: Esta palavra, significa ‘‘com prar para fora do
m ercado” .(181)
Em si, traz a idéia de que os remidos nunca mais serão
expostos à venda (cf. Gl. 3.14; 4.5), porque Cristo, o Redentor,
após ter feito o resgaste, também os redimiu. A idéia que Cristo deu
a sua vida em nosso ‘ ‘resgate” não foi criada pelo apóstolo Paulo,
mas antes, parece fazer parte da tradição mais antiga do cristianismo,
pois já se encontra no evangelho de Marcos 10.45; e, evidentemente,

160
foi ensinada pelo próprio Senhor Jesus (cf. H b 9.15; 1 Pe 1.18,19;
2.24; 1 Jo 2.2 etc.).
Nos trechos de Romanos 8.23; 1 Coríntios 1.30; Efésios
1.14, a redenção tem seu aspecto fortemente escatologia), referindo-
se àquela redenção plena que ocorrerá no dia do arrebatamento da
Igreja, a saber, a “ redenção do nosso corpo” .
Portanto, no momento de nossa salvação, recebemos a
‘ ‘redenção de nossas almas ” (Gl 3.13); no arrebatamento, porém,
receberemos a “ redenção do nosso corpo” (Lc 21.28; Rm 8.23
etc.).
c) Lutron (ou “ Lutroo” ). Esta palavra, significa “ libertar
por pagamento” .(182)
Ela aponta para uma redenção feita por sacrifício e por poder
(Êx 14.30; Lc 24.21; Tt 2.14). Olhando para o Calvário, Cristo
pagou o preço, e o Espírito Santo tom a a libertação atual na
experiência do crente. No Antigo Testamento, a redenção ou
resgate aparece em primeiro lugar em relação com o direito
familiar adquirido, os bens e as pessoas de seus parentes mais
próximos (cf. Lv 25.23-55; Rt 2.20; 4.18).
O quadro do Apocalipse 5.1 e ss, apresenta uma cena vivida,
para a necessidade de um Redentor. No versículo quarto, diz que
o apóstolo chorava diante de tanta indignidade! Talvez seja esta a
única ocorrência de uma pessoa chorar no céu: ali não haverá
pranto! O termo grego aqui traduzido por ‘ ‘chorava” : indicava um
choro em voz audível (cf. Lc 6.21). E, aponta para uma pessoa que
chorava como se fosse criança decepcionada ou ferida. Não havia
ninguém digno de abri-lo. Talvez, o apóstolo, como judeu, visse
naquele rolo selado, a significação de um título de “ resgate” que
não encontra remidor (cf. Jr 32.6-15).
O termo grego “ lutron” , que é a palavra aqui traduzida por
“ redenção” , tem sido encontrado em muitos papiros do prim eiro
século da Era Cristã, com o sentido de ‘ ‘dinheiro de com pra” , com
o qual os escravos eram libertos; e daí se derivou a idéia,
espiritualmente aplicada, de ser alguém comprado de seu miserável
estado de servidão ao pecado, a fim de receber a exaltada vida dos
lugares celestiais, criaturas não mais escravizadas, mas verdadeiros
filhos de Deus, filhos do Rei, iguais ao seu Irm ão mais velho, em
sua natureza e herança, que é o Senhor Jesus Cristo, o qual,
mediante o preço de seu sangue, libertou os cativos; e através da

161
atuação do Espírito Santo transformador Ele os despede de seus
trapos de servidão, revestindo-os com a sua própria natureza, a fim
de que sejam verdadeiramente filhos, em todos os sentidos, do Pai
celestial (cf. Lc 15.22; E f 6.14 etc.).

2. Redenção no Novo Testamento


No Novo Testamento, a idéia de resgate, é também muito
freqüente. Ela tem sua mais perfeita significação na pessoa de
Jesus, quando declara: ‘ ‘Porque o Filho do homem também não
veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em ‘resgate’
de m uitos” (Me 10.45). Os termos que são depreendidos da Bíblia
Sagrada sobre a redenção, pressupõem um livramento, por meio de
um substituto, de um cativo ou devedor incapacitado de efetuar seu
próprio livramento.
H á no Antigo Testamento, cerca de 132 (cento e trinta e duas)
referências feitas a respeito da redenção com este sentido, que são
traduzidas em 19 palavras diferentes no Novo Testamento, 22
também destas referências são traduzidas, as quais salientam todos
os matizes e natureza desse assunto.O83)
Os textos que focalizam os elementos da redenção são
reiterados, enriquecidos e aprofundados nas Escrituras. Esses
elementos afirmam e declaram que, o “ resgate” de uma alma é
muito caro (Sl 49.8,9), por se tratar de preço de sangue; por isso,
todos os recursos humanos se esgotariam antes. (‘ ‘Pois a ‘redenção’
da sua alma é caríssima, e seus recursos se esgotariam antes.” )
Conforme afirma a citação precedente!
Então, as Escrituras salientam: somente Cristo, pode e faz a
redenção(l Pe 1.18,19; 1 Jo 2.2), resgatando-nos: “ ...todos os que,
com medo da morte, estavam por toda a vida sujeitos a servidão’ ’
(cf. Hb 2.15; 9.12).
a) Redenção pelo seu sangue. Esta foi uma das declarações
do apóstolo Paulo, em Efésios 1.7, que diz: “ Em quem temos a
‘redenção’ pelo seu sangue...” De acordo com este sentido de
redenção, existe outra palavra característica ainda para descrever a
natureza da redenção é “ apolytrõsis” .(184)
“ A polytrõsis” é uma palavra relativamente rara noutras
passagens. E encontrada por 10 vezes no Novo Testamento, e
apenas 8 vezes em todo o restante da literatura grega. Isso pode
expressar a convicção dos crentes primitivos de que a redenção

162
operada por Cristo é sem paralelo. O substantivo “ apolytrõsis”
significa sob pagamento de um preço, e esse preço é justam ente a
morte expiatória do Salvador. Quando lemos a respeito de “ redenção
pelo sangue” (Ef 1.7), entendemos que o sangue de Cristo está
sendo claramente reputado como o preço da redenção. Assim
sendo, somos comprados por preço (1 Co 6.19; 7.22). E preço
altíssimo!
A redenção inclui o “ resgate” que nos livra do pecado,
conforme o termo grego por detrás dessa tradução pode significar;
mas também fala da totalidade de nossa salvação em Cristo,
incluindo todos os seus aspectos. Esse é o grande tema do Evangelho.
Envolve os seguintes aspectos:
Primeiro, a conversão e a regeneração inicial.
Segundo, a justificação.
Terceiro, a participação na retidão de Cristo, mediante a
santificação.
Quarto, inclui igualmente a glorificação plena que é a nossa
redenção final (cf. Lc 21.28; Rm 8.23).
b) Redenção como resgate. Essa palavra, conforme já tivemos
ocasião de ver, envolve o drama sagrado da alma em sua inteireza,
mostrando como ela regressa à presença de Deus (regresso aqui,
não envolve a idéia de transmigração de Plotino) e vem a participar
da natureza de Cristo Jesus. Indica o resgate da alma, a redenção da
alma humana, antes sem esperança e distanciada de Deus. Acompanha
a orientação dada à alma, ao longo da vereda de volta a Deus, até
que, finalmente, a alma chega ao seu lar e fonte originária, Deus.
Mas com sua individualidade e superego. Isso, porém, somente é
feito através de Cristo, como Ele mesmo declarou: “ ...Eu sou o
caminho, e a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, senão por
m im ” (Jo 14.6b).
O vocábulo redenção, considerado em seu contexto social,
sugere a redenção de um escravo, que era oferecido à venda em
algum antigo mercado de escravos. Por semelhante modo, a alma
crente é reconhecida e reconduzida ao seu lar e destino apropriados,
em Jesus Cristo, tendo sido restaurada de todo o seu desvio, tal
como um escravo é redimido ou restaurado de sua vida de humilhação
na servidão. A alma humana se acha num estado de servidão sob o
pecado, até que é restaurada definitivamente por Deus.
163
Essa, portanto, é, a verdadeira redenção e aquilo que sua
natureza envolve.
3. O preço de nosso resgate
*‘Sabendo que não foi com coisas corruptíveis, com o prata
ou ouro, que fostes ‘resgatados’ da vossa vã maneira de viver...
M as com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro
imaculado e incontaminado” (1 Pe 1.18,19).
O m eio de redenção custou um elevadíssimo preço ao Filho
de Deus! O que Ele adquiriu para nós não poderia ser com pradç
com todos os tesouros do Egito, do mundo, de todos os séculos! E
algo excessivamente precioso: daí a gratidão com que devemos
viver diariamente. Esse é o tipo de raciocínio que o autor sagrado
nos apresenta agora, e, naturalmente representa uma lógica
impecável.(185)
A vida santa do crente deve originar-se da percepção do custo
de sua redenção. “ Ser ‘rem ido’, a idéia base parte do termo grego
(elatrothete) é a de ‘resgate’ da servidão para a libertação - um rito
que algumas vezes era acompanhado por um sacrifício. Pedro, sem
dúvida alguma, deriva a metáfora de seu Senhor, o qual falava
sobre seu sacrifício expiatório como um ‘resgate em favor dele’
(Me 10.45). Neste ponto Pedro não precisa algum a doutrina de
expiação, mas se contenta em sugerir seu preço. O preço da
redenção não foi ‘prata ou ouro’ perecíveis, mas o sangue da vida
do impecável Cordeiro de D eus.” (186)
Pedro, então, por amor de seu argumento, passa a m ostrar a
ineficácia dos sacrifícios de animais (Hb 9.13). E, a seguir, passa
a demonstrar o ‘‘valor do sublime sacrifício de Cristo, em substituição
aos dem ais” (cf. Hb 7.27,28). Em Cristo (diz Calvino) temos tudo
quanto era prefigurado nos sacrifícios antigos, em bora ele (o autor
sagrado) faça alusão especial ao Cordeiro pascal. O cordeiro é um
dos símbolos de nosso Senhor. O Senhor Jesus mostrou-se manso,
inofensivo, gentil, não tendo resistido a seus atormentadores:
mostrou-se paciente e benigno debaixo dos sofrimentos. Nunca foi
malicioso, nem mesmo com homens que mereciam um tratamento
severo e desprezível. Finalmente, foi Ele o sacrifício pelos nossos
pecados.

0 ") Scofleld, Dr. C. 1. (Scofield Referem* Bible)


Ò") op. cit. 1843 e ss

164
('") Idera. 1843 e ss
('“) O NT. Int. v. p. v. R. N. Champlín, Ph, D. 1982
0o) op. c it 1982
(,M) Idem. 1982
Ò“) As “ Institutos” - J. C. 1* Ed. cm Port 1984
(■“) op. d t. 1984
23
A Doutrina da Santificação
1. Definição da santificação
“ Porque esta é a vontade de Deus, a vossa ‘santificação’;
que vos abstenhais da prostituição” (1 Ts 4.3).
A “ santificação” , conforme sugere o termo grego aqui
empregado, “ agiasmos” , significa “ consagração” , “ separação” ,
“ santificação” .
As palavras hebraicas, porém, que descrevem no Antigo
Testamento, a “ santitificação” , são: “ qãdhôsh” , “ qõdhesh” ; e,
conforme já tivemos ocasião de ver, “ agiasm os” , no Novo
Testamento. Todas elas são ligadas ao campo da purificação. E,
necessariamente, quando se aplica ao sentido lato da santificação,
referem-se ao processo que leva o crente a tom ar-se um a pessoa
dedicada, santa, baseada em início implantado quando da conversão,
forensemente reconhecido diante de Deus, mas também concretizado
nele, através de sua restauração e transformação moral.(187)
A santificação, à luz da Bíblia Sagrada, está envolvida na
chamada geral do crente: “ Mas, como é santo aquele que vos
chamou, sede vós também ‘santos’ em toda a vossa maneira de
viver’ ’ (1 Pe 1.15). Durante o período da lei, no Antigo Testamento,
como pois se vê, a ‘ ‘pureza legal ’ ’ estava ligada restritamente com
a santificação. Ninguém jam ais poderia tocar em cadáveres, coisas
imundas, sem quebrar a disciplina da santificação.
a) Sentido geral. No Antigo Testamento, a santidade (ou
separação) como já tocamos de relance acima, era aplicada não só a
pessoas humanas, mas também a lugares, coisas, períodos de
166
tempos e pessoas oficiais, em virtude de sua consagração e adoração
a Deus. A primeira aplicação do termo na Lei - pelo menos na lei
escrita, neste sentido, é feita a respeito do sábado, o sétimo dia, que
Deus, conforme é declarado, tom ou santo (Gn 2.3). Então diz:
‘ ‘Porque em seis dias fez o Senhor os céus e a terra, o m ar e tudo
que neles há, e ao sétimo dia descansou; portanto abençoou o
Senhor o dia do sábado, e ‘o santificou’” (Êx 20.11). É,
semelhantemente, aplicado ao lugar de adoração ou santuário,
empregado na adoração do Senhor (Dt 16.2; At 6.13). Finalmente,
tudo quanto pertencer a Deus, ou com Ele se relacionar, deve ser
santo: “A terra (Êx 3.5); o sábado (Gn 2.3; Êx 20.8; 31.14; Ne
13.22); o óleo da santa unção (Êx 37.29); as festas (Lv 23.2); o
monte do Senhor (Sl 15.1); a aliança (Dn 11.30); a comida (1 Tm
4.5); a oferta (Mt 23.19); o sangue (Hb 10.29); os crentes (At
20.32; 26.18; 1 Co 1.2; 7.14; Hb 2.11); os vasos (2 Tm 2.21); o
altar (Êx 40.10); o caminho (Is 35.8); a cidade (M t4.5); os dízimos
(Lv 27.32); o jejum (J1 1.14; 2.15); os sacrifícios (Rm 12.1); os
primogênitos doshomense dos seres (Êx 13.2; D t 15.19), etc.” ( 188)
Para estes lugares, seres e coisas, a palavra para “ santo” é
a palavra grega “ agiasm os” , que significa “ consagração” ,
“ separação” , “ santificação” . No conceito neotestamentário, refere-
se ao processo que leva o crente a tomar-se uma pessoa dedicada,
santa, e, acima de tudo, uma separação de tudo que é mau e
contamina.
b) O alvo da santificação. O alvo final da santificação é a
perfeita concretização dessa santidade no indivíduo, de modo que
a própria santidade de Deus Pai seja plenamente absorvida pela sua
vida (cf. M t 5.48; Rm 3.21). Somente essa forma de santidade é
aceitável por Deus; e todos os seres que habitam nos lugares
celestiais e, portanto, então próximos de Deus, devem ser santos
como Deus é santo. A nossa santificação mostra, a transformação de
nossa natureza moral e produz uma transformação correspondente
da natureza metafísica, a qual nos tomará participantes da própria
natureza e divindade de nosso Senhor Jesus Cristo (Rm 8.29; 2 Co
3.18; 2 Pe 3.14). Esse é o alvo culminante da santificação. E, nesta
linha de pensamento, a santificação envolve os seguintes pontos:
Primeiro: Separa o crente para Deus e para o seu serviço (Sl
4.3; 2 Co 6.19; Gl 1.15).
Segundo: Ela é uma realização divina (Ez 37.28; 1 Ts 5.23;

167
Jd v. 1), por meio de Cristo (Hb 2.11; 13.12), e através do Espírito
Santo (Rm 15.16; 1 Co 6.11; 1 Ts 4.8).
Terceiro: Consiste na “ com unhão m ística com C risto” (1
Co 1.2).
Quarto: Depende do valor da expiação pelo sangue de Cristo
(Hb 10.10; 13.12).
Quinto: Realiza-se mediante a energia da Palavra de Deus.
“ Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade” (Jo 17.17; E f
5.26).
Sexto: Cristo é o nosso mais elevado exemplo de santidade,
porquanto Ele é a nossa santificação (1 Co 1.30).
Sétimo: A eleição leva a efeito esse alto objetivo, por meio da
santificação, não podendo esse alvo deixar de ser concretizado na
vida do crente regenerado, visto que é um dos elos da cadeia de
ouro que nos leva à glorificação. Assim é exigido; “ ...irmãos
amados do Senhor [devemos sempre dar graças], por vos ter Deus
elegido... em santificação do E spírito...” (2 Ts 2.13; 1 Pe 1.2).
Oitavo: A Igreja se tom ará gloriosa por m eio da santificação
(E f 5.26 e ss).
Nono: Conduz o crente à presente mortificação da natureza
pecaminosa (1 Ts 4.3,4).
Décimo: Conduz o crente àquela santificação desejada por
Deus, “ ...sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb 12.14; 1 Pe
1.15,16).
Décimo-primeiro: T om a aceitável para Deus a *‘oferta” dos
santos (Rm 15.16).
Décimo-segundo: A vontade de Deus é que os crentes sejam
santos. O expressivo diz: “ P orqueestaéavontad ed e Deus, a vossa
santificação...” (1 Ts 4.3a).
Décimo-terceiro: Também é mediante a santificação que os
ministros de Deus são separados para o serviço divino (cf. Jr 1.5;
Gl 1.15).
Décimo-quarto: Devemos orar insistentemente para que os
crentes participem plenamente da santificação (1 Ts 5.23).
Décimo-quinto: Sem a santificação, ninguém poderá herdar
o reino de Deus (I Co 6.9-11).
c) Em termos gerais. Em termos gerais, todos estes ponto
mencionados acima estão envolvidos no processo de sermos
“ separados” ou “ dedicados” para uso peculiar e exclusivo do

168
Senhor, para seu serviço, tanto na terra (durante nossa peregrinação)
como nos céus (em nossa glorificação), tanto no tempo como na
etem idade.(189)
Deus santifica, Cristo santifica e o Espírito Santo santifica,
mas o próprio crente (crente aqui é a palavra cristão em termos
gerais) também se santifica: “ ...quem é santo, seja santificado
ainda” (Ap 22.11b), cedendo à influência divina e aplicando os
meios normais de adoração e purificação, como a oração, o estudo
da Palavra e a meditação, além da inquirição pelo Espírito Santo.
Esses são os “ m eios” que compete ao crente aplicar a si mesmo,
a fim de que o Espírito Santo, por sua vez, opere sua obra
santificadora (cf. Lv 11.44; Js 7.13; 2 Co 6.14-18, onde a
responsabilidade da santificação é imposta ao homem).
2. Separação total
No Novo Testamento, a palavra “ santo’ ’ ou ‘ ‘puro’ ’ vem de
uma “ raiz” da qual se origina a palavra “ santificação” . Ela
aponta diretamente para a santificação interior, refletindo também
no exterior do homem. Esta santificação podemos denominá-la de
santificação posicionai, pois, necessariamente, ela diz respeito à
posição moral, santa e perfeita que o homem ao ser perdoado
desfruta na pessoa de Cristo. Do ponto de vista divino de obser­
vação, a santificação trata, quase exclusivamente, de nosso estado,
assim como a justificação trata de nossa posição em Cristo. Na
justificação, somos declarados justos, a fim de que, na santificação
nos tomemos puros. A justificação é aquilo que Deus faz “ por
nós” , enquanto que a santificação é aquilo que Deus faz “ em
nós” .
A santificação, fala também de nossa separação para Deus;
estes dois sentidos da palavra “ santificação” estão intimamente
ligados. Ninguém pode estar verdadeiramente separado para Deus,
sem estar separado do pecado. Portanto, santificação, significa:
“ separado do pecado” , e “ separado para D eus” . Por esta razão
ela aparece como sendo exigida por parte de Deus (1 Ts 4.3). Tal
santificação exigida por Deus tem início no começo da salvação do
crente, é co-extensiva com sua vida nesta terra, e atingirá o seu
clímax e perfeição quando Cristo voltar.
a) “qãdhôsh! ’ e “qõdhesh’’. Estas duas palavras, de origem
semítica, vêm de uma raiz que, segundo os rabinos, quer mesmo

169
dizer “ separação” . Isso significa que, aquilo que é santificado
(pessoas ou objetos), é separado diretamente para Deus ou para
o seu uso; assim sendo, o termo “ santidade” também denota
relação, e significa a determinação de Deus de preservar sua
própria posição, em relação a todos os outros seres livres. Trata-se
da auto-afirmação de Deus. “ O atributo em virtude do qual o
Senhor faz-se o padrão absoluto de Si m esm o.” (190)
Restritamente falando, a santidade, quando aplicada a Deus,
define-se como aquilo que merece e exige reverência moral e re­
ligiosa (1 Ts 4.3), também pode ser considerada como aquele
elem ento da natureza divina que separa o homem do pecado, e do
mundo, consagrando-o a Deus (cf. Lv 19.2; 1 Pe 1.16). No Novo
Testamento, portanto, sem nenhuma dogmatização, a santidade
tem esse sentido.
Consideremos os três elementos de tempo na santificação.
Primeiro: O ato inicial de santificação. Isto significa santi­
ficação posicionai. As Escrituras ensinam que o momento em que
o homem crê em Cristo, é “ santificado” . Isto, como já mostramos,
é evidenciado pelo fato de os crentes serem chamados de ‘ ‘santos ’’
no Novo Testamento, independentemente de suas conquistas es­
pirituais (1 Co 1.2; E f 1.1; Cl 1.2; Hb 10.10; Jd vv. 1,3). Falando
sobre os Coríntios, Paulo declara de m odo bem explícito que
haviam sido “ santificados” (1 Co 6.11). E, na sua segunda carta,
ele pede que os Coríntios continuem no “ ...aperfeiçoamento da
santificação” (2 Co 7.1 etc.). A base, porém, dessa santificação é
o sangue de Cristo. “ E por isso também Jesus, para ‘santificar’ o
povo pelo seu próprio sangue, padeceu fora da porta.”
Segundo: O processo da santificação. Isto significa que,
sendo um processo, a santificação continua por toda a vida.(m )
Por cuja razão, o escritor sagrado do Apocalipse diz: “ ...seja
santificado ainda’ ’ (Ap 22.1 lb). O crente é admoestado, com base
no que ele fez na conversão, arealm ente repetir aquela experiência.
Por ter-se “ despojado” e “ revestido” , deve agora também
‘ ‘despojar-se’ ’ e ‘ ‘revestir-se’’ (Cl 3.8-12). E numa outra seção da
mesma epístola, diz: “ despojai-vos também de tudo...” e “ ...revesti-
vos de caridade” (Cl 3.8,14). O mesmo sentido tem a expressão
dita por Paulo: “ ...Nós, que estamos mortos para o pecado...
andemos... em novidade de vida” (Rm 6.2,4).
Terceiro: Santificação completa efinal. A santificação com ­

170
pleta e final aguarda o aparecimento de Cristo nas nuvens para o ar­
rebatamento da Igreja. Isto significa que, “ ...quando vier o que é
perfeito, então o que é em parte será aniquilado” (1 Co 13.10b).
Somos santificados e salvos do poder do pecado, e seremos salvos,
no final, da presença do pecado. Existem duas maneiras de ficar­
mos livres da presença do pecado: uma delas é pelo processo da
morte (Hb 12.23). Aqui estão “ os espíritos dos ‘justos’ aper­
feiçoados” ; e, a outra, pelo arrebatamento da Igreja por Cristo (1
Jo 3.2; Jd v.23). Será impossível pecar depois que isso acontecer.
Na prim eira forma o “ espírito” do crente está aperfeiçoado (Hb
12.23), e na segunda, o seu “ corpo” será então glorificado (Rm
8.23,24; F1 3.20,21).
b) O alcance do argumento. Portanto, como já tivemos
ocasião de afirmar: santificação, significa “ purificação do m al” .
Purificação do mal moral, na realidade, nada mais é que outra
forma de separação. Por isso, havia um pedido para que os
sacerdotes se santificassem antes de se aproximarem de Deus (Êx
19.22). Por conseguinte, há um pedido para que o crente de hoje,
também sacerdote (Ap 1.6), se separe dos iníquos de m odo geral (2
Co 6.17,18), dos mestres e das doutrinas falsas (2 Tm 2.21; 2 Jo vv.
9,10), e de sua própria natureza má (Rm 6.11,12; 2 Co 7.1; E f
4.22,25-32; Cl 3.5-9; 1 Ts 4.3,7). Pode-se notar que em algumas
dessas passagens, a santificação é tratada com o um único ato, e, em
outras, como um processo contínuo, a purificação é mais de
natureza externa no Antigo Testamento, ao passo que no Novo, a
purificação é essencialmente interna. Mas, num contexto geral,
tanto a prim eira como a segunda refletem o caráter de uma e da
outra. Portanto, quem é santificado intemamente, deve, e tem de
ser demonstrado extemamente. Jesus disse: “ Por seus frutos os
conhecereis...” (Mt 7.16a). Os frutos “ externos” , geralmente
revelam a natureza “ interna” da árvore. “ Assim, toda a árvore
‘boa’ produz ‘bons’ frutos, e toda a árvore ‘m á’ produz frutos
‘m aus’. Não pode a árvore boa dar maus frutos; nem a árvore má
dar frutos bons” (Mt 7.17,18), afirma nosso Senhor!
Evidentemente, assim nossa santidade deve e é mostrada em,
e através de nossas obras. Fora disso, podemos ser reprovados (Tt
1.16).

(,,T) O Nov. Dic. da Bibl. Vol. II. 1983


(*■*) Enoque. G. N. G. 1986

171
o O NT. Int. v. p. V . R. N. Champiin, Ph, D. 1982
Õ*°) Mais Perto de Deus. A. W. T. 1980
(m ) op. dL 1980

172
24
A Doutrina da Adoção
de Filhos
1. Definição da doutrina
‘ ‘Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho,
nascido de mulher, nascido sob a lei. Para remir os que estavam de­
baixo da lei, a fim de recebermos ‘a adoção’ de filhos’ ’ (Gl 4.4,5).
De acordo com o Dr. M. Bem oulli, o termo para filhos
(“ ben” ) deriva da raiz verbal “ edificar” ( “ banâ” ). Isto é, edifi­
car uma família significa, por extensão, assegurar descendência,
reviver nos próprios filhos. No sentido espiritual, quando se aplica
a Deus, é exemplificado por Israel. Deus então declara: “ Israel é
meu filho” (Êx 4.22), a adoção também lhe pertence. A restau­
ração de Israel no fim da presente Era, reintegrará a nação em sua
verdadeira condição de “ filho eterno de D eus” (cf. Rm 9.4).
Assim, também, quanto a nós, somos, de acordo com os ensi­
namentos do Novo Testamento, “ filhos de adoção mediante Jesus
C risto’ ’ (E f 1.5). Essa adoção foi feita em nós por um ato divino da
misericórdia de Deus. Ele nos deu ‘ ‘o poder’ ’ (Jo 1.12), adotando-
nos com o filhos, com o direito de clamarmos “ A ba” - Isto é,
“ P ai” , ou “ Meu Pai” .(192)
Quando o jovem rico perguntou a Jesus: “ ...Bom Mestre,
que hei de ‘fazer’ para ‘herdar’ a vida eterna?” (Lc 18.18b), ele,
então, estava instruído em determinadas leis romanas que, com
méritos apresentados, podia-se conseguir a “ adoção de filhos” ,
por meio delas. Nosso Senhor, porém, lhe respondeu prontamente:

173
“ N ão é fazendo que se herda; e, sim, é pelo direito adquirido”
(parafraseado).
a) O sentido da adoção. A doutrina da adoção é puramente
paulina, e lhe damos o último lugar na oídem deste livro. Os outros
autores do Novo Testamento associam as bênçãos que Paulo re­
laciona à adoção com as doutrinas da regeneração e da justificação.
A palavra grega traduzida como adoção ( “ huithesia” ), somente
ocorre cinco vezes nas Escrituras, e todas elas nos escritos de Paulo
(Rm 8.15,23; 9.4; Gl 5; E f 1.5). Uma vez, ele aplica este termo a
Israel como nação (Rm 9.4); uma outra vez, se relaciona com a
completa realização da adoção à vinda futura de Cristo: a saber a
‘ ‘redenção do nosso corpo’ ’ (Rm 8.23), e três vezes, declara ser um
fato presente na vida do cristão (Rm 8.15; Gl 4.5; E f 1.5).
Adoção (“ huiothesis” ) é realmente aquilo que a palavra
grega indica, adoção - é colocar na posição de filhos. C. I. Scofíeld
declara: “ O termo não denota tanto uma palavra de ‘parentesco’,
como de ‘posição’ pelo direito de adoção, nós nos tomamos ‘filhos
de D eus’ e passamos a ser agora ‘herdeiros de Deus e co-herdeiros
com C risto’ (Rm 8.17).” Esse direito ou poder só é concedido ao
homem através do “ novo nascimento” (cf. Jo 1.12; 3.1 e ss).
Portanto, adoção é o ato de Deus pelo qual o crente, já filho, é
colocado na posição de adulto, conforme é depreendido de Gálatas
4.4,5, etc., com o direito de clamar: “ Aba P ai” (Meu Pai em
aramaico). Segundo o apóstolo Paulo, a adoção trazia a libertação
da Lei (Gl 4.3-5) e a posse do Espírito Santo, o Espírito de filiação
divina (Gl 4.6). Resumindo: Na regeneração, recebemos nova
vida; na justificação, uma nova reputação; na adoção, uma nova
p o siçã o /193)
Com efeito, mediante isso, nossa posição de filhos de Deus
requer motivos de gratidão e amor. É a isto que o apóstolo João se
refere em sua epístola: “ Vede quão grande caridade nos tem con­
cedido o Pai: que fôssemos chamados ‘filhos de D eus’... Amados,
agora somos filhos de D eus...” (1 Jo 3.1,2). Esse favor é exemplo
da graça divina surpreendentemente, que excede a todas as outras
bênçãos, tomando os santos honrosos. Portanto, na adoção do
crente se alicerçam todos os privilégios espirituais que são enu­
merados nas passagens que falam da adoção, porquanto somente os
filhos de Deus poderíam receber tão elevadas bênçãos espirituais.
A adoção terrena da nação de Israel foi um tipo simbólico daquela

174
filiação mais alta, que seria conferida à Igreja cristã através do
Senhor Jesus Cristo.
b) A formulação grega ( “huiothesia” ). As passagens bíbli­
cas que falam diretamente sobre “ adoção” , são:
A primeira: 4‘Porque não recebestes o espírito de escravidão,
para outra vez estardes em temor, mas recebestes o espírito de
‘adoção’ de filhos, pelo qual clamamos: ‘Aba, Pai” ’ (Rm 8.15).
A segunda: “ E não só ela, mas nós mesmos, que temos as
primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos, espe­
rando a ‘adoção’, a saber, a redenção do nosso corpo” (Rm 8.23).
A terceira: “ Que são israelitas, dos quais é a ‘adoção’ de
filhos, e a glória, e os concertos, e a lei, e o culto, e as prom essas”
(Rm 9.4).
A quarta: “ Para rem ir os que estavam debaixo da lei, a fim
de recebermos a ‘adoção’ de filhos” (Gl 4.5).
A quinta: “ E nos predestinou para filhos de ‘adoção’ por
Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua von­
tade” (E f 1.5).
De acordo com as passagens relacionadas, a adoção tem um
relacionamento tríplice de tempo. Ponto 1. Nos conselhos de Deus,
foi um ato no passado eterno, em Cristo (Ef 1.5). Antes mesm o de
começar a raça israelita, sim, antes da criação. Deus planejou esta
posição para nós. Ponto 2 . Na experiência pessoal ela se tom a ver­
dadeira para o crente na hora em que ele aceita Cristo de todo o co­
ração (Gl 3.26= “ huioi theou” =filhos de Deus). Parece que o
“ filho mais velho” de Lucas 15.25-32, ignorava essa posição;
apesar de o Pai lhe ter dito: ‘ ‘Filho, tu sempre estás comigo, e todas
as minhas coisas são tuas” (v 31). Deixe de agir como “ servo”
(sentido de adoção) e, pela fé, tome posse de seus privilégios de
filho (cf. 2 Co 6.17,18). Ponto 3. A percepção plena da adoção, isto
é, a ressurreição e transformação dos santos, mudança e trasla­
dação que chamamos “ a redenção do nosso corpo “ (Rm 8.23).

2. Adoção e filiação
‘ ‘O mesmo Espírito testifica com o nosso espírito que somos
filhos de Deus. E, se somos filhos, somos logo herdeiros também,
herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo...” (Rm 8.16,17a).
Vemos que o propósito de Deus na adoção é o relacionamento da
‘ ‘imagem divina’ ’ no homem (Cl 3.10). Em Cristo só tem validade

175
uma ‘ ‘nova criatura’ ’ (Gl 6.15). O antigo deve passar, tudo tem de
ser feito novo (2 Co 5.17). Esse é o claro, simples e transparente
ensino de Jesus e de todos os apóstolos. Para Nicodemos, dando
uma ênfase especial, Ele declara: ‘ ‘Na verdade, na verdade te digo
que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus ’’
(Jo 3.3b). Paulo fala de morrer com Cristo e viver com Cristo (Rm
6.3 e ss; Cl 2.12 e ss; 3.1 e ss), de se revestir de Cristo (Gl 3.27), da
filiação divina (Rm 8.14,16; Gl 3.26); da renovação da m ente (Rm
12.2) , do banho do novo nascimento (Tt 3.5), do novo homem (E f
2.15; 4.24), da nova natureza do Espírito em nós (Rm 7.6) e João,
usa de preferência, a expressão ser “ nascido de D eus” (1 Jo 2.29;
3.9; 4.7; 5.1,4,18). Pedro fala dos crentes renascidos (1 Pe 1.3,23;
2.2) . E, como remate, Tiago que foi pastor na Igreja-sede, em
Jerusalém, fala de ser “ gerado segundo a vontade de D eus’ ’, para
que sejamos uma espécie de primícias de sua criação, a Ele consa­
grados (Tg 1.18). O elemento comum, em todas essas passagens é
o ensino de que, em Jesus Cristo, Deus concedeu ao homem nova
vida, vida eterna, por meio da qual ele nasce de novo interiormente,
do Espírito de Deus, renovado à imagem de Deus, trazida de volta
à posição original, como no princípio (Gn 1.26,27).
a) Os resultados da adoção. Ora, falando sobre os resultados
da adoção, declara Paulo: “ ...se somos filhos, somos ‘logo’ her­
deiros...” (Rm 8.17). Uma das maiores heranças nesse processo é
a “ vida eterna” , conforme declara Paulo, numa outra seção de
seus escritos: “ ...toma posse da vida eterna...” (1 Tm 6.12).
Através desta posse, o crente passa a desfrutar todas as bênçãos
divinas. Talvez a primeira dentre elas seja a libertação da escra­
vidão da Lei (Rm 8.15; Gl 4.5). O crente já não está debaixo de
“ guardiões e aios” , mas sim livre de tal escravidão.(194)
Pode-se mencionar a seguir o ‘ ‘penhor da herança” , que é o
Espírito Santo (Gl 4.6,7; E f 1.11,13,14). A palavra “ penhor” , em
seu sentido comercial, trazia em si a idéia da ‘ ‘prim eira prestação’ ’
como garantia por uma grande compra. Então Paulo, passa a em ­
pregar esse sentido como garantia de tudo quanto está envolvido na
salvação. O vocábulo grego “ depósito” ou “ garantia” aqui em ­
pregado é “ arrabon” , que significa “ prestação” , “ depósito” ,
“ garantia” .(195)
Isso indica o pagamento de parte do preço total da compra,
que assegura a reserva do item (ou objeto) adquirido para o

176
comprador, como se fora um contrato válido e obrigatório. Assim
sendo, pertencemos a Deus, e aquilo que nosso Deus tenciona dar-
nos em Cristo já nos garantiu, dando-nos a “ primeira prestação”
que nos transforma segundo a imagem de Cristo. Por esta razão, diz
o apóstolo João: “ Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda
não é manifestado o que havemos de ser. Mas sabemos que, quando
ele se manifestar, seremos semelhantes a ele ...” (1 Jo 3.2). E nosso
Senhor por amor de seu argumento, diz: “ ...receberá cem vezes
tanto, e herdará a vida eterna’ ’ (Mt 19.29). Se o cristão der valor a
estas altas dádivas, entrará espontaneamente em comunhão com o
Pai (Rm 8.15; Gl 4.6). Isto será naturalmente seguido pelo Espírito,
pois o cristão será guiado por Ele (Rm 8.14; Gl 5.18).
Há uma palavra grega que descreve o sentido do cristão ser
“ guiado pelo Espírito” , é “ ago” , significa, segundo os rabinos,
“ liderar, incitar, induzir” . Em outras seções da Bíblia, pode signi­
ficar “ mover, impelir forças e influências que afetam a m ente” .
Então o resultado - no crente - será sempre crescente conforme nos­
sa caminhada em direção àquela perfeição do Filho de Deus (Rm
8.29).
b) Nossa filiação. Filiação é, na realidade, conforme já
tivemos ocasião de expor, um termo sinônimo de salvação, pois
somos salvos como filhos. A filiação descreve as condições e o fato
da nossa salvação.
De acordo com os comentaristas, dois termos são usados para
descrever a filiação: “ uios” , que pode significar “ filh o ‘p or’ ado­
ção” . É questão vinculada a um antigo costume romano, o que nos
dá algumas noções sobre o sentido da filiação. Envolvia a declara­
ção de que alguém era “ filho adulto’’, com plenos direitos à heran­
ça. O outro vocábulo era mais genealógico do que forense, “ teknos” ,
que tem o sentido de “ filho por geração natural” . É verdade que,
com freqüência, as duas palavras eram usadas com o sinônimas, a
despeito de que esses elementos podem ser distinguidos clara­
mente em alguns casos.
Lutero argumentava: “ Deus é chamado de Pai, tal como a
criança pequena chama seu pai em confiança simples e própria de
criança.”
c) A paternidade de Deus. Podemos extrair do livro “ Lec-
tures on the Origin o f Religion’ ’ de M. M uller, em conferência na
abadia de W estminster, Londres, 1878, o seguinte comentário:

177
“ Há cinco mil anos, ou talvez um pouco antes, os arianos
(originários de Jafé, filho de Noé), que então ainda não falavam
nem o sânscrito (antiga língua sagrada da índia, a mais velha da
família indo-européia), nem o grego e nem o latim, chamavam
Deus de ‘Dyu patar’ (Pai Celeste).
‘ ‘Há quatro mil anos, ou um pouco antes, os arianos que se
locomoveram para o sul dos rios do Panjab, chamavam-no de
‘Dyaush-pita’ (Pai Celeste).
‘ ‘H á três mil anos, ou um pouco antes, os arianos das praias
do Helesponto, chamavam-no de ‘Zeus pater’ (Pai Celeste).
“ Há dois mil anos, os arianos da Itália olhavam para o
brilhante do céu acima de suas cabeças, e chamavam-no de ‘Jú­
piter* (Pai Celeste). H á mil anos, o mesmo Pai Celeste, e Pai de
todos, era invocado pelos nossos próprios antepassados peculiares,
os arianos teutônicos, por seu antigo nome ‘Tiu ou Z io \ o qual foi
então ouvido talvez pela última vez... E nós, que estamos nesta
antiga abadia... se desejamos dar nome para o invisível e infinito,
que nos cerca por todos os lados, o desconhecido, o verdadeiro ‘eu ’
do mundo, e o verdadeiro ‘eu’ de nós mesmos, igualmente nós,
sentindo-nos uma vez mais como crianças, ajoelhados em uma sala
escura e pequena, dificilmente podemos encontrar uma designação
mais apropriada do que ‘Nosso P ai’, que está no céu.” (196)
Portanto, fica esclarecido que, adoção ou o reconhecimento
de tal procedimento, era conhecido quase que no mundo inteiro.
Porém, quando as leis, especialmente, as romanas, foram
sendo sistematizadas, o costume de adoção, tom ou-se então,
processo de adoção legal, mediante o qual um herdeiro escolhido
recebia o direito não somente à reversão da propriedade à sua
posse, mas também ao estado civil, em suas obrigações e direitos,
daquele que o adotava, tomando-se, por assim dizer, seu outro ‘eu \
unido a ele... esse, igualmente, é um princípio romano, peculiar
naquela época ao povo romano.
Na adoção do crente, porém, cumpre-se aquela profecia de
Oséias, que diz: “ ...Tu és meu povo; e ele dirá: Tu és o meu D eus!’ ’
(Os 2.23). Adoção, portanto, é aquele direito adquirido por nós no
momento da conversão: “ ...a todos quantos o receberam, deu-lhes
o poder de serem feitos [pela adoção] filhos de D eus... ” (Jo 1.12).
Aqui, termino! Invocando para nós, leitores, a bênção sacer­
dotal: ‘ ‘O Senhor te abençoe e te guarde; o Senhor faça resplande­

178
cer o seu rosto sobre ti, e tenha misericórdia de ti; o Senhor sobre
ti levante o seu rosto, e te dê a paz!” (Nm 6.24-26). Amém.*()

(>” ) Voc. Bibl. J. J. V. A. 1972


(1M) O NT. Int. V. p. v. R. N. Champlin, Ph, D. 1982
(1M) op. cit. 1982
('” ) Idem. 1982
(***) Lectures on the Origin of Religion. M. M. 1878

179
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182
Existem pessoas predestinadas
para a perdição eterna?
Ou a predestinação é condicional?
O que é eleição?
Existe o livre-arbítrio?
Questões como essas têm
provocado acaloradas discussões
entre os teólogos cristãos através
dos séculos. Calvino, Armínio,
Spurgeon, Finney e outros
eminentes cristãos do passado
dedicaram a elas especial atenção,
a tal ponto que até hoje são
identificados pelo seu
posicionamento quanto ao assunto.
Neste livro, o autor discorre também
sobre a demais doutrinas que dizem
respeito à salvação, tais como:
graça, regeneração, justificação,
expiação, arrependimento,
santificação e adoção. A segurança
da salvação e a salvação de
crianças são ainda outros temas
discutidos nesta obra.

A u tor
Ministro do Evangelho, bacharel err
Filosofia e Teologia, é autor de
diversos livros lançados pela CPAD
Daniel versículo por versículo,
Apocalipse versículo por versículo,
Os anjos: sua natureza e ofício,
Escatologia: doutrina das últimas
coisas, entre outros.

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