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Contrato de trabalho

Noções básicas de João Leal Almado


Apontamentos

Direito do Trabalho: o quê, porquê e para quê? 

“contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante


retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob
a autoridade e direção desta», lê-se no art. 1152º do CCivil.
E o art.1153º do mesmo diploma legal acrescenta: «O contrato de trabalho
está sujeito a legislação especial». 

As duas normas do CCivil acima transcritas significam, basicamente, que:

 O Direito do Trabalho, ramo do direito erigido, em grande medida, em


torno do contrato individual de trabalho, não se ocupa, na sua tarefa
reguladora, de todas as formas de trabalho humano. É sabido que,
enquanto ofício ou profissão, o trabalho consiste num fenómeno
extremamente multifacetado nas nossas sociedades, mas a verdade é
que, tomando de empréstimo as palavras de ANDRÉ Gorz, o trabalho
que aqui releva é aquele que se analisa «numa atividade paga, realizada
por conta de um terceiro (o empregador), com vista à realização de fins
que não fomos nós próprios a escolher, e segundo modalidades e
horários fixados por aquele que nos paga». Vale dizer, apenas o
trabalho humano que reúna certas características releva para este setor
do ordenamento jurídico, sendo que a nota decisiva se prende com o
caráter dependente ou subordinado do mesmo. No seu núcleo
essencial, o Direito do Trabalho regula uma relação que se estabelece
entre trabalhador empregador, uma relação marcada pelo sinalagma
entre trabalho e salário, por força da qual o trabalhador se compromete
a prestar a sua atividade de acordo com as ordens e instruções que lhe
serão dadas pela contraparte (trabalho subordinado por conta
de outrem, trabalho de execução heteroconformada).

 Ainda que o contrato de trabalho se traduza num negócio jurídico de


direito privado, o CCivil remete a respetiva disciplina para «legislação
especial». Compreende-se que assim seja. Por um lado, a força de
trabalho é uma qualidade inseparável da pessoa do trabalhador, o que
supõe um profundo envolvimento da pessoa deste na execução, em
moldes heterodeterminados, daquele contrato. Destarte, ao alienar a
disponibilidade da sua força de trabalho, o trabalhador aliena-se, de
algum modo, a si próprio. O trabalhador tem como que «duas vidas», a
vida no trabalho e a vida fora do trabalho, uma vida profissional em que
se encontra numa situação de heterodisponibilidade e uma vida
extraprofissional em que recupera a sua autodisponibilidade.

Aliás, para muitas pessoas, a «verdadeira» vida, aquela que merece ser vivida,
só começa quando a jornada de trabalho acaba e quando, finalmente, elas
recuperam a sua liberdade. Ora, isto impõe que o Direito, não
obstante apreenda a relação laboral como uma relação patrimonial de troca
trabalho- salário, sujeite tal relação a um regime especial relativamente ao
regime comum das relações patrimoniais (o Direito das Obrigações). 

Por outro lado, a relação de trabalho é uma relação profundumente


assimétrica, isto é, manifestamente inigualitária, pois o trabalhador, a mais de,
em regra, carecer dos rendimentos do trabalho para satisfazer as suas
necessidades essenciais (dependência económica), fica sujeito à autoridade e
direção do empregador em tudo o que diz respeito à execução do trabalho
(subordinação jurídica)".
Para o trabalhador, cumprir é, antes de mais, obedecer = isto sem prejuízo de
se dever assinalar que, na nova realidade empresarial resultante da revolução
tecnológica e da sociedade da informação, este dever de obediência tem de se
articular com crescentes exigências empresariais no sentido de que o trabalha
dor seja proativo e dinâmico, seja ousado e ágil, seja polivalente, flexível e
revele espírito de iniciativa, o que supõe, naturalmente, reconhecer-lhe alguma
margem de autonomia decisória -, a sua vontade compromete-se no contrato,
mas também se submete nesse contrato.
Ora, este desequilibrio estrutural da relação de trabalho não pode ser
ignorado, nem deve ser menosprezado, pelo Direito.

O Direito do Trabalho mantém, assim, uma relação algo ambivalente com o


contrato individual de trabalho. Sendo inegável que o contrato de trabalho é a
“figura central” e a “razão de ser” do Direito do Trabalho', não é menos verdade
que, em certo sentido, o Direito do Trabalho «desconfia do contrato individual»,
podendo mesmo ser concebido como um vasto sistema de controlo da
liberdade contratual.

Com efeito,
 se a função genética ou constitutiva da relação laboral
desempenhada pelo contrato de trabalho não suscita, hoje, grandes
dúvidas (é o contrato que dá vida, que faz nascer a relação de trabalho),
 já a função modeladora ou normativa do contrato é abertamente
questionada (não é o contrato, ou não é apenas o contrato, que molda
ou regula a relação jurídica de trabalho subordinado). O que bem se
compreende, se não olvidarmos o processo de emergência e de
afirmação deste ramo do direito, as razões pelas quais este surgiu e as
funções que ele é chamado a desempenhar. Vejamos. 

O Direito do Trabalho é um direito de formação recente, é um fenómeno


moderno, é um direito jovem, com pouco mais de um século de existência
(veja-se o caso português, em que aquela que é tida como a primeira lei social
data de 14 de Abril de 1891, regulando o trabalho dos menores das mulheres
em estabelecimentos industriais, bem como a higiene e segurança nas
oficinas). O Direito do Trabalho é um produto tardio da Revolução Industrial,
tendo nascido em estreita ligação com o advento, e posterior desenvolvimento,
de um novo sistema económico: o Capitalismo.
Com o triunfo da burguesia então registado consolidou-se uma nova ordem
económica (assente na liberdade de empresa e na liberdade de concorrência),
uma nova ordem social (radicada no individualismo, isto é, na autonomia do
indivíduo abstratamente considerado) e uma nova ordem política (Estado
abstencionista, Estado concebido como mero “guarda-nocturno»).

Deste modo, a ordem jurídica dos Estados liberais oitocentistas assentava em


dois institutos fundamentais – a propriedade e o contrato -, os quais
constituíam os quadros jurídicos básicos da economia e do trabalho.

Os princípios da autonomia da vontade e da igualdade (entendida esta em


sentido formal) pautavam o regime jurídico do trabalho no período liberal,
encontrando a devida tradução no contrato de trabalho, à época um entre
muitos contratos obrigacionais, sujeitos às regras do direito comum. Não
existia, portanto, um regime jurídico do trabalho dotado de autonomia, pois não
havia propriamente leis do trabalho».

O trabalho assalariado regia-se pelo direito comum aplicável a quaisquer outras


relações entre sujeitos privados, ou seja, o direito civil. A lei do trabalho era o
contrato, vigorava uma visão, dir-se-ia, hiper-contratualista» da relação de
trabalho.

Na prática, porém, como alguém disse, «a teoria era outra», e o modelo


Jurídico liberal teve, como é sabido, consequências verdadeiramente
dramáticas, tanto no plano social como no plano humano. Ao abstrair do
homem concreto, do homem historicamente situado, o liberalismo oitocentista
fez da liberdade e da autonomia «o monopólio dos privilegiados» e fez da
igualdade «a lei do mais forte». Mais do que o contrato, a propriedade privada
constituía, na verdade, o pilar fundamental sobre que se erguiam as relações
de trabalho, tendo os Estados liberais deixado os trabalhadores inteiramente
abandonados à lógica implacável do capitalismo triunfante (desde logo,
privando-os de medidas de proteção legal contra a superioridade económico-
social do patronato e isolando-os uns dos outros por meio de uma política
repressiva da solidariedade operária), o que redundou, na conhecida fórmula
de RIVERO e SAVATIER, na «incrível miséria da classe operária». 

Ora, o Direito do Trabalho surge, precisamente, como produto desta (e como


reação em face desta) «Questão Social», pois a situação veio a tornar se
insustentável e os poderes públicos, sob a pressão do chamado «Movimento
Operário», acabaram por modificar a forma de enquadrar as relaçoes entre o
capital e o trabalho
corolários (greve, contratação coletiva, etc.). relações.
(e desde logo do legislador) no mundo do trabalho e pelo reco
reconhecimento de um estatuto de cidadania ao associativismo sindical e
ao
s

Com efeito, a formação deste ramo


esquematicamente, dir-se-ia: Revolução Industrial + Questão Social + do
ordenamento jurídico assenta na constatação histórica da
insuficiencia/inadequação do livre jogo da concorrência no domínio do mercado
lielto, sendo-lhe cometida uma função primacial, que, apesar de todas as de
trabalho, em ordem à consecução de condições de trabalho e de vida writicas,
persiste até aos nossos dias (ainda que hoje, porventura, registando
minimamente aceitáveis para as camadas laboriosas. O Direito do Tra uma
perda de vitalidade): a função tuitiva ou tutelar, de proteção da parte balho não
se compaginava com o ultraliberalismo oitocentista (e, aliás, la débil da relação
laboral, de obstáculo à «ditadura contratual» de compagina-se algo dificilmente,
ainda hoje, com os movimentos de raiz outro modo exercida pelo contraente
mais poderosoʻ. Ora, o exercício neoliberal)?, justamente porque se traduz num
mecanismo deformador 1 ile semelhante função tuitiva supõe que se limite a
liberdade contratual da concorrência, isto é, num mecanismo cuja função
principal consiste (pois o contrato de trabalho mascara uma pura relação de
dominação) em limitar a concorrência entre os trabalhadores no mercado
laboral. que se restrinja o livre jogo da concorrência no mercado de trabalho.
Historicamente, o livre jogo do mercado revelou-se anti-social: priva- Quando o
Estado edita legislação de carácter imperativo, estabelecendo, dos de qualquer
proteção legal (abstencionismo estadual) e desprovidos Dex, salários mínimos
ou limites máximos para a duração do trabalho, da mínima organização sindical
(individualismo liberal), os trabalhado quando os sindicatos celebram
convenções coletivas de trabalho dotadas res viram-se obrigados a competir
acerrimamente entre si na venda da de força normativa, quando os
trabalhadores fazem greve, paralisando de única mercadoria de que
dispunham – a força de trabalho. O saldo desta forma concertada a sua
atividade... eis outras tantas distorções da livre concorrência desenfreada é
bem conhecido e é dramático: salários pra- concorrência, eis outros tantos
desmentidos a um mercado laboral ato ticamente reduzidos ao mínimo vital,
condições de trabalho mais do que mistico e sem restrições. precárias, cargas
de trabalho insuportavelmente pesadas, inclusive para Im suma, e enquanto
«direito da desigualdade», o Direito do Trabalho crianças de tenra idade... A
resolução

desta grave «Questão Social, passou pela aceitação da intervenção direta

Movimento Operário = Direito do Trabalho. Assim nasceu este ramo do (ou,


talvez melhor, a atenuação) lexconfia, desde sempre, dos automatismos do
mercado e do contrato individual,

De resto, no que tange à liberdade de modelação do conteúdo contratual, a


verdadeira alteração traduziu-se, no fundo, em substituir vontade unilateral do
empregador «todo-poderoso» pela vontade heterrónoma do legislador ou pela
real autonomia das partes na contratação coletiva. Ou seja, as atuais limitações
de natureza jurídica à liberdade contratual têm vindo a substituir-se às
anteriores limitações de ordem prática, transformando em norma estadual ou
convencional aquilo que era, tão-só, a lei do mais forte. Na verdade, numa
relação de poder como é, tipicamente, a relação laboral, a liberdade contratual
quase não existe, no plano substantivo, e não pode deixar de ser fortemente
condicionada, no plano normativo. A(sobre)valorização do poder jurisgénico
das partes traduzir-se-á, neste campo, em reconhecer o poder jurisgénico de
apenas uma dessas partes (obviamente, da mais poderosa, a entidade
emprega dora). Ao contrário do universo civil, o mundo do trabalho assalariado
não é, com efeito, o mundo da «composição espontânea ou paritária de
interesses»..... 

Vinos ainda (até quando) em uma sociedade fundada no tra Ini! O mabalho
surge, para alguns, como a verdadeira essência do J e , como um meio de
realização pessoal e de expressão de si, como 
vel meio de aumentar a riqueza da nação e de aquisição de endimentos para o
indivíduo que o presta, como um meio de ordenar 
mundo. Como é sabido, o trabalho consome grande parte da nossa paletência
desperta, influencia fortemente a nossa vida quotidiana fora dele, um fator de
consideração social e confere-nos um determado 
te económico. Dizem alguns, com razão, que nós somos muito mais ille i nosso
trabalho, mas também não falta quem sustente que, em boa 
dos somos o emprego que temos. Alias, como bem assmala ALAIN DE
OTTON, a atividade profissional por que optámos é o elemento que latine a
nossa identidade, na medida em que a pergunta mais frequente pe livemos a
alguém que acabamos de conhecer não é de onde é que Ei ol quem são os
seus progenitores, mas sim o que faz»14. O trabalho constitui, pois, um vetor
essencial das nossas sociedades. No dizer le llumINIQUE SCHNAPPER, «é a
maneira de assegurar a vida material, de surar o tempo e o espaço, é o lugar
da expressão da dignidade de si Populo e das permutas sociais. O tempo do
trabalho profissional dá o seu sentido aos outros momentos da vida»15. 
No como for, a importância do Direito do Trabalho na nossa socie ale , hoje,
absolutamente indesmentível. Afinal, a maioria da popula utiva presta trabalho
dependente, labora em moldes subordinados e por conta de outrem. E, para
muitas dessas pessoas, o contrato de traba lliue, quiça, o mais estruturante
negócio jurídico que alguma vez cele

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