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A Formação e Atuação
Profissional do Historiador
no Brasil Hoje
sw MATTOS, Marcelo Badaró. Pesquisa e ensino. In: MATTOS, Marcelo Badaró (Org.).
História: pensar e fazer. Opus cit., 1998. p. 110-111.
3.1. Uma breve apresentação da trajetória
do ensino da história no Brasil
332
, .Um marco geralmente aceito para a instauração dos estudos
histoncos no Brasil foi a fundação, em 1838, do Instituto Histórico e
Geogra ico Brasileiro, que colocou como principal missão elaborar a
história nacional, e para isso dedicou-se ao estudo do passado. A partir
de então, também nas Províncias foram sendo criados Institutos locais.
No ano anterior de 1837, fora fundado no Rio de Janeiro o Colégio de
Pedro II, a escola secundária modelo até 1930.
Os sócios do IHGB eram também os professores do Colégio,
de modo que não se fazia distinção entre a História produzida
na academia e a História ensinada no Colégio. As duas institui
ções se comprometeram com a constituição da História Nacio
nal. Criadas num momento de afirmação do estado nacional
brasileiro, os objetivos das duas instituições eram coinciden
tes: formar a consciência nacional e, nos moldes da História
que então se fazia na Europa, recuperar a génese da nação
brasileira.541
Com a proclamação da República, em 1889, esse esforço de cons
trução da nacionalidade por meio do ensino de história foi ampliado
e cresceu o número de escolas secundárias onde estes conhecimentos
eram transmitidos. Entretanto, continuava a predominar um modelo
fortemente eurocêntrico, baseado em uma “história universal”, dentro
da qual se inseriam alguns temas da história do Brasil estudados a partir
de uma concepção “positivista” do conhecimento histórico.
Nessa rápida exposição, interessa muito, pelos efeitos que pro
duziu sobre a disciplina, a década de 30, iniciada com a revolução que
colocou Getúlio Vargas no poder.
Neste período, ampliou-se de forma significativa o debate sobre a
reforma dos estudos históricos, em especial sobre a inclusão da história
do Brasil de forma autónoma nos currículos escolares. Isto deveu-se à
chamada Reforma Francisco Campos, em 1931, que implantou a seda
ção e os primeiros programas nacionais obrigatórios que incluíam, além
dos conteúdos, orientação aos professores sobre o trabalho pedagógico
com os alunos. Começava então uma diferenciação, ao menos legal, entre
os contornos de uma disciplina escolar e a pesquisa dos historiadores,
541 ABUD Kátia Maria. Debates pelo ensino da História. In: ARIAS NETO, José Miguel
(Org.). Dez anos de pesquisas em ensino de História. VI Encontro Nacional de Pesquisa
dores em Ensino de História. Londrina: Atrito Art, 2005. p. 50.
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que na prática não se verificou, pois a história ensinada era uma reprodu
ção resumida e simplificada do que os pesquisadores produziam.542
Esta reforma também propiciou que nos anos seguintes fossem
criados os primeiros Cursos de História, integrando um projeto de uni
versidade pública, dentro da qual estavam as Faculdades de Filosofia,
Ciências e Letras, que por sua vez abrigaram os primeiros cursos de
História e Geografia,543 na Universidade de São Paulo, (USP), em 1934,
e na do Distrito Federal (UDF, em 1935, que é hoje a Universidade
Federal do Rio de Janeiro - UFRJ).544
O curso da USP serviu como modelo aos que foram criados mais
tarde em outros estados e tinha inicialmente cinco matérias: Geografia
Física e Humana, História da Civilização, História da Civilização Ame
ricana, História da Civilização Brasileira; Etnologia Brasileira e Língua
Tupi Guarani. Em 1946, a duração do curso passou para quatro anos,
diplomando os alunos em dois níveis: bacharelado e licenciatura (que
correspondia ao 4o ano do curso).
Além de professores brasileiros, a implantação do curso da USP
contou com a colaboração de professores universitários contratados da
França que selecionaram as primeiras turmas, ministraram disciplinas,
orientaram trabalhos, enfim, prepararam os novos docentes. Como é
fácil concluir, esse grupo deixou marcas na organização das disciplinas
e nos conteúdos, merecendo um destaque especial a presença de Fer-
nand Braudel. Principal mente através dele, estabeleceu-se um vínculo
forte entre o que se produzia na universidade e as diretrizes da Escola
dos Annales, marcando assim a linha metodológica da historiogra
fia acadêmica da época, principalmente em São Paulo545. Também é
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preciso lembrar que muitos dos primeiros professores dos cursos funda
dos a partir de então não eram historiadores, mas advogados, filósofos,
clérigos.
Desde 1930, durante o governo provisório e após a instauração do
Estado Novo (1937-1945), Getulio Vargas repetiu inúmeras vezes que o
maioi problema do Brasil era a educação. No sentido que nos interessa,
ou seja, do ensino da história, o elemento-chave será a questão da uni
dade nacional. Como observa Maria Helena Capelato:
Na década de 30 houve o debate entre os defensores de uma
visão universalista da história, posta em prática a partir da
introdução da “História da Civilização” na grade curricular.
Contra a perspectiva universalista, manifestaram-se os defen
sores da singularidade nacional, que também defendiam a
idéia de que o porvir encontrava-se no passado e baseava-se na
tradição.
O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro foi um expoente
dessa reação [...], pedindo o restabelecimento da cadeira de
História do Brasil expediu ofícialmente um documento diri
gido a Gustavo Capanema [Ministro da Educação de 1937 a
1945 responsável por vários projetos de reorganização do
ensino]. A defesa do ensino da História Pátria atrelava-se a
uma concepção nacionalista que enfatizava a necessidade de
formação da consciência nacional.546
Foi principalmente durante o Estado Novo que o estudo de
história teria cada vez mais o objetivo de inculcar nos alunos “princí
pios patrióticos”. Marcelo Badaró destaca que:
O modelo francês do século XIX, o peso de um passado colo
nial que se queria ocultar e o esforço de construir uma iden
tidade nacional através de um resgate/invenção de tradições
e figuras dignas de sentimento patriótico, que se explicitava
mais diretamente no discurso nacionalista-autoritário, são
alguns dos determinantes do tipo de História que se ensinava
aos estudantes: factual, exclusivamente política e centrada
nos feitos e traços da personalidade dos “vultos da nacionali-
335
dade”, os heróis pátrios. Por mais que os professores da época
recusassem admiti-lo, apelando para a idéia de que o racio
cínio dos alunos seria despertado pela curiosidade diante da
narrativa dos acontecimentos, tratava-se de uma disciplina
que privilegiava a memorização e que fazia sentido apenas aos
olhos da classe dominante e de seus filhos, preparados para
dirigir um país enxergando no ontem as lições de seus heróis
antepassados.547
Em 1938 foi criada a Comissão Nacional do Livro Didático, que
estabeleceu normas proibindo a veiculação da ideia da superioridade
do homem de uma região do país em relação às demais, a exaltação dos
“heróis” e o uso abusivo de expressões regionais, o estímulo à luta de
classes ou conflitos étnicos, acentuando o caráter pacífico do brasileiro.
Enfim, o ensino da história deveria promover a unidade nacional.
A questão da soberania nacional, da expansão territorial e
política, o papel dos jesuítas na formação moral, as lutas dos
nativos contra os exploradores estrangeiros, os heróis impes
soais e pessoais, todos estes elementos constituíam ingredien
tes importantes na formação da identidade nacional e por isso
ganhavam destaque nos livros de História do Brasil, onde a
história nacional foi recontada e adaptada aos propósitos dos
novos tempos. 548
As discussões sobre a educação, que tinham sido muito ricas no
período pós 30, tomaram-se fracas. Mesmo assim é preciso assinalar
que, em 1942, foi criada a União Nacional de Estudantes (UNE) e o
Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP). Também o ministro
Gustavo Capanema reformou alguns ramos do ensino, quando, entre
outras providências, foram regulamentados o ensino secundário e o
industrial, além de criado o SENAI.
Com o fim do Estado Novo, a constituição de 1946 determinou
como competência da União legislar sobre diretrizes e bases da educa
ção nacional. Também nesse sentido, em 1953 foi criado o Ministério
da Educação e Cultura, que passou a administrar a educação no Brasil.
547 MATTOS, Marcelo Badaró (Org.). Ensinando. In: História: pensar e fazer. Opus cit., 1998.
p. 115.
548 CAPELATO, Maria Helena R. Multidões em cena... Opus cit., p. 230.
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O fato marcante desse período, em todo caso, foram as inúme
ras discussões que antecederam a promulgação da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB), o que só ocorreu em 1961. Um
dos enfrentamentos mais importantes verificou-se entre, de um lado,
os donos de estabelecimentos particulares de ensino e a Igreja Católica
e, de outro, os que defendiam o monopólio estatal para a oferta da edu
cação no Brasil, que perderam o embate. No que se refere à educação
fundamental, ampliou-se o debate sobre a adoção dos “estudos sociais”,
matéria que combinava elementos de história, geografia e ciências
sociais, a partir de um modelo norte-americano. De qualquer moao.
houve muitas iniciativas de democratizar a educação, como o início da
aplicação, no Rio Grande do Norte, em 1961, do método de ensino do
pedagogo pernambucano Paulo Freire, que era usado para alfabetizar
adultos em muito pouco tempo.
Mas em 1964 o golpe militar viria a derrubar as iniciativas pro
gressistas na educação brasileira, com o pretexto de que eram “sub
versivas”. A reforma da educação fundamental nos anos seguintes,
que ampliou a influência do modelo norte-americano em substituição
ao francês, foi um acontecimento decisivo para a história do ensino da
história no Brasil.
As primeiras medidas governamentais nesse sentido foram oriun
das do Conselho Federal de Educação, depois da assessoria da USAID
(United States Agency for International Development), e datam de
1964. Um acordo entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos
concedeu uma enorme responsabilidade na reorganização da edu
cação superior brasileira a técnicos educacionais norte-americanos.
Neste acordo, dizendo brevemente, tratava-se de implantar a ideologia
de desenvolvimento americano à universidade brasileira. Apesar dos
combates mantidos contra este que foi conhecido como Projeto MEC-
USAED, em 1966 foi aprovada a licenciatura em Estudos Sociais. Este
curso, indefinido quanto a seu campo de conhecimento, justapondo
noções de História, Geografia, Educação Moral, Constituições Brasilei-
ras, Geopolítica, Ecologia, entre outros, tinha a clara intenção política
de “esvaziar” certos campos do conhecimento social — como a história
—, considerados perigosos por seu potencial crítico. Seu objetivo era
formar “transmissores” de um conhecimento social descaracterizado
como reflexão científica, sem nenhuma possibilidade de preparar o
337
profissional no sentido da análise histórica, criando, dessa forma, um
meio eficaz de direção ideológica da juventude.
O período ditatorial ficou marcado tanto por uma forte censura
àquilo que era entendido como “subversivo” no ensino e na pesquisa
(inclusive professores e estudantes) e pela adoção “[...] de uma política
educacional que procurava esvaziar os conflitos no ambiente escolar
e na formação do cidadão.”549 Com isso, os próprios conflitos sociais
que são objeto do estudo do historiador foram “banidos” dos conteúdos
pesquisados e ensinados.
Da Reforma Educativa, decorreu também a estruturação dos cur
sos superiores em Departamentos e a criação das chamadas “licenciatu
ras curtas”, cursos de graduação de rápida duração que proliferaram nas
universidades e faculdades privadas e aumentaram sua participação na
formação de professores. Até então predominavam no ensino superior
as instituições públicas e gratuitas, mas multiplicaram-se nesse período
estabelecimentos privados de ensino superior/“empresas”, muitos dos
quais comercializavam um ensino de baixa qualidade, inclusive no que
se refere à história. Esta modalidade também contribuiu para separar
ensino e pesquisa, já que as licenciaturas curtas não se destinavam à
investigação, ao mesmo tempo em que aumentavam os cursos de pós-
graduação e a pesquisa nas maiores universidades. Na área de história,
foi criada a licenciatura curta de Estudos Sociais.
Em muitos departamentos, professores e alunos resistiram a este
tipo de curso, considerado empobrecedor para a formação do histo
riador e afinado com as intenções dos governos militares de eliminar o
pensamento crítico, que é uma das características das ciências humanas
e sociais.
A política educacional da ditadura, incluída aí a massificação da
educação básica, privilegiava também, no ensino nesse nível, a ideia de
“integração e harmonia social”. Na mesma linha da criação da licencia
tura curta em Estudos Sociais, no ensino fundamental e médio, a disci
plina de História, cedeu espaço à criação das aulas de OSPB (Organi
zação Social e Política Brasileira) e EMC (Educação Moral e Cívica),
além da implantação de EPB (Estudos de Problemas Brasileiros) para
todos os graus de ensino. Essas disciplinas, que só foram extintas em
1995, reforçavam o cunho patriotista do sistema de ensino.
338
Esta situação tomou-se ainda mais grave em 1980, quando cir
culou no Conselho Federal de Educação um projeto que simplesmente
extinguia as licenciaturas de História e de Geografia do ensino supe
rior, ficando estas reduzidas à condição de “habilitações” no interior da
licenciatura em Estudos Sociais.
Mas foi também desde a década de 1970 que os profissionais de
história, com a participação da sua entidade, a ANPUH (Associação
Nacional de História)550 realizaram uma forte pressão contra os Estudos
Sociais e as licenciaturas curtas. Juntamente com a Associação de Geó
grafos, procuraram ocupar espaço na imprensa, em congressos da área,
junto aos parlamentares e todos os meios a seu alcance para denunciar
as intenções implícitas e os absurdos explícitos que o projeto continha.
Este esforço nacional impediu que o projeto fosse transformado em lei.
No contexto de redemocratização do país na década de 1980, o
retomo da história como disciplina autónoma nas salas de aula foi mar
cado pelos debates de propostas alternativas de ensino, em que era fre
quente a influência do marxismo.
Em julho de 1982, existiam no Brasil 126 cursos de Licenciatura
em História, com um oferecimento total de 3320 matrículas e 26 cursos
de Bacharelado, com um total de 515 matrículas oferecidas. Desses 152
cursos, 69 eram particulares.551
Entre 1981-1986, por iniciativa do Ministério da Educação e Cul
tura (MEC), foi feito um diagnóstico dos cursos de história de todo o
país, mas, como observa Joana Neves,
Desse trabalho resultou uma publicação da qual a maioria
dos interessados, isto é: professores e estudantes de história
não chegou a tomar conhecimento. Vale dizer que, por meio
do diagnóstico feito, foi possível identificar todas as questões
que, até hoje, estão na pauta das discussões da formação dos
professores de história, notadamente aquelas que apontam
as dicotomias que impregnam a problemática da formação
profissional. Relembrando as fundamentais: licenciatura-
550 A sigla ANPUH conserva o nome original da associação, dos Professores Universitários de
História, mas atualmente congrega profissionais de História de todos os níveis.
551 CATÁLOGO das Instituições de Ensino Superior. SESu/ MEC. Brasília: SESu, 1983. p.
400-402.
339
s
bacharelado, ensino-pesquisa, transmissão-produção de
conhecimento, professor-pesquisador.552
De qualquer forma, esses foram anos de muitas discussões nos
Departamentos e associações de historiadores, com maior ou menor
sucesso na implementação de suas propostas.
Algumas delas foram criticadas porque, embora significassem
uma mudança teórica e de conteúdo, por vezes continuavam a privile
giar o acúmulo de informações e a se basear em uma periodização evo
lutiva da história - agora não mais as “idades”, mas os “modos de pro
dução”. O que chama atenção, por outro lado, é que parte das críticas
recebidas por aquelas propostas mais inovadoras, que se propunham a
superar a divisão entre a universidade como produtora de conhecimento
e o ensino básico como receptor-transmissor desse conhecimento,
foram oriundas da própria universidade, revelando uma concepção ape
gada à hierarquização dos saberes.
Antecedendo à promulgação da Constituição de 1988, a situação
da própria universidade brasileira foi debatida, colocando em campos
opostos aqueles grupos que se identificavam com os interesses da edu
cação pública, procurando assegurar que as verbas públicas fossem des
tinadas exclusivamente a estas instituições e os grupos ligados ao setor
privado, procurando diminuir a influência do Estado nos negócios edu
cacionais e ter acesso às verbas públicas.
Promulgada a Constituição, seu texto, entre outras decisões
importantes para a Universidade, reafirmou a indissolubilidade do
ensino, pesquisa e extensão em nível universitário e garantiu a autono
mia dessas instituições. Logo a seguir começou a tramitar a nova Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) que deveria promover
mudanças profundas na educação brasileira e que só foi aprovada em
1996. Essa lei, entre outras medidas, introduziu um processo regular e
sistemático de avaliação do ensino superior (Exame Nacional de Cur-
sos/ENC) e dos próprios estabelecimentos de ensino, públicos ou pri
vados (situação das bibliotecas, laboratórios, prédios, qualificação dos
professores etc.), condicionando sua habilitação para funcionamento ao
resultado dessa avaliação.
552 NEVES, Joana. A graduação em história - etapa do ensino de história voltada para a forma
ção do professor-pesquisador. In: ARI AS NETO, José Miguel (Org.). Dez anos de pesqui
sas... Opus cit., p. 76,
340
Nesse meio tempo, as questões curriculares - de história, inclu
sive -, foram mtensamente discutidas. O Ministério de Educação e Cul
tura e o Conselho Nacional de Educação (CNE) estabeleceram então os
Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino fundamental e médio
e as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação.
No que se refere aos Cursos de História, em 2001, foram instau
radas as Diretrizes Curriculares para orientar a formulação dos projetos
pedagógicos desses cursos. No mesmo ano e em consonância com essas
Diretrizes, o ministro da educação nomeou uma comissão de historia
dores para definir as capacidades, habilidades e conteúdos que deve
riam constituir o perfil do graduando em história e que seriam objeto
de avaliação pelo ENC (chamado também de “Provão”), exame que foi
realizado pela primeira vez em 2002 para os cursos de História. Foram
então examinados cerca de 339 cursos e 13.400 estudantes. Os melho
res resultados foram obtidos pelas universidades públicas.
O formando deveria ter desenvolvido o seguinte perfil de compe
tências e habilidades durante o curso de História, independentemente
da modalidade escolhida (Licenciatura ou Bacharelado).553
Perfil
o Profissional com habilitação que lhe permita atuar nos vários
campos em que se faça necessário seu conhecimento. Isto
significa que o historiador deve estar preparado para as ativi
dades profissionais de pesquisa, ensino e outras modalidades
de atuação que envolvam as informações e instrumentos de tra
balho concernentes ao conhecimento histórico, com domínio
amplo desse campo de conhecimento e das práticas essenciais
de sua produção e difusão.
o Profissional consciente da responsabilidade social de seu tra
balho. Isto significa que ele deve assumir a responsabilidade de
produzir de um tipo de conhecimento com profundas implica
ções sociais, já que trata da consciência do passado comunitá
rio que todo o grupo humano necessita para sua identificação,
orientação, sobrevivência no presente e proposição de futuro.
553 Estas competências e habilidades sofreram algumas alterações, que em todo caso não
mudaram seu espírito, quando o ENC foi substituído em 2004 pelo Exame Nacional de
Desempenho dos Estudantes/ENADE.
341
w
Competências e habilidades
a. Capacidade de problematizar os processos históricos obser
vados. Isso significa que o historiador saiba interrogar, com
os instrumentos teórico-metodológicos e técnicos próprios
do conhecimento histórico, as aparências com que os fatos se
oferecem ao observador, ultrapassando a apropriação do senso
comum, a leitura meramente empírica dos dados.
b. Capacidade de interpretar, por meio de fontes e linguagens
diversas, a experiência histórica. Isso significa entender que as
fontes históricas são múltiplas e se apresentam por meio de
diferentes suportes e linguagens: escrita, iconográfica, oral,
gestual, monumental etc., que o historiador deve conhecer e
saber interpretar.
c. Capacidade de produzir análises e interpretações utilizando-
se dos conceitos, das categorias e do vocabulário pertinentes
ao discurso historiográfico.
d. Capacidade de produzir, criticar e transmitir conhecimento.
Isto significa uma concepção de formação profissional em que
pesquisa, ensino e outras modalidades de atuação sejam enten
didos como unidade indissolúvel e dialogai.
e. Conhecimento do processo de construção da historiografia.
Isto significa que o historiador deve estar capacitado a enten
der a história do próprio conhecimento histórico, suas trans
formações ao longo do tempo, os diferentes estatutos que
experimentou, as tendências e escolas que orientaram e vêm
orientando sua produção e os “corpus” historiográficos mais
representativos.
f. Capacidade de distinguir a história, enquanto disciplina, da
história vivida. Isto significa a clara percepção das diferenças
entre a experiência histórica vivenciada e seu conhecimento,
342
que e uma construção; significa, portanto, perceber também
a inter-relação entre o sujeito que produz o conhecimento e
o objeto que é conhecido e as questões que essa inter-relação
coloca, como a objetividade/subjetividade do conhecimento, a
presença do historiador no processo cognitivo, a veracidade, o
relativismo etc.
g. Capacidade de reconhecer e valorizar as diferenças pre
sentes nas práticas sociais. Isto significa que o profissional de
história deve estar orientado por valores e atitudes que lhe per
mitam reconhecer a pluralidade das experiências históricas das
sociedades humanas, sem remetê-las a um modelo único de
sociabilidade.
h. Capacidade de perceber a historicidade em todas as mani
festações sociais e culturais. Isso significa que o profissional
de história atribui estatuto histórico não apenas a um certo tipo
de fatos - por exemplo os grandes acontecimentos políticos-
mas considera que todas as práticas sociais integram o pro
cesso histórico.
i. Capacidade de entender a especificidade e as característi-
cas do conhecimento histórico no conjunto das demais disci
plinas com as quais se relaciona. Isto significa que, apesar das
numerosas formas de sua produção e de limites assumidos, o
conhecimento histórico tem como horizonte o princípio racio
nal-explicativo e o comprometimento com a supremacia da
evidência, com a representação de um passado com existência
real que constitui seu referente, o qual pretende analisar, com
preender e explicar.
j. Capacidade de selecionar, organizar e sistematizar bibliogra
fia básica para um determinado tema de história.
k. Demonstrar conhecimento dos conteúdos fundamentais que
expressam a diversidade das experiências históricas por meio
de suas múltiplas manifestações.
1. Demonstrar competência de leitura critica. Isto significa a
capacidade de entender o sentido de um texto, reproduzir seus
principais conteúdos e argumentos, problematizá-los e estabe
lecer relações com outros conteúdos e questões.
343
m. Capacidade de propor e justificar um problema de inves
tigação, estabelecer suas delimitações (cronológica, espa
cial, temática, etc.), definir as fontes da pesquisa, as referên
cias analíticas, os procedimentos técnicos, realizar a análise
do material pesquisado, justificar suas conclusões e expor os
resultados de acordo com os requisitos do trabalho acadêmico.
n. Capacidade de perceber a temporalidade do histórico para
além da simples sucessão cronológica, suas continuidades,
rupturas e ritmos diferentes.
o. Capacidade de perceber a diversidade das relações históri
cas e as inúmeras mediações que as articulam.
p. Capacidade de perceber as relações/tensões entre as ações
dos sujeitos e as determinações que as constrangem no pro
cesso histórico.
q. Capacidade de perceber a unidade do social ultrapassando
as várias divisões disciplinares (História, Antropologia, Socio
logia, Economia, Ciência Política etc.), temáticas (História
política, História social, História económica, História cultural
etc.), geopolíticas (História do Brasil, História da América,
História da Europa, História do Extremo Oriente etc.), cro
nológicas (Antiguidade, Idade Média, Idade Moderna, Idade
Contemporânea, Tempo Presente etc.) ou espaciais (global,
nacional e regional) do processo histórico.
r. Capacidade de perceber a hierarquia de importância dos di
ferentes elementos integrantes de um contexto histórico. Isto
significa ultrapassar a simples descrição de fatos tais como se
oferecem à observação do historiador.
s. Capacidade de incorporar sua experiência de vida como ele
mento para o conhecimento histórico.
t. Capacidade de estabelecer diálogo com outras disciplinas. Isto
significa que o historiador, desde que possua a necessária com
petência para realizar a atividade interdisciplinar, deve conside
rar a contribuição que seu trabalho pode receber de disciplinas
como a Antropologia, Ciência Política, Economia, Epistemolo-
gia, Literatura, Psicologia, Sociologia etc.
344
Processos de avaliação são muito importantes, sobretudo quando
se observa a proliferação de Cursos de História cujo padrão acadêmico
é de muito baixa qualidade. No entanto, esta primeira avaliação esteve
cercada de muitas críticas, inclusive por parte da própria comissão de
historiadores indicados para estabelecer o perfil desejável do egresso
e as demais diretrizes do ENC. Suas orientações não foram seguidas
quando da elaboração da prova, tarefa que, aliás, não lhes coube, esta-
belecendo-se um distanciamento muito grande entre os princípios esta-
belecidos pela comissão e sua materialização numa prova.
De qualquer forma, este trabalho foi valioso por ter estabelecido
um conjunto de habilidades, capacidades e conteúdos que expressam
um perfil de historiador amplo, consistente e atento às características
da disciplina. Em uma conjuntura na qual o conhecimento histórico
enfrenta tantas indefinições, ele pode servir como referência para os
cursos refletirem sobre o tipo de profissional que estão formando.
A partir da publicação das Diretrizes Curriculares, os cursos de
história vêm realizando modificações em seus currículos, nem sempre
sem profundos debates e resistências, principalmente no que se refere
ao espaço concedido, na licenciatura, às disciplinas pedagógicas, geral
mente ministradas pelas Faculdades de Educação em detrimento das
disciplinas de história. Isto poderia produzir, por exemplo, uma inde
sejável separação entre ensino e pesquisa. Todos os documentos do
MEC parecem convergir no sentido de recomendar a formação integral
do historiador, o que implicaria evitar uma separação indevida entre a
Licenciatura e o Bacharelado. Mas, na prática, isso não se verificou, .
pois, “[...] por exemplo, foi fixada também a obrigatoriedade curricu
lar do cumprimento da praticamente inviável realização de 800 horas
divididas entre prática de ensino e estágio supervisionado.”554
Por isso, o processo das reformas estabelecidas pelas Diretrizes
Curriculares foi e continua sendo marcado por permanentes divergên
cias entre os profissionais da área e as equipes técnicas do MEC.555
Nesses embates, novamente a ANPUH tem estado mobilizada pela
superação das dicotomias entre ensino e pesquisa, contra as propostas
554 neves Joana A graduação em história-etapa do ensino de história voltada para a forma
ção do professor-pesquisador. In: ARIAS NETO, José Miguel (Org.). Dez anos de pesqui
sas... Opus cit., p. 78.
555 Idem, ibidem, p. 77.
345
s
oficiais que pretendem mantê-las. 0 profissional de história, nunca é
demais repetir, só poderá ser um produtor e crítico do conhecimento
produzido se estiver envolvido na atividade da pesquisa. De outro modo,
será apenas um “repassador” de conteúdos.
Atualmente, o ensino da história em nível superior é ministrado
por diferentes tipos de instituições: autarquias, fundações, faculdades
isoladas, escolas privadas, confessionais ou não. É importante observar
que os cursos de maior tradição estão ligados às universidades públicas;
a maior parte dos cursos, no entanto, não se vincula a universidades
públicas ou privadas, e sim a faculdades isoladas.
No primeiro semestre de 2008, existiam, no Brasil, segundo os
dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
(INEP), cerca de 663 cursos e habilitações em História.
556 SCHWARTZMAN, Simon. As ciências sociais nos anos 90. Revista Brasileira de Ciências
Sociais. São Paulo. v. 16, p. 55-57, jul. 1991.
346
o aluno iniciante algumas habilidades e atitudes que são importantes
para que ele se integre com sucesso às atividades das diversas disci-
plinas do curso.
Sem que nessa enumeração haja alguma ordem de importância,
uma delas - talvez a preliminar - é que o estudante necessita conhecer,
suficientemente, para que possa se movimentar nela, a estrutura da uni
versidade e do departamento ao qual seu curso de história pertence. Às
vezes, nós, os professores, esquecemos que se tratam de estudantes que
ingressam em um sistema sobre cuja estrutura e cujo funcionamento
não têm a menor informação. Nas universidades públicas, coisas tão
simples como o fato de que o Departamento tem um chefe e há reuni
ões periódicas em que os representantes discentes participam, que há
vários setores na universidade para o atendimento dos estudantes e que
existem oportunidades de obter bolsas de iniciação científica e várias
outras (inclusive o intercâmbio no exterior), que há equipamentos, em
maior ou menor quantidade, disponíveis para seu trabalho, que existem
bibliotecas cujos procedimentos de consulta precisa conhecer, tudo isso
faz uma enorme diferença na integração do estudante nesta nova etapa
de sua formação, agora profissional, mas nem sempre o iniciante tem
conhecimento dessa estrutura e dos recursos acadêmicos que podem
auxiliá-lo.
Outra observação também é importante para um aluno iniciante,
cuja trajetória no ensino médio esteve, em geral, muito demarcada pelo
que o professor ensinava na sala de aula: ao contrário do ensino médio,
no curso superior, por muito bem sucedido que seja o professor na tarefa
de selecionar e articular os conteúdos programáticos básicos para intro
duzir o aluno nas reflexões concernentes à disciplina que ministra, os
desdobramentos inevitáveis que estes conteúdos possuem ultrapassam
em muito a carga horária de uma disciplina curricular. Por isso, o estu
dante deve assumir que necessita ir além do que é desenvolvido pelo pro
fessor em aula e este deve contribuir para que o aluno aprenda a se movi
mentar de forma autónoma nesses conteúdos, não ficando confinado aos
limites do programa ou à dependencia de um docente. E nesse sentido
coloca-se a importância central da leitura e da informação bibliográfica
Com respeito à bibliografia em língua portuguesa, ela é abun-
dante e em geral de muito boa qualidade, mas o estudante precisa ter o
hábito da leitura sistemática e analítica e, para isso, precisa saber ler ,
recomendação que pode parecer supérflua, já que se supõe que quem
347
passou por um vestibular tem o pleno domínio desta habilidade. Mas
até mesmo o hábito da leitura se perdeu bastante nos níveis do ensino
fundamental e médio e muitos estudantes têm dificuldades para enfren
tar leituras de textos de poucas páginas, quanto mais de livros e dar
conta dos “clássicos” das diferentes disciplinas.
A bibliografia é a principal referência e ferramenta para a dis
cussão dos conteúdos do programa de qualquer disciplina. Além do
pressuposto de que sua leitura é indispensável (se o estudante não se
conformar em ser um mero repetidor de conteúdos), para que seja tra
balhada de forma mais produtiva, é importante que o professor faça
comentários prévios sobre as características do texto ou do conjunto
de textos, o que pretende com eles, que interesse podem ter para o tema
em estudo, informações sobre o autor e o contexto da produção da obra
e também esclarecer como os resultados da leitura serão trabalhados
em aula. Estas providências aparentemente simples podem fazer toda
a diferença para um estudante com pouco hábito de leitura e com inex
periência em relação ao tipo de problemática que a leitura acadêmica
costuma provocar.
O estudante também necessita dominar, - no mínimo, a compreen
são - de textos em idiomas estrangeiros, especialmente espanhol (pelo
fato de que muitas obras importantes não estão traduzidas para o portu
guês e são publicadas naquele idioma), mas também francês e inglês, ao
menos para poder acompanhar, por exemplo, aquilo que é publicado em
revistas especializadas estrangeiras de circulação internacional.
Embora as aulas expositivas sejam predominantes, é um avanço
quando, por exemplo, as exposições mais formais do professor são
reservadas para apresentações e conclusões de unidades ou outros
momentos em que o conteúdo exige um tratamento mais abrangente
e o estudante é estimulado a participar ativamente da aula. É preciso
que este entenda que só se aprende, - no sentido de fazer seu - através
da elaboração pessoal, que apenas acontece expondo seu pensamento,
ouvindo perguntas sobre seu próprio enunciado, corrigindo rumos,
incorporando novas ideias. Ou seja, escutar, anotar, estudar continuam
sendo imprescindíveis, mas não são suficientes para a formação de um
profissional competente em história.
Outro aprendizado que o estudante deve realizar é o de formular
problemas como ponto de partida para uma análise histórica, bem como
348
reconhecer os pioblemas que estão envolvidos em uma determinada
analise. Sobretudo tratando-se da apropriação de conteúdos díspares,
como ele vai encontrar no contato com uma bibliografia ampla e hetero
génea, e fundamental a direção que as questões formuladas/detectadas
proporcionam à leitura.
Também é importante que o aluno aprenda a refletir sobre seus
próprios enunciados, às vezes inconsistentes até mesmo no plano da
lógica, a avaliar a propriedade de suas intervenções em relação ao que
está sendo trabalhado e discutido em aula; a perceber quando, mais que
incorporando, está utilizando de forma acntica conceitos ou discursos
teóricos de grande circulação, cujo significado nem sempre tem claro,
mas que supostamente dariam uma atualidade ao seu trabalho.
É indispensável que o estudante tome consciência de sua con-
dição de iniciante em um campo de conhecimento amplo e complexo
e que, portanto, tem um percurso longo diante de si se quiser ser um
profissional qualificado, observação que visa a desencorajar uma certa
arrogância intelectual bastante disseminada atualmente e que bloqueia
novos aprendizados e a atitude crítica e autocrítica que o trabalho do
historiador exige.
Embora essas observações destinem-se principalmente aos estu
dantes “calouros”, elas valem também aos que, em qualquer etapa do
curso, estão atentos e interessados em atingir um patamar sempre mais
elevado em sua formação profissional. Por outro lado, a responsabili
dade do professor é intransferível nesse processo de introduzir o estu
dante na vida acadêmica e nas características e exigências de uma disci
plina. Não se pode esperar que o estudante “descubra” por acerto e erro
estas e outras peculiaridades da formação acadêmica. Sua tarefa pode
ao menos ser facilitada com uma presença amistosa e cooperativa do
professor.
Estamos convencidas de que, assim como a produção historio-
gráfica é um processo que vai se construindo no diálogo crítico do pre
sente com o passado, também esse diálogo entre professor e estudante é
indispensável à formação do futuro profissional de história, no sentido
em que Eric Hobsbawm percebeu e resumiu assim: a importância de
que uma geração possa se apoiar nos ombros da anterior.
557 HOBSBAWM, Eric J. Mundos do trabalho. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. p. 15.
349
Nesse contexto, é importante observar a diferença positiva que
faz, na formação acadêmica, a cooperação entre os estudantes, a for
mação de grupos de estudo, a sua vinculação às pesquisas que seus
professores desenvolvem através de atividades de iniciação científica,
monitoria etc. Pensamos também que será muito favorável a atuação do
professor no sentido de desestimular as várias manifestações de atitu
des competitivas entre os alunos, que os privem de um salutar compa
nheirismo e intercâmbio intelectual na vida acadêmica.
Não trataremos aqui das questões do ensino fundamental e médio,
embora muitas delas decorram da formação acadêmica do profissional,
como a própria distância existente entre a universidade e a educação
básica. Da mesma forma, são temas recorrentes o livro didático, a rela
ção entre o que é ensinado e as experiências de vida dos alunos, o tra
balho de pesquisa e produção do conhecimento nesses níveis, além de
todas as dificuldades enfrentadas pelos educadores no Brasil, como bai
xos salários, excesso de carga horária de trabalho. Incluir esses temas
significaria uma longa análise de questões que, de qualquer forma,
referem-se mais ao trabalho docente do que propriamente à “introdução
ao estudo da história”, que é o objetivo deste livro. Há uma abundante
bibliografia sobre o ensino da história no nível fundamental e médio e
indicamos, apenas como exemplo, algumas dessas obras ao leitor que
deseje aprofundar o tema. 558
558 Além de outros trabalhos citados nesta seção e na bibliografia, ver: BITTENCOURT, Circe
Maria Fernandes. Os confrontos de uma disciplina escolar: da história sagrada à história
profana. Revista Brasileira de História, v. 13. n. 25/26. São Paulo: UNIJUÍ, 1992/1993, p.
193-221; FERNANDES, José Ricardo Oria. Educação patrimonial e cidadania: uma pro
posta alternativa para o ensino de história. Revista Brasileira de História. São Paulo, n. 13.
v. 25/26, p. 265-276, 1992/1993; FRANCO, Aléxia Pádua. O ensino de história e a forma
ção do cidadão: experiências múltiplas e contraditórias. História & Perspectivas. n. 18/19.
Uberlândia: EDUFU, 1998. p. 161-179; MACEDO, José Rivair. História e livro didático: o
ponto de vista de um autor. In: GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos et al. (Org.). Ques
tões de teoria e metodologia da história. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2000. p. 289-
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em Revista, n. 2. Pelotas: Universitária, 1996. p. 189-200; REIS, Carlos Eduardo dos. Entre
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Claudia. O livro didático: aspectos teórico-metodológicos relevantes na sua produção. In:
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos et al. Questões de teoria e metodologia da história.
Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2000. p. 249-256.
350
b) Os cursos de pós-graduação como local por excelência
da produção historiográfica acadêmica
559 Para uma análise mais detalhada da pós-graduação no Brasil, seu desenvolvimento, suas
características e problemas que enfrenta, ver: BEIGUELMAN, Bernardo. Reflexões _ sobre
a pós-graduação brasileira. In: PALATN1K. Marcos et al. (Orgs.). A P^-graduaçao no Bra
sil. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro. 1998. p. 33-48. Na mesma cole
tânea, ver também: CAVALHEIRO. Esper; NEVES, Margarida de Souza. Entre a memona
e o projeto: o momento atual da pós-graduação no Brasil. 1997, p. - •
351
f
560 CALDAS, Iberê. Propostas para a pós-graduação. In: PALATNIK, Marcos et al. (Orgs.). A
pós-graduação no Brasil. Opus cit., p. 91.
561 As linhas de pesquisa são os eixos problemáticos preferenciais ao redor dos quais os cursos
costumam desenvolver suas atividades de ensino e pesquisa.
352
Apesar da existência, nesses programas, de linhas de pesquisa que
congregam um conjunto de investigações dentro de um campo temático
e, embora mais escassamente, teórico, esta produção - e a historiografia
brasileira como um todo - não configura alguma coisa como “escolas”.
Também se observa que, mesmo incluindo nos programas das disci
plinas a bibliografia nacional e internacional de ponta, parte dos traba
lhos de dissertação ou tese incorpora pouco ou superficialmente essas
reflexões e segue ainda caminhos tradicionais, descritivos.
Ainda assim, a produção realizada nos cursos de mestrado e dou
torado constitui o oxigénio” da historiografia brasileira. Muitos desses
trabalhos são publicados, mas a maioria permanece inédita, de modo
que, apesar das dificuldades em acessá-los (já que muitas vezes só são
encontrados nas bibliotecas das instituições em que foram defendidos),
o pesquisador deve estar atento ao que vem sendo produzido, sob pena
de ficar defasado do “estado da arte” do seu campo de interesses. Hoje
em dia este acesso está mais facilitado, porque, para os anos recentes,
a CAPES criou um “banco de teses” on-line,562 onde esses trabalhos
podem ser consultados e, além disso, os próprios programas de pós-
graduação costumam divulgar, em suas publicações ou em seus sites, os
títulos das teses e dissertações defendidas, várias vezes com os resumos
e/ou textos integrais das mesmas.
a) As atividades extraclasse
353
Também é uma experiência fundamental, pela orientação direta
que os estudantes recebem dos professores, a participação como bolsis
tas ou auxiliares em pesquisas que estes profissionais mais experientes
desenvolvem. Para esta atividade, os estudantes muitas vezes são apoia
dos com as chamadas “bolsas de iniciação cientifica” (IC), através das
quais recebem uma pequena quantia mensal para realizar tal trabalho.
A monitoria é outra experiência extra-classe que o aluno pode realizar,
nesse caso auxiliando um professor principalmente em suas aulas.
Como já observamos, é igualmente muito proveitosa a formação
de grupos de estudo, onde os próprios estudantes se responsabilizam
por seu aprendizado em conjunto, discutindo leituras, elaborando textos
etc. Durante o curso, os alunos também devem se preocupar em apre
sentar trabalhos em encontros de história e congressos, ou ao menos
assisti-los, assim como a conferências e defesas de dissertações e teses.
A frequência a exposições, bibliotecas, centros de documentação e até
mesmo a visita às livrarias ajudam o aluno a manter-se atualizado sobre
aquilo que está sendo publicado. As principais universidades promo
vem anualmente um “Salão de Iniciação Científica” ou atividade simi
lar, onde os alunos envolvidos com pesquisa têm oportunidade de apre
sentar seus trabalhos para o público e para uma comissão avaliadora de
professores, o que constitui uma excelente experiência para a forma
ção profissional, já que em muitos casos esta é a primeira oportunidade
de expor em público o resultado de seu trabalho, ouvir comentários e
enfrentar as inibições que são comuns aos iniciantes.
Ligado a esta questão da formação profissional e das atividades
extraclasse, é importante lembrar ao estudante que, desde os semestres
iniciais de seu curso, deve preocupar-se em elaborar seu currículo, ou
seja, a apresentação resumida de sua formação e experiência profis
sional, suas participações em cursos e eventos, publicação de seus tra
balhos, entre outros, tudo isso apoiado por documentação comproba-
tória, que ele deve se acostumar a conservar e organizar. Este currículo
precisa ser permanentemente atualizado, pois é um requisito indispen
sável para concorrer a bolsas, participar de concursos e seleções para
mestrado ou doutorado. Especialmente tratando-se de professores,
pesquisadores e estudantes ligados às instituições de ensino superior,
há um padrão de currículo on-line elaborado pelo CNPq desde 1999,
que é exigido na vida acadêmica, chamado Currículo Lattes, em home
nagem ao cientista brasileiro César Lattes. Desde então, o Currículo
354
Lattes vem mjmcntand0 sua abrangência, sendo utilizado pelas princi
pais universidades, por institutos, centros de pesquisa e por fundações
de amparo a pesquisa dos estados como instrumento para a avaliação
de pesquisadores, professores e alunos. O CNPq informa que em 2012
estavam registrados cerca de 450.000 currículos de mestres e doutores
das diferentes áreas de conhecimento, o que deixa bem claro sua impor
tância para que se conheça quem faz pesquisa no Brasil, já que qualq uer
pessoa pode consultar esses currículos no site do CNPq.
Informações sobre o núcleo do Rio Grande do Sul podem ser encontradas em sua página;
www.anpuh-rs.org.br.
564 Disponível em: http://www.historiaoral.org.br. Acesso em: 25 abr. 2013.
356
3.4. Mercado de trabalho: ensino e pesquisa; o trabalho
em museus, arquivos e gerência de património;
a participação em comissões e assessorias
357
V
358
Alguns cursos de gnrduaçào em histón, já vêm integrando este conhe
cimento a formaçao académica do futuro historiador.
É importante também destacar que nas últimas décadas os pro
fissionais de historia vêm desempenhando cada vez mais numerosas
e importantes funções em instâncias decisórias governamentais sobre
currículos dos cursos de história, livros didáticos para o ensino funda
mental e medio, avaliação dos cursos etc. Estas atividades, embora via
de regra ocorram como consultorias temporárias aos órgãos oficiais,
são muito importantes, pois envolvem decisões que vão influir na pró
pria formação do historiador e no ensino da história nos níveis funda
mental, médio e superior. Nada mais apropriado que para isso sejam
consultados profissionais de história que possuem, por sua formação, o
conhecimento teórico e a experiência prática do ofício.
Para concluir esta seção, há uma outra ordem de observações
que ainda deve ser feita referente à profissionalização do historiador e
que é a delimitação às vezes imprecisa entre o espaço do leigo e o do
historiador, do amador e do profissional na produção do conhecimento
histórico.
Um exemplo neste sentido é o daqueles autores que, em falta de
melhor designação, podemos chamar de “historiadores autodidatas”.
Uma significativa parcela da produção do conhecimento histórico, - e
estamos pensando especialmente nas histórias municipais -, ainda é
obra de pesquisadores locais que assumem a tarefa de historiadores.
Todos nós conhecemos muitos exemplos e mesmo utilizamos essas pes
quisas em nossos trabalhos. É sem dúvida uma produção valiosa que
merece todo respeito, mas que frequentemente desconhece as discus
sões, os requisitos e as possibilidades atuais da disciplina.
Outra face desta questão - e mais grave - é que quase qualquer
pessoa se sente autorizada para discutir e fazer todo tipo de afirmações
sobre história, mas tende a respeitar disciplinas como a química, geo
logia ou matemática — as “ciências duras” -, como domínios de espe
cialistas. Talvez uma razão disso esteja no fato de que o histórico, como
qualidade da vida social, é propriedade de todo ser humano, é um com-
ponente inevitável da sua identidade, mas certamente tal intimidade
espontânea” torna imprecisa a fronteira entre o amador e o profissional,
entre o historiador e aqueles que, sem ser historiadores, pretendem
escrever sobre história, como é o caso dos “jornalistas-historiadores .
359
Esta diluição de limites também é alimentada pela lógica impla
cável do mercado dos best sellers, cujo critério de publicação se define
nem sempre pela procedência da obra, mas pelo impacto que possa pro
duzir no público consumidor. Um livro como o Código da Vinci, para
o leitor comum, é um livro de história. Quem estabelece este critério é
o próprio leitor. Olhando de outro ângulo, isso significa também que a
história como disciplina se desvanece e se toma mais um gênero lite
rário, no caso, de suspense e misticismo. O caminho não é o mesmo
daquele que pode decorrer do giro linguístico, embora seus efeitos
sejam similares.
O trânsito entre o trabalho do profissional e do amador escapa
completamente ao controle do historiador. Por isso, seguindo a opi
nião que Simon Schwarzman tem para o conjunto das ciências sociais,
pode-se supor que, sem a forte âncora do sistema universitário e da pro
fissionalização graduada e pós-graduada que ele imprime, o conheci
mento histórico se perderia nas demandas e oscilações da moda; mas
também sem reconhecimento e prestígio fora do sistema educacional,
ele correria o risco de se esgotar na esterilidade da rotina pedagógica
cotidiana.565
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Edição das autoras, 2013.
Sílvia Regina Ferraz Petersen
Barbara Hartung Lovato
ISBN 978-85-915447-0-7
CDD 907
Catalogação na publicação: JúliaAngst Coelho -CRB 10/1712