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Antes do gosto Demi – Seco – Por Adriana Aneli

“ A liberdade literária é filha da liberdade política.

Eis-nos libertos da velha forma social; e como não

Nos libertaríamos da velha forma poética?

A um novo povo, uma nova arte”.

...

“ E lá vou eu andando na neblina, feliz”?

Victor Hugo...e Paulo Vanzolini

Marcelo Moro é um poeta romântico.

Trabalha com a matéria dos sonhos: a energia

Interior do eu, o absoluto, o homem real em confronto

Com a sociedade.

Mas isso não torna ultrapassada, a poesia de quem tem o domínio

Da Lírica, a difícil tarefa de domar tendências, para trazer, em forma de versos,

O que gritam em grafites os muros e a música dos morros:

“ Ainda não gastei todos os meus adjetivos

Nem fumei todas as coisas quanto queria

Amei e me quebrei em mil pedaços

Quebra-cabeças jogado em um abismo

...que, olhando bem:

Não passa dos joelhos de um gigante caolho qualquer

Me feriram com pedras de funda

...Devolvi sopro etílico e fósforo riscado!”


É este o fogo da boemia em seu livro.

Promessas de amor que nunca se cumprem e,

Ainda assim, mantém aquecido o coração de um poeta forjado nas

Noites frias do fim do mundo. Ele sabe – nós sabemos – que entre

A criação e a crise de uma vida que se nega a realizar, somente a paixão

Nos salva:

“ Estava fazendo cem anos

Quando te conheci

E te convidei para valsar comigo”

Em sua Alameda, o eu lírico não deixa de dar as mãos

Ao ser real que o cria, essencialmente político...personagens

Reais e imaginários se encaram, velhos conhecidos, e sentam-se à mesa de um bar.

Há uma atmosfera de luz e de sombra,

Que percorre todo o livro; uma lua que nunca

Se acanha ao pairar sobre poemas e copos vazios;

Um velho Buk que discorre palavras sábias ao gentílico

Americanense que – apenas – sente.

Há um trajeto a percorrer em seu livro.

Há este homem que se despede da própria

Nostalgia para, despido de si e à mercê de gostos e gozos,

Ganhar o mundo. Talvez, até, arrepender-se:

“ A tristeza exata do outono

Em minhas barbas brancas”

Neste ensaio de dias e noites, o tédio é

Paz e a saudade traz a semente do recomeço:


“E virá aquela chata semana...sem sal

Depois do Natal e antes das ondas...

Dos beijos e de Iemanjá

Antes do gosto Demi-Seco

...Enquanto não se começa

De novo e de novo!”

Quem caminha por esta travessia descobre, não poucas,

As musas que inspiram o olhar do poeta.

Misto de anjos e prostitutas, chegam-se todas ao seu jardim,

Desde a “Cortesã do meu coração/...que aceita todas as pagas em

Leite e mel” até aquela que “Conserva seu medo e seu sopro.../

E, quando passeia em meus jardins/Faz meus pensamentos...sujos!

Eu reconheço todas elas: máscaras sobrepostas ao rosto do escritor.

Na poesia, tudo é a arena em que se colhem almas.

E fica apenas quem sabe jogar.

Pelas alamedas de Moro, passeia minha alma pagã...”Me instiga o seu silêncio,

A forma de deslizar pelos azulejos da minha alma/Essa ousadia de estar em cada gole de café...

- Apfelstrudel...e café”!

( Esse vício tem nome...

E sobrenome)

AMÉM!
Gosto de olhar a chuva quando cai a noite

Colecionar planetas e imaginar seus cabelos

Em minhas mãos a preencher os meus vãos

Com pensamentos e cometas!

Te descrever como um vulcão...

Gosto de erotizar o seu andar...

Te desenhar nua no jardim das Cerejeiras

Porque o belo que vejo em ti

Nem Bashô viu nas gueixas.

Para M.

Quem sou eu? Um poeta...

Virginiano, nascido em ano de Copa, e melhor em ano de Tricampeoato...

Cheguei aos 46 acelerando e faço planos para os outros 50 sem me importar se vão se realizar,
os anos é claro, pois os planos são como lenha para alimentar essa grande fogueira, e sempre
dão certo.

Sou menino do interior – do Quilômetro 76 da Estrada de Ferro principal da Cia Paulista – da


entrada 123 da Anhanguera -, e aqui é um lugar onde não se vive sem fincar raízes, aconchego.

Sou um cara da comunicação, dado a um pouco de política...ou um cara da política que se


comunica, tanto faz.

Bebo meus goles pelo sabor da bebida...o efeito é consequência, assim como os versos que
desenham embaçados e se alinhavam em tramas imprecisas até se derramarem em poesia.

Gosto do Wagner, de Tchaikovsky, de Bach e de Mozart, para as horas mais turbulentas e o


Rock, Hard, Progressivo, Post Punk me acalmam.

Insone inveterado, viciado em café e amante de quartas-feiras não precisava dizer, acho que
está na bula, explicito.

Alimento certa rotina em observar o céu, com ou sem lentes, apreciar a Lua e me encantar a
cada dia, ainda, com algum detalhe entalhado pelo tempo que descubro sem querer, vejo arte
assim também e ouço música como se provasse uma taça de vinho, detalhando os sabores.

Enfim simples, como rimar abril com Anil, como bolo de fubá e torta de maçã que se veste de
Apfelstrudel.
Ah! As coisas que odeio? Não sei numera-las, sinto, corto e destrincho para me livrar delas...e
como Renato – O Russo – Não entendo o terrorismo quando se fala de amizade!

Au Lectur

Fiéis, ao pecado, a contradição nos amordaça;

Impomos alto preço à infâmia confessada,

E alegres retornamos á lodosa estrada,

Na ilusão de que o pranto

A nódoa nos desfaça.

Charles Baudelaire

Poesia

Eu, sombra de Mim

...é uma dessas sensações sem rosto.

“estou mal dos nervos esta noite. Sim, mal.

Fica comigo. Por que nunca falas? Fala

Em que estás pensando? Em que pensas. Em quê?

Jamais sei o que pensas. Pensa”.

Penso que estamos no beco dos ratos

Onde os mortos seus ossos deixaram.

T.S. Eliot
No Try

Ainda não gastei todos os meus adjetivos

Nem fumei todas as coisas quanto queria

Amei e me quebrei em mil pedaços

Quebra-cabeças jogado em um abismo

...que, olhando bem:

Não passa dos joelhos...

De um gigante caolho qualquer

Me feriram com pedras de funda

...devolvi sopro etílico e fósforo riscado!

Engulam meu fogo e lidem

Com o ferro forjado na alma

Que, apanhando, sorri!

E não desafiem meu Desgosto...

Não tentem...porque ele não existe

Além das minhas paredes!

Avesso

Brasa encoberta

Esperando ser soprada

Na orelha de Eurídice

A lira mal tocada

Sou tocaia –

...vem e verás o que acontece,

...quando a porta se fecha!

Quando restar essa pequena luz


- azul exuberante...

Nas frestas da alma!

Jardim das meias verdades

De frente para o mesmo jardim

Descubro todas as semelhanças

Entre os Rolling Stones...

E os ensaios de Aden Leonardo

Sigo sem respostas

Essa viagem é um livro inacabado

Outros poetas virão

Mas o meu silêncio será

O meu aplauso Solitário

No palco central desse

Universo cáustico
Espera

Esperei por respostas

Até me tocar que perdia o meu tempo!

Andei até a janela mais próxima

E, de frente para o jardim – rezei

Reza cega e surda

- única!

Eu tinha quinze,

No máximo dezesseis anos...

Sobraram os jeans e a camiseta

Tênis surrado...coragem,

E o aroma do vento daqueles dias

Foi como comer a maçã no centro

...de um Éden de neon colorido

Enquanto a agulha devorava o

Gimme Shelter...

Ouro de Tolo

Já te escrevi tantas coisas,

...um sem-fim de vezes!

E ainda escrevo...

Tento a sorte!

...que os dados rolados

Sobre a mesa sempre

Me negaram!
Situs inversus

Depois de molhar os lábios

Na sua saliva...e te olhar nos olhos

É caminho sem volta

É ordem nova

Sobre o velho homem

Nada permanece plástico!

Ao seu toque...tudo vive

Na noite que não dorme

Vazias são as horas

Que empurram os ponteiros

Na sua ausência

Alto contínuo!

Que amanheça Maio

...cinza úmido – sem arder

E, na pele, a marca da fome

O dia insosso

O riso distante

Saudade...sem nome!

Lua do dia

Muda a dança...

A música, o humor

A fase, a crise,

Muda a frase

A catarse

Mudam as pernas

As penas...o vento
E a chuva!

Os pesares

Muda o tempo

...que passa

No seu ato de sete atos

Com seu sorriso de sete dias

Muda tudo o que varia

Pesa o que vale

Corta à navalha

O papel...

O poema

A pele...

O cordão umbilical

Tecem o carnaval

Nessa passagem sólida-secreta

Escondida entre o azul

E o cotidiano veloz

Ninguém repara

Apenas blasfemam...

Quando a noite

Não está no céu


Sobre o olho do furacão

É o êxtase e a fuga

Uma sombra na noite escura

Raio de lua passeando no muro

- Onde passeia também o gato

E, na janela sem distinção

...vai meu coração

Dividido...Ser

Correr! Ficar

O coração aos trancos...

- Os versos, a calma, a alma

O grito sem amparo!

Caleidoscópio vivo – ávido

Devorando as almas

E o dourado das auras

Seus traços, braços,

Sua insensatez aguda...

E esses seus cachos

Disfarçados de mar

Existem vozes que me chamam

Do lado de lá do vento!

E se foram muitas noites

...desde que ascendi aos céus

E me espatifei no chão...

- Tantas vezes!

E outras virão – Eu sei...

Feito mão que desce a escada

No piano em Noturno de Chopin


- Insônia Compartilhada!

Noites elétricas...

De mãos solitárias

E amor sem fim!

De estrelas transpondo a vidraça

Despejadas de seu céu

E a repousar na taça

- O último gole de vinho!

Dei ao quintal da São Bento

...algumas gotas de mim

Ele me devolve fluorescentes

Razões de viver!

Incandescentes sorrisos

...rasgaram minha alma.

- Avesso!

Vejo apenas o que quero ver

E desejo tudo o que toco...

Que seja meu para sempre,

...Piano

...Calmarias

...Insônia

...Passeios por Alamedas

- Apfelstrudel...e café!

AMÉM!
Valsa para minha ilha

E em todos os bares bebemos à memória

- Nossa história em cada marca na pele:

O beijo, a menina e os pileques homéricos

Sem errar o rumo das nossas casas.

“Cidade a fervilhar, cheia de sonhos, onde

O espectro, em pleno dia, agarra-se ao presente!

Flui o mistério em cada esquina, cada fronde,

Cada estreito canal do colosso possante! ”

Charles Baudelaire

Mil Novecentos e Setenta e cinco

Tinha luzes de Natal

Lojas abertas

Viaduto em construção

Alamedas

De paralelepípedos molhados

E sombras que iam e vinham

Velha fonte colorindo o jardim

Três cinemas

E a voz alta dos tecelões a contar histórias

Estava fazendo cem anos


Quando te conheci

E te convidei para valsar comigo

Canção para o Teu Silêncio

Conheci o Velho Buck

Na Villamericana

... andava com livros nas mãos

E trabalhava ( sujo de graxa ) nos teares

Falava alto como todos

Mas suas palavras eram sábias

E escorriam pelas barbas longas, brancas

A chuva não o lavava

O tempo não o levava

Sua poesia não envelhecia

Andava feito um profeta

Ele e seu cão, pela Praça da Bíblia

Contando suas histórias de amor

Mal passadas, não vividas

As trezentas mulheres

Em vestidos de chita

Com pó de algodão pelos cabelos

E escrevia lindas linhas para a única

Aquela que cuidava

Para que ficassem impecáveis

Suas belas camisas de linho branco


Corriqueiro

Apitava o trem

A fábrica... uma aqui, outra ali, acolá

Soltavam seus vapores as caldeiras

E o dia amanhecia

Trazendo o Sol a fórceps

Para banhar de luz amarela a velha feira

Onde as comadres pechinchavam o almoço

Médio

Onze horas em ponto

Ao som da rádio clube

As alamedas se enchiam de passos

Movimento contrário

Que logo se reestabelecia

Depois do cochilo

Naquelas longas tardes de primavera

Calor, canto da cigarra

E, quem sabe, alguma chuva que nos divertia

Nas enxurradas da Professor Ignácio

Até as cinco, onde os apitos decretavam

Que a Princesa Tecelã enfim descansaria

Ainda tinha o bate-papo nos portões

Cadeiras nas calçadas depois da janta

E o banho de Lua, sempre bela


Campos Elíseos

Campo Santo nunca me meteu medo

Antes fascínio...

Toda segunda-feira

Lavava o vaso

Levava as palmas

Lindas flores com cheiro de morte

E velas

Gostava das estátuas

Revelavam a estrutura social

Dos fiéis defuntos

Nas lápides, confusas histórias

Revelações nada infantis

Epitáfios sempre vis

Mas... como gritos de esperanças

Penso que Tias-avós

Sempre acreditam em vida depois da morte

Afinal, o passeio era dela

E de suas sombrinhas sempre estampadas

Com o sol ardido marcando três horas

Ela balbuciava uma reza... amor

E eu devaneava pelos Campos Elíseos

Subindo e descendo daqueles grandes tributos à dor


Blitzkrieg

Dentro do cinema

Juramos de morte o Lanterninha

...que não nos deixava “ver o filme”

Dar beijos, quem sabe mão boba

- Ficava como um fantasma

Iluminando sem gentilezas o rosto da menina

Com aquele sorrisinho de... ‘’ te conheço’’

Quase todo mundo conhece

Todo mundo nessa ilha

E, quando pintava o ‘’The End” na tela

...ele sumia esbaforido

Para a cabine de projeção

Com meia dúzia de ferozes caçadores

Atrás dele, pelas escadas escuras

E as juras de “te pego lá fora! ”

Bons tempos aqueles...

Hoje a cidade não tem mais cinema

Nem o ícone sombrio da nossa

Existência tão patrulhada!


Souvenir

Daquelas festas em salas amplas

Quase escuras

Não sobrou nada, nem o hálito

Nem a subversão do recato

Nem as pernas duras

Apenas o som

A amplificação e as letras contestadoras

Sequer as mãos

Que nunca se constrangeram

Ao esbarrar em um “Não”,

Que, ao longo do tempo, virava “talvez”

E, depois de dois ou três beijos mais longos,

Eram “sins”, suspirados, presos nos lábios

E à mercê dos dentes

Se eu acreditasse no tempo

Na sua transformação aflita

Me encheria de agonia e cinza

Que não vira brasa ao vento

Apenas suja o tapete


Memórias Etílicas

Tantos bares existiram

E ainda existem nas sombras

Que por lá passaram

Jogamos, rimos e dançamos

Choramos... contando causos

- Principalmente bebemos!

Sinto saudade... do vento morno

Com cheiro de tinturaria... da tabacaria

E dos cafés com piano bar

Parece que tudo foi consumido no tempo

Um culto à memória vã das pessoas rasas

O desalinho dos safáris imobiliários

Tornou irreconhecível o meu bairro

Riscou do mapa as alamedas

Verticalizou vertiginosamente

As casinhas dos contramestres

Não que eu desejasse parar no tempo

É só saudade e falta de cuidado

Foram-se os pontos

Ficaram os amigos

Fiéis? Bem verdade...

A uma ou outra realidade.


Lilith

Mil casos

Contramãos e acenos bobos

Aquele drink que ela pediu no balcão do inferno

Que boiava grãos de café sobre um licor dourado

Tinha aroma de infinito

Mas... findou-se ali o tato

Por vezes obtusas, senti o tal perfume

Mas em nenhuma pele

Exala como na dela

A sacanagem

Baixou meretrício em voz suave

Um veludo ouvido adentro

Arrepiava alma

Até hoje quando passo por ali

Meus passos apressados na alameda vazia

Sinto na orelha o sopro etílico

E ouço aquela gargalhada

Que ficou no ar

Sem nunca ter estado

Era éter aquela menina

Vulgar seria, se fosse fantasma.


Ex Labore Dulcedo

Ah... Minha Villa!

Princesa Tecelã, malvestida

Vilipendiada... Arrependida

Te ajoelha no altar da Basílica

E pele a Antônio, doutor e Santo

Perdão pelos teus opressores

Falta a ti o Mediterrâneo

Batendo em tuas curvas vãs

Onde há só cana que o vento faz dançar

Vista de cima, com o coração aos trancos

Eu gritei seu nome desimportante

Não que eu tenha errado na partida

Mas fiquei feliz nas vezes que voltei

Minha ilha delineada por ribeirões

Tão torpemente mortos

Habitada por sombras

Que respiram ora óleo diesel em estado gasoso

Ora o cheiro manso dos brejos

Tem fogo fátuo nas noites quentes

E suas praias mais divertidas que o Tejo


MARIO, O LOBO

EM PELE DE HOMEM

-É amigo de Mario de Andrade?

E eu já em confusão disse –

Acho que sou! Sei lá! –

Então vá e diga aquele puto,

Que me deve duas trepadas

E um poema bonito porque

O que escreveu como meu,

Não o compreendi... e não rima.

Em breve noite abrirá os corpos,

As embaúbas vão se refazer...

A gente escapa da vontade.

Os seres mancham apenas a luz dos olhares,

Se sobrevoam feito músicas escuras

E a vida, como viola desonesta,

Viola a morte do ardor, e se dedilha...

Fraca.

Mário de Andrade
I

Mário, o Lobo Homem

Madame do Paiçandu

Para quem pouco se tira os chapéus

Mas muito se despem as calças

Rogai por mim na Igreja dos Anjos Pretos

Como minha mãe rogaria

Como a sua mãe no interior

Ainda de vigília pela filha que se foi

Rogai para que eu vença o medo

De amar, quem quer que seja

Intransitivo sujeito

E possa compreender o predicado

Modesto Cristo de tranças

Rogai por mim

E pelo meu suposto pecado


II

Mário, o Lobo do Homem

Ah! Costureirinha

De doces tranças

E grossas pernas que

Balançam soltas

No banco da oficina!

Mãos modernistas embalam

Essa dança...e eu que seguia

- Tristonho pela Tabatinguera

...vendo o ocaso dos meus dias,

Salto de alegria...cantarolando

A cantiga de seu trabalho...

Uma ode ao suor que cai

Sobre o sofisticado figurino

Que vestirá algum ser feminino

Que nem imagina a beleza

Dessa vestimenta feita de sonhos!


III

Mário, o Lobo Homem

O que seria do Homem Mário

Sem o seu café?

O que seria...

De qualquer homem ou mulher

...sem o amargo forte e lúcido

Líquido Preto?

Um tedioso sono sobre a cidade

...,mas o aroma que invade os arrabaldes

Muda do poeta...as rimas

Mágoa vira magia

...as duas meninas de rua de cima

- Frases de um conto de Aneli –

...e a tempestade prometida

Para esta tarde...acontece plena

Dentro da xícara e seu café!


Ocasos

‘Antes eu marcava os dias...foram setecentos e tantos cafés,

três proprietários e nove moças diferentes no preparo do meu curto’...

‘ Tirai-me tudo, mas deixai-me o Êxtase,

E rica serei, mais, que todo Ser Humano –

Como posso resistir em tal riqueza,

Se vejo em meus Umbrais

Os que possuem mais,

Em tal infinita pobreza?

Emily Dickinson
Enquanto o ano não vem

O que faremos

...nessas tardes-noites de dezembro

- perdidos em bosque de luzes?

Revendo os sonhos infantis

Todos lobos a perder o pelo,

...mas nunca o vício!

O Natal é vermelho,

Tom e meio-tom...

Assim como é o batom,

Presente ou não...naquela boca!

E virá aquela chata semana...sem sal

Depois do Natal e antes das ondas...

Dos beijos e de Iemanjá

Antes do gosto Demi-Seco

...enquanto não se começa de novo e de novo!


Entardecer

Tecer... o pano da vida

A teia...Armadilha

Suscita-me a tarde

Apenas uma palavra:

Ocaso!

O vazio dos olhos

Mirando os passos

...caminho sem chão

A flutuar pelos vãos falsamente iluminados!

Cada vez menos luzes

...laranja desbotado

Travestindo-se de...rosa!

A cor do vinho a repousar

No fundo da garrafa

A tristeza exata do outono

Em minhas barbas brancas

Meus dias caem como

As folhas da estação.
O meio da tarde

Me instiga o seu silêncio

A forma de deslizar pelos

Azulejos da minha alma

Essa ousadia de estar

Em cada gole de café...

Gênese

Somos faíscas de um grande curto-circuito

Do Incêndio inicial sobramos nós

Fogos de artifício e carnaval

Guarda-chuvas em dias de sol

Poucas serventias têm

...até o dia que venha

O Advento... o Sétimo dia

A preguiça e o vendaval

Leviatã

Quando eu decidir.... Atravesso o mapa

Reviro o mar da sua tranquilidade

Esvazio a cidade, disparando desgraças falsas

Espalhando boatos, ratos e baratas,

Velho Buck panfletário,

Cópia nada poética de quem

Bebe demais e vive amaldiçoando a queda


Selvagem

Assim como o Mar é azul

E monótono, quando se quebra em tons verdes

Ela é ariana...crua

E cabeças se desfalecem à sua presença

Balança nossa crença...tamanho pecado

É o Éden desfigurado por um vulcão

Superação de quem vence

Bálsamo para um dia caótico

Salmo erótico, herético, herege

Contramão – no sentido certo

Brilha uma supernova

Dando ordem ao caos

Brotando azul na imensidão

E reunindo a órbita...sem direção!

Imediatismo

É brisa... Urgência

Como aquele céu dourado-vermelho

Antes que amanheça e irrompa

O azul-essência
Sexo e Sax

Quando brilha no céu incolor

A Vênus... das fases... dos boêmios

Descrevo seu primeiro espreguiçar!

O barulho das portas se abrindo pela cidade

A última nota do sax a embalar

...a minha transa com o seu ronronar sereno

Sob as preces das manhãs

Vãos

Se fosse este o seu último dia

Se não houvesse mais estrada para voltar

Nem mapa... nem desejo...

O que escolheria seguir?


Santíssima Trindade

São cartas... três. Uma declaração

De amor aos meus moldes

Os homens ficam rígidos,

Tomam a posição horizontal

E ensaiam o próprio cadáver.

Cada leito é a maquete de um túmulo.

Cada sono em ensaio de morte.

No cemitério da treva

Tudo morre provisoriamente.

Menotti Del Picchia


O Pecado

O fruto do Jardim noturno

Suspenso, vermelho-dourado

Tem um tom adocicado

E a pele macia, sem o áspero

E... de tanto luzir nos olhos da serpente

Tornou-se dela pupila

Parte do desejo

Aceso como brasa de cigarro o vento

Vivo no pensamento

Em paz no coração

E deslizam entre minhas pernas

As suas, quase sem sutilezas

Sem frescuras

Apenas calor, intenção e gesto

Sem medo de pecar...errando

Apenas pecando pelo correto

Pois, já disse algum poeta

Que tudo vale a pena

Quando é de verdade

Quando não é cena... quando se peca

E fica um lance meio esquecido

O tal de ‘ quando a alma não é pequena’

E sua alma... meu fruto proibido

É gigantesca

E espia por detrás dos espelhos

O deslizar sincronizado dos dedos

E, quando o coração acelera

As línguas exaltam o sabor do Éden

O jardim sem cercas ou fronteiras

A árvore frondosa dos que se querem


A Necessidade

De não pensar no tempo

Ele me levou todos os relógios

E o que era toda lógica

Manifesta-se em toda mágica

E até as lágrimas que eventualmente acontecem

Me parece doce, droga alucinógena

Esse vício tem nome e sobrenome

E não tem pra mim claro endereço

Mas tem apelo, apreço

Cadência, dança e ritmo

Riso inconfundível

Futuro viável para quem nada espera de seu

A não ser a estrada mais florida

E nela encontrar, às vezes

Essa necessidade vestida de estrelas

O sentimento
Canalha

Navalha que corta profundo

E só quem tem os tais Pterodátilos

Voando no estomago é quem sabe

Apenas quem sente sabe

E quem tem sensibilidade que sinta

Que ouça quem tiver ouvidos

As vozes do além parecidas com a sua

O dia todo, todo dia

Não é um jogo

Mas fica apenas quem sabe jogar

Quem atravessa terraços na corda bamba

E no asfalto lá embaixo samba

E flores brotando em cada gota de suor que cai

Do rosto pintado do amor

Parece ser amor, sem promessas

Sem dessas de data e hora marcadas

Apenas acontece de Lua em Lua

A tribo dos amantes

É enfim um puro instante

Que sempre dura para sempre

Obrigado!
Flor Nascente

Meio sorriso sempre aflito,

Quase um lamento.
No fundo, no fundo,

Bem lá no fundo,

A gente gostaria

De ver nossos problemas

Resolvidos por decreto

A partir desta data,

Aquela mágoa sem remédio

é considerada nula

E sobre ela – silêncio perpétuo

Extinto por lei todo o remorso,

Maldito seja quem olhar pra trás,

Lá pra trás não há nada, e nada mais

Paulo Leminski
A Lua e o café

Uma xícara de café sozinha fumegando

Antigos aromas! Trazendo à tona – velhas ruas!

Lembranças de floreiras nas janelas

...dos temperos que se misturavam nas vielas

Da menina que não acordou comigo!

A pele sofreu de frio e a alma se fez ressaca.


Honestamente

Queria ser um poeta russo

Para descrever o cheiro dos pântanos

O sabor da Vodka pura

E, no movimento da dança...

Apostar tudo

Sentir aquele frio

Que o vento do Norte sopra

Colocar letra no seu canto

Curtir – à beira do fogo – o seu assovio

Numa viela mal iluminada

Ser mal interpretado

Pessimamente traduzido

Mas trazer ao seu ouvido, Moça,

Que me acompanha...

O sotaque e a sutileza

De sentir tudo que lê

Tudo que dança!


Alusão

Um anjo sem cor

Transparente

Signo sem casa

Ascendente sem asa

Língua sem pudor

Menina Farroupilha

Futuro do pretérito

Pelo mistério que for

Beijo sem crédito

Sem remédio, trágico

Escorpião tatuado

Na alma inquieta

Sem calma, ereta

Tempestade

Cais de loucura

Acolhendo desavisados perdidos

Armadilha, Anagrama

Clorofórmio com baunilha

Marginal “má non troppo”

Alucinógeno

Topo, trepo e não nego

Que me perco na miragem


Jardim das Porcelanas

Aquele sorriso... tem aroma

De café – fé mansa... canta notas...

Nunca antes alcançadas!

Já o tive misturado ao cio – apreciei vazio, triste

Com alguma impossibilidade!

Tem visibilidade rasteira,

...de uma profundidade inatingível!

Ah! – Aquele sorriso... é de uma desobediência civil

- Transversal do tempo... Templo de porcelana

A um Deus pagão!

É um vão para o ‘ estar feliz’

...Um triz para a paixão desmedida

Armadilha – uma poesia nunca lida

Sorriso de todo dia... De Maria...

Simples assim – deboche, embarque,

Enfoque!

Ah! O som daquele sorriso... expondo

Sinceridade – pintando Eufemismos

...intimas flores de Epóxi – Nas paredes

Desse domingo de manhã!


Rua Direita

Aquele tom... entre o carmim e o açaí,

Exibindo aos mortais... essa boca

De tirar o fôlego

Uivos e trancas no covil

Paredes verdes -

Girassóis despetalados pelo chão

Cadência de chamas ao centro

Nascente de um rio:

- Saliva e lava...

De Vulcão!

Dança sem pudor

Roça tua pele na minha

- Desfaz a minha solidão...

Covil

Ainda mostro a essa Cortesã do meu coração

...que aceita todas as pagas em leite e mel

A Sé pela janela de um desses infames

E baratos hotéis – que ficam ali

Para receber loucos e vadias...

Desesperados homens e mulheres de bem

...que querem apenas fugir

Para um lugar tão seu...onde não se repare

No encardido dos lençóis nem

No desmanchar das paredes!


Penduricalhos

Ela tem olhos de passado

...passos para o futuro

Seu corpo...é um relicário sutil

Traz ouro nos pulsos

...e marfim nos dentes

Tem fogo na alma...

Fogo calmo e vivo

...que o vento sopra

Para ver brasa!

Conserva seu medo e seu sopro...

E, quando passeia em meus jardins

Faz meus pensamentos...sujos!


Tanino

De uma janela clássica

Nasce uma flor de Lótus,

Rara e selvagem

Afoito trigal maduro que

Ao vento se desmancha

E – por dentro – fúria que volve

No momento certo em

Explosão solar

Poesia russa sem tradução

E, em bom português,

Videira madura

Pronta para o vinho esplêndido que apura o paladar

Aguça a imaginação mais pura

E a mais sórdida água na boca

Dos poéticos e abobados mortais.


Jardins Suspensos

Abrindo a Janela

Vislumbro o jardim

E o andar balançado da menina

Contra a brisa-hálito de maçã

Serpenteando toda manhã

Entre outras sombras

Ela tem olhos para o passado

E passos firmes

Um relicário vestido de azul turquesa

Não vejo medo

Talvez guarde dentro do armário

Junto aos pensamentos que rouba de mim

Penduricalhos nos pulsos

Ouro e marfim

Incendeia minha alma

Com fogo vivo e calma

Capaz de parar o tempo

Faz belo o jardim... mesmo quando chove

Jardins Suspensos

Havia um único conselho plausível;

Dispa-se e use o momento

Como se nunca mais...


Achada, é verdade?

Quem? A eternidade.

É o mar que se evade.

Com o sol à tarde.

Alma sentinela

Murmura teu rogo

De noite tão nula

E um dia de fogo.

A humanos sufrágios,

E impulsos comuns

Que então te avantajes

E voes segundo...

Pois que apenas delas,

Brasas de cetim,

O dever se exala

Sem dizer-se: Enfim.

Nada de esperança,

E nenhum oriétur:

Ciência em paciência,

Só o suplício é certo.

Achada, é verdade?

Quem? A eternidade.

É o mar que se evade.

Com o sol à tarde.

Arthur Rimbaud
Transparência

Miragem – espectro a

Transitar o deserto,

...ausência do sólido! – face

Que revela o fundo. Rosto

Que revela alma...através

De janelas sem cortinas!

Íris transparente

Olhos verdes...onde não há

Azul verdadeiro...

Castanhos tempestade...

Aguaceiro que desce

Mão hábil que tece a mais sutil

...transparência!

Meu deleite,

No tapete da sala

E o tempo...como testemunha

Cega...
Garoa

Mesmo que não responda

Sinto que sentes a rima

O poder das palavras

Nem sempre tão amenas

Cheias de sensações

- poemas que enaltecem

Cada um de seus traços

Beleza palpável

...primavera inebriada!

Fúria

Um Botticelli...

Vênus com braços e pernas

Brota do aço, concreto rachado

Grafite...arte pós-moderna

Oásis colorido estampando

A cal gradiente dos muros

O escuro dos olhos

O trance, o transe, a transa

Todo o imaginário não descreve

Nenhum rock se atreve

A contornar de guitarra

Sua aura incorrigível

A não ser, por uma língua

Que desoriente sua bússola

E dite o norte do seu sussurro


Anjo escondido

Nasce do desejo de te ver à meia luz...

Espalhando o seu cheiro em gotas

Pele...pétala...botão

Uma Odalisca em movimento...

Minha lua...nesse jogo de espelhos

Onde tudo se mostra e se move

Água, suor...um arpejo de guitarras

Meu sonho...desejo na noite imensa

De meu corpo!
Variáveis

Luz... é um encantamento barato

Que dissolve o breu – organiza o caos!

É antes de tudo um ato

...por mais claro que esteja o dia

Irradia muito além das cortinas...

Te chamaria de luz se fosse meu...

O poder de dar nomes as divindades

E compreender sua potestade

A amplitude do seu ser

...a delícia do seu estar!

Não há dúvida lírica que paire

...entre o ser ou não ser –

Seria dobrar o espaço tempo

Sem pensar no tempo dos mortais

Tanto amar

Amar... tanto assim

Tinir – entrar em mim

Feito chama que queima

E ilumina!

É assim que te amo...

Aceitas?
Sobre nossos ácidos

Eu sou um romântico

...você apenas prática

Eu deixo tudo plano...

Você tem curvas demais,

Frases ácidas – e mesmo assim

...fazemos os nossos planos!

E nos amamos...

Somos um livro interminável

Indefinível, inexplicável

Sem prefácio e fim

Sobre a manhã intensa

Além do cinza e frio

...miragens!

Viagens de espelho

Caleidoscópio vivo

...em cores mais quentes

Dourados, castanhos, grisalhos disfarçados

Punhos amarrados por seda chinesa

E pássaros vívidos

Serpenteando suores nas tocas estreitas


Trama

Não é simplesmente uma mulher

...é uma construção dada aos mestres

Uma visão...corredor a dentro

Indefesas paredes a te olhar sedentas

E eu, olhos soltos vendo,

Antes que se fechem as portas do paraíso

Não é apenas uma figura feminina

Madonna de cedro de lei

Entalhe de mãos habilidosas

Concepção de Aleijadinho...

Cada mamilo...curva

Sei que ao sul no éden do gemido

Michelangelo trabalha...

Entalha o mais belo – a libido

Não é apenas uma dama

É um arrepio dos pés à cabeça

Uma promessa de delícia

Que se aproxima e exala sabor,

A malícia comportada

...a romper o silencioso e o recato

Dos teus conventos

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