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Sérgio Paulo Morais

(Organizador)

JOGOS-NARRATIVOS:
Ensino de História, relatos e possibilidades

São Paulo - SP
Verona
2016

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EDIÇÕES VERONA
EDITOR
Alexandre dos Santos Mignon
EDITOR ASSISTENTE
Emília dos Santos Mignon
CONSELHO EDITORIAL
Rosangela Patriota (Coordenação Editorial)
Alcides Freire Ramos (Coordenação Editorial)
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Lourival Andrade Júnior
Nádia Maria Weber Santos
Paulo Roberto de Almeida
Paulo Roberto Monteiro de Araújo
Rodrigo de Freitas Costa
Thaís Leão Vieira

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Bibliotecária responsável: Aline Graziele Benitez CRB8/145)
_________________________________________________________
J64
Jogos-narrativos: ensino de história, relatos e possibilidades/
organizador Sérgio Paulo Morais.
1.ed. – São Paulo: Verona, 2016.
recurso digital
Formato: epub

ISBN: 978-85-67476-24-7

1.Recurso de ensino. Experiência. 3.Jogos. I. Morais,,


Sérgio Paulo. II. Título.

CDD 371.102
CDU 37.02
_________________________________________________________
Índice para catálogo sistemático:
1. Ensino de história 370.102

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Sumário

Apresentação
Sérgio Paulo Morais

Parte I – Ensino de História e Jogos-Narrativos: Limites


e Possibilidades

Role Playing Game (RPG): Narrativas no ensino-aprendizagem


de História
Sérgio Paulo Morais & Rafael Correia Rocha

Pesquisa-Jogos e o ensino de História


Rafael Correia Rocha

Pesquisa e Ensino em História: Jogos-narrativos e experiências


nos contextos sociais vividos
Sérgio Paulo Morais

Parte II – Pesquisa e Jogos-Narrativos: Experimenta-


ções no Ensino Básico (Ensino Médio)

Role-Playing Games em uma aula de História: possibilidades e


reflexões
Alinne Grazielle Neves Costa

Bunker-jogo: “Refugiados da Segunda Guerra Mundial”


Keila Tatiane Pereira Sousa

Desafios da aplicação de RPG em sala de aula: o que podemos


aprender com uma experiência fracassada?
Lucas de Sousa Medeiros

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Parte III – Pesquisa e Jogos-Narrativos: Experimenta-
ções no Ensino Básico (Ensino Fundamental)

Código Cinquecento: o jogo educacional como possibilidade no


ensino de História
Gabriella Tito

O uso do LARP no processo de aprendizagem em História: dando


novos significados aos jogos na educação
Priscilla Fagundes Brunelli

Relato de Experiências no Ensino de História: Jogos nas séries ini-


ciais
Edna Aparecida dos Santos

O jogo da História – Experiência do Role Playing em sala de aula


Maria Helena Raimundo

Parte IV – Pesquisa e Jogos-Narrativos: formações e


contextualizações

Possibilidades historiográficas e experiências de intervenção ur-


bana: andarilhagens, jogos e brincadeiras
Diogo Rios & Milene Valentir

Escravidão no Triângulo Mineiro: Utilização de L.A.R.P na per-


cepção dos jovens sobre o século XIX
Ana Paula Gonçalves Gontijo de Oliveira

Acompanhamento Terapêutico: caminhos possíveis a partir de jo-


gos e circulação na cidade
Daniela Aparecida Inácio Morais & Denise Decarlos

Relato de experiência do jogo “Debate Governamental”

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Giovanni Barbon de Oliveira

“Tudo pelo poder”, Uma experiência em iniciação científica


Jenyffer Stefany Pereira Martins

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Apresentação

Sérgio Paulo Morais1

“JOGOS-NARRATIVOS: ensino de História, relatos e possi-


bilidades” é a primeira de uma série de três publicações que regis-
tram trajetórias de uma pesquisa realizada na Universidade Federal
de Uberlândia, a partir do Instituo de História (Inhis), com diversos
colaboradores e com a parceria da Escola Estadual Hercília Martins
Rezende.

A proposta para a realização da mesma originou-se de um


projeto extensionista denominado de “Narrativa da Imaginação”,
realizado no ano de 2011. A ação contou com centenas de discen-
tes, professores e pessoas da comunidade interessadas em jogos e em
atividades de lazer coletivo, elaboradas com poucos recursos e em
lugares múltiplos: praças, prédios da Prefeitura e espaços da própria
Universidade.

No início daquele ano, Rafael Rocha, pedagogo e mestre em


1 Doutor em História Social, professor dos cursos de gradu-
ação e pós-graduação no Instituo de História (INHIS/UFU) e da
pós-graduação da Faculdade de Educação (FACED/UFU). Membro
do Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação e Sociedade – GEPTE.
Coordenador da pesquisa “HISTÓRIA LOCAL, ENSINO-APREN-
DIZAGEM E JOGOS NARRATIVOS: CIDADE DE UBERLÂNDIA”
(CHE - APQ-03413-12 – INHIS/UFU – CAPES/FAPEMIG).

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Educação, (apresentou-me e) convenceu-me sobre a possibilidade
de trabalhar com jogos no ensino de História. Fruto de suas pes-
quisas de mestrado, os jogos de Role-play Games (RPG) e outros,
tornaram-se elementos presentes em aulas que eu à época ministrava
(Estágio III e História Regional e Local, ambas com ementas interli-
gadas à licenciatura) no Inhis.

Em oficinas realizadas aos sábados, os/as discentes (matricu-


lados/as no curso noturno) desenvolveram coletivamente, sobre a
orientação de Rafael Rocha, jogos que se relacionavam ao que era
discutido nos programas das disciplinas e, ao mesmo tempo, em
atividades que realizavam enquanto trabalhadores/as, membros de
associações e igrejas.

A observação de tal amplitude social deu-nos motivação


para compor e apresentar o projeto “HISTÓRIA LOCAL, ENSI-
NO-APRENDIZAGEM E JOGOS-NARRATIVOS: CIDADE DE
UBERLÂNDIA” ao convênio CAPES/FAPEMIG, através do edital
(13/2012) pesquisa em Educação Básica.

Vale dizer que para além das intenções originais, a pesquisa


buscou conhecer e contribuir com a elaboração e utilização de jogos
em distintas atividades escolares e extraescolares.

Os capítulos demostrarão influências desses em diversos as-


pectos do social, sendo o ensino de História um dos diversos espa-
ços utilizados para fazer aproximações e para propor novas questões
para velhos problemas.

Os/as leitores/as afeitos/as ao mundo dos jogos de RPG, Cards,


Tabuleiro e outros, notarão que terminologias e referências, comuns
aos iniciados, foram utilizadas em contextos e circunstâncias estra-
nhas aos ambientes das mesas e de mestres/jogadores. Pois, referên-
cias a jogos foram empregadas como mediações para debates sobre
a História ensinada ou formas de apreender dinâmicas das ruas e do

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espaço urbano.

Os jogos, portanto, são aqui denominados como narrativos


por possibilitarem diversas interações verbais e não verbais entre su-
jeitos, a partir e em torno de histórias elaboradas por um narrador
ou formuladas a partir da intervenção de vários agentes sociais.

Os/as leitores/as que em “primeira viagem” se depararão aqui


com dialetos, siglas e referências a jogos que possuem especificida-
des, se sentirão bem-vindos/as (é o que realmente desejam certamen-
te os/as autores/as). Pois, acompanharão experimentos realizados a
partir de contextos apresentados e debatido pelos que provaram o
desafio de criar meios para interação, reflexão e trocas de experi-
ências sociais. Mesmo com referências a elementos particulares, as
construções desses momentos pedagógicos ou sociais não partiram
de jogos prontos e nem se basearam em regulamentos que deveriam
ser conhecidos à priori.

As regras e as normas acompanham, nas dinâmicas das nar-


rativas, a elaboração de histórias, fabulações, memórias e interpreta-
ções sobre o vivido, nos quais personagens se interagem, proporem
problemas e buscarem soluções mediadas por referenciais canônicos
da História Social ou por narrativas “menores” (porém, significati-
vas) sobre o viver em um bairro ou sobre o trabalho no campo.

Nesses exercícios, temporalidades e espacialidades diversas


(situações vividas em guerras ou dinâmicas opressoras de explora-
ção do trabalho, como ocorrido no escravismo brasileiro do Século
XVIII) são recompostas e contextualizadas em interfaces dialógicas
com os lugares e com as experiências sociais (sendo a juventude uma
delas) que as/os personagens levam para os jogos-narrativos.

As trilhas elaboradas nesta publicação referem-se a fazerem


coletivos, enlaçados por recursos e situações históricas contextuais,
que exerceram limites e impuseram pressões sobre autores e autoras,

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e os/as fizeram criar, através de linguagens diversas, dinâmicas de
jogos que respondiam a anseios, interesses e necessidades.

O estudo de História, por razão do projeto, encadeia a maior


parte das discussões. Porém, esta publicação não intenta transfor-
mar-se em um manual metodológico, mas, sim, em um registro
de experiências de pesquisa, realizadas em conjunto, em ensino e
aprendizagens.

Esta publicação, ao tentar dar conta de tais desafios, se organi-


za em quatro partes: 1. Ensino de História e Jogos-Narrativos: Limi-
tes e Possibilidades, 2. Pesquisa e Jogos-Narrativos: Experimentações
no Ensino Básico (Ensino Médio), 3. Pesquisa e Jogos-Narrativos:
Experimentações no Ensino Básico (Ensino Fundamental) e 4. Pes-
quisa e Jogos-Narrativos: formações e contextualizações.

A primeira parte apresenta discussões teóricas e metodoló-


gicas sobre o projeto. Ela se inicia pelo texto: “Role Playing Game
(RPG): Narrativas no ensino-aprendizagem de História”, escrito por
Rafael Correia Rocha e por mim. O artigo traça as diretrizes iniciais
que deram forma à pesquisa que ora apresentamos.

O segundo capítulo, “Pesquisa-Jogos e o ensino de História”,


escrito por Rafael Rocha, relata atividades e oferece uma visão sobre
organização geral da pesquisa.

No último texto desta seção, intitulado: “Pesquisa e Ensino


em História: Jogos-narrativos e experiências nos contextos sociais
vividos”, faço um “balanço” de nossos esforços e apresento algumas
dimensões teóricas que influenciaram nos resultados finais de nosso
projeto.

Na segunda parte deste livro “Pesquisa e Jogos-Narrativos: Ex-


perimentações no Ensino Básico (Ensino Médio)”, registram-se ela-
borações e jogos compostos em oficinas e em atividades de extensão
interligadas ao projeto em tela.

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Alinne Grazielle Neves Costa, no capítulo “Role-Playing Ga-
mes em uma aula de História: possibilidades e reflexões”, apresenta
atividades relacionadas com a “Guerra de secessão e a vida dos es-
cravos sulistas”, em experimento realizado no 2º do ensino médio.
A autora descreve regras e dinâmicas do jogo elaborado e registra
depoimento de alunos e alunas que participaram dessa atividade.

Bunker-jogo: “Refugiados da Segunda Guerra Mundial” é o


título do artigo de Keila Tatiane Pereira Sousa. Diante desafios que
surgiram (e surgem) no ambiente escolar, Keila apresenta a ação-
-jogo denominada “Refugiados da Segunda Guerra Mundial”, uma
estratégia de contextualização de um episódio específico, crível de
ter ocorrido durante ataques Berlim, com a experiência de discentes
em uma sala de aula de ensino médio.

Com o interessante título: “Desafios da aplicação de RPG em


sala de aula: o que podemos aprender com uma experiência fracas-
sada?”, Lucas de Sousa Medeiros discute limites dentro de possibili-
dades de se utilizar jogos frente a circunstâncias comumente encon-
tradas no dia-a-dia dos professores do ensino básico. Alguns desses
fatores são apresentados e analisados durante esse relato, além do
registro de uma significativa reflexão sobre como trabalhar jogos-
-narrativos em grupos numerosos de participantes.

Pesquisa e Jogos-Narrativos: Experimentações no Ensino Bá-


sico (Ensino Fundamental) é a temática geral da terceira parte do
livro. Muito semelhante à segunda, essa seção discute experimentos
escolares e ensino de História no ensino fundamental.

O capítulo de Gabriella Tito, “Código Cinquecento: o jogo


educacional como possibilidade no ensino de História”, que busca
elaborar discussões sobre a temática do Renascimento, inicia esta
parte da publicação.

Em sequência, encontra-se o capítulo: “O uso do LARP no

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processo de aprendizagem em História: dando novos significados
aos jogos na educação”, escrito por Priscilla Fagundes Brunelli, no
qual há o registro de utilização de Live Action Role Play (LARP) as-
sociado jogos com cartas, no processo de aprendizagem da Reforma
Protestante em uma turma do 7º ano do ensino fundamental.

O terceiro capítulo desta seção, intitulado: “Relato de Experi-


ências no Ensino de História: Jogos nas séries iniciais”, foi produzido
por Edna Aparecida dos Santos, bolsista do Projeto (Bolsa CAPES,
professor Ensino Básico), a partir da experiência sobre a constituição
de um personagem no contexto do bairro e da cidade, com discentes
que estão no processo de alfabetização.

O último capítulo da terceira parte, “O jogo da História – Ex-


periência do Role Playing em sala de aula”, escrito por Maria Helena
Raimundo, narra experimentos com jogos, em duas situações no en-
sino básico. Para a autora, reaprender a brincar deve ser o pontapé
inicial para que o LARP possa ser utilizado como um instrumento de
ressignificação do saber e da própria vida.

Na quarta seção têm-se a colaboração de parceiros externos e


notas sobre os desdobramentos do projeto em outras pesquisas.

O capítulo “Possibilidades historiográficas e experiências de


intervenção urbana: andarilhagens, jogos e brincadeiras”, de autoria
de Diogo Rios e Milene Valentir, discute significativas atividades de
um coletivo de intervenção urbana: Mapa Xilográfico. No capítulo,
registram cidades como lugares para poetizar e derivar, para estabe-
lecer pontos de troca e de sociabilidade que promovem rupturas de
fazeres artísticos pelo espaço, o que chamam de Coletivo Fluído.

O viver urbano torna-se elementares, também, para os capí-


tulos seguintes. Em “Acompanhamento Terapêutico: caminhos pos-
síveis a partir de jogos e circulação na cidade”, Daniela Aparecida
Inácio Morais e Denise Decarlos, cidade e jogos compõem a dinâmi-

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ca do Acompanhamento Terapêutico (AT) junto a uma adolescente
diagnosticada com Síndrome de Asperger.

Um local específico da cidade, o “Parque do Sabiá”, tornou-se


espaço para um jogo a respeito do escravismo que foi realizado por
um grupo de escoteiros em Uberlândia. Esta é a parte do enredo
do artigo “Escravidão no Triângulo Mineiro: Utilização de L.A.R.P
na percepção dos jovens sobre o século XIX”, escrito por Ana Paula
Gonçalves Gontijo de Oliveira.

Os dois capítulos que encerram esta seção e o livro foram ela-


borados por dois pesquisadores que ingressaram no projeto a partir
de Iniciação Científica conveniada entre a Universidade Federal de
Uberlândia e a FAPEMIG.

Relato de experiência do jogo: “Debate Governamental”, escri-


to por Giovanni Barbon de Oliveira, graduando em História, bolsista
do edital 009/2013 - programa institucional de bolsas de iniciação
científica PIBIC/FAPEMIG/UFU (2014-0052), discute relações de
poder, através de conceitos e noções sobre Anarquismo, Democra-
cia, Monarquia Constitucional e Absolutista e a Ditadura.

No capítulo “Tudo pelo poder”, Uma experiência em inicia-


ção científica, a obra V de Vingança tornou-se enredo para um sig-
nificante jogo de tabuleiro elaborado por Jenyffer Stefany Pereira
Martins, aluna do segundo ano de Ensino Médio, bolsista IC/E.M.
- FAPEMIG/UFU, 2014.

Convidamos as leitoras e os leitores a dividirem os jogos e aná-


lises propostas pelos autores e autoras. Esperamos que o livro desper-
te interesse e inspire a produção de diversos outros jogos-narrativos.

Por fim agradecemos a Verona, aos pesquisadores do projeto,


aos autores, em especial ao Coletivo Mapa Xilográfico, e ao apoio da
CAPES e da FAPEMIG para a realização da pesquisa e para a publi-
cação deste livro.

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Parte I

Ensino de História e
Jogos-Narrativos: Limites
e Possibilidades

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Role Playing Game (RPG):
Narrativas no ensino-
aprendizagem de História2

Sérgio Paulo Morais3


Rafael Correia Rocha4

RESUMO: O texto busca refletir sobre o projeto de extensão “Narrativas da


Imaginação”, proposto pelo Instituto de História da Universidade Federal
de Uberlândia, que lidou com a composição coletiva de “jogos-narrativos”
(no caso ROLE PLAYING GAME ou RPG), visando contribuir com o ensi-
no-aprendizagem de História. Na busca de buscar compreender os signifi-
cados do passado em suas representações no presente, procuramos avaliar
o sentido de incorporar com legitimidade as narrativas e os jogos nas aulas
2 Trata-se de uma versão modificada de um artigo publicado
na Revista História & Ensino. v. 18, n. 1. (2012).
3 Doutor em História Social, professor dos cursos de gradu-
ação e pós-graduação no Instituo de História (INHIS/UFU) e da
pós-graduação da Faculdade de Educação (FACED/UFU). Membro
do Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação e Sociedade – GEPTE.
Coordenador da pesquisa “HISTÓRIA LOCAL, ENSINO-APREN-
DIZAGEM E JOGOS NARRATIVOS: CIDADE DE UBERLÂNDIA”
(CHE - APQ-03413-12 – INHIS/UFU – CAPES/FAPEMIG).
4 Pedagogo, Mestre em Educação e Bolsista do projeto: Uber-
lândia: História Regional e Local, Ensino Aprendizagem e Jogos
Narrativos (BAT I – FAPEMIG). Orientador: Prof. Dr. Sérgio Paulo
Morais.

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de história, e, assim, contribuir para uma interpretação consciente mais
ampliada do passado a partir de questões que vivemos hoje.

Palavras-chave: RPG., Narrativas, Ensino de História.

Em 2011, realizamos o projeto Narrativas da imaginação: o


RPG aplicado ao ensino, formação ludo metodológica por meio da
contação de histórias interativas5, sendo que o mesmo, direcionado
para a melhoria das relações interpessoais entre alunos e professores
no município de Uberlândia, também, lidou com a pesquisa/elabo-
ração de meios e metodologias de ensino-aprendizagem em diversas
áreas do conhecimento, entre elas: o ensino de História. Esta expe-
riência foi analisada pelo Conselho Municipal de Educação, Centro
Municipal de Projetos Educacionais (CEMEPE) e por fim pela Se-
cretaria Municipal de Educação, onde recebeu reconhecimento de-
vido às atividades prestadas, atendendo cerca de 300 pessoas entre
professores e alunos.

Tentamos aqui apresentar algumas experiências e reflexões em


torno da utilização do RPG (Role Playing Game) enquanto forma
narrativa para a construção do ensino-aprendizagem, como também
sobre a própria produção de conhecimento em História. Para tanto
apresentaremos inicialmente distinções entre as narrativas de RPG
de outras linguagens associadas à interpretação de papéis e à conta-
ção de histórias. Em seguida apresentaremos uma ação realizada na
Semana de História 2011, da Universidade Federal de Uberlândia
(UFU), para discutirmos algumas peculiaridades do “jogo de narra-
tiva” com a produção do conhecimento histórico. Finalizamos o ar-
tigo com breves explanações sobre os limites e apontamentos outros
a respeito da utilização do jogo frente à produção de conhecimento
educacional.

5 Atividade de extensão registrada no Instituto de História


(Processo nº 009/2011) e na Pró-Reitoria de Extensão da Universi-
dade Federal de Uberlândia.

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Formas de narrativa: tipos e especificidades

Ao intuir que as identidades de sujeitos históricos se fazem


como referência íntima à mensuração e trato de informações com-
partilhadas em determinado período e local, gerando um conjunto
particular de saberes necessários para a interação social ampla, abar-
camos o processo de criação de narrativas – baseadas na estrutura
do RPG - para, assim, tentar recompor situações e vivências coletivas
ocorridas em um passado determinado.

Apesar de já ter sido utilizado em outros países na década de


1980, o RPG começou a ser utilizado como um instrumento pedagó-
gico no Brasil apenas na segunda metade da década de 1990, quando
o jogo ganhou mais popularidade nos circuitos educacionais, e nos
anos 2000, quando ocorreram simpósios e encontros que focaram
especificamente em temas educacionais. 6

As ações que geraram os fundamentos do RPG ocorreram em


pequenos grupos restritos, desde modelos ancestrais usados apenas
em salas de guerras e universidades na Europa, como técnica de si-
mulação de resultados, até sua presença oficial nos EUA em 1974
como “jogo de interpretação de papéis”.

Partilhado como diversão entre adolescentes e jovens, forma-


tando-se no fim do século XX como um agrupamento de sujeitos
que tinham em comum, uma linguagem, objetos e mitologia pró-
prio, fora, posteriormente, adentrado ao campo da educação.

Partindo de livre interpretação de um script rígido, conceden-


do maior flexibilidade de expressão em um processo de contação de
6 Contando com cerca de 2.000 participantes, o Simpósio RPG
e Educação (2002) registrou sequências nos anos 2003, 2004 e 2006.
Além desses simpósios ocorreram dois Colóquios Curitiba: RPG
Educação nos anos 2003 e 2004, os quais contaram com o apoio da
Prefeitura Municipal de Curitiba.

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histórias coletiva, o RPG, rapidamente, passou a se configurar en-
quanto modo ensino-aprendizagem em diferentes matérias e áreas
do conhecimento.

Lembramos, todavia, que o jogo não busca a narrativa con-


vencional, como comumente ocorre com as “(his)estórias contadas”
de modo “retilíneo”, com personagens fixos e enredo esperado. Para
melhor apresentar esse distanciamento, tomemos como indicadores
algumas noções sobre narrativas e “histórias contadas”:

De acordo com Chaves (1963), existem características saluta-


res sobre a ação educativa da contação de histórias “tradicionais” (ou
no sentido mais comumente apreendido em escolas primárias):

A história é baseada em atos que têm seu fim imediato – sua


ênfase é posta na conduta dos personagens, e apela, espe-
cialmente, para imaginação e para o sentimento [...]. O que
caracteriza uma história [desse porte] é o fato de encerrar
ela em uma série de eventos que levam a um fim imedia-
to, eventos que se completam, e que fazem da história uma
experiência que começou, se desenvolveu, chegou ao auge e
terminou. (p.18)

De acordo com a autora, essas contações buscam atingir dis-


tintos fatores, tais como: “relaxamento e repouso após atividades
exaustivas”; “estímulo de sentimentos por meio de modelos de con-
duta e de parâmetros de discernimento entre o correto e incorreto”;
“melhoria e enriquecimento do glossário pessoal, expressão, lingua-
gem, simplificando conceitos”, pois, de acordo com Chaves: “a média
da intelectualidade humana, não entende discursos nem argumen-
tações, porém compreende perfeitamente uma história.” (CHAVES,
1963, p. 22);

Além desses fatores internos às percepções dos ouvintes, as


histórias narradas com esses propósitos possuem expressões sociais
distintas: “normas de convivência social, trato e relação”; como, tam-

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bém, fatores religiosos, ou seja, anunciação de doutrinas como Cris-
tianismo, Judaísmo, Islamismo, Hinduísmo, entre outras, em forma
e razão de ensinamentos transmitidos por “histórias de vida” ou por
acontecimentos registrados em textos sagrados.

Essa forma de contar histórias exige uma meticulosa sequên-


cia de passos para sua execução. Comumente inicia-se com uma in-
trodução: apresentação dos fatos, do local onde ocorre a história e a
descrição de personagens. “Há muitos anos, viveu, na Inglaterra, um
rapaz chamado Robinson Crusoé...” (CHAVES, 1963, p. 38).

Há inevitavelmente um enredo a ser seguido através de even-


tos e do desenrolar de fatos. O enredo converge para um ponto chave
que determina o objetivo maior da história: o “clímax”. Geralmente,
tal ponto torna-se o prelúdio da conclusão, ou seja, o clímax inicia o
resultado que dará encerramento dos eventos.

Finos ornamentos, jóias e ouro o príncipe receberá por pro-


fusão, portanto, de mim, ele receberá algo mais precioso que
tudo isso. Cada dia de sua vida, desde o dia que tiver idade
de entender até que entre na posse da sua maioridade, eu lhe
contarei histórias que o farão sábio e justo. E, quando teus
dias se findarem em Bagdad, ó Califa, e ele se assentar no
trono para reger o seu povo, ele será justo e misericordio-
so, será rei de quem toda a Arábia se orgulhará. (CHAVES,
1963, p. 26)

A autora ressalta figuras históricas que influenciaram a huma-


nidade (como Confúcio, Sócrates, Platão, Jesus, entre outros), bus-
cando através de parábolas e prédicas popularizar conceitos com-
plexos e “conscientizar” seus ouvintes. Nessa esteira, Chaves (1963)
cita Platão, afirmando que para se ensinar uma criança a verdade é
necessário ensinar-lhe a ficção.

Estas características são básicas, em um processo onde um fala


(narra) e muitos escutam. Trata-se de ambiências em que a imagina-

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ção ou campos de possibilidades, abertos por perguntas dissidentes
ao que se projetava na história, podem atrapalhar as finalidades da
contação:

Outra cousa que, às vezes redunda em fracasso é tentar con-


quistar a atenção, fazendo perguntas às crianças, no meio da
história. Começar a descrever certo ambiente e perguntar:
Qual de vocês gostaria de ser como aquele menino? [...] Em
geral leva os ouvintes a lançar ao da imaginação e as repos-
tas mais descontroladas podem surgir, impossibilitando o
narrador de continuar a história. (CHAVES, 1963, p. 58).

De modo distinto, a contação de história coletiva para a prá-


tica de RPG é regida por um comportamento ativo dos envolvidos,
que co-criam em conjunto com o narrador. Tal modalidade apresen-
ta claro contraste com os contos fechados de outrora.

Entretanto, é necessário também não associar este “jogo de in-


terpretação” com outras pesquisas ou atividades próximas, tais como
o Teatro. Ao tratarmos sobre improvisação, elemento presente tanto
nas narrativas e jogos de RPG, quanto no ambiente cênico teatral,
alguns distanciamentos se evidenciam.

A improvisação no Teatro lida com diferentes teorias e fatores,


entre eles as relações entre técnica e Fantasia. O método Stanislavski,
por exemplo, busca a expressão espontânea do ator, onde o mesmo
recorda de experiências passadas carregadas de emoção para emer-
gir sensações que tornem a cena mais natural e realista. Por mais que
o RPG seja semelhante ao teatro do improviso, sua origem esta liga-
da aos “War Games” ou jogos de estratégia, não tendo uma conexão
direta ou influencia proposital em relação à técnica cênica.

Essa similaridade apareceu em experimentações no desenvol-


vimento de novas possibilidades dentro do campo dos jogos de es-
tratégia, distanciando-se, assim, das emoções e paixões da catarse, e
aproximando-se da “busca” por resoluções de “problemas” e situa-

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ções especificamente conjecturadas.

Por outro lado, visualiza-se uma proximidade do “jogo” em


relação ao Psicodrama, introduzido em 1925 nos Estados Unidos
como método clínico baseado no teatro improvisado do qual deri-
vou o sociodrama, psicodrama terapêutico, o axiodrama, o psico-
drama analítico, entre outras variações. O método pode ser definido
como uma atividade de expressão cênica com fim terapêutico, onde
os pacientes podem manifestar suas vontades com espontaneidade,
esclarece Moreno (1991) ao dizer que:

... o teatro da espontaneidade foi o desencadeamento da ilu-


são. Mas essa ilusão, passada ao ato pelas pessoas que a vi-
veram na realidade, é o desencadeamento da própria vida
– das ding ausser sich (a coisa fora de si). O teatro das coisas
últimas não é a repetição eterna do mesmo, por necessidade
eterna (Nietzche), mas o oposto disso. É a repetição autoge-
rada de si mesmo. Prometeu apossou-se de suas correntes,
não para se conquistar nem para se destruir. Ele como cria-
dor, produziu-se de novo e provou, mediante o psicodrama,
que sua existência agrilhoada foi obra de seu próprio livre
arbítrio. (p.78)

Mas, de todo modo, o RPG não pode ser descrito como uma
técnica ou sistema fechado, mas como um gênero que difundiu seus
fundamentos ao ponto de regular e conectar os esquemas do pen-
samento contemporâneo em diversos seguimentos e ramificações,
todavia, neste trabalho destacamos o foco na função da narrativa do
mesmo.

Para conhecer o jogo em detalhes, antes da própria ferramen-


ta pedagógica, iniciamos com uma definição detalhada sobre RPG
exposta por Hitchens e Drachen (2008, p. 16) que contempla a visão
científica auxiliadora no direcionamento deste trabalho:

Um role-playing game é um jogo situado num mundo ima-

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ginário. Os jogadores são livres para escolher como explorar
o mundo do jogo, em termos do caminho escolhido através
do mundo, e podem revisitar áreas previamente exploradas.
O montante do mundo do jogo potencialmente disponível
para a exploração é normalmente grande. Os participantes
dos jogos estão divididos entre os jogadores, que controlam
personagens individuais, e os mestres do jogo (que podem ser
representados por software em exemplos digitais) que con-
trolam o restante do mundo do jogo além das personagens
dos jogadores. Jogadores afetam a evolução do mundo do
jogo através das ações de seus personagens. As personagens
controladas por jogadores podem ser definidas em termos
quantitativos e/ou qualitativos e são indivíduos definidos
no mundo do jogo, não identificados apenas como papéis
ou funções. Essas personagens podem potencialmente se
desenvolver, por exemplo, em matéria de competências, ha-
bilidades ou personalidade. A forma deste desenvolvimento
está pelo menos parcialmente sob controle do jogador e o
jogo é capaz de reagir a estas mudanças. Pelo menos um,
mas não todos os participantes têm controle sobre o mundo
do jogo além de um único personagem. Um termo comu-
mente utilizado para esta função é mestre do jogo, embora
existam muitos outros. O equilíbrio de poder entre os joga-
dores e mestres do jogo, e a atribuição dessas funções, pode
variar, mesmo dentro de uma única sessão de jogo. Parte da
função de mestre do jogo normalmente é para se pronunciar
sobre as regras do jogo, embora essas regras não precisem
ser quantitativas em qualquer forma ou se embasar em qual-
quer forma de resolução aleatória. Os jogadores têm uma
ampla gama de opções configurativas para interagir com o
mundo do jogo através das suas personagens, em geral, in-
cluindo, pelo menos, o combate, o diálogo e a interação com
objetos. Embora o leque de opções seja grande, muitas são
tratadas de uma forma muito abstrata. O modo de interação
entre o jogador e o jogo pode mudar de forma relativamente
livre entre configurativas e interpretativas. Role-playing ga-
mes retratam algumas sequências de eventos no mundo do
jogo, o que dá ao jogo um elemento narrativo. No entanto,
dada a natureza configurativa do envolvimento dos jogado-
res, estes elementos não podem ser chamados de narrativa

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de acordo com a teoria narrativa tradicional.

Tratar a respeito da proveitosa relação entre o RPG e o apren-


dizado de História em sala de aula é assinalar sobre a inteligência e a
interdisciplinaridade que se manifestam com a função de adminis-
trar os saberes apresentados diante de situações mediadas pelo pro-
fessor (narrador). A inteligência recorre à obra de Gardner (1985),
desenvolvedor da teoria das inteligências múltiplas, expondo muitas
formas de compreensão humana sendo que dentro do universo fan-
tasioso do RPG articulado com diversas ações simuladas, instigando
a interdisciplinaridade e estimulando diversas faculdades mentais,
de acordo com o pensamento do autor:

Cada um tem uma mistura singular dos vários tipos de in-


teligência, o que torna a questão bem mais complexa do que
dividir a humanidade entre burros e inteligentes. A obser-
vação científica mostra que o mundo está cheio de gente que
se destaca no pensamento lógico, mas não tem inteligência
suficiente para expressar uma ideia com começo, meio e
fim. Ou de pessoas que são brilhantes ao filosofar sobre as
grandes questões do mundo moderno e não têm nenhum
traquejo para executar exercícios físicos de jardim-de-infân-
cia. Conclusão: a maioria das pessoas é, ao mesmo tempo,
inteligente para algumas áreas do conhecimento e limitada
para outras. (GARDNER, 2007, p. 87)

Antunes (2000) interpreta a teoria das múltiplas inteligências


de forma a destacar os jogos como ferramenta de estímulo para to-
das as inteligências, visto que a leitura é um dos fundamentos do
jogo de RPG. Durante sua prática, pode-se utilizar de medidas e ma-
pas trabalhando a inteligência espacial e, interpretando um perso-
nagem, o jogador estimula a inteligência linguística, intrapessoal e
interpessoal.

Então, observa-se que o RPG tem capacidade para estimular


as múltiplas inteligências, pois desenvolve a aprendizagem pela nar-

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rativa. O aprendizado de competências e habilidades ocorre coleti-
vamente de acordo com o desenvolvimento da história e curiosidade
do educando. Conduzido pela narrativa, o estímulo pode trabalhar
todas as inteligências. Também é possível focar naquelas em que o
educando tem dificuldade ou, ainda, ressaltar as que têm facilidade,
devido à flexibilidade da ferramenta, que permite intervenções para
auxílio no processo de ensino-aprendizagem.

Sendo o RPG uma ferramenta que simula situações, pode-se


sem dúvida exercitar toda essas coletânea de possibilidades e, nessa
diversidade de atributos ao qual pode-se compreender na formação
do sujeito em percepção, raciocínio e expressão, estão presentes em
estímulos durante a aplicação do jogo de interpretação de papéis,
visto que cada personagem representa características distintas (sen-
do o escravo, o navegador, o indígena, entre outros) mediado pelo
educador, permitindo ao aluno tomar consciência de empatia e tra-
balho em grupo, afetando a conduta social, além da mera instrução.

O historiador holandês Johan Huizinga (1938) também des-


creve com propriedade em sua obra “Homo Ludens”, a importância
do jogo na formação humana, sendo que através da ação de jogar,
os indivíduos se agrupam de maneira funcional com naturalidade,
como se fosse a chave para o nascimento das sociedades, assim como
seu desenvolvimento e criação de uma multiplicidade de outros am-
bientes (campos de jogo).

Descreve, desta maneira, que toda ação humana é organizada


como um jogo (relacionamentos, trabalho, religião, etc), que desper-
ta no prazer de jogar a expressão do sujeito e a imaginação, desen-
volvendo os primeiros impulsos de interações para a sociedade. O
autor classifica o ato de jogar, quase como uma ação da imaginação
coletiva pois diferencia-se firmemente a realidade quotidiana. Hui-
zinga, nos auxilia dizendo que

... uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de

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certos e determinados limites de tempo e de espaço, segun-
do regras livremente consentidas, mas absolutamente obri-
gatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de
um sentimento de tensão e alegria e de uma consciência de
ser diferente da “vida quotidiana”. (HUIZINGA 1938, p. 33).

Seguindo estas definições, baseando-se no mesmo autor, um


jogo é caracterizado por quatro elementos fundamentais: a livre es-
colha, sendo a participação não obrigatória, a não ser em casos es-
pecíficos de ações culturais, exemplo: seleção de futebol brasileira
na copa do mundo; o descanso ou afastamento temporário da vida
cotidiana buscando maior satisfação pessoal; descriminação de um
período delimitado de tempo e espaço; e regras próprias, rígidas e
claramente definidas, o que lhe permite ser ensinado.

No lúdico, o prazer de jogar apresenta-se como espontâneo


e salutar, para o desenvolvimento biológico, afetivo e intelectual do
sujeito conforme Caillois, que diz que

... em minha opinião, há que defini-lo como o vocábulo que


abrange as manifestações espontâneas do instinto do jogo:
o gato aflito com o novelo de lã, o cão sacudindo-se e o bebê
que ri para a chupeta, representam os primeiros exemplos
identificáveis desse tipo de atividade ...Assim, K.Groos re-
corda o caso de um macaco que adorava puxar a cauda de
um cão que com ele coabitava, sempre que este se preparava
para dormir... (CAILLOIS, 1990, p. 48-49).

Outros autores, como Bartholo (2001), que concebe o lúdico


(assim como a criatividade que lhe é parceira), como um elemento
chave na constituição do sujeito, sendo inerente e fundamental para
sua existência:

O lúdico e o criativo são elementos constituintes do homem


que conduzem o viver para formas mais plenas de realiza-
ção; são, portanto, indispensáveis para uma vida produtiva

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e saudável, do ponto de vista da auto afirmação do homem
como sujeito, ser único, singular, mas que prescinde dos ou-
tros homens para se realizar, como ser social e cultural, for-
mas imanentes à vida humana. (BARTHOLO, 2001, p. 89)

Desta maneira pode-se crer que um ser humano só é autenti-


co quando assume-se Homo Ludens, como pode ser percebido nesta
citação de Platão apud Pinto (2001, p. 5): “Você pode aprender mais
sobre uma pessoa em uma hora de brincadeira do que em uma vida
inteira de conversação”. Acredita-se que a educação deva aproximar-
-se do caráter de jogo, para ser funcional e natural aos educandos,
dando-lhes sentido ao estarem inseridos na sala de aula, proporcio-
nando características de um campo de jogo.

Ao adaptar o mecanismo do jogo de interpretação como mé-


todo educativo, algumas mudanças são necessárias relacionadas ao
seu fim, visto que por meio desta prática haverá uma comunicação
entre o conteúdo e a ludicidade. O professor (“narrador da aventu-
ra”) tem como ponto de partida um ou mais textos que embasem seu
plano de aula-narrativa ou aula-jogo.

RPG e ensino de História: potencialidades

Neste tópico faremos uma breve exposição a partir do tema


Século XIX: Escravidão no Brasil, inspirado no livro Quilombo dos
Palmares (1999). Neste texto base, o professor-narrador seleciona
conceitos a serem trabalhados em sala, dentro das normas curricu-
lares, como:

– Senzala: Alojamento sem divisórias, feito rusticamente de


madeira e terra, onde os escravos passavam a noite, dormin-
do sobre palha ou terra batida, normalmente acorrentados;

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– Casa grande: Casa do Sinhô, dono das terras e escravos;
– Pelourinho: Tronco onde os escravos eram amarrados
para castigos físicos;
– Lei Euzébio de Queiroz: Proíbe o comércio de escravos;
– Lei do Ventre Livre: Permite que todos os filhos de escra-
vos, nascidos após 1871 sejam livres;
– Lei do Sexagenário: Liberta os escravos maiores de 60
anos;
– Rui Barbosa: Abolicionista;
– Abolicionismo: Movimento político social que defende o
fim da escravidão.

Este breve exemplo da proposta de aula foi aplicado na Sema-


na de História 2011, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU),
com sete alunos graduandos dos quais quatro eram do curso de His-
tória, dois de Geografia e um de Filosofia, entretanto, no primeiro
dia havia apenas quatro pessoas. A ambientação da história ocorreu
no ano de 1885 em uma pequena fazenda de cana em Minas Gerais,
parada no tempo, onde os alunos representariam escravos, que de-
sinformados sobre as conquistas do movimento abolicionista, vie-
ram do contrabando dos navios negreiros. Segue abaixo a descrição
dos primeiros 30 minutos de aula:

– Professor-narrador (PN): À noite, você não tem uma no-


ção exata de tempo, com os corpos doloridos vocês estão
acorrentados dentro da senzala, uma estrutura rústica feita
de madeira e terra, como uma casa de pau a pique, as janelas
são poucas e pequenas, o chão batido de terra compactada
frio é aquecido por um pouco de palha, de lá dá para ouvir
o conhecido barulho de um chicote na carne de mais um
dos escravos do lado de fora da senzala. O que vocês fazem?
– Aluno-jogador 1 (Personagem) (AJ 1): Vou ver de onde
vem o barulho.

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– PN: Ao colocar o rosto em uma das janelas, já que a por-
ta também está trancada com um cadeado, você vê um dos
escravos mais velhos apanhando, cerca de 40 anos de idade,
acorrentado em um tipo de tronco com alças para prender
correntes e cordas, todos vocês têm medo de um dia ir para
lá, os brancos o chamam de pelourinho. Atrás dele esta o
feitor de escravos, armado com uma espingarda, um facão e
o chicote, ele grita várias vezes: - Vai roubar de novo, nego?
– AJ (Aluno Jogador)1 (Personagem): Eu ouço isso?
– PN (Professor Narrador): Sim, todos ouvem, ele fala alto
para botar medo em todos.
– AJ 1 (Personagem): Volto para juntos dos demais.
– PN: O escravo todo machucado é jogado na senzala, acor-
rentado junto aos demais. É uma corrente única que passa
pelas algemas nos pé de todos, ficando presa em uma estaca
no chão e trancada com um cadeado.
– AJ 1 (Personagem): Vou ver como o escravo está;
– PN: A corrente te impede, só se mais escravos se moverem
junto contigo conseguirá chegar até ele, para ver com maior
atenção.
– AJ 1 (Personagem): -Vamos pessoal, me ajudem a chegar
até ele.
– PN: E aí, o que vocês fazem?
– AJ-geral: Vamos com ele.
– PN: Ao chegarem próximos, veem que ele está com as cos-
tas sangrando, vestindo apelas uma calça suja e parece que
tem alguma coisa na boca.
– AJ 2 (Personagem): Coloco a mão na bochecha dele, o que
parece?
– PN: É algo duro, quando você toca, ele deixa sair e cai no
chão, é uma chave.
– AJ 3 (Personagem): Ótimo podemos agora fugir!
– AJ 4 (Personagem): Não sabemos se é a chave das corren-
tes, melhor perguntar a ele quando acordar.

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– PN: Então conversam. Vó Maria, uma das mais velhas da
senzala, de uns 60 anos de idade, olhando o escravo assim
machucado, começa a chorar e cantar uma oração, que co-
meça aos poucos a acordar os demais que a acompanha em
um coro “Oxalá, meu pai, tenha pena de nós tenha dó, se a
volta do mundo é grande seus poder são maior...” essa can-
toria trás paz naquele momento. Entretanto, AJ 4 você está
mais próximo da porta, faça um teste, se você tirar 3 ou me-
nos neste dado de 6 faces vai escutar uma coisa.
(Resultado obtido no dado de 6 faces 2: resultado positivo
para o AJ4) 7.
– PN: Você ouve a voz trovejante do Sinhô Manuel, lá da
casa grande, uma residência luxuosa de padrões europeus,
com cômodos grandes onde vivem os donos da fazenda, da
plantação de cana, do engenho e de vocês, e quando eu falo
donos quero dizer só o Sinhô, porque esta sociedade é muito
paternalista. Ele grita: - Que barulheira é essa!!!
– PN: O que você faz?
– AJ 4 (Personagem): Tento fazer a cantoria parar: - Por fa-
vor, mais baixo, ouço o Sinhô Manuel gritando daqui!
– PN: Eles começam a diminuir o ritmo, mas já é tarde o
capataz se aproxima da senzala, vocês têm cerca de 30 se-
gundos até ele chegar.
– AJ 2 (Personagem): A Chave! Precisamos escondê-la?
7 No RPG utilizam-se dados (de diversas faces) para calcular
probabilidades de acertos e erros em circunstâncias específicas. Por
exemplo, um arqueiro tenta acertar uma corda. Para não ocorrer dis-
cordâncias entre a narrativa e a possibilidade de sucesso ou fracasso,
calcula-se a probabilidade da corda ser alvejada. Neste caso, conti-
nuando o exemplo hipotético, o jogador lança o dado de 10 faces
(D10), testando sua habilidade de arqueirismo e em acordo com os
dados registrados na ficha do personagem (previamente construída),
acertar-se-á a corda se o resultado apresentado no dado for 8 ou se
for um numerador superior. Desse modo ocorreu a probabilidade de
20% de acerto. A indicação do percentual de probabilidade é indica-
da pelo narrador.

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– AJ 1 (Personagem): Mas onde?
– AJ 3 (Personagem): Do que é feito o teto mesmo?
– PN: Palha.
– AJ 3 (Personagem): Vou jogar a chave lá.
– PN: tire 3 ou mais para conseguir prender a chave no teto
de palha.
(Resultado no dado 3)
– PN: Incrível conseguiu prendê-la de primeira, parabéns!
– PN: Chega o capataz, dando um tiro para o alto e olhando
vocês por um orifício pequeno que parece ser uma janela
gritando: - Calados! Quem de vocês quer ir para o pelouri-
nho hoje ainda? Todos ficam em silêncio, o que vocês fazem?
– AJ-geral: Silêncio também.
– PN: O capataz se afasta, resmungando alto: – Num enten-
do como esses abolicionistas ainda defendem esse povinho,
estudaru para isso, povo tonto, nunca na vida que seu Ma-
nuel vai libertar eles.
– AJ 1 (Personagem): Cara sacana! Temos que fugir daqui
mesmo!
– AJ 2 (Personagem): Temos e vamos.
– PN: Ok pessoal, ele se foi, porém, como vocês vão pegar a
chave?
– AJ 1 (Personagem): Poxa!
– AJ 2 (Personagem): Fácil, tiro minha calça, enrolo e jogo
no teto para a chave cair.
– PN: É uma ação bem difícil já que você está cansado do
trabalho e a chave é bem pequena, você terá (ao lançar o
dado) 1/3 de chance de conseguir fazer isso.
(Resultado positivo).
– PN: Incrível você consegue de novo, teve sorte dessa vez.
– PN: Bom, deu para perceber que suas crenças não são bem
vindas na região, tanto para os que nasceram no Brasil, en-

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quanto outros vieram em um navio negreiro direto da Áfri-
ca. O que pretendem fazer agora?
– AJ-geral (Personagem): Dormir, amanhã testaremos a
chave.

Comentário:

As atividades realizadas no campo das ciências humanas têm


por ponto comum a dificuldade em definição, pela própria natureza
humana de constante mudança. Entretanto, esta tentativa de dife-
renciar e entender o RPG jogo olhando para sua estrutura histórica,
compreender seu mecanismo e a diferença da didática nestas etapas
é fundamental para compreender este trabalho, assim como ter as
primeiras percepções educacionais que irão se esclarecendo confor-
me a teoria e as experiências vão tomando forma no decorrer deste
processo. Sendo que diversas conceituações serão apresentadas para
que haja uma multiplicidade de olhares sobre este jogo e sua gradu-
al transformação, desde sua criação até uma nova contextualização
para a educação do século XXI.

Vale dizer que a situação possibilitou processos reflexivos e


campos de possibilidades para “ação”, ou seja, o que poderia fazer
um escravo em tais circunstâncias? Quais eram as relações possíveis
e os limites vividos como cativos?

Assim, o ensino-aprendizagem de História utiliza-se de cam-


pos comuns de experiências compartilhadas, nas quais indicações e
desdobramentos de situações comuns são atribuições de narradores
(professores), sendo estas relacionadas com perspectivas de jogado-
res (alunos). A medição e limites advindos do “jogo” coadunam-se
com as imposições e possibilidades história vivenciadas por diversos
sujeitos sociais. Tais dinâmicas abrem flancos para diversas outras
composições: produção de textos, atividades artísticas, culturais e
lúdicas.

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A utilização de RPG nas aulas de História propõe interpreta-
ções e espaços para discussão e reflexão de situações vivenciadas em
diferentes espaços e temporalidades, beneficiando-se de pontos de
vista, questionamentos e modos de solucionar problemas de jovens e
crianças viventes no presente.

O RPG e a produção de conhecimento histórico

Na situação vivenciada e acima narrada tem-se o tema da es-


cravidão. Entretanto, não há uma situação específica, mas campos de
possibilidades sobre o trabalhar e viver sob o julgo da condição de
cativo.

Na perspectiva de uma construção de ensino mais democráti-


co, aberto e constitutivo entre alunos e professores, nos colocamos a
tarefa de ter maior clareza do campo da produção do conhecimento
nas séries do ensino fundamental e médio. Assim, o enredo não se
constituiu como uma narrativa linear proposta pelo professor. Ao
apresentar ta perspectiva buscamos problematizar concepções que
se fundam com a idéia de que o estudo/produção do conhecimento
sobre a História (enquanto ensino e aprendizagem) se faz somente
como algo externo à prática social do ambiente escolar.

Assim, tentamos promover atividades narrativas (lúdicas e


pedagógicas) num lugar distante do demarcado pela autoridade de
uma fala, distanciadas do modo de viver socialmente as contradições
no social, mesmo em um passado mais distante das relações vividas
imediatamente pelos educandos. Refletir sobre o ensino de história
nesta perspectiva “aberta” significa, pois, desvendar os mesmos me-
canismos que a colocam como um saber equidistante, que se instala
longe das escolhas de quem o produziu e evidentemente para quem
foi produzido.

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É preciso dizer que esta busca não se filia a noção ingênua ou
idealizada de que nas escolhas dos nossos procedimentos estaríamos
imunes aos artifícios de certo discurso competente, pois eles existem
naquilo que Marilena Chauí (2000) chama de “impenetrabilidade
imediata do saber, que é real”.

Buscar as diferenças no sentido de reconhecer a autoria de


muitos ‘fazedores de historia’ cujas ações exprimem um processo
socialmente conflituoso de versões, de direitos e de culturas. Nesse
sentido trata-se de pensar a formação do profissional de história e
do trabalho em sala de aula, refletindo a própria historicidade das
relações nas quais todos se encontram presentes enquanto agentes
sociais.

Para Fenelon (2001), é preciso, portanto, relembrar que tem


sido sempre o poder estabelecido que define, ao longo do tempo his-
tórico, quais memórias e quais histórias deveriam ser consideradas
para que se pudesse cunhar a História “certa”, e contrapondo-se a
esta certeza, afirma que:

Ai está, pois o nosso campo de atuação, como historiadores


comprometidos no social, não apenas interessados em nar-
rar e descobrir o acontecido no passado, mas buscar a trans-
formação no presente e a construção de um futuro diferente
do que temos hoje. Estou partindo, pois, do reconhecimento
da diversidade e da pluralidade, do direito de batalhar pela
construção de projetos alternativos e por isto mesmo vou
reafirmando que para mim a História sempre será políti-
ca porque comprometida com seu tempo presente. (FENE-
LON, 2001, p.24),

De acordo com a historiadora, se vivemos em uma sociedade


que excluí, domina, oprime, oculta os conflitos e as diferenças sob a
ideologia e o valor das identidades e da unidade do homogêneo e do
único, então o direito à memória se torna uma reivindicação para fa-
zer surgir a diversidade, a diferença, o múltiplo, as muitas memórias

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e as outras histórias que queremos contribuir para construir. Nes-
tes termos, como em qualquer experiência humana, a memória e o
modo de narrar sobre o passado são também campos minados pelas
lutas sociais, de verdades que se batem, no qual esforços de ocultação
e clarificação estão presentes na luta entre sujeitos históricos diversos
que produzem diferentes versões, interpretações e práticas culturais.
(FENELON; MACIEL; ALMEIDA; KHOURY, 2004. pp. 282-295).

Assim, alicerçando ao pensamento do filósofo Walter Benja-


min (1936), a ação da narrativa como uma âncora memorial da ci-
vilização. E por essa âncora acredita-se poder fundamentar a moral
e a ética da identidade dos sujeitos que estão contando sua própria
história “conscientizando” da trajetória humana sob uma concepção
interconectada, multidisciplinar e socialmente coerente, mostrando
que mesmo ações isoladas geram consequências para uma estrutura
maior.

No RPG todas as atribuições dos participantes são valoriza-


das de forma que, recorrendo à dissertação de mestrado de Andréa
Pavão, conclui-se que a maioria das ações na prática do Role Playing
Game (sendo o jogo ou a prática educativa) é fruto de conhecimen-
tos anteriores, experiências trazidas pelo professor-narrador e os
outros integrantes de livros, filmes, vivências e toda a absorção da
movimentação social latente em sua realidade:

Haveria uma proximidade entre o contador de historias, o


narrador e o mestre de RPG, pelo papel que assumem ao
conduzir uma leitura, seja ela de um livro, de um caso ou de
uma aventura fantástica, para um ou mais ouvintes, que não
mantém uma postura passiva. À medida que o ouvinte in-
terrompe, pergunta, critica, reconduz a narrativa em outra
direção, o mestre vale-se de seu atributo ‘repentista’, como
também de sua ‘bagagem pessoal’, do repertorio acumulado
pela vida. (PAVÃO, 1999, p. 34)

É necessário recordar que o ato de contar histórias é encontra-

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do em todas as culturas. Por meio de odisseias, poesias, mitos, lendas,
fatos, fofocas, especulações, causos, não importando como, existe a
necessidade humana de expressar e compartilhar informações para
outras pessoas mantendo e reconhecendo assim sua historicidade.
Sendo o RPG mais um agregado neste processo, que oportunamente
adicionou o caráter de jogo, possivelmente como uma tentativa de
experimentar, conviver e conhecer a estrutura caótica do século XX
e XXI.

Desse modo, o RPG propõe estudos contínuos sobre a narrati-


va e a produção do conhecimento em sala de aula. No jogo educati-
vo, tal como proposto e brevemente apresentado aqui, além de todas
as atribuições educacionais relevantes ao seu desenvolvimento, vale
ressaltar que buscamos, ao realizá-lo em salas de aula, que alunos e
professores possam criar novas possibilidades de ensino-aprendiza-
do sobre o morar, trabalhar e viver de diferentes pessoas, grupos e
classes sociais.

Considerações finais

Precisamos ressaltar que existe uma grande lacuna entre o jogo


de RPG e o RPG estudado na acadêmica aplicado a educação, sendo
facilmente confundidos. Aqueles que se encaixam na categoria jo-
gador-professor, devido a sua experiência por estarem acostumados
a articular múltiplos conteúdos e a resolução de situações problema
durante o jogo, agem com maior facilidade e flexibilidade, entretanto
caindo muitas vezes no campo do jogo didático quando ocorre o ato
de “forçar o aluno a trabalhar o conteúdo”.

Enquanto o professor-jogador fica maravilhado em primeiro


momento, mas por falta de materiais de referencia e experiência so-
bre a mecânica do jogo, acaba ficando perdido ao permitir “tanta
liberdade” aos alunos, que tradicionalmente estariam condicionados

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a outra postura.

O educador, por meio da narrativa e interpretação de perso-


nagens, pode refletir sobre sua realidade e identidade docente, ini-
cialmente como sujeito consciente e ao entrar em contato com seus
alunos, proporcionar concepções maiores sobre o coexistir sem com-
petir, a percepção de saberes e sua gestão ativa, criando uma ambiên-
cia escolar, singular em cada momento e lugar, que articule e resgate
os conhecimentos de todos envolvidos na produção da narrativa.

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ROCHA, Rafael C. RPG: uma ferramenta lúdica de desenvolvimento
humano. Uberlândia: Uniminas, 2008.

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Pesquisa-Jogos e o ensino de
História

Rafael Correia Rocha8

RESUMO: O texto indica reflexões e caminhos percorridos para a elabora-


ção de atividades lúdicas denominadas pesquisa-jogos. Tais atividades fo-
ram desenvolvidas através de cursos de extensão realizados no interior da
pesquisa Cidade de Uberlândia: História Regional e Local, Ensino aprendi-
zagem e jogos narrativos, nº CHE - APQ-03413-12 (Capes/Fapemig).

Palavras Chave: Jogos educacionais; Ensino de História; Projetos de Ex-


tensão.

Por meio da análise de experiências sobre jogos, em especial


RPG (role playing game – jogo de representação de papéis) e LARP
(Live action role playing – representação ao vivo), realizadas de 2011
a 2013 na Universidade de la Empresa (montevidéu/UY), me foi
possível contribuir na estruturação da pesquisa CAPES/FAPEMIG,
cidade de Uberlândia: História Regional e Local, Ensino Aprendiza-
gem e Jogos Narrativos, n° CHE - APQ-03413-12. A pesquisa reali-
zada anteriormente no mestrado foi direcionada à formação docente
e à influencia dos jogos de representação adequados à sala de aula

8 Pedagogo, Mestre em Educação e Bolsista do projeto: Uber-


lândia: História Regional e Local, Ensino Aprendizagem e Jogos
Narrativos (BAT I – FAPEMIG). Orientador: Prof. Dr. Sérgio Paulo
Morais.

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para a percepção e interpretação do sujeito em relação ao conteú-
do formal, desenvolvendo uma ambientação diferenciada em sala de
aula, promovendo um espaço pedagógico favorável à aprendizagem.

Com a postura do aluno em jogar-participativo e o professor


mediador desse processo, desenvolvida através de jogo-pesquisa,
buscamos contribuir para dinâmicas de aprendizagens no interior
do processo de ensino de história.

Para estruturar a Pesquisa-jogo no interior da pesquisa que re-


alizamos, foi necessário um levantamento e análise dos mecanismos
relacionados entre as estruturas de quatro categorias de jogo (Boar-
dgame, Card Game, Role Playing Game, e Live Action Roleplaying)
em um campo experimental traçado onde estes se correlacionam.

Após isso realizou-se o desenvolvimento de um curso de ex-


tensão, com duração de cinco meses, denominado Play Testing (uma
referencia a testando jogos).

Nossa intenção não esteve pautada em um produto pronto,


como em um sistema de regras e conteúdos fechados, como pode
ser observado em um jogo de futebol, mas em uma estrutura aberta
e interativa com flexibilidade que permitisse criar, em conjunto com
discentes, jogos-pesquisa (JP), onde os alunos, de acordo com a in-
tenção e disponibilidade do professor, pudessem elaborar elementos
e narrativas próprias, inspiradas pelas indicações colocadas nos/pe-
los jogos.

Durante os cursos e oficinas elaboradas em razão da pesqui-


sa, os participantes, professores da rede, passaram por um ciclo de
aprendizagem, que contou com três fases subdivididas em duas eta-
pas. Inicialmente experimentaram jogos e refletiram sobre os im-
pactos destes na sala de aula. Ao fim da apresentação de diversas
categorias de jogos, os participantes selecionaram temas comuns à
educação básica ou EJA. A partir disso, articularam e interpretaram

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fontes e referenciais didáticos, e elaboraram atividades a partir das
vivências e experiências advindas do trabalho docente. Após tais de-
safios ocorreram socializações e debates coletivos entre os partici-
pantes do projeto. Porém, antes de propor aos professores o curso
de extensão, optamos por experimentar jogos narrativos com gra-
duandos para melhor compreender a interação e percepção diante
de conteúdos curriculares segundo as percepções da História Social.

Em setembro de 2013, realizamos uma atividade na qual se ca-


dastraram quinze9 graduandos, dos cursos de História, Jornalismo,
Letras, Filosofia e Geografia, que durante 6 meses, por duas horas se-
manais experimentaram jogos que abordaram o ensino de História.
Esta estrutura foi selecionada para que não repetíssemos situações
conflituosas averiguadas em pesquisas anteriores, como o caso do
uso do RPG de maneira superficial no campo da historiografia. Ao
analisar as experiências de Lôbo (2003) podemos notar que

Após a entrega das redações, solicitei o aprofundamento das


leituras, alguns para variar não tinham feito um texto como
especificado, nem tinham lido o próprio livro para montar
os seus personagens fictícios. Após essa trabalheira toda, em
que os alunos leram, pesquisaram, discutiram tudo isso em
sala de aula, foi montado uma ficha dos personagens (uma
das exigências para se jogar RPG) de acordo com regras ela-
boradas exclusivamente para este fim. (LÔBO, p. 3, 2003)

Ao definir que usar fichas é uma exigência irrevogável para


se jogar RPG, torna-sea prática conflituosa para a sala de aula, ima-
ginando a dificuldade em administrar em uma sala de 40 alunos as
respectivas 40 fichas e 40 dados, ou seja, uma estrutura insustentável.
Compreendemos que novos instrumentos, não garantem novos re-
sultados com posturas antigas. Para os resultados positivos visuali-

9 No decorrer do curso de experimentação de jogos, muitos


graduandos desistiram, restando apenas cinco, pertencentes à licen-
ciatura em História.

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zados, estimulamos professores a buscar estes recursos lúdicos que,
todavia, nem sempre o instruem sobre o uso ou mesmo sequer estão
adaptados para a sala de aula.

A guia de conclusão, gostaríamos de deixar claro que para


o professor que utiliza o RPG em sua sala de aula há um
aumento do trabalho, no entanto, os resultados são visíveis e
pode ser utilizado pelos professores de ensino fundamental
e médio como mais um dos instrumentos didáticos. Assim,
é bom frisar, o RPG não torna a sala de aula aquele paraí-
so pregado pelos pedagogos, pois nem todo os conteúdos
apresentados nos manuais escolares podem ser utilizados
pelo professor numa aula-jogo. No momento é muito caro
jogar RPG, em média se gasta de setenta (R$ 70,00) a cento
e oitenta reais (R$ 180,00) para cada sistema de jogo que a
pessoa queira comprar. Isso para um professor, no Brasil, é
muito caro em decorrência das condições salariais ora em
prática em nível nacional. (LÔBO, p5, 2003)

Todo esse relato apresenta o impacto sobre o hábito de leitura


deste tipo de material no próprio docente, partindo do pressuposto
de que os custos dos livros expostos são os mais caros do mercado,
todavia, existem versões virtuais para acesso público gratuito e edi-
toras nacionais que têm diversos títulos na faixa de dez a trinta reais.
Assim como definir que ocorre um aumento de trabalho, aparenta
ser uma resposta comodista, não inovadora.

Também, ao relatar que o RPG é útil como instrumento didá-


tico e, ao mesmo tempo, definir que não pode ser usado para traba-
lhar todos os conteúdos mostra uma contradição, evidenciando mais
uma vez a falta do hábito de pesquisa, pois existem iniciativas des-
critas por Rocha (2013) como o Sistema Simples (RIYIS, 2004), TNI
(KLIMICK, 2007), FLER (REIS, 2002) e metodologia role playing
(ROCHA, 2013), que já demonstraram que o role playing game pode
ser aplicado a qualquer conteúdo de educação infantil até ensino su-
perior. Em contrapartida, para distinguir o discurso anterior, o com-

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paramos com a visão de Xavier (2011)

Esse jogo de interpretar pode mesclar dados históricos numa


partida, sem abrir mão do elemento lúdico, importante para
a atenção dos alunos, além de instigá-los à imaginação. Uma
partida ministrada por um professor competente pode, sim,
esclarecer para os alunos variados temas históricos. Graças a
seu caráter flexível, o RPG presenteia-nos com variadas pos-
sibilidades; mediante seus cenários infinitos, pode-se jogar
em qualquer período histórico, assim como em infindáveis
recortes temáticos. Além disso, o jogo é moldado de acordo
com o padrão criativo do grupo, podendo ser observadas
personagens como o velho estereótipo à procura de fama
ou indivíduos enigmáticos, como um príncipe dinamar-
quês chamado Hamlet. O RPG também é útil no processo
de formação social do indivíduo, uma vez que os jogadores
interagem entre si, trocando ideias e expondo suas ações,
desenvolvendo um processo de socialização e uma percep-
ção de que seus atos geram consequências. Esta linguagem
beneficia bastante os alunos que têm dificuldades de relação
com os outros, tornando-os mais sociáveis, devido a grande
interação que o jogo proporciona. (XAVIER, p.88, 2011)

Notamos que Xavier compreende que, por mais eficiente que


seja o RPG, o mesmo depende de um “professor competente” para
surtir efeitos concretos. Além do conteúdo, o mesmo ressalta a im-
portância no processo de formação social do indivíduo. Compreen-
demos que o RPG, assim como os demais jogos trabalhados por si só
não são instrumentos totalmente organizados ou exatamente quali-
ficados para a sala de aula, devido a isso cabe ao professor o desafio
de desvendar, experimentar e jogar partindo de suas experiências e
reflexões para realizar as adaptações necessárias.

Seguindo estas ressalvadas iniciamos o curso, partindo de es-


truturas de role playing simplificadas, experimentando o estilo dos
poemas de representação (role playing poems) uma subcategoria
de LARP, no intuito de instigar o educando e promover alternativas

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para interação com o conteúdo apresentado. Selecionamos o tema da
revolução francesa, devido a ser um conteúdo formal no currículo
base, com intuito de abrir debates sobre as diferentes histórias e per-
cepções sobre o conteúdo, de acordo com o relato dos participantes

No começo estava tímido e por fim fui me soltando e me


acostumando com a presença de outros jogadores e com
suas opiniões e suas ações. No jogo eu era o “Rei” francês e
tinha que lutar por minha sobrevivência dentro de uma sala
de cristais no palácio de Versalhes cercado de camponeses
franceses que estavam sendo expostos a condições insalu-
bres de vida. Ao meu lado e também pertencente da monar-
quia francesa estava “meu irmão” mais novo e o próximo na
linha de sucessão e também um integrante do clero, no caso,
um Bispo. O mais interessante foram as argumentações pe-
las quais eles decidiam matar ou não os integrantes, os “por-
quês”, as réplicas, tréplicas. Tudo fluía de acordo com uma
verdadeira cena de teatro improvisada com exceção das ri-
sadas esporádicas. Por fim os camponeses mataram todas as
autoridades e provaram que as argumentações nem sempre
são efetivas. (RELATOS COLETADOS NO PROJETO)

Analisando este relato percebemos que o participante desen-


volve um processo de percepções diante de uma abordagem distinta
que envolve representações sobre os diferentes aspectos que compo-
sição a histórica. Posteriormente, ainda em relação aos poemas de
representação, trabalhamos com o tema de gestão urbana, com uma
proposta de expor problemas sociais, assim como debater sobre a
complexidade estrutural relacionando comunidade, poder público
e suas relações com diferentes demandas e parâmetros econômicos,
sociais, políticos e culturais.

[...] o jogo de hoje me pareceu exigir uma argumentação


mais sólida do que os outros e também, até certo ponto,
um pouco de conhecimento prévio. O que eu achei interes-
sante é que o jogo de hoje pedia um pensamento rápido e
abrangente em várias áreas, como geografia, política, etc. e

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que quase todo mundo foi capaz de argumentar igualmen-
te, mesmo com pouco conhecimento sobre. Acho que ape-
sar dos problemas com várias argumentações realizadas ao
mesmo tempo, é crucial que o jogo tenha essa liberdade para
que os jogadores, conforme forem avançando dentro das re-
gras, possam se fixar em posições até que o jogo possa fluir
de acordo com os lugares encontrados, porque, mesmo que
alguns lugares estejam pré-estabelecidos no início do jogo,
esses mesmo lugares vão aderindo às características que só
são percebidas pelo confronto. (RELATOS COLETADOS
NO PROJETO)

Percebemos que nesta estrutura argumentativa, o educando se


coloca em uma postura de desafio diante do exercício crítico em rela-
ção às estruturas cotidianas. O que permitiu promover debates sobre
a estrutura da cidade (Uberlândia), assim como a inter-relação entre
os setores públicos mobilizados para suprir as carências populares e
ao mesmo tempo manter as condições mínimas de subsistência.

Nesse jogo, alguns alunos representavam o governo e os ou-


tros o povo. Eles tinham de debater, o povo mostrando os problemas
que enfrentam e o governo defendendo que suas ações estão sendo
suficientes para alcançar a população. Os temas eram sorteados e a
discussão era limitada (quando necessário, por exemplo, quando se
perdia o foco da discussão) pelo professor.

Em outro momento, optamos por trabalhar com objetos con-


cretos, questionando sobre como seriam as primeiras composições
sobre o que é história nos primeiros anos do ensino fundamental.
Assim trabalhamos sobre a formação do ser social, onde pedimos
que os educandos trouxessem materiais de casa que fizessem parte
de sua história de vida e, se utilizando desses materiais-memórias,
constituíssem um boneco. Partindo desta construção desenvolvem
uma estruturação sobre o mesmo, debatendo moradia, família, tra-
balho, cultura, motivação e lazer.

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Esse debate era norteado por um dado de seis faces, confec-
cionado em cores vivas, espuma e coberto com courino, onde esta-
vam escritos os temas propostos. No decorrer das jogadas de dados
e perguntas, os educandos iam, pouco a pouco, contando a história
do boneco localizando-o no tempo, contextualizando o mesmo na
cidade junto às suas relações formativas. Sendo até uma referência e
compreensão sobre diversos aspectos da história local.

Quando chegamos, descobrimos que montaríamos um bo-


neco com as coisas que trouxemos. Com esse boneco, joga-
ríamos um dado que continha seis lados e seis temáticas:
lazer, cultura, motivação, trabalho, família, moradia. Cada
um jogava o dado, e tinha que descrever um desses aspectos
do boneco. Neste jogo, pudemos notar que acabamos por
colocar sentimentos e coisas nossas na construção do perso-
nagem. Acabamos colocando pensamentos nossos e coisas
que gostaríamos de fazer. (...) Um ótimo jogo para trabalhar
noções de memória, história local, levantamento de proble-
mas e novas perspectivas sociais [...] (RELATOS COLETA-
DOS NO PROJETO)

De acordo com essa experiência pode-se discutir sobre a as-


sociação entre as memórias e os sentimentos agregados dos sujeitos
na composição do boneco, pois a composição do boneco que os alu-
nos fazem ao descrevê-lo na área sorteada deve ser em função dos
aspectos que o montam. Cremos que, seja possível compreender os
princípios sobre a valorização da História em sua contextualização
com o presente e o passado vivido nos anos iniciais.

Reforçando a interação com o concreto, pensando inclusive


sobre a estruturação de materiais didáticos palpáveis, buscamos in-
teragir com jogos de tabuleiro adaptados para a participação de um
grande número de alunos. Assim, os denominamos como Ground
Games (jogos de chão) utilizando as instalações físicas como tabu-
leiro, no caso, a Universidade Federal de Uberlândia, neste jogo cada
participante recebia quatro cartas designadas como assunto, foco,

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característica e problema. A partir daí deveriam iniciar uma investi-
gação no espaço delimitado, com entrevistas, análises documentais
ou fontes orais, com intuito de instigar o exercício da pesquisa.

[...] nós agimos como pesquisadores e tínhamos que fazer


perguntas para determinados grupos com determinados
parâmetros. Foi um pouco mais difícil, pois existiam várias
implicações como: quem eram seus entrevistados, onde eles
estavam etc, mas uma coisa curiosa foi que o jogo tinha al-
guns aspectos do jogo de tabuleiro e que as pessoas no ta-
buleiro, no caso a universidade, eram acontecimentos, parte
desse tabuleiro. A sensação era a estar mesmo se movendo
dentro de um tabuleiro, condicionado pelas regras. A minha
maior dificuldade dessa vez tentar encontrar alguém que se
encaixasse na minha pesquisa e formular de forma coerente
a pergunta. (RELATOS COLETADOS NO PROJETO)

Esse jogo funcionou com certas restrições às entrevistas, al-


guns alunos não podiam perguntar para homens, outros só podiam
fazer uma pergunta, outros só poderiam entrevistar pessoas em um
determinado espaço da Universidade e assim os alunos tinham de
lidar com as regras e voltar rápido ao ponto de encontro. Da mes-
ma forma agem os pesquisadores, só podem ter um tipo de fonte,
limitam seu contexto, periodização etc. Todos tiveram um mínimo
de pessoas a entrevistar, e trouxeram além das respostas obtidas, os
relatos de como lidaram com as limitações colocadas pelo jogo.

Seguindo essa linha de problematizações entramos em um


jogo de cartas que era voltado exclusivamente para levantar e in-
terconectar os problemas sócio históricos, que promoveram um
exercício sobre a crítica e argumentação diante de temas sorteados
aleatoriamente. As análises não limitavam ao espaço inicial, elas na
verdade poderiam ser feitas em níveis que abordavam uma cidade,
de um estado, região, país continente ou até global, através de repre-
sentações, fossem de economia, saúde, educação, trabalho, moradia,
entre outros.

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O jogo funcionava com uma carta inicial na mesa e cada aluno
com cinco outras, assim a carta da mesa trazia um problema que de-
via ser discutido pelos alunos. O primeiro aluno tinha de relacionar
o problema da mesa com o contido em uma de suas cartas, e seu
raciocínio devia ser aceito pelos outros alunos da roda. Se todos acei-
tassem, era então a vez do próximo aluno, se ele não conseguisse ele
deveria comprar uma carta antes de passar a vez. Então o segundo
aluno tinha de relacionar todas as cartas anteriores antes de colocar
mais um problema na mesa, e assim subsequentemente, até o fim do
jogo. As cartas não saiam da mesa, então depois de agumas voltas
no jogo, os alunos tinham de lembrar a relação de problemas de 20
cartas (número que não parava de aumentar).

O jogo tinha que ter as cartas relacionadas e quem jogasse


teria que falar todas as relações ditas anteriormente, caso
contrário compraria uma carta. Correlacionando proble-
mas, entendemos um pouco a quantidade de problemas que
uma cidade, até mesmo um país, pode ter, vendo que não
adianta solucionar um, sendo que outra coisa pode acabar
causando o problema posteriormente. (RELATOS COLE-
TADOS NO PROJETO)

A limitação era o espaço inicial, os problemas se relaciona-


vam com ele, trazendo mais problemas do mesmo espaço, que por se
tratarem de um tema regional, eram muitos deles vivenciados pelos
alunos que jogaram. Isso fez com que eles aceitassem ou não a ar-
gumentação entendendo melhor do que se tratava o assunto. A vi-
vência do aluno com os problemas era o que então fazia a diferença
nas discussões. Assim, idéias e argumentos “fracos” ou sem nexo,
dificilmente passavam.

Cada carta tinha um nome e desenho referentes a coisas de


necessidade social e infra-estrutura. Alguns exemplos: água, trans-
porte, moradia, empregos, educação, etc. além de cartas como pule a
vez, e inverter o sentido do jogo. Ou seja, além de entender a relação

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de causa e conseqüência dos problemas referentes ao espaço que se
trabalha no jogo, eles ainda tinham de driblar as armadilhas coloca-
das pelos próprios colegas, que é o que faz o jogo ser não só educati-
vo, mas também divertido, prendendo mais a atenção do aluno que
joga. Lembrando que não há somente uma carta por assunto. Desde
que existam vários assuntos, é possível repetir alguns para aumen-
tar o baralho. Até porque, um mesmo problema tem varias causas e
muitas conseqüências, e com a repetição (não exagerada) dos assun-
tos pode-se trabalhar essas várias dinâmicas sociais.

O jogo pode ser bem realizado com dez alunos. Assim, todos
conseguem manter a atenção no raciocínio e em quem tem a vez
de falar. Para mais do que dez, duas coisas são necessárias: em pri-
meiro lugar, mais cartas, e conseqüentemente mais assuntos a serem
tratados. Pois com poucos assuntos e muitas cartas repetidas o jogo
torna-se cansativo e repetitivo. Em segundo lugar, maior domínio da
turma pelo professor, pois para uma turma de trinta alunos jogar, o
tempo que o jogo demoraria a dar uma volta (mesmo que ninguém
jogasse cartas de inverter o sentido do jogo) com cada participante
retomando todo o raciocínio e argumentando a seu favor, tentando
discutir com tanta gente, seria bem maior, fora a distração que toma-
ria conta do outro lado da roda.

Em uma variação do jogo com qualquer aluno podendo cor-


tar a vez do próximo da roda as relações estabelecidas se tornaram
muito superficiais e aconteceram antes que a relação anterior fosse
ao menos terminada, pois na pressa dos alunos descerem todas as
cartas de sua mão, o principio do jogo se perde. Mas nesse caso não
se pode reclamar de falta de atenção dos alunos.

Retomando os role playing poems, trabalhamos desdobramen-


tos históricos como impactos futuros, comparativos entre senso-
-comum e senso-crítico e, por último, confrontos entre estruturas
sócio-culturais que compõe o ser social. Como em uma proposta
de conflitos culturais, quando os jogadores interpretavam pessoas

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presas em um elevador e estas com preconceitos, fobias, crenças e
ideologias, e como estas partiam para enfrentamentos

Com o passar do jogo essas pessoas, obrigadas a se comuni-


carem, acabavam expondo seus medos e anseios junto com
o preconceito que carregam. Dando para ter uma crítica
bem nítida da sociedade em si. O ser humano é um conjunto
de acontecimentos, sua formação de valores é formada pela
criação não só dos pais, mas também pela da televisão, mú-
sica, amigos, escola, livros. Todo o seu caráter não depende
e não vem do mesmo e sim das ações e das pessoas em sua
proximidade. (Aluno 10, p.1)

Este poema de representação buscou apresentar contextos


socioculturais permeados por questões do cotidiano enquadrados
em uma situação problema aberta a múltiplas possibilidades de in-
terpretação. O que instigou os graduandos a entrarem em debates
calorosos sobre o posicionamento, pois durante esse processo, é per-
ceptível que quando o LARP atua em um aspecto tão profundo, já
não aparenta ser apenas um jogo mas “uma linguagem, um meio de
expressão e uma forma de arte. Sendo assim, ele é tão diverso quanto
a pintura, o teatro e o cinema”(FALCÃO, 2013). Esse aprofundamen-
to reflexivo ocorre no processo de produção e recepção contínua de
novos discursos e interpretações (TODOROV, 2014) instigados pelo
jogar, desafiando o participante por meio de novas experiências.

Na última etapa de testes, foi utilizado o RPG, com as ressal-


vas de Lôbo (2003) e Xavier (2011), em uma síntese de narrativa e
poucas regras aplicadas à sala de aula, denominada metodologia role
playing (ROCHA, 2011), nela trabalhamos uma amostra de como ar-
ticular e desenvolver um conteúdo não linear deixando a aula como
um campo de experiência a ser descoberta pela escolha dos próprios
alunos. Diferenciando-se do LARP, pela figura sempre ativa e pre-
sente do narrador, que media os participantes os relacionando por
meio de personagens, em um enredo unificado (mas não homogê-

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neo) contextualizado em determinado período histórico. Segundo a
experiência dos graduandos

Nesse jogo, nós éramos personagens que agiam dentro de


uma configuração de realidade onde vários conceitos de
uma disciplina eram apresentados e nós tínhamos que lidar
com esses conceitos, e de uma outra forma, criar situações e
experiências nossas. Acabávamos por elaborar de tal forma
as ações, que elas ficavam em grande parte, em nós, como
se o conhecimento exposto em sala de aula pudesse ser pos-
to em “prática” e essa prática, tão real, tão bem construída,
passasse a fazer parte daqueles que estão usando esse co-
nhecimento, ao mesmo tempo elaborando onde usá-lo. Eu
confesso que nunca tinha tido uma prática que tivesse essas
habilidades antes, em nenhum tipo de teoria ou metodolo-
gia de sala de aula. (aluno 04, p1)

Segundo o relato dos graduandos, esta forma de representação


promove apresenta processos de produção de experiências por meio
da representação, gerando uma aula participativa e ativa. Como uma
ponte entre a teoria e a prática, de maneira que o conhecimento pos-
sa ser “posto em “prática” e essa prática, tão real, tão bem construída,
passasse a fazer parte daqueles que estão usando esse conhecimento,
ao mesmo tempo elaborando onde usá-lo” (Aluno 03, p.1).

Para alcançar este ponto de equilíbrio foi necessário recorrer


a um processo anterior, realizado em 2011 em um curso de exten-
são de professores, no instituto de História da Universidade Federal
de Uberlândia, que se utilizou da narrativa do RPG com adaptações
para a sala de aula, a fim de articular novas regras, pois “é a própria
interatividade que pede a definição de regras claras no RPG (...) para
dar o mínimo de ordem à bagunça, visto que não há um roteiro pré-
-definido para a história” (PEREIRA, 2003). Assim, pautamos um
roteiro, baseado em plano de aula.

O jogo de hoje foi, para dizer o mínimo, surpreendente. Po-

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der observar como a estrutura de um jogo pode ser tão be-
néfica em todos os sentidos para uma grande maioria dos
alunos, me faz pensar quase que todas as utopias da pedago-
gia podem finalmente ser sanadas. (Aluno 07. p1.)

A narrativa do RPG proporciona para a sala de aula outras


perspectivas diante do mesmo conteúdo, produzindo experiências
que permitem ao educando questionar diretamente o contexto his-
tórico por meio de um personagem. De maneira que, por meio da
ficção, do simbólico e de suas representações a “utopia” pode se apro-
ximar do campo das possibilidades. Segundo as percepções averi-
guadas neste ambiente de experiências.

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acesso em 14 jan 2015

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Pesquisa e ensino em História:
Jogos-narrativos e experiências
nos contextos sociais vividos

Sérgio Paulo Morais10

RESUMO: Este capítulo registra um balanço da pesquisa “HISTÓRIA


LOCAL, ENSINO-APRENDIZAGEM E JOGOS-NARRATIVOS: CIDA-
DE DE UBERLÂNDIA” (CHE-APQ-03413-12 – INHIS/UFU), convênio
CAPES/FAPEMIG, a partir das experiências, leituras e ações dissolvidas
durante a vigência da mesma. Além disso, aborda algumas dimensões do
trabalho de professores e lida com limites e possibilidades de utilização de
jogos-narrativos no ensino de História, observáveis a partir das dinâmicas
propostas pelos pesquisadores.

Palavras-chave: Ensino de História, Contextualizações, Experiências, Jo-


gos-Narrativos.

A pesquisa tratada ao longo deste livro buscou discutir e apre-


ender dinâmicas sobre a composição e utilização de jogos-narrati-

10 Doutor em História, professor dos cursos de graduação e


pós-graduação em História (INHIS) e do programa de pós-gradu-
ação em Educação (FACED) ambos da Universidade Federal de
Uberlândia, coordenador da pesquisa “HISTÓRIA LOCAL, ENSI-
NO-APRENDIZAGEM E JOGOS-NARRATIVOS: CIDADE DE
UBERLÂNDIA” (CHE - APQ-03413-12 – INHIS/UFU – CAPES/
FAPEMIG).

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vos por discentes e docentes, em diferentes etapas do conhecimento.
Mas se preocupou, sobretudo, com as experiências, pressões e limi-
tes colocados pela carreira aos docentes, nos dias atuais.

No que tange a criação de jogos e as ações vivenciadas em salas


de aulas, por professores no exercício de suas funções, constituímos
um interessante e vasto material, mas, especialmente, uma diversida-
de de avaliações e perspectivas sobre o cotidiano dessa profissão nos
dias atuais. Estas, por sua vez, evidenciam dimensões sobre o ensino
de História, principalmente no que tange as experiências profissio-
nais dos participantes das oficinas e demais atividades propostas pela
pesquisa.

Tais concretudes foram registradas em diversos momentos


pela equipe participante, entre alguns, registramos aqui narrativas
gravadas durante o “SIMPÓSIO NARRATIVAS DA IMAGINA-
ÇÃO”,11 espaço criado para a apresentação de relatos, evidências e
experimentos sobre jogos educacionais elaborados por participantes
dos cursos de extensão promovidos pela própria equipe.

Entre as apresentações, encontra-se a seguinte proposição do


professor Lucas (Ensino Médio)12:

Bem, o que eu queria conseguir com essa aplicação de RPG


(Role Playing Game) na escola? Eu queria que os alunos
pensassem, ou melhor, fizessem o exercício de imaginação.
Tentassem pensar como personagens daquela época, como
pessoas durante a Revolução Francesa. Ou seja, darem um
salto de fé, e tentarem vencer o anacronismo de seu próprio

11 “SIMPÓSIO NARRATIVAS DA IMAGINAÇÃO”


(11697-Proex /2014), realizado na Universidade Federal de Uber-
lândia, em 18/07/2014.
12 Mantivemos nos registros o primeiro nome dos professores
participantes de tal pesquisa. Esta e as demais entrevistas e registros
orais fazem parte do Acervo da pesquisa CAPES/FAPEMIG APQ-
03413-12 – INHIS/UFU.

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pensamento. Dessa forma eles poderiam simular suas ex-
periências como se estivessem vivendo naquela época [...]
e nisso, eles poderiam juntar aquilo que já estudaram com
suas próprias experiências e vivências particulares tiradas e
tirar algo novo que poderia ser útil (SIMPÓSIO, 18/7/2014).

Após o relato sobre as intenções esperadas na utilização de jo-


gos em sala de aula, surgiram indicativos sobre as condições estrutu-
rais da escola e do próprio ensino. De acordo com o professor Lucas:

O meu problema é que eu fiz a atividade para ser aplicada


antes de ensinar a eles sobre Revolução Francesa e, ai vem
a primeira coisa que eu gostaria de relatar a vocês: essa ati-
vidade, como vocês viram com os outros colegas ou talvez
com o que vocês viram e ouviram nas apresentações da ma-
nhã, foram documentadas. Você tinha alguém lá para tirar
foto, alguém para filmar. Tudo isso precisa de permissão por
parte dos pais dos alunos para que seja usada a imagem de-
les. Quando eu cheguei até a diretoria e requisitei essa per-
missão de porte de um documento [...] a diretora falou “tudo
bem, mas a gente vai precisar levar esse documento para ser
analisado pela superintendência, pois nós só poderemos dar
o aval para você aplicar essa atividade na escola uma vez
que esse documento tenha voltado da superintendência”. Eu
falei “tudo bem, qual é o prazo que vocês me dão para isso?”
A diretora olhou pra mim e disse “vinte dias”. Vinte dias é o
tempo que eu teria que esperar para poder aplicar essa ati-
vidade. Em vinte dias eu já teria iniciado o conteúdo sobre
Revolução Francesa. Em vinte dias eu estaria na metade do
caminho, quase terminando o tema e às portas da tempora-
da de provas. A temporada de provas do colégio no qual eu
ensino, funciona através de faixas de provas. Então você tem
um acordo informal entre os professores: nenhum profes-
sor pode aplicar atividades que sejam de conteúdo novo e,
que de preferência, nenhum professor aplique uma atividade
que cause grande burburinho ou que demanda demais os
alunos como trabalhos extensos ou algo que vá galvanizar
a atenção, o que seria justamente a nossa atividade de RPG
(SIMPÓSIO, 18/7/2014).

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Neste aspecto, o desenvolvimento do projeto nos permitiu
compreender melhor as possibilidades e limites da utilização de jo-
gos ou de outros elementos que podem reordenar o dia-a-dia escolar,
na atual prática docente. Neste aspecto, Maria do Rosário Peixoto ao
avaliar o panorama do ensino de História indica que,

o conceito de ensino como pesquisa remete à profunda arti-


culação entre ensino e aprendizagem e à autonomia de pro-
fessores e alunos de se assumirem como sujeitos do processo
histórico, de reconhecerem seu lugar no mundo e no proces-
so de ensinar/aprender, o que supõe liberdade de opção e de
opinião (PEIXOTO, 2015, p. 42).

Há de se assinalar que a professora Peixoto apresenta tal noção


no interior de um contexto muito significativo: o da criação da pro-
posta de reforma curricular de 1986 para o ensino de História, entre
outros, no Estado de São Paulo. Elaborada a partir de um amplo de-
bate no qual participaram professores da rede, “sob a coordenação
da CENP (Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas), da
Secretaria de Educação” (PEIXOTO, 2015, p. 42).

A proposta intentava articular o ensino por intermédio da


História Temática, apresentando o “trabalho” como foco central pro-
posto naquele momento e foi elaborada após um longo período de
ditadura civil-militar; no qual predominaram os Estudos Sociais e
a Educação Moral e Cívica, com suas concepções nacionalistas em
substituição às disciplinas de História e Geografia (MARTINS, 2016).

A grande inovação que tornou essa experiência única e não


superada ainda hoje foi a concepção do ensino como pesqui-
sa, não como um recurso didático ou uma atividade à parte,
paralela ou como busca e sistematização de informações,
como se faz muito hoje, mas, como o princípio organiza-
dor de todo o processo de ensino/aprendizagem. A palavra
pesquisa usada nessa proposta carregava um sentido inova-
dor e uma grande potência transformadora. Tal potência era

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arrojada por sua concepção teórica, por sua metodologia e
pelas relações políticas4 e institucionais que contribuiu para
criar ou desfazer (PEIXOTO, 2015, p. 42).

A proposta de 1986, por diversos motivos (alguns discutidos


por, MARTINS, 2016), não foi consolidada enquanto diretriz curri-
cular,13 mas, ela ainda é um estímulo aos que acreditam na possibili-
dade de fazer com que a pesquisa guie o ensino. Entretanto, o atual
quadro curricular, cercado por diversos mecanismos de controle e
presença de analistas e técnicos que acompanham o desenvolvimen-
to “do que deve ser ministrado” e que, às vezes, apoiam metodologi-
camente a aplicação dos (famosos) conteúdos.

A pesquisa que concretizamos registou entrevista com uma


“Analista da Área de História”, que, em 2013, atuava na cidade de
Uberlândia. Maria Donizete, fazia, então, “parte do Programa de In-
tervenção Pedagógica do estado de Minas Gerais, que passa a atu-
ar em 2011, para implementar o CBC – Conteúdo Básico Comum
que é o currículo do Estado de Minas Gerais” 14(M. DONIZETE,
08/10/2013),

13 De acordo com a professora Peixoto: “Inspirada na proposta


de 1986, a proposta de 1992 opta pela adoção da História temática e
do cotidiano. Propõe partir do presente, isto é, da realidade e da ex-
periência do aluno, tomando-o como sujeito de seu aprendizado. Na
minha avaliação, ela cumpre dois papéis contraditórios: consciente-
mente, pretendeu ‘salvar’ aspectos inovadores da proposta de 1986;
atribuir papel ativo aos alunos e professores; preservar, na sala de
aula, o uso de documentos e a história temática e do cotidiano. Por
outro lado, intencionalmente (ou não), ela cumpriu um papel polí-
tico fundamental: despolitizar a proposta de 1986 e reapresentá-la à
comunidade, escamoteando as suas diferenças” (PEIXOTO, 2015, p.
56).
14 Cf.: http://crv.educacao.mg.gov.br/sistema_crv/index2.as-
px??id_objeto=23967#, acessado em 12/02/2016.

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o papel também é o de orientar o professor, fazer interven-
ção no momento e tempo certo. Por isso no início do ano é
aplicada uma avaliação diagnóstica em todos os conteúdos,
para saber o que aquele aluno ainda não aprendeu, (que o
programa do estado de Minas Gerais chama de “consoli-
dar”). Exemplo: o que o do aluno do 6° ano tinha que con-
solidar no 5°, então a diagnóstica vai ser baseada na Matriz
Curricular do ano anterior (a avaliação diagnóstica do 7º
ano é baseada na matriz do 6º e o mesmo com os demais
anos). Caso ele tenha que ter consolidado a habilidade que
conceitua e distingue tipos de escravidão no 6º ano, mas não
conseguiu, o professor fará um PIP – Plano de Intervenção
Pedagógica retomando o ensino dessa habilidade. O profes-
sor então trabalha esse conteúdo no decorrer do ano cami-
nhando junto com o conteúdo do ano em que o aluno está.
Mas o trabalho com esses ou esses alunos precisa ser focado
e diferenciado. Porque se você determinada atividade e esse
aluno não respondeu, não atingiu a meta, não conseguiu
mostrar que ele tinha conhecimento e se o professor em ou-
tro momento usar a mesma atividade para ensinar e avaliar
pode não ter sucesso e gera critica, pois dificilmente você
consegue resultado diferente usando uma mesma metodo-
logia. Então, nossa orientação é nesse sentido, o professor
trabalhou de uma forma, avaliou de uma forma, e o aluno
não respondeu é sinal que alguma coisa precisa ser melho-
rada, então muda a atividade de ensino, muda a metodo-
logia, muda o recurso. Então minha opinião como analista
e professora, é que existe um equívoco ao tentar conseguir
resultados diferentes fazendo sempre as mesmas coisas (M.
DONIZETE, 08/10/2013).

À primeira vista, as narrativas do professor Lucas, anterior-


mente apresentadas, e de Maria Donizete, parecem ser totalmente
distintas. Mas alguns argumentos e proposições aproximam, na prá-
tica, as duas interpretações a respeito do trabalho em sala de aula.

embora planejamento como sabemos, não é engessado, o


professor muitas vezes diz “como vou fazer o planejamento
anual se eu não sei o que vou trabalhar”, o planejamento

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anual é uma previsão, um mapeamento do que vai traba-
lhar e como será trabalhado. Além do plano anual, o pro-
fessor elabora seu planejamento diário, semanal, quinzenal.
E muitas vezes o professor vai planejar uma aula a partir
de uma questão que surgiu na sala, uma pergunta, uma dú-
vida, qualquer coisa que apareça na sala ele pode planejar
uma aula em cima daquilo. Então o que a gente orienta é que
o professor não vá para a sala contando com improvisos,
que ele tenha todo um planejamento, pra isso, assim como
o governo de Minas Gerais tem o currículo básico comum,
o CBC, eles tem o centro de referencia virtual do professor
lá tem várias sugestões de atividades. Hoje a internet ajuda
demais o professor. Outro grande colaborador é o portal do
professor, a biblioteca virtual de domínio público, então não
temos uma padronização, mas temos método, sim. Até para
romper um pouco com a leitura seca, sem reflexão, a cópia,
o resumo, o questionário que não acrescenta conhecimento
ao aluno (M. DONIZETE, 08/10/2013).

Mesmo atuando em diferentes etapas do ensino básico, am-


bos, entretanto, cumpriam formulações sobre o que deveria ser mi-
nimante “aprendido” pelos discentes no interior de um ensino seria-
do, com prazos e avaliações à cumprir.

Para que isso ocorra torna-se necessário “implementar” (ou


fazer exercer) o Currículo Básico Comum. Por sua vez, os conteúdos
postos na diretriz curricular e verificado e analisado através de “ava-
liações diagnósticas”.15 Tais diagnósticos, ao serem consideradas no
âmbito coletivo de uma sala de aula, ou escola, acabam por aferir o
próprio desempenho profissional docente.

Por encadeamento, há também de se considerar as intenções

15 Vale lembrar que o Enem (Exame Nacional do Ensino Mé-


dio), quando criado em 1998, foi uma avaliação diagnóstica do Ensi-
no Médio, sem a relação com o acesso a cursos superiores ou à pro-
gramas de créditos (ou mesmo afirmativos). Cf. http://portal.inep.
gov.br/web/enem/sobre-o-enem, consultado em 06/02/2016.

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inerentes ao planejamento e ao conteúdo “oculto” – ou modos de se
disseminar a tecnificação do ensino; fator necessário à vida e ao com-
portamento na sociedade capitalista que nos rodeia (APPLE, 1982).
A respeito disso, é bastante conhecida a fórmula paradoxal em que o
ensino e os currículos são apresentados (e cobrados) dos professores.

O professor é submetido, na recepção [de] documentos, a


uma comunicação que no aspecto verbal e democrático,
autonomizadora, crítica e flexível, mas no ato de impor-se
como “verdade pedagógica” desconfirma o docente, redu-
zindo-o a mero executor [...] de seu próprio ofício (CERRI,
2004, p. 217).

Em seu artigo, a professora Peixoto (2015, p.55) refere-se à


proposta de 1992, oficializada através da Secretaria de Educação
paulista, como um suporte para a elaboração dos PCN – Parâmetros
Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998). Neste período, os sentidos
atribuídos às políticas para educação se enquadravam nas conjuntu-
ras do neoliberalismo e se destacavam pela internacionalidade de leis
que respondiam aos interesses de órgãos “como o FMI [Fundo Mo-
netário Internacional] e Banco Interamericano de Desenvolvimento”
(CERRI, 2004, p. 215).

As ideias-força presentes na legislação federal desde o iní-


cio do mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso,
pelo menos, são “a suprema responsabilidade pelas transfor-
mações sociais delegadas à educação”, “o conhecimento hu-
mano rebaixado a recursos estratégicos do desenvolvimen-
to, confundido com informação”, “a visão messiânica da
tecnologia”, “o raciocínio economicista/empresarial subja-
cente aos modelos educativos” e “um conceito de qualidade
vinculado à perspectiva empresarial de eficiência, eficácia e
política de resultados” (CERRI, 2004, p. 216).

Tais “ideias-força vão interferir decisivamente na forma pela


qual essa legislação se relaciona com o professor e também nos con-

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teúdos e seus critérios de seleção”. Assim, sobre o “professor, inicial-
mente, essas políticas acentuaram uma postura, nas instâncias bu-
rocráticas, de desconfiança, desprestígio e disposição de vigilância e
direcionamento dele e de seu trabalho”, naquilo que alguns intelectu-
ais apontam para “programas a prova de professor”, “pensados para
serem implementados apesar do corpo docente” (CERRI, 2004, p.
216), mas que não limitam resistências ou adequações quando anali-
sadas no interior da atividade docente.

Tal conjuntura histórica não se alterou até então. Algumas


análises realizadas em períodos mais recentes têm demostrado que
a tecnicidade e adequação ao mundo do trabalho, na condição de
empregados dinâmicos e flexíveis, implicam ensinamentos adequa-
dos ao mundo globalizado, no conteúdo escolar. Os PCN, ainda não
totalmente suplantados, induzem a utilização e a compreensão de
várias tecnologias, algo que parece determinante aos operários e ao
atual mundo do trabalho.

Em relação às Ciências Humanas, sobretudo no ensino médio


(PCNEM), esse “fetiche” (tecnologias) “expressa a atribuição de uma
função utilitária”. “Pois predominam assuntos relativos a resultado
da ação” das Humanidades “para a melhoria do mundo do trabalho
(gestão de indivíduos e dos grupos, planejamento, obtenção e orga-
nização de informações, assim por diante)” (CERRI, 2004, p. 221).

Adaptar-se para sobreviver, em vez de compreender para


transformar. O “fim da História” orienta o ensino de His-
tória e das Humanidades para o texto dos PCNEM, e nesse
sentido é interessante perguntar ate que ponto os conteúdos
de História são realmente históricos, no sentido de permiti-
rem pensar o significado dos fatos, oferecendo signos fixos e
constantes que neutralizam toda contradição possível entre
o que está dado e o pode surgir historicamente, ditando en-
tão normas fechadas para ação e progresso (CERRI, 2004,
p. 222).

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Em relação às “competências como metas”, postas nos “Parâ-
metros”, Luis Fernando Cerri (2004) indica-nos que “essa disposi-
ção poderia fazer-nos imaginar alguma semelhança com as reformas
curriculares de História marcadas pelo liberalismo da velha Inglater-
ra em meados da década de 1980, em que, permitiam ao professor
utilizar qualquer [...] metodologia, desde que fossem atingidas”.

Os PCN, entretanto, [...] são bem mais prescritivos. Mas é


importante registrar o posicionamento de que as competên-
cias não são construídas na escola, mas sim nas situações
reais de vida e trabalho, uma vez que a “pedagogia das com-
petências” tem dificuldades em compreender as especifici-
dades do conhecimento tácito em relação ao conhecimento
formal e organizado da escola (CERRI, 2004, p. 222).

É bastante sutil a relação do ensino de História com metas,


utilização de tecnologias e a busca por “competências” tais como as
indicadas nas diretrizes curriculares. Durante a realização da pes-
quisa, registramos um movimento motivacional favorável ao uso de
meios de comunicação, redes sociais, entre outros, para se aproveitar
a “criatividade e a potência energética dos educandos” (M. DONI-
ZETE, 08/10/2013).

Na narrativa da Analista Educacional, por exemplo, encontra-


-se o seguinte trecho,

[...] nossos alunos de hoje são diferente de 10, 15, 20 anos


atrás, [...] o aluno não está interessado isso é meio verda-
de’ porque o aluno está interessado sim, ele pode não estar
interessando no que o professor está falando, mas ele não
está apático, o aluno está mexendo no celular, falando com o
colega, conversando, mexendo com alguma coisa, então ele
não está apático. Ele não está interessado no que o professor
passa, no tema da aula, na aula em si. E quem sabe não é isso,
quem sabe a forma que o professor está usando não interessa
pra ele. Enquanto os recursos tecnológicos, lúdicos através
de jogos e brincadeiras; por que não utilizar? As crianças

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que temos hoje têm muita energia, adolescentes, pré-adoles-
centes. O professor fica ali mandando ler, [a famosa cópia]
manda fazer uma cópia, resumo sem estrutura nenhuma,
e isso não é interessante. Então tem que usar recursos que
chama a atenção dele, mas temos muitos professores que
já fazem isso, temos professores que dão aula usando face-
book, que é uma rede social. Professores inovadores que tra-
balham muito bem (M. DONIZETE, 08/10/2013).

Ao apresentarmos o projeto e realizarmos a pesquisa, não tí-


nhamos (não temos e não teremos) a intenção em contribuir com
as medidas liberais e à formação de categorias de trabalhadores tec-
nologicamente informados e inventivos, polivalentes às demandas
e exigências que o capitalismo parece impor e induzir. Porém, no
interior do processo de trabalho dos profissionais do ensino públi-
co, cumpridores de extensa carga de atividades, realizadas dentro e
fora da sala de aula,16 em atividades que exigem (através de “avalia-
ções diagnósticas”) a execução de extensos e interconexos conteúdos
curriculares, baixos salários, entre outros, inserem-se determinações
“hegemônicas” ampliadas.

Pois,

uma hegemonia vivida é sempre um processo. Não é, exceto


analiticamente, um sistema e uma estrutura. É um comple-
xo realizado de experiências, relações e atividades, com es-
pecíficos e mutáveis. Isto é, na prática a hegemonia não pode
nunca ser singular. Suas estruturas internas são altamente
complexas, e podem ser vistas em qualquer análise concreta.
Além do mais (e isso é crucial, lembramo-nos o vigor ne-
16 “A própria escola pode escolher se vai colocar, por exemplo,
4, 3 ou 2 aulas de História, então isso vai variar muito de escola para
escola. Em anos iniciais é professor regente, nem conta hora aula.
Mas contabilizando horas, o máximo que ele pode ter são 36 ho-
ras. Dentre estas, algumas são destinadas para atividades extraclasse
(planejamentos) cumpridas na escola e em casa” (M. DONIZETE,
08/10/2013).

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cessário do conceito), não existe apenas passivamente como
forma de dominação. Tem de ser renovada continuamente,
recriada, definida e modificada. (WILLIAMS, 1979, p. 115).

Na seção posterior discutiremos o modo de organização e os


procedimentos escolhidos na realização das atividades do projeto
que desenvolvemos. Como será apresentado, buscamos pareceria em
várias escolas públicas, nas quais, convidamos docentes de História a
participarem direta ou indiretamente da realização da pesquisa.

Para a análise do que compreendemos como “pressões e limi-


tes” sociais (WILLIAMS, 1979), a partir do complexo quadrante de
trabalho, que é a docência, a equipe da pesquisa realizou entrevistas
com profissionais que se inscreveram para acompanhar as ativida-
des, mas, que por “questões diversas”, não compareceram a nenhuma
delas.

Excetuando particularidades, percebe-se que os convites fo-


ram feitos nas escolas, em conformidade com as recomendações de
supervisoras, diretores e analistas educacionais. Entretanto, fora do
ambiente escolar, discentes revelaram traços contrários a respeito da
proposta apresentada e às cobranças sobre suas funções e atividades,

Na verdade a escola não libera a gente dos módulos, então


a gente não teria tempo para poder sair. Sexta feira é dia de
módulo, é dia de a gente estar em reunião, e a escola não li-
berou, ou a gente ia ao curso e faltava no módulo, ou largava
o curso e ia ao módulo (professor 05, 10/11/2014)17

Entrevistador: - Não teria uma resistência com relação à for-


mação? Eu digo resistências que o meio impõe. O contexto.
Entrevistado: -Até. ... Deixa eu ver se entendi. Por exemplo,
resistência da instituição para o aperfeiçoamento, para o

17 Nas entrevistas com professores que não participaram do


curso, mantivemos apenas identificação numérica.

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meu aperfeiçoamento?
Entrevistador: - É uma das questões.
Entrevistado: - É um dos pontos inclusive pelos quais eu de-
sisti do curso. Porque eu estou em um enfrentamento atual-
mente porque nós estamos sem sindicato, o nosso sindicato
não nos representa e, eu faço parte da mesa permanente de
negociação do plano de carreira do município. E a gente está
tendo um embate muito grande nesse momento para a gen-
te criar um plano de carreira que possibilite o professor ou
o profissional da área de educação desenvolver na carreira.
Temos um grande déficit nesse quesito, por exemplo: nós
não temos liberação integral para fazer um mestrado por
exemplo. Eu fiz meu mestrado sem essa licença. Tinha que
continuar dando aula. Enfim a gente está lutando pra que
essas condições melhorem. Então há muita resistência, sim!!
(professor 02, 06/11/2014).

Falta de tempo, [...] na primeira vez eu consegui chegar lá


às duas e meia. Segundo dia, assim... porque eu dou aula
aqui e saio daqui meio dia e quinze e eu tenho que arrumar
minhas meninas, deixar na escola e voltar para poder co-
mer, ai sair daqui e ir para lá. Então quando foi na segunda
sexta-feira que eu não consegui me organizar e quando eu
terminei já era uma e tanto, até eu chegar lá já pensei, não
vai dar e, para chegar todo dia atrasada não seria legal. Você
mesmo sugeriu ‘não cheguem atrasados’ e quando eu não
consegui; eu já vi que infelizmente não vai ter como. A sexta
feira eu tenho a disponibilidade, mas não para chegar no
horário proposto (professor 03, 06/11/2014).

Trata-se de circunstâncias importantes a respeito das condi-


ções de trabalho, que, juntamente com as diretrizes curriculares,
“avaliações diagnósticas” e outras peculiaridades metodológicas, in-
terferem nas práticas e no ensino de História.

Não consideramos as falas como argumentos furtivos ou de-


vaneios. Distante disto, tentamos percebê-las como interpretações e
atitudes inseridas na “forma de trabalho” e na estruturação da auto-

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nomia dos professores, as quais pareceram infligidas pelo convite. A
reação a tudo isso se deu através de “revelações” sobre a dura rotina
frente às cobranças impostas.

Em suma, para nós, as negativas expressaram potenciais resis-


tências às projeções e a políticas que imprimiam (e imprimem) alta
demanda de atividades.

Essas formas brechtianas de luta de classe têm certas carac-


terísticas em comum: requerem pouca ou nenhuma coor-
denação ou planejamento; sempre representam uma forma
de auto-ajuda individual; evitam, geralmente, qualquer con-
frontação simbólica com a autoridade ou com as normas de
uma elite (SCOTT, 2002, p.12).

De acordo com James Scott (2002), essas formas de resistên-


cias são discretas, não criam situações de embates concretos (no
caso, com supervisoras, diretoras, analistas educacionais), mas, em
conjunto, potencializam até mesmo (potenciais) oposições contra
hegemônicas ao avanço de políticas educacionais.

Assim como milhões de pólipos de antozoários criam um


arrecife de corais, milhões e milhões de atos individuais de
insubordinação e de evasão criam barreiras econômicas e
políticas por si próprios. Há raramente alguma confrontação
dramática, eventualmente digna de ser noticiada. E, sem-
pre que o barco do estado esbarra numa dessas barreiras,
a atenção é centrada no acidente e não na vasta agregação
de micro-atos que resultaram na barreira. É muito raro que
os produtores desses micro-atos busquem chamar a atenção
sobre eles mesmos. Sua segurança está no seu anonimato.
Também é extremamente raro que os oficiais do estado de-
sejem dar publicidade a essa insubordinação. Fazê-lo seria
admitir que sua política é impopular e, acima de tudo, expor
a dureza de sua autoridade [...] – duas possibilidades que não
interessam de maneira nenhuma ao estado (SCOTT, 2002,
p. 13-14)

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Evidentemente, outros ângulos de ações políticas, ocorridas
em anos mais recentes, precisarão ser considerados para termos me-
lhor visão sobre as modificações evidenciadas nos modos e nas for-
mas da constituição dessa força de trabalho no país, no ordenamento
do processo de “inclusão social”, nas políticas sociais e na correlação
entre esses pontos e o ensino, sobretudo o de História.

Portanto, não basta assinalarmos as formas de resistências in-


dividuais, ou (pretensas) despolitizações de docentes e de discentes
(jovens, ou futuros, trabalhadores) em torno de projetos “mais cole-
tivos” (o que, na prática, tem ocorrido),18 por razão de um ensino re-
gido por parâmetros liberais; distintos e distanciados de uma cultura
solidária e cooperativa.

Dentro de um ponto crítico de análise dialética materialista (e


histórica), a partir das dimensões encontradas na realidade vivida,
retomamos a noção de que a consciência social se faz determinada
pela existência social, considerando modos diversos de configura-
ções nos campos da cultura (WILLIAMS, 2005, p. 212), para discu-
tirmos e avaliarmos, a seguir, alguns pontos de nossa pesquisa.

1.

O início das discussões realizadas com o grupo que desenvol-


veu o projeto foi mediado pelo seguinte questionamento: a criação
de jogos iniciaria processos de pesquisa (em diversas etapas do en-
sino) ou a composição e o ato de jogar deveria “concluir” uma pes-
quisa previamente realizada, transformando-se em um momento de
18 Ver, por exemplo, sobre as ocupações (realizadas por estu-
dantes) em escolas estaduais em São Paulo e em Goiás. Entre várias
indicações cf. http://www.diariodocentrodomundo.com.br/o-retra-
to-dos-estudantes-que-mudaram-a-cara-das-escolas-estaduais-de-
-sao-paulo/#jp-carousel-117896, acessado em 07/12/2015.

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expressão conjunta e coletiva, fruto de diferentes investigações, evi-
dências e leituras a respeito de um determinado assunto?

Alguns experimentos permitiram avançar nessa problemáti-


ca. Porém, as atividades realizadas, por meio de oficinas e projetos
19

de extensão,20 caracterizaram-se por formulações e montagens de


jogos a partir dos temas que estavam sendo discutidos nas salas de
aula dos participantes. A opção por tal formato, concebida para que
se pudesse reunir um amplo grupo de professores de diversas etapas
do ensino básico, praticamente moldou a formulação e a “adaptação”
de jogos ao currículo e ao processo de ensino projetado.21

Muitos professores participantes, não distanciados do contex-


to traçado anteriormente, participaram das oficinas não prioritaria-
mente para fazer avançar a pesquisa e o ensino em História. Mas
buscaram meios de dirimir a “indisciplina de alunos” e/ou “fazerem-
-se mais próximos dos educandos” (ROCHA, 2013), a partir de ele-
mentos constantes no “universo deles”.22
19 Algumas experiências realizadas com professores da rede
básica de ensino estão apresentadas em capítulo subsequentes.
20 “Projeto Desenvolvimento de pesquisa-jogos para professo-
res de História da Rede Pública Estadual de Ensino (11692/UFU-
Proex/2014)” e para “Rede Pública Municipal de Ensino (11561-
Proex/UFU-2014’): Tratou-se de cursos e oficinas (que perduraram
por 3 meses, com turmas às quintas e sábados) para professores
da Rede Municipal e Estadual, que objetivaram a formação de um
grupo para elaborar, registrar e praticar de Jogos-narrativos (Role
Playing Games: RPGs).
21 Tal situação não anulou as reflexões anteriores sobre os jogos
(se possibilitam “questões” relevantes para investigações posteriores
e/ou se articulam enquanto consolidação de propostas antes elen-
cadas em sala de aula), pois, os professores que acompanharam as
atividades de extensão realizaram atividades com jogos, após a des-
vinculação com os projetos de pesquisa e de extensão.
22 Notas de pesquisa. Acervo da pesquisa FAPEMIG APQ-
03413-12 – INHIS/UFU.

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Ao considerarmos as proposições concretas a respeito do tra-
balho dos professores, nos propusemos conhecer as maneiras como
alguns deles realizavam atividades de estudos e propiciam formas de
pesquisa aos seus discentes.

Outro ponto analisado: no ensino básico, excetuando a educa-


ção infantil, na qual questões mais próximas aos discentes são intro-
duzidas no planejamento escolar, o ensino de História é considerado
como algo distante em temporalidade, em escala e, em muitos luga-
res do país, em localização espacial (em virtude de distanciamento
dos “consagrados centros de poder político”).

Isso não impediu a realização de jogos que interconectaram o


âmbito local dentro de um aspecto mais ampliado. Porém, nos con-
tornos metodológicos da pesquisa, alguns temas escolhidos não se
vincularam transversalmente às experiências locais.23

Entre os temas que foram trabalhados com vínculos locais,


destacaram-se situações que nos fizeram refletir com maior rigor a
respeito dos jogos em sala de aula. Antes de tudo, frisamos que a
contextualização incluir-se nas Orientações Curriculares para o En-
sino Médio (BRASIL, 2006), tal como indicado abaixo.

[...] a contextualização, é entendida como o trabalho de


atribuir sentido e significado aos temas e aos assuntos no
âmbito da vida em sociedade. Os conhecimentos produzi-
dos pelos estudiosos da História e do ensino da História,
no âmbito das universidades, por exemplo, são referências
importantes para a construção dos conhecimentos escolares
na dimensão da sala de aula. No entanto, é imprescindível
que a seleção da narrativa histórica consagrada pela his-
toriografia esteja relacionada aos problemas concretos que
circundam os alunos das diversas escolas que compõem o
23 Entre eles, destacamos: a “Revolução Francesa”, “Guerra da
Secessão”, “Relações de Poder na Idade Média”. Nota-se ainda que:
atividades relacionadas a tais temas estão apresentadas em capítulos
subsequentes.

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sistema escolar. Para adquirir significado e possibilitar im-
pulsos criativos, além da seleção de temas e assuntos que
tenham relação com o ambiente social dos alunos, o traba-
lho pedagógico contará com atividades problematizadoras
diante da realidade social. Dessa forma será possível arti-
cular os conhecimentos produzidos de acordo com o rigor
analítico-científico do processo de conhecimento histórico
ao trabalho pedagógico concreto em sala de aula (BRASIL,
2016, p. 69)

Mas a relação sequencial, formatada pelo material didático


disponibilizado, esperada do ensino de História, não comporta re-
organizações (pelo menos, constantes) do planejamento para que
ocorram discussões pontuais, consideradas importantes a educan-
dos e educadores.

Assim, concordamos, mais uma vez, com a professora Maria


do Rosário Peixoto (2015). A pesquisa a ser utilizada em sala como
eixo norteador do ensino de História, apenas poderá estruturar-se
no interior de uma densa uma reformar curricular. De acordo com
ela,

[...] hoje muito se fala em articular ensino e pesquisa, mas


nunca mais se considerou a possibilidade de adotá-la como
elemento organizador do ensino, salvo em algumas expe-
riências isoladas, mas nada em termos institucionais. Estou
convencida de que discutir currículo hoje passa pelo en-
frentamento de questões que estiveram na ordem do dia em
1986. A rejeição da proposta foi uma derrota política muito
maior do que aparenta à primeira vista. Até hoje, tanto a
universidade quanto os cursos de História e a escola pública
não se recuperaram dessa derrota (PEIXOTO, 2015, p. 68)

Como dissemos, a formulação de um espaço de extensão aca-


bou por adequar a formulação de jogos às questões diretas de sala
de aula. Essa perspectiva, frente a um currículo hostil, refratário à
introdução de “prática da pesquisa em sala de aula e em considerar

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o aluno como sujeito de seu aprendizado, em levá-lo a pensar histo-
ricamente” (PEIXOTO, 2015, p.42), fez com que os jogos fossem ar-
ticulados a partir das convicções e atitudes dos próprios professores
da rede.

Porém, se considerarmos, no atual quadro do ensino, pesquisa


como “escrita e leitura conceitual do mundo” (PEREIRA, et al., 2014,
p.160) e elaboração de problemas “como resultado de um encontro
inaudito entre o conteúdo proposto pelo professor e as necessidades
da vida de cada estudante” (PEREIRA et al., 2014, p.161) considera-
mos ter avançado em algumas dimensões na produção de conheci-
mento histórico contextual em salas de aula.

As descrições e o desenrolar de atividades que relacionam pes-


quisa a problemas e leituras de mundo constam nesta publicação.
Porém, aqui, indicamos algumas situações para analisarmos pers-
pectivas contextuais, abertas frente à utilização de jogos, como ele-
mentos de produção de conhecimento.

Entre “bunkers” (na Segunda Guerra Mundial), escravos em


fuga, poderes Feudais na Europa Medieval e outros,24 os professores
elaboraram mapas, trincheiras feitas com carteiras e trajetórias, a se-
rem percorridas, entre espaços da cidade e das próprias escolas.

As fontes para elaboração das estratégias a serem compostas


foram, de mesmo modo, diversas. A professora Keila, atuante no En-
sino Fundamental, em turmas 9º anos, por exemplo, entrevistou um
ex-combatente do Exército Brasileiro, que serviu na Europa durante
nos anos 1940, para tomar conhecimento a respeito do que ele havia
vivenciado.

De acordo com a professora,

Nessa proposta, abordamos o tema “Segunda Guerra Mun-


24 Notas de pesquisa. Acervo da pesquisa CAPES/FAPEMIG
APQ-03413-12 – INHIS/UFU.

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dial”, primeiramente como História Regional. Utilizamos
uma entrevista com um ex-combatente do conflito, o solda-
do Mario Pereira da Silva; na sequência, ministramos uma
aula expositiva sobre o envio da Força Expedicionária Brasi-
leira (FEB) para a cidade de Montese, na Itália, e mediamos
um debate com a turma sobre o relato do referido comba-
tente. Nesse entremeio, observamos grande interesse dos
alunos pelo fato de residir em Uberlândia um personagem
que esteve em uma Guerra Mundial, aumentando a curio-
sidade sobre a atividade a ser desenvolvida. (SOUSA, neste
livro, 2016, pp. 117)

A entrevista, além de outros elementos, demonstrou um qua-


dro identitário comum aos anos 1940 e 2010: o nacionalismo. De
acordo com a narrativa de Mario Pereira da Silva, “ex-Combatente
da Segunda Guerra Mundial que integrava o 6º RI - Regimento de
Infantaria”, entrevistado para a atividade elaborada pela professora
Keila, têm-se.

Estivemos na Itália até terminar, retiramos os alemães de


lá, nós e os americanos, ficamos lá por 4 meses. Estavam
na montanha Monte Castelo, já tinham tomado a cidade de
Montese, nós chegamos e reconquistamos a cidade de Mon-
tese e fomos combater no front em Monte Castelo. Os ale-
mães a 1200 metros de altura e nós lá em baixo, nós a tropa
brasileira e americana. Toda vida eu fui patriota, “Caxias”,
como se diz! Eu fui servir! Sabia que não ia voltar! As ba-
talhas com canhões, só canhões em torno da montanha.
Depois de 2 meses ocorreram os combates corpo a corpo.
Fizemos os alemães prisioneiros, ai acabou a guerra, mas
durou quase dois meses de combate. Dormíamos no mato,
na montanha. Não dormia não! Ficávamos combatendo dia
e noite. Morreram muitos brasileiros, eu escapei dessa (Ma-
rio Pereira, maio 2014).25

25 Entrevista concedida por Mario Pereira da Silva (maio 2014).


Entrevistadora: Keila T. P. Sousa, Uberlândia, 2014. Arquivo pessoal
Keila T. P. Sousa.

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A narrativa, o “patriota” (“Caxias”) soldado brasileiro, viu-se
contraposto ao “orgulho” do soldado nazista26,

Se você visse os brasileiros e os alemães; os coronéis, solda-


dos brasileiros, o major parecia presos deles. E eles, os per-
dedores, orgulhosos, orgulhosos! Quase 200 prisioneiros e
pareciam que eles tinham vencido guerra, orgulhosos, or-
gulhosos mesmo! Você vê um coronel e um alemão, você
pensa que o coronel é o alemão. A pose deles! Depois de
rendidos, prisioneiros, perdido a guerra, pareciam que tinha
vencido a guerra. Os alemães são os soldados mais corajosos
do mundo. Se você pensar em um vencedor são eles, pare-
ciam os donos do mundo. Se renderam porque acabou a co-
mida e a munição (Mario Pereira, maio 2014).27

A professora Keila utilizou-se de elementos identitários e con-


textuais para criar um jogo que lidou com diversidades sociais diver-
sas, em interconexão com o tema “Segunda Guerra”.

Na montagem do cenário, elaboramos um desenho no qua-


dro representando a cidade de Berlim sendo bombardeada
e explicamos para os discentes que eles estavam em um
bunker e que o jogo acabaria quando esse lugar fosse inva-
dido pelos soldados nazistas ou destruído. Então, arruma-
mos as carteiras de forma a separar em quartos o bunker
e diminuímos a intensidade da luz durante o recreio. Nas
cartas colocamos cidadãos comuns – ricos, pobres, indus-
triais, bancários, prefeito, médicos, idosos, crianças e feridos
–, além de figuras perseguidas pelo regime nazista, como
judeus, portadores de deficiência física, homossexuais etc.
(SOUSA, neste livro, 2016, p. 117)

26 De certa forma, narrativas sobre o soldado alemão “orgulho-


so” ou “muito rígido em seus princípios”, parece ser algo comum à
entrevistados que viveram o período e o conflito da Segunda Guerra.
Ver, por exemplo, PORTELLI (2002, pp. 9-26).
27 Entrevista concedida por Mario Pereira da Silva (maio 2014).
op. cit., 2014. Arquivo pessoal Keila T. P. Sousa.

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As circunstâncias externas ao bunker eram informadas pela
própria professora, através de mensagens em meios de comunicação.

As notícias que os personagens recebiam sobre a guerra


eram transmitidas por uma televisão representada pela pes-
quisadora. Com isso, visávamos aumentar as dificuldades
vividas dentro do abrigo, como medo da invasão, fome, falta
de remédios e convivência com pessoas perseguidas pelos
soldados, consideradas “traidoras”, para os alunos buscarem
soluções para esses problemas e sentirem as consequências
das escolhas. Um exemplo disso diz respeito a decidir sobre
quem iria receber os remédios ou não, à distribuição da co-
mida e à entrega dos personagens perseguidos para os solda-
dos. (SOUSA, neste livro, 2016, p. 05)

As diversidades de gênero, étnica, religiosa estiveram presen-


tes nos anos de guerra, porém, de mesmo modo, são contemporâne-
as as vivências dos próprios alunos. O conteúdo do ensino de Histó-
ria tornou-se circuito para reflexão e expressão de situações vividas
nos dias de hoje, porém, os alunos foram chamados a lidar com iden-
tidades, a partir de alteridades e contextualidades propostas pelas
circunstâncias apresentadas no jogo.28

No interior de um parque29, utilizando vivências como chefe


de escoteiros, a professora Ana Paula, que trabalho no Ensino Fun-
damental, criou um “mapa” para moldar um ambiente de fuga para
escravos.30 Para interligar o local com quadrantes mais gerais, Ana

28 Questões a respeito de identidades e interconexões entre


os temas dos jogos e o presente dos educandos serão retomadas na
última seção deste capítulo.
29 Parque do Sabiá, Uberlândia, Minas Gerias.
30 Consideramos a LEI Nº 10.639, DE 9 DE JANEIRO DE 2003,
nas perspectivas de nossas oficinas, entretanto, tal como frisamos,
ainda a referência utilizada pelos professores para assuntos relacio-
nados (direta ou indiretamente à História da África), constam nas
diretrizes do CBC/MG, indicados, neste texto, na entrevista da Ana-

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Paula fez pesquisa sobre a escravidão na região do Triângulo Minei-
ro e sobre situações específicas que não dialogam diretamente com
situações locais, como fez ao considerar o letramento de escravos.

Para se chegar ao objetivo geral do jogo, tanto a equipe de


escravos deve encontrar as pistas que foram espalhadas pela
fazenda, e nos momentos que acharem oportunos e sem dei-
xar que o grupo do senhor de escravo as encontrem. Neste
momento, entra em cena outro personagem chave que é o
“escravo letrado” que é o único que saberá decifrar o código
das pistas. Utilizei de duas etapas para a construção código,
na primeira parte escrevi em cada pista um texto sublimi-
nar que apresenta dicas, onde os participantes deverão ir ao
mapa disponibilizado pelo professor, um exemplo é este tre-
cho de uma das dicas “evite a estrada, vá pelas montanhas
e matas. não confiem em ninguém que não seja um irmão,
mesmo os da igreja, descanse e beba água, mas não pare na
primeira mata fechada apesar das laranjas”, se der tudo cer-
to e os alunos compreenderem, eles saberão que o caminho
para o quilombo passa pó entre as montanhas e por dentro
da mata, contudo, não passa pela mata que tenha uma plan-
tação de laranjas (OLIVEIRA, neste livro, p. 248)

Ao apresentar elaboração do jogo no SIMPÓSIO NARRATI-


VAS DA IMAGINAÇÃO,31 Ana Paula foi questionada a respeito da
configuração do espaço proetado, por ouvintes acostumados aos jo-
gos de RPG (Role Playing Game).

Ouvinte 1: Uma referência daquela época, dos quilombos


aqui em Uberlândia, ou você criou ele justamente por essa
falta de informação? Porque, não deve ter muita coisa, não
é?
Ana Paula: É difícil. Eu tentei encontrar algum mapa que se

lista de Educação da Área de História.


31 “SIMPÓSIO NARRATIVAS DA IMAGINAÇÃO”
(11697-Proex /2014), op. cit., 18/07/2014.

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adequasse ao que eu queria, eu não consegui encontrar ne-
nhum tipo de mapa, então esse mapa é completamente cria-
do, em cima do que era proposto no jogo, então, é uma coisa
mais lúdica [do] que histórica. [..] É porque tem um cenário
montanhoso, não sei, tem árvore, muita árvore, e não tem
esse tipo de coisa, pelo menos aqui no Triângulo Mineiro.
Então a coisa é mais lúdica que histórico-geográfico.
Ouvinte 3: Uma duvida de mecânica do jogo mesmo. Quan-
do você criou o mapa, novamente falando dele, você usou
partes do cenário (já que você fez no Parque do Sabiá, cer-
to?) é... você usou partes do cenário do Parque do Sabiá para
determinar onde era cada local ou você criou ele e deixou
para a imaginação mesmo?
Ana Paula: Não, o mapa era um mapa mais geral mesmo.
Então tem a vila.... O mapa que eu fiz lá no parque, que eu
usei para determinar [o roteiro] foi a fazenda que é aquela
planta. Porque dentro do mapa grandão lá tinha a fazenda,
mas eu usei foi aquele outro.
Ouvinte 3: O jogo acontecia na fazenda?
Ana Paula: Na fazenda. O mapa serve para os meninos olha-
rem e identificarem as pistas, e depois tentar encontrar o
quilombo no mapa (SIMPÓSIO, 18/7/2014).

Neste aspecto, registramos considerações sobre o que parece


ser absolutamente concreto em relação ao contexto histórico e as
particularidades do ensinar História, com recursos que lidam com
posicionamentos e ações no interior de um jogo elaborado para sala
de aula, mesmo quando consideradas “fabulações” (PEREIRA et al.,
2014, p.161) que extrapolam as textualizações comuns aos livros di-
dáticos.

Importante deixar claro que não estamos nos referindo às


questões colocadas por autores que lidam com “pós-modernidades”
ou “giros linguísticos”, nos quais vários pesquisadores acadêmicos
têm se atentado. Ou seja, não tratamos de ressignificações de am-
biente, trilhas, efemeridades do espaço urbano ou algo que o valha.

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Estamos preocupados com o processo histórico e com as memórias
sociais, por isso, apresentaremos, na seção posterior, material teórico
para lidarmos com mais profundidade com as discussões postas nas
elaborações de jogos.32

Entretanto, as particularidades que assinalamos foram ob-


jeto de nossas discussões. Pois, os jogos organizados, crivados por
questões temporais (alteridades e preconceitos nos anos de Guerra
e hoje) e ambientais (parque do Sabiá/ fazenda escravocrata), foram
(e são) postos por intermediação de professores, que escolheram o
material, indicaram caminhos e apontaram probabilidades para que
tais situações fossem discutidas pelos discentes.

Frente às práticas de pesquisa sugeridas pelos envolvidos na


pesquisa (procura de textos e imagens em sites da internet, leitura de
jornais e revistas, trabalho com material fílmico, entre outros) busca-
mos travar um diálogo com os materiais comumente utilizados sala
de aula.

Neste ponto, tínhamos em vista, principalmente, o debate so-


bre a utilização dos livros didáticos. A intenção não era a de con-
testá-los ou substitui-los. A relação proposta: jogos/livros didáticos
visou ampliar a rediscussões de conceitos e situações que se apresen-
tavam como condicionadas (e inexoráveis) aos sujeitos históricos. Já
que os manuais de História atribuem sensações de um conhecimen-
to cristalizado e perpétuo. Além disso, vale registrar que os livros
didáticos, no interior das propostas curriculares vigentes, cumprem
e imprimem ritmo cotidiano ao ensino de História, tornando-se um
currículo prático (CASSIANO, 2008, pp. 33-48)

Porém, nem todo jogo ou material externo, por si próprio, tem


capacidade de propor outras possibilidades para o ensino e a pesqui-
sa de História, em sala de aula. No ano de 2008, por exemplo, dois
alemães, Jürgen Kittel e Jörg Wagner, colocaram no mercado um

32 Sobre este assunto: ver, entre outros: WHITE (2004; 1994).

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jogo de cartas que trazia a identificação e a qualificação de diversos
ditadores “mundiais”. O objetivo deste “Super Trunfo” é “selecionar
‘o pior dos piores’”. “O jogo”, quando lançado, contava “com 32 di-
tadores divididos em oito grupos - entre eles, monarcas, fascistas,
generais, fanáticos religiosos, “fantoches” dos EUA, entre outros”
(BBC, 1/09/2015).33

A discussão a respeito do jogo tomou contornos no Brasil em


virtude de ter entre os personagens qualificados como ditadores um
de nossos ex-presidentes: Getúlio Vargas. De acordo com reporta-
gem da seção brasileira da rede British Broadcasting Corporation
(BBC/Brasil), “Vargas aparece na terceira edição, representando o
Brasil no grupo dos que eles classificam de ‘fascistas clericais’, com
algum tipo de laço com a igreja” (BBC, 1/09/2015).

A controvérsia em torno dos conceitos “ditador” e “fascista”


foi discutido, em mesma reportagem, pelo professor Luiz Antônio
Dias. De acordo com ele, “durante o Estado Novo, pode-se dizer que
Vargas foi um ditador. Mas do ponto de vista histórico não podemos
falar que ele foi um fascista, explicou o professor do Departamento
de História da PUC-SP”.

Outro equívoco do jogo, segundo o historiador, é o número


de mortes atribuído ao governo do ex-presidente brasileiro.
Enquanto a carta do jogo mostra que 5 mil pessoas morre-
ram durante o período em que Vargas ficou no poder, Dias
acredita que o número de vítimas seja bem inferior. “Não
tenho ideia de como eles chegaram a 5 mil mortos”, disse
Dias. Segundo ele, não há um número oficial de mortos du-
rante o período. “Mesmo se contabilizarmos os cerca de 2
mil mortos durante a Segunda Guerra, ainda falta muito
para chegar nos 5 mil do jogo.” (BBC, 1/09/2015).

33 C . f . h t t p : / / w w w. b b c . c o m / p o r t u g u e s e / n o t i -
cias/2015/09/150829_supertrunfo_vargas_tiranos_rm_lab?oci-
d=wsportuguese..ppc.sponsored-tweet.twitter.Round5-Dictators-
Game.General.Ad2.mktg, acessado em 07/01/16.

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Por seu turno, os organizadores do jogo disseram “que pesqui-
saram em diversas fontes para chegar ao número, mas não especifi-
caram quais”. Por fim, Dias ainda ressaltou que “apesar de a memória
de Vargas estar diretamente ligada aos anos da ditadura do Estado
Novo, para a classe operária brasileira ele foi um herói pelos avanços
trabalhistas promovidos durante o seu governo” (BBC, 1/09/2015).

A nosso ver tal episódio centraliza diversas preocupações so-


bre a utilização de jogos, filmes, livros didáticos e outros recursos em
aulas de História.

Essencialmente, remete-nos a lidar com a impossibilidade de


concretude fidedigna do modelo ao real. No caso específico, o atri-
buto de vítimas e as interconexões (ou distanciamentos) com o na-
zismo ou com o fascismo são sérios aportes para tal problema, pois,
em dimensões extensas da memória social, os crimes e as atitudes
de intolerâncias ocorridas durante a Segunda Guerra Mundial ainda
marcam reinvindicações e atribuições morais e jurídicas34 (entre ou-
tros, ver, ARENDT, 1999).

Mas o que delimita significativamente a diferença entre jogos


comerciais, material feito para utilização direta no ensino e os jogos
feitos pelos professores?

Notamos através da pesquisa, não haver ordem hierárquica de


relevância ou benefícios específicos ao ensino, por meio da utilização
de um ou de outro, ou ao trabalho do professor de História.

Um jogo de cartas sobre “ditadores”, que em sua criação “in


34 Em relação a isso, o jogo elaborado pela Professora Keila
um elemento pode propiciar discussões e pesquisas em torno desta
temática que continua atual. Vide, por exemplo, “aos 93 anos, ex-
-guarda de Auschwitz é julgado na Alemanha por 300 mil mortes”,
C.f.: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/04/aos-93-anos-ex-
-guarda-de-auschwitz-e-julgado-na-alemanha-por-300-mil-mortes.
html, acessado 13/02/2016.

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natura” apresenta obtusas interligações políticas e ideológicas, ou um
livro didático podem, por um lado, servir como “problema” inicial
a ser desenvolvido, debatido ou investigado (a partir de outros refe-
renciais), no interior do planejamento de uma aula ou de um tema.

Por outro lado, muitos caminhos podem fazer cumprir o CBC,


no cerne dos “limites e pressões” que indicamos em páginas ante-
riores. Assim, jogos comerciais, livros e produção de jogos (em ou
para salas) têm potenciais semelhantes: informar ou (simplesmente)
registrar conteúdo ministrado.

Porém, a opção pela “elaboração de jogos”, conforme indica-


mos em nossas oficinas, em essência e prática, sugere readequações
do papel dos professores no interior do que esperam discutir a res-
peito de um tema. Já que, ao propiciar mudanças de atitudes: coleti-
vamente ou individualmente os jogos exigem “processos criativos e
compartilhados”, ou seja, constroem outros recursos que, em prática,
criam sociabilidades diversas.

Para analisarmos as atividades que desenvolvemos considera-


mos outro elemento-chave: a “narrativa” (ou narrativas) constituída
(s) em função do processo de “fazer-se” dessas práticas. Mesmo uti-
lizando diferentes linguagens (mapas, trajetos desenhados no chão
da escola, cartas em forma de baralho), a noção e a importância da
narrativa (no jogo) prevalece.

Nas condições da pesquisa, lidamos com narrativas que mes-


mo díspares se associam em uma narrativa final, coletiva e contex-
tualizada com as experiências de professores e discentes. Iniciadas
ou organizadas pelos professores (através da apresentação verbal
de circunstâncias), completadas por discentes, por intermédio das
proposições apresentadas em cada situação colocada. Em resposta a
uma divisão de recursos de sobrevivência em um bunker na Segun-
da Guerra, por exemplo, podem surgir ordenamentos de valores e
preceitos morais que, em mosaico, tornam-se subsídios para debate

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e reflexão. Propiciando sentidos e elementos podendo fazer sentido
quando relacionados a conivências em sala de aula e em sociedade.

Tais posicionamentos se fazem contra a concepção de “um


passado morto”. Já que, “raramente o aluno é colocado diante do pro-
blema de tentar conduzir qualquer investigação, raramente aprende
a fazer [...] História” (FENELON, 2008, p. 35)

Fazer História significa lidar com a sociedade, objeto dinâ-


mico e em constante transformação, aprender a reconhecer
seus próprios condicionamentos sociais e sua posição como
agente e sujeito da História. O saber é transmitido como
algo resolvido, simplificado aos manuais, e certamente rotu-
lado e transformado em saber cristalizado, que no máximo
pode ser superado, [...] mas que nunca é questionado em seu
próprio contexto, em sua contemporaneidade de produção,
donde se poderia mostrar o que se pode fazer da ciência que
produzimos, e como também participar da sociedade em
que vivemos” (FENELON, 2008, p. 35)

Trataremos, a seguir, de aspectos teóricos a respeito dessas


narrativas (ou “jogos-narrativos”), nas condições do “fazer História”.

2.

No contexto atual, por narrativas compreendemos desde a


textualização apresentada nos livros didáticos à organização de um
roteiro elaborado para ações e posicionamentos em jogo criado pa-
ra/a partir do ensino de História. Tal roteiro, criado e apresentado,
por um narrador central, propicia ações e faz com que a narrativa
“principal” seja acrescida de outras, provenientes dos agentes parti-
cipantes do jogo, ou cena.

Em nossa pesquisa, quando colocados em prática, os jogos-

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-narrativos produziram conhecimentos históricos, a partir, e, sobre-
tudo, das “experiências” dos envolvidos que acrescentaram possibi-
lidades ou novos rumos ao roteiro constituído em nossas oficinas.
Pela categoria experiência se “compreende a resposta mental e emo-
cional, seja de um indivíduo ou de um grupo social, a muitos acon-
tecimentos interrelacionados ou a muitas repetições do mesmo tipo
de acontecimento” (Thompson, 1981, p. 15).

A experiência entra sem bater à porta e anuncia mortes, cri-


ses de subsistência, guerra de trincheira, desemprego, infla-
ção, genocídio. Pessoas estão famintas: seus sobreviventes
têm novos modos de pensar em relação ao mercado. Pessoas
são presas: na prisão pensam de modo diverso sobre as leis.
Frente a essas experiências, velhos sistemas conceituais po-
dem desmoronar e novas problemáticas podem insistir em
impor sua presença (Thompson, 1981, p. 17).

É conhecida a trajetória do historiador E. P. Thompson em


cursos para adultos. De acordo com ele, o que consideramos aqui
como experiência:

modifica, às vezes de maneira sutil e às vezes mais radical-


mente, todo o processo educacional; influencia os métodos
de ensino, a seleção e o aperfeiçoamento dos mestre e o cur-
rículo, podendo até mesmo revelar pontos fracos ou omis-
sões nas disciplinas acadêmicas tradicionais e levar a elabo-
ração de novas áreas de estudo (THOMPSON, 2002, p.13).

Quando nos referimos às experiências em contextos de ensino


básico, localizamos as expressões dos alunos não apenas às suas vi-
vências imediatas. Mas, em muitos casos, tratamos de interpretações
a respeito das atividades realizadas no conjunto familiar (através de
questionários enviados aos pais)35, nas interações de bairros, advin-
das dos círculos de amizades, de conhecimentos adquiridos no mun-
35 Ver, sobretudo, o texto da professora Edna Aparecida dos
Santos (BOLSITA CAPES), presente neste livro (p. 172-193).

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do virtual (internet) e nas redes de comunicação.

Além disso, não deixamos de considerar a condição de termos


como alunos “seres jovens”, e não somente “discentes”.

O debate em torno das temáticas das culturas juvenis e


da juventude como categoria social é fundamental para a
compreensão do papel da docência em História nos tempos
atuais. Provoca a olhar e escutar os jovens em suas questões,
compreendendo-os como pessoas que estão às voltas com a
vida, representantes de uma forma de viver a juventude em
tempos e espaços que lhes são próprios, incita a pensar que
não são sujeitos que apenas experimentam uma fase da vida
que irá passar, mas vivenciam conosco, de forma peculiar,
seus processos indissociáveis de constituição histórica, in-
dividual e social. A relação que estabelecemos com nossos
jovens alunos é pautada pelos nossos próprios aprendizados
e interrogações em relação às tensões da vida e aos conheci-
mentos aí produzidos. (PEREIRA, et al., 2014, p.164)

Em nossa conjunção, as experiências de alunos (jovens e/ou


trabalhadores) e professores são postas às claras através de ações
e “narrativas” no interior de contextos apresentados. Em bunkers
montados em sala de aula, ou por intermédio das probabilidades de
sobrevivência de escravos em fuga, os jogos-narrativos propiciam
posicionamentos críticos. Tais posições são de diversas naturezas,
pois as próprias experiências demarcam situações reais e elaborações
de consciências sobre o vivido. (THOMPSON, 1981).

Por seu turno, a elaboração e a ação nos jogos-narrativos, de-


terminam o contexto que será discutido em sala de aula, no interior
de temáticas diversas. Em outras palavras, determina “o fato Histó-
rico” a ser estudado (ou mesmo, o que será “fato”) no interior dos
quadrantes do ensino.

Porém, não tratamos aqui de uma mera substituição do co-


nhecimento estabelecido (livresco) e as experiências expressadas e

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mediadas pelas condições de vida e visões de mudo. No atual qua-
dro, as experiências propiciam interfaces com roteiros amplos cria-
dos em momentos diversos através de uma historiografia apresenta-
da em textos e em outros recursos didáticos.

A questão é novamente discutida por Thompson no texto Edu-


cação e Experiência, através de utilização de obras do romantismo
inglês. Nas quais as mudanças notadas a partir de uma perspectiva
dialética entre a experiência/sensibilidade e erudição/ensino público
se fizeram observáveis em épocas e contextos distintos (THOMP-
SON, 2002, pp. 11-48).

De certa forma, essa perspectiva dialética, entre experiência e


historiografia produzida para o ensino básico, surtiu efeitos nas ati-
vidades realizadas a partir das proposições da pesquisa.

Nas palavras da professora Alinne, que ministra aulas no En-


sino Fundamental e Médio, ao relatar uma atividade de RPG sobre a
Guerra de Secessão Americana, a partir das perspectivas de escravos
em fuga,

E assim eu fiz e fui falando com os meninos, que eles vão


passando pela floresta, e ai nessa cena tinha um escravo
morrendo, o outro pedido ajuda e o que eles fazem? Por-
que o RPG trabalha com essa questão das escolhas. E ai os
meninos interagindo (apontando imagem) e dizendo eu não
vou, vou morrer. Essa turma aqui que é a segunda foi a mais
polêmica de todas. Todo mundo queria se matar, ninguém
queria voltar para a fazenda (SIMPÓSIO, 18/7/2014).

Diferentemente de propor uma situação de vivência (emocio-


nal) de morte, assunto que poderia interessar, por diversas razões,
a muitos adolescentes, a perspectiva era outra, ou seja: indicar as
possibilidades e forças de exploração do trabalho escravo. Porém,
questões que circulavam em torno do relacionamento e dos conflitos
existentes na própria sala de aula, tornaram-se perceptíveis nas ex-

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pressões e nas tentativas de se resolver conflitos.

Em uma sala, que infelizmente nós não conseguimos chegar


nessa parte, mas na outra o final foi desastroso que foi o ex-
termínio total: uns queriam voltar e seriam mortos e outros
fugiram (se rebelaram). E interessante que essa sala resumiu
o que ela é enquanto sala, desunida. Simples assim. Não pre-
cisa ser intelectual. Lá existem problemas de relacionamen-
to e isso perpassou pelo jogo. Então o grupinho que queria
voltar era um e os que queriam ficar era o outro e o tempo
todo [foi] aquela briga rolando solta (SIMPÓSIO, 18/7/2014).

Outras situações conflituosas, mais sutis, se apresentaram. Por


exemplo, através de ocultação de informações essenciais ao grupo,

E depois tinha então outro ambiente, que era a estrada onde


um dos escravos achava um papelzinho, um jornal já meio
deteriorado com o tempo e então tinha o escravo letrado,
só que ninguém sabia quem era quem. Essa era a tensão: o
escravo que achou o papel vai dizer que achou o papel? Ele
vai querer ler? Se ele é o letrado ele pode ler e querer ficar
com aquela informação, então o bom do RPG são as possibi-
lidades. Aquele aluno é sujeito da situação também. Embora
ele esteja tentando vivenciar um contexto, ele tem as suas
opiniões. Então muitos queriam ficar com o papel só pra si,
não queria contar pra ninguém; outros “ó eu achei o papel”
(SIMPÓSIO, 18/7/2014).

Para além das análises sobre conflitos entre colegas, as quais


podem determinar dimensões “particulares” ao contexto da ativida-
de,36 outras experiências foram socializadas e apreendidas, a partir
da escolha de certos “eventos”, no interior do conteúdo em questão.

Então o que vocês vão fazer? E depois tinha o ambiente da


36 Porém, não deixam de “fatos” a serem trabalhados criti-
camente pelos professores, como bem indicam FREIRE e SHOR
(1986).

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cidade. Lembrando que como eu coloquei aqui, que a infor-
mação do jornal falava que os negros estavam sendo con-
vocados para lutar pela sua liberdade, nos estados nortistas
(a convocação do Tio Sam). De posse dessa informação o
que eles fariam? E depois ao chegar na cidade eu coloquei
a questão dos católicos (que a gente tem mania de falar que
os protestantes perseguiram e na verdade tinha um grupo
que muito das vezes teve um discurso favorável ao negro.
Nós sabemos que a história não é maniqueísta – o bem e
o mal). Então tinham pessoas que entendiam que o negro
é ser humano. E aí eu coloquei uma fala desse sulista, na
cidade, gritando, berrando e falando sobre os negros serem
considerados seres humanos perante a palavra e aquela coisa
toda. E o que eles iam fazer com todas aquelas informações?
Sempre tinha uma problematização, uma pergunta que era
feita aos alunos e no meio do processo eles falavam se iam
fazer determinadas coisas ou não. E aí entrava em cena o
elemento neutro, o dadinho, [...] se caísse de tanto a tanto
podia fazer se não, não poderia (SIMPÓSIO, 18/7/2014).

Nesse registro, diferentes “fatos” são postos pela professora


Alinne, religião, guerra (promessa de liberdade), racismo contextu-
alizado na situação do negro/escravo. Mas o essencial para que tais
episódios, motivados por uma época determinada, lidos em interfa-
ce com o presente vivido (através de experiências forjadas em alte-
ridades ou identidades), se transformassem em conhecimento foram
as “problematizações” apresentadas pela professora: “uma pergunta
[...] feita aos alunos e no meio do processo eles falavam se iam fa-
zer determinadas coisas ou não” (SIMPÓSIO, 18/7/2014). Em inter-
conexão com a experiência estão as possíveis “respostas”: diversas
“narrativas” e interpretações expostas às situações vividas (o que os
faziam agir ou não frente a uma determinada condição).

Nesse campo de formulação deve-se considerar o debate de


um elemento muito significativo para a produção de conhecimento
histórico e para a ampliação da compreensão do mundo: o(s) con-
ceito(s).

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É sempre pertinente nos lembrarmos de que:

[...] os conceitos, como se diz, dos quais partimos – não são


conceitos, mas problemas, e não problemas analíticos, mas
movimentos históricos ainda não definidos, não há sentido
em se dar ouvidos aos seus apelos. Resta-nos apenas, se o
pudermos, recuperar a substância de que suas formas foram
separadas. (WILLIAMS, 1979, p.17)

Por tais vias,

A entrada dos conceitos é triunfal, flamejante e sempre


produtora de aprendizagens novas, pois o conceito é cria-
ção, não apenas definição, mas armadura. O instrumental
estoico para a vida. Os conceitos tornam-se instrumentos
da própria vida, para um movimento de expansão da vida.
(PEREIRA, et al., 2014, p.162)

Assim, a contextualização de experiências e conhecimento


histórico mais ampliado, propostos por jogos-narrativos, em sala de
aula, podem potencializar reflexões aprofundadas e compreensivas
sobre o presente, por aqueles que estudam história.

Pois, tal como nos informa Alessandro Portelli, “não só a fi-


losofia vai implícita nos fatos, mas a motivação para narrar consiste
precisamente em expressar o significado da experiência através dos
fatos: recordar e contar já é interpretar” (PORTELLI, 1996, p.60).

Em suma, o maior subsídio de tais jogos-narrativos, a nosso


ver, “se mede pela capacidade de abrir e delinear o campo das possi-
bilidades expressivas” (PORTELLI, 1996, p.65)

No plano dos conteúdos, mede-se não tanto pela recons-


trução da experiência concreta, mas pelo delinear da esfera
subjetiva da experiência imaginável: não tanto o que acon-
tece materialmente com as pessoas, mas o que as pessoas
sabem ou imaginam que possa suceder. E é o complexo ho-

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rizonte das possibilidades o que constrói o âmbito de uma
subjetividade socialmente compartilhada. (PORTELLI,
1996, pp.65-66)

A prática da pesquisa e ensino, através de jogos-narrativos,


tal como imaginávamos, ocorreu pela mediação de experiências (de
discentes e de docentes), criação de narrativas, no contexto de “me-
mórias” sociais.

Por meio de noções de “experiência” em meio a recortes teóri-


cos “História Oral”, elaborados por Alessandro Portelli, nós aborda-
mos a natureza da linguagem jogo, no contexto de “campo de possi-
bilidades compartilhadas, reais ou imaginárias” (PORTELLI, 1996,
p.67).

“O desaparecimento do narrador onisciente”, no caso o livro


didático ou o docente na condição de voz unitária, “anula a possibili-
dade de uma só e acertada versão dos fatos” (PORTELLI, 1996, p.67).

O exemplo literário mais próximo [...] é o procedimento das


“múltiplas escolhas” ou das “possibilidades alternativas” que
caracteriza La letra escarlata, de Nathaniel Hawthorne. Nes-
te romance, inclusive, temos uma praça cheia de gente, em
que cada um vê, ou acredita ver, diferentes manifestações do
mesmo símbolo central: a letra vermelha. Hawthorne, sem-
pre disposto a distinguir a subjetiva e fantástica “verdade
do coração humano” da “minuciosa fidelidade dos fatos” do
romance realista, sugere que o significado do evento con-
siste em sua capacidade de gerar múltiplas visões, múltiplos
relatos, múltiplas interpretações (PORTELLI, 1996, p.67).

Assim, o conhecimento pôde ser produzido de maneira multi-


dimensional em situações nas quais ocorreram “ações” coletivas, em
que pessoas (discentes e docentes) expressaram ideias, opiniões, a
partir de suas convicções ou percepções iniciais.

As ações de jogo em sala de aula colocaram questões impor-

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tantes sobre o conhecimento histórico no ensino básico. Entre elas,
percebe-se que a interface entre o contexto e processo histórico, já
que discentes, em situações de jogo, expressavam opiniões, angús-
tias, receios quando postos nas “possibilidades históricas”.

Qualquer sujeito percebe estas possibilidades à sua maneira,


e se orienta de modo diferente em relação a elas. Mas esta
miríade de diferenças individuais nada mais faz do que lem-
brar-nos que a sociedade não é uma rede geometricamente
uniforme como nos é representada nas necessárias abstra-
ções das ciências sociais, parecendo-se mais com um mosai-
co, um patchwork, em que cada fragmento (cada pessoa) é
diferente dos outros, mesmo tendo muitas coisas em comum
com eles, buscando tanto a própria semelhança como a pró-
pria diferença. É uma representação do real mais difícil de
gerir, porém parece-me ainda muito mais coerente, não só
com o reconhecimento da subjetividade, mas também com
a realidade objetiva dos fatos (PORTELLI, 1996, pp.71-72)

Ao chegamos ao fim da pesquisa sabíamos que questões im-


portantes ainda precisavam ser consideradas: entre elas, (i) como re-
gistrar as diversas narrativas surgidas, debatidas, recompostas por
intermédio de jogos em sala? (ii) como validar socialmente experi-
ências novas, emergentes na capacidade coletiva de contar e refle-
tir sobre conjunturas históricas a partir das convicções do presente?
(iii) como avançar para sentidos sociais e coletivos de tais produções
historiográficas, para além dos limites da sala de aula ou do regi-
mentalmente instituído como História? Ou, em outros termos, o que
fazer para que o Ensino de História se desvincule da nobre arte da
“composição técnica” esperada do trabalhador para o funcionamen-
to necessário da da “hegemonia”?

Esses questionamentos se embasam nos contextos da própria


“História Oral”. Tal como exemplifica A. Thomson (2002),

[os exemplos] mostram como a articulação e a comunicação

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de lembranças anteriormente silenciadas ou ignoradas po-
dem ter um poderoso valor para o narrador, mas também
como a produção de narrativas públicas sobre a história de
uma comunidade particular pode proporcionar palavras e
significados que permitem a narração de histórias privadas.
Há um “ciclo de reconhecimento” entre o testemunho pes-
soal e a história pública. Por exemplo, um projeto de educa-
ção de adultos no Centro de Estudos Portorriquenhos em
Nova York encorajava um grupo de mulheres portorrique-
nhas a narrar e coletar histórias de vida. Os temas emergen-
tes de luta e sobrevivência provocaram novas lembranças,
deram forma aos relatos individuais e desafiaram os este-
reótipos da mídia que, no passado, reconheceram inadequa-
damente suas vidas e silenciaram suas histórias. O proje-
to gerou “histórias exemplares” para as mulheres, para os
membros de suas famílias e para outros portorriquenhos de
Nova York (THOMSON, 2002, p. 352)

Certamente, respostas a tais questões não estão na construção


de recursos (didáticos ou metodológicos) ou apenas no “chão” de sa-
las de aulas. As recentes manifestações de discentes, acontecidas nos
estados de Goiás e em São Paulo, têm demonstrado que “as circuns-
tâncias e a experiência que, em última instância, determinaram” (a
nosso ver, determinam e determinarão) “a natureza da combinação
final” (RUDÉ, 1982, p.33) de todas essas nossas inquietações.37 Algo
que está além da linguagem do jogo.

Porém, não poderíamos encerrar sem termos um ponto ava-


liativo concreto nos padrões e constâncias observáveis em nosso es-
37 Novamente nos referimos as ações ocorridas por ação de
discentes de escolas públicas, Cf. “Ocupação escolar é momento
de aprendizagem Gabriely Benedito, aluna da rede pública, escre-
ve sobre sua experiência no movimento #ocupaestudantes”.http://
www.cartacapital.com.br/educacao/ocupacao-escolar-e-momento-
-de aprendizagem?utm_content=bufferb615f&utm_medium=so-
cial&utm_source=twitter.com&utm_campaign=buffer, acessado em
15/02/2016.

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tudo. Nós o faremos, a partir da contribuição da professora Alinne.
Ela relatou-nos sobre o balanço que fez de seu trabalho. Após soli-
citar aos seus discentes um texto a respeito da atividade realizada,
pôs-se a ouvir as avaliações da sala.

Ai, na narrativa vocês percebem o que? A maioria disse que


gostou da atividade; que queriam mais tempo com ela. Ou-
tros foram além e na sugestão propuseram que fizéssemos
com eles ajudando no próximo ano, que nós fizéssemos
uma instância na escola “do sul” e cada área da escola um
ambiente. [...] Legal. Mas aí é utopia também não é gente?
Outra coisa, por se tratar de alunos do ensino médio, eles
traziam essa questão do jogo como algo inovador, mas não
é qualquer coisa que a gente está disposto a ver, vivenciar e
experiênciar. Nós queremos alguma coisa que tenha conteú-
do. Então se vocês também depois quiserem dar uma olhada
nas informações dos meninos, eles falam e são bem críticos:
tem que ter conteúdo, tem que ter um porquê, tem que ter
uma história. Porque nós estamos hoje em dia nesse am-
biente escolar com muito professor palhaço que, faz, acon-
tece e vira de ponta cabeça e eu estou falando da educação
bancária, que é a educação para atender as necessidades da
sociedade de entrar na universidade.[...] E para finalizar,
para não ser chata, e deixar os meus colegas falarem ter-
minei com uma citação [...]: “jogar no ensino é uma apos-
ta.” Apostamos com a prática do jogo de RPG: “Guerra de
Secessão e a vida dos escravos sulistas” e nessa experiência
todos saíram vitoriosos. Embora a proposta do jogo não seja
de vitoriosos e perdedores, mas eu utilizei essa expressão
para dizer que nesse dia, nessa aula, os alunos saíram felizes
[...] tiveram uma experiência satisfatória. Uma educação que
não foi de A para B, mas de A com B. Interagiu todos. Um
com o outro, você comigo. Foi uma aula dinâmica (SIMPÓ-
SIO, 18/7/2014).

No atual quadro do currículo e do ensino de História, por in-


termédio dos esforços de professores da rede, os jogos foram dimen-
sionados a partir de fontes, leituras e estudo dos próprios docentes.

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A avaliação que fazemos, a partir dos resultados apresentados, é a de
que alcançamos situações de interfaces contextuais e dialéticas: entre
o currículo e os jogos-narrativos; entre ensino de História e vivências
históricas (a partir de relações entre a escola e contexto social mais
ampliado); entre a concretude vivida (“limites” e “pressões”) e esfor-
ços para a transformação.

Em outros tempos, talvez, tivéssemos mais êxitos. Porém, fi-


ca-nos a certeza de que elementos ou linguagens metodológicas que
atribuam outros matizes às relações entre professores e alunos, que
produzam novas narrativas e avaliações sobre o passado frente a di-
ferentes conjunções em relação ao tempo presente, necessitam de
situações sociais que façam surgir diferentes contextos educativos.

E isso precisa ser construído não por personagens, mas, sim,


pela ação de sujeitos históricos.

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Parte II

Pesquisa e Jogos-
Narrativos:
Experimentações no
Ensino Básico (Ensino
Médio)

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Role-Playing Games em
uma aula de História:
possibilidades e reflexões

Alinne Grazielle Neves Costa38

RESUMO: O referido artigo tem por objetivo fazer um relato de experiên-


cia sobre uma modalidade de jogos de interpretação, conhecido como RPG
(Role-Playing Games), produzido e aplicado para uma aula de História
com alunos do 2° ano do ensino médio de uma escola privada localizada
na cidade de Uberlândia. O relato abordará o desenvolvimento do jogo de
RPG, “Guerra de secessão e a vida dos escravos sulistas”, apresentando suas
regras, as peças, a narrativa, dinâmica e o depoimento dos alunos e alunas
que participaram dessa atividade.

Palavras Chave: Ensino de História, Jogos Didáticos e RPG.

um jogo, é tanto melhor quanto mais engendra


mistério e oportuniza (física ou mental). As-
sim, as condições em que é possível brincar são
aqueles em que o indivíduo que brinca é sujeito
da brincadeira, e não mero espectador, passivo,
como também é provocado, desafiado.

38 Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da


Universidade Federal de Uberlândia - professora de História das es-
colas privadas São Paschoall e Teresa Valsé - historialinne@hotmail.
com

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(FORTUNA, 2004, p.47)

A citação de Fortuna (2004) reflete a importância do jogo


como um processo que favorece o empoderamento de seus parti-
cipantes, ou seja, além da diversão o jogo comporta o elemento da
liberdade, pois cada aluno e aluna tem a escolha de agir da maneira
que deseja enquanto joga.

Assim, o sujeito que joga libera a possibilidade, o poder e a


potência que cada pessoa tem para ser sujeito da sua vida.

Nesse sentindo, as motivações para realizar uma atividade de


jogo em uma aula de História se justifica em compreender, segundo
as palavras de Paulo Freire (1996), que a prática docente deve ter
uma dimensão social e deve ser favorável a autonomia do aluno e da
aluna.

Embora, estejamos avançando, infelizmente, o modelo ainda


vigente nas instituições de ensino, tanto pública quanto privada, é a
educação bancária, o educador deposita “comunicados” que os edu-
candos, recebem, memorizam, repetem e, por isso, são avaliados. O
saber é dado, fornecido de cima para baixo, de forma autoritária,
pois “manda quem sabe”. Nas palavras de Freire fica o alerta:

Por isto repudio a ‘pedagogia bancária’ e proponho e defen-


do uma pedagogia crítico-dialógica, uma pedagogia da per-
gunta. A escola pública que desejo é a escola onde tem lugar
de destaque a apreensão crítica do conhecimento significa-
tivo através da relação dialógica. É a escola que estimula o
aluno a perguntar, a criticar, a criar; onde se propõe a cons-
trução do conhecimento coletivo, articulando o saber popu-
lar e o saber crítico, científico, mediados pelas experiências
do mundo (FREIRE, 2001, p.83).

Ainda segundo os ensinamentos de Paulo Freire (1996), ensi-


nar não é apenas transferir conhecimento: exige risco, curiosidade,

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alegria, esperança, comprometimento, saber escutar, disponibilidade
para o diálogo, humildade, tolerância, exige apreensão da realidade,
entre outros atributos.

Ao experimentarmos o jogo no ambiente da sala de aula os


alunos e alunas poderão primeiro vivenciar as ações acima citadas
por Freire que torna a práxis docente realmente eficiente aos envol-
vidos no processo. E, segundo potencializa os processos de ensino e
aprendizagem, pois, nesse caso especifico, o jogo experienciado não
tinha um caráter lúdico e sim uma dimensão pedagógica com a in-
tenção de estimular o conhecimento histórico e também o convívio
social.

Em síntese, quando o aluno e a aluna jogam eles terão a pos-


sibilidade de vivenciar espaços educativos nos quais favoreçam a
sua capacidade de questionar, de pensar, de cooperar, de respeitar
os outros e as regras, de interagir, trocar saberes, apreender opor-
tunizando diversas formas de reflexão, com práticas que efetivem a
autonomia, tornando-os responsáveis no processo de construção de
seu próprio conhecimento.

E por que a escolhemos experimentar o Role-Playing Games


(RPG) na sala de aula?

A escolha pelo RPG

Em geral, existem vários tipos de jogos que poderiam tam-


bém ser aplicados em sala de aula, mas, diferentemente da maioria,
no RPG, não há vencedores ou perdedores, basicamente, pode ser
compreendido por um jogo de interpretação de personagens. Esse
fator foi determinante para a escolha e aplicação dessa modalidade
de jogo.

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Além dessas características primordiais podemos definir se-
gundo Meinerz o RPG como:

jogos de interpretação mediados por um mestre, que cons-


trói um mundo a ser vivenciado pelos diferentes jogadores.
O mestre conduz a narrativa do jogo, lança desafios, tarefas
e acontecimentos. Cabe aos jogadores optarem por diferen-
tes ações que são confirmadas ou negadas através do jogo de
dados. (MEINERZ, 2013, p.112)

Somados a existência de personagens, regras e roteiros pré-


estabelecidos, o RPG permite em seu desenvolvimento uma histó-
ria interativa com um processo de criação e participação dinâmico,
onde todos os alunos e alunas podem participar a qualquer momen-
to, não há exclusão no processo.

Desta forma, o RPG no ambiente escolar permite a coopera-


ção entre os alunos e as alunas que unirão suas habilidades e conhe-
cimentos, interagindo uns com os outros, para superar obstáculos,
vivenciar contextos e aprender conceitos propostos pelo Mestre/pro-
fessor.

Não há como negar, a aula e o processo de ensino-aprendiza-


gem é encarada por todos os participantes como uma aventura agra-
dável, uma aula diferente, interessante e dialógica.

Portanto, a escolha da modalidade de jogo RPG para o ensino


de História se justifica por se tratar de uma atividade de interpreta-
ção verbal que permite a interação e a cooperação entre os alunos
e as alunas que poderão construir dialógicamente o conhecimento
histórico proposto.

Jogo didático para o ensino de história: guerra de seces-


são e a vida dos escravos sulistas39
39 Jogo criado e desenvolvido em 02.06.2014, por Alinne Gra-

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A temática da Guerra de Secessão no ensino de História em
síntese propõe, principalmente, que os alunos e alunas saibam iden-
tificar as principais diferenças entre os estados sulistas e nortistas,
além dos motivos que desencadearam essa Guerra Civil de grande
proporções e consequências para a sociedade norte americana.

No entanto, em meio a essas exigências emerge um desafio


importantíssimo para a compreensão dessa temática, a questão da
escravidão dos negros nas fazendas de algodão dos estados sulistas
dos Estados Unidos da América que foi um marco para a História
dos afro-americanos inseridos nessa sociedade.

A abordagem sobre a vida, cotidiano e cultura dos negros no


sul dos Estados Unidos, antes, durante e no fim da Guerra de Seces-
são permite tratar da História e Cultura Africana em nosso conti-
nente como é proposto na Lei 10.639/03.

É importante destacar que essa Lei chega ao Brasil no bojo


do debate da implantação das políticas de ações afirmativas para a
população negra. Assim, altera os dispositivos da LDB (Lei de Dire-
trizes e Bases da Educação Nacional) tornando obrigatório o ensino
da História e Cultura Africana nos estabelecimentos de ensino de
educação básica, sejam estes públicos ou privados. E ainda institui a
data de 20 de novembro, no calendário escolar, como dia da consci-
ência negra.

O exposto permite constatar a relevância curricular e social de


se discutir e refletir sobre a situação e o cotidiano dos negros escravi-
zados nas fazendas sulistas. Através dessa premissa e das exigências
curriculares para abordagem dessa temática criou-se o jogo de RPG
“Guerra de secessão e a vida dos escravos sulistas”.

A preparação e criação do jogo contaram com um processo


de pesquisa em livros didáticos e artigos sobre a temática. A grande
zielle Neves Costa para uma aula de História na escola privada São
Paschoal.

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preocupação foi construir um jogo fiel aos relatos históricos e evitar
os anacronismos para não comprometer o aprendizado dos envolvi-
dos nesse processo.

Para realização do jogo foi utilizada uma sala de aula que não
era a mesma das turmas envolvidas nessa atividade e que foi prepa-
rada para recriar aos alunos e alunas um ambiente de fazenda sulista.

Ao longo do caminho para a sala ambientada, os alunos se


deparavam com cartazes que diziam bem vindos ao Mississipi e você
está na fazenda Estrela do Sul, assim como, tinham no caminho ser-
ragem e algodões.

Já na sala de aula ambientada para a atividade que, também


tinha um espaço com serragens e algodões, os alunos e as alunas
são avisados que naquele momento todos deveriam representar um
escravo.

Para tal, cada aluno e aluna recebe, aleatoriamente, uma carta


que representa as características e habilidades do perfil de escravo
que ele deverá representar. E mais, ao receber sua carta, os alunos e
alunas não devem mostrá-la a ninguém.

As cartas nesse jogo têm por finalidade sugerir cinco perfis


de escravos a ser representado: o letrado, o adaptável, o religioso, o
rebelde e o suicida como mostra a imagem abaixo:

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FIGURA 1 – Cartas produzidas para o jogo de RPG

As imagens presentes nas cartas são africanas conhecidas


como adinkra, conjunto de símbolos que representam ideias expres-
sas em provérbios.

Abaixo de cada adinkra há expressões africanas que estão as-


sociadas a imagem e ao perfil do escravo, ao tempo e de que maneira
ele chegou nessa fazenda de algodão, suas habilidades e possíveis ati-
tudes ao longo do jogo.

Além das cartas, para esse jogo foi necessário a utilização de


um dado, elemento neutro, que serviria para gerar possibilidades de
ações durante a narrativa.

Para o desenvolvimento do jogo é fundamental a figura do


Mestre que foi assumida pela professora que deveria dominar a dinâ-
mica do jogo permitindo que todos os alunos e as alunas participem.

O Mestre/professor tem o conhecimento de todas as possibili-

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dades da narrativa, mas isso não impede que as decisões dos alunos
e alunas levem o jogo a um rumo surpreendente.

Nesse sentido, o professor precisa ficar atento nas tomadas de


decisões dos alunos e alunas dentro do jogo para estabelecer cone-
xões posteriormente ao conteúdo trabalhado apresentado as possi-
bilidades para o contexto histórico e conceitual apresentado na nar-
rativa.

Cabe destacar, para a realização desse jogo optou-se que os


alunos e as alunas não tivessem em aulas anteriores o conhecimento
do conteúdo que seria vivenciado no jogo. Assim, a avaliação dos
conhecimentos prévios dos alunos e alunas sobre a temática seriam
melhor explorados e a experiência autenticamente vivida.

O jogo de RPG “Guerra de secessão e a vida dos escravos su-


listas” é ambientada na fictícia fazenda de algodão no Mississipi, cha-
mada Estrela do Sul. Seu dono é o sulista Senhor Calvin Candie40.

O início do jogo se dá por meio de uma narrativa apresentan-


do o congado manifestação afrodescente emblemática na cidade de
Uberlândia, principalmente, no mês de outubro quando há os cor-
tejos.

Dessa maneira, associa-se o sentimento de preservação da


vida, da ancestralidade e da própria cultura africana em Uberlândia
aos escravos que viviam nas antigas colônias sulistas.

A estratégia inicial do jogo é partir daquilo que está próximo


da vivencia de muitos alunos e alunas, ou seja, a história local para a
história geral.

O desafio proposto na narrativa do jogo é que os escravos de-


verão ir até a cidade buscar mantimentos para uma festa que o dono

40 Esse nome é fictício e foi extraído de um personagem do


filme Django Livre de Quentin Tarantino.

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da fazenda irá realizar em comemoração ao seu aniversário, e, tam-
bém, pela vitória do exército sulista na batalha da Virginia (1861).

Porém, nenhum feitor irá escoltar esses escravos na execução


dessa tarefa, pois todos conhecem a fama do Senhor Calvin Candie,
impiedoso e cruel, com os escravos fujões. E mais, o grande desafio
dessa narrativa é que todos escravos precisam retornar a fazenda até
o fim da tarde, senão todos serão torturados até a morte, tanto os que
chegaram quanto os que fugiram.

O jogo segue apresentando no quadro da sala um mapa do tra-


jeto que os alunos e alunas deverão percorrer que parte da senzala,
passando pela floresta, estrada que leva a cidade, a praça da cidade,
as mercearias e o caminho inverso que os levarão de volta ou não.
Para cada ambiente transitado pelos escravos situações/problemas
irão acontecer que exigirá tomada de decisões por parte de cada es-
cravo.

Veja abaixo o roteiro da narrativa utilizada para a representa-


ção dessa história:

Muito bem vocês estão caminhando pela floresta. Alguns


de vocês estão cantando louvores a Deus, outros estão la-
mentando, outros observando tudo e muito atentos, outros
estão pensando na possibilidade de fugir e outros já estão
com medo dos castigos que irão receber. Em meio a esses
pensamentos um grito surge em meio a floresta:
– Pelo amor de Deus me ajude!!!! Eu não quero morrer!!!!
Me ajude!!!!
Vocês estão vendo um escravo todo ensanguentado preso a
uma árvore e dois feitores segurando dois enormes cachor-
ros que late sem parar, parecem famintos e desejosos de se
alimentar desse escravo. O que vocês fazem?
Na estrada para a cidade - Vocês caminham mais um pou-
co e já estão na estrada que dá para a cidade um escravo vê

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um papel no chão. O que você faz? Pega ou não pega? Você
esconde o papel? Lê em voz alta para todos? Fica com a in-
formação só pra você?
Informação contida no fragmento do jornal “A liberdade”,
que está noticiando que existem escravos sendo convocados
para compor o regimento militar do exercito dos ianques
(nortistas) na Virginia ocidental. Essa luta é pela sua liber-
dade e pela liberdade dos Estados Unidos!
– O que você vão fazer ? São dois dias de caminhada? Se
você não voltarem para a fazenda os feitores vão caça-los até
encontrá-lo e matá-los.
Vocês acabam de chegar na cidade. Ela está bem tumul-
tuada. Bem a frente de vocês alguns homens Brancos estão
empunhando rifles e outros segurando um livro grosso nas
mãos e estão gritando: “Não foi por causa de sua aparência
ou raça, como uma pessoa, que nós abraçamos essa causa,
mas porque todos os escravos são os filhos de um Pai co-
mum, criados de acordo com a mesma imagem divina, ten-
do os mesmos direitos que os nossos”.
– O que vocês querem fazer mediante o que estão ouvindo
nesse discurso?
Vocês se dividiram e fizeram todas as compras dos manti-
mentos. Agora é hora de voltar já está tarde e vocês precisam
chegar antes por do sol.
Retorno - Vocês estão voltando para a fazenda quando são
surpreendidos por um grupo de escravos que acabaram de
colocar fogo e fugir de uma pequena fazenda que é vizinha
da fazenda aonde vocês estão. Eles estão correndo e gritan-
do: Bora gente!!!! Estamos fugindo venham conosco!!!! O
que você irão fazer?

Nota-se que a narrativa está repleta de questionamentos, inda-


ga-se o tempo todo aos alunos e alunas participantes o que eles farão
mediante a determinas situações impostas pela narrativa.

Assim, o desenvolvimento do jogo dependerá das decisões

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que serão tomadas pelos alunos e alunas mediado pelo Mestre/ pro-
fessor que deverá estar preparado para conduzir a narrativa confor-
me as escolhas do grupo.

Considerações finais: possibilidades e reflexões

Apresentamos na seção acima, de forma sucinta, a dinâmica


do jogo de RPG “Guerra de secessão e a vida dos escravos sulistas”
criado para uma aula de História e que foi aplicado em uma aula de
50 minutos, para cada uma das duas turmas dos 2° ano da escola
privada São Paschoall.

Após a aplicação desse jogo de RPG, no mesmo dia, havia


mais um horário com as turmas do 2° ano, que foi utilizado primeiro
para sondar o conhecimento prévio dos alunos e alunas ao que foi
contextualizado, suas percepções sobre o que foi vivenciado e avaliar
a atividade.

Através desse diálogo começamos a construir coletivamente,


com e entre, os alunos e alunas o aprendizado necessário para a com-
preensão do conteúdo proposto e experienciamos assim as palavras
Freire (1996, p.22) “que ensinar não é transferir conhecimento, mas
crias as possibilidades para a sua produção ou a sua construção.

Além disso, segundo (Hoffmann, 2009) a avaliação do apren-


dizado adquirido com os jogos é “mediadora”, ou seja, desvincula-se
da concepção de verificação de respostas certas e erradas, passa a ser
um sistema investigativo e reflexivo do professor sobre as manifesta-
ções dos alunos e das alunas.

De modo geral, avaliamos que o desenvolvimento do jogo de


RPG teve uma excelente aceitação pelos alunos e alunas. Sua dinâ-
mica correu de forma bem interativa e participativa, principalmente,

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porque contamos com o apoio e o suporte de um integrante41 que
auxiliou a professora na construção e na condução da dinâmica des-
sa atividade.

Essa percepção avaliativa foi possível visivelmente durante a


dinâmica do jogo e posteriormente, confirmada com um simples
instrumental de avaliação. No qual, foi pedido aos alunos e as alunas
que redigissem um pequeno texto avaliando a atividade e propondo
sugestões, como podemos observar nos trechos abaixo:

Eu achei a atividade bem interessante, pois pude aprender


que haviam vários tipos de escravos. (...) A atividade em si
foi bem interessante e acho que todos nós realmente inter-
pretamos nosso papel e vivenciamos a situação proposta.
(...). (Registro da avaliação feita por L.B, realizada no dia
30.06.2014)

Eu gostei muito da maneira como esta proposta foi elabo-


rada, colocando-nos no papel dos escravos que não tinham
voz (...). Ano que vem poderíamos auxiliar na preparação de
um cenário das estâncias do Sul no século XIX, reservando
mais tempo para a atividade (...) (Registro da avaliação feita
por B. G. C, realizada no dia 30.06.2014)

O tempo infelizmente não foi suficiente (...). Poderia ter feito


uma tarde e separar duas horas para cada turma. (...). (Regis-
tro da avaliação feita por A. C, realizada no dia 30.06.2014)

Essa atividade me inspirou em inúmeros sentidos, por se


tratar da vida dos escravos. (...). É bem mais fácil aprender
por meio da prática, afinal, é como se vivêssemos naquela
época. Quando “entramos” no personagem é como se toda a
época voltasse. (...) (Registro da avaliação feita por D. C. A,
realizada no dia 30.06.2014)
41 Ms. Rafael Correia Rocha pesquisador do projeto de Ex-
tensão financiada pela CAPES/FAPEMIG com a pesquisa  (APQ –
03413-12).

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(...) Acho que esse tipo de atividade ajuda no entendimento
da contextualização, mas deve ser seguido da aula que com-
pleta o RPG. Assim, acredito que poderia ser feito novamen-
te sobre outros assuntos históricos, pois é uma forma sim-
ples e eficaz de explicar a matéria (...). (Registro da avaliação
feita por N. P. B, realizada no dia 30.06.2014)

Percebe-se na maioria dos registros avaliativos feitos pelos


alunos e alunas que o jogo agradou como proposta metodológica
de aprendizado. Para eles representar um papel permite se colocar
no lugar do sujeito histórico estudado e em seu contexto. E dessa
maneira fica mais fácil compreender o conteúdo.

Os alunos e alunas também demonstraram interesse em parti-


cipar de mais aulas com jogos de RPG para apreenderem novos con-
teúdos. Reclamaram do fator tempo para execução dessa atividade
que foi de apenas 50 minutos, como mencionado acima desejavam
mais tempo que poderia ser em outro turno, ou seja, voltariam a es-
cola para jogar e aprender.

Esses fragmentos de registros feitos pelos alunos e alunas, per-


mite-nos constatarmos que o RPG nessa experiência e para essa tur-
ma foi uma possibilidade riquíssima para a prática pedagógica de
ensino-aprendizagem.

Na discussão sobre o uso de jogos no ensino de História exis-


tem aqueles que não concordam com essa prática pois, afirmam se
tratar apenas de um jogo, nada sério, ou seja, nas palavras de muitos,
é apenas uma “brincadeira”. Mas o relato dessa experiência permi-
tiu-nos reafirmar as palavras de Huizinga (2000, p.35) “a seriedade
procura excluir o jogo, ao passo que o jogo pode muito bem incluir
a seriedade”.

Desta forma, é possível usar o jogo como um recurso sério,


eficiente e interativo no Ensino de História.

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Parafraseando Fortuna (2004), “jogar no ensino é uma aposta”.
Apostamos com a prática do jogo de RPG: “Guerra de secessão e a
vida dos escravos sulistas” e nessa experiência todos os envolvidos
saíram vitoriosos.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Lei nº. 10.639 de 09 de janeiro de 2003. Inclui a obrigato-


riedade da temática “História e Cultrura Afro-Brasileira” no currícu-
lo oficial da rede de ensino. Diário Oficial da União, Brasília, 2003.
______. Lei 11645 de 10 de março. Altera a Lei no 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10639, de 9 de janeiro de
2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para
incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da te-
mática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Diário Oficial
da União. Brasília, 2008
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à pra-
tica educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996
_______, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e ou-
tros escritos. 1ed. São Paulo: UNESP, 2001.
FORTUNA, T. R. Vida e morte do brincar. In: ÀVILA, I.S. (org.)
Escola e sala de aula: mitos e ritos. Porto Alegre: Editora da UFRGS,
2004.p.47-59.
HOFFMANN, Jussara. Avaliação: mito e desafio, uma perspectiva
construtivista. Porto Alegre: Mediação, 2009.
HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. 4. ed. São Paulo: Perspectiva,
2000.
MEINEIRZ, Carla Beatriz. Jogar com a História na sala de aula.
In: Marcelo P.G, Nilton M. P (org.) Jogos e ensino de história. Porto
Alegre: Evangraf, 2013. p.118-146.

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Bunker-jogo: “Refugiados da
Segunda Guerra Mundial”

Keila Tatiane Pereira Sousa42

RESUMO: Diante dos desafios que surgem no ambiente escolar e da neces-


sidade de posicionamento por parte de professores, gestores educacionais
e demais profissionais dessas instituições públicas, com vistas a promover
uma educação/formação de qualidade e uma democratização de oportu-
nidades, elaboramos o jogo denominado “Refugiados da Segunda Guerra
Mundial – modalidade LARP e cards. Tal estratégia leva os alunos a com-
preender a representação do referido fato histórico para os que o viveram,
bem como suas consequências atuais.

Palavras-chave: Jogo. Alunos. Experiência. Participação.

Introdução

O curso Play Testing apontou o jogo como uma estratégia para

42 Discente do Curso de Especialização “Educação em Direi-


tos Humanos”, da Faculdade de Direito Prof. Jacy de Assis, da Uni-
versidade Federal de Uberlândia (UFU). Graduada em História pela
Unimontes em 2008, cursou o Play Testing em 2014. É professora
na rede municipal e estadual de Uberlândia. E-mail: keilasousap@
yahoo.com.br.

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buscar o envolvimento dos alunos nas aulas de História. Nesse sen-
tido, apresentamos as experiências vividas no ambiente escolar após
a aplicação do jogo didático desenvolvido em um curso oferecido
pela Univesidade Federal de Uberlândia (UFU), por meio do projeto
de pesquisa Cidade de Uberlândia: história regional e local – ensino,
aprendizagem e jogos narrativos.

Durante o curso ocorreram aulas teóricas juntamente à apli-


cação de jogos, com a finalidade de demonstrar modalidades que
podem ser desenvolvidas em sala de aula. De acordo com Huizinga
(2014, [s.p.]):

No jogo existe alguma coisa “em jogo” que transcende as


necessidades imediatas da vida e confere um sentido à ação.
Todo jogo significa alguma coisa. Se verifcarmos que o jogo
se baseia na manipulação de certas imagens, numa certa
“imaginação” da realidade (ou seja, a transformação desta
em imagens), nossa preocupação fundamental será, então,
captar o valor e o significado dessas imagens e dessa “imagi-
nação”. Antes de mais nada, o jogo é uma atividade voluntá-
ria. Sujeito a ordens, deixa de ser jogo, podendo no máximo
ser uma imitação forçada.

A partir dessa definição foi elaborado, como introdução ao


conteúdo, o jogo “Refugiados da Segunda Guerra Mundial”. Desen-
volvemos o jogo em uma turma de 9º ano, do Ensino Fundamental,
da Escola Municipal Leôncio do Carmo Chaves, em Uberlândia-
-MG, considerada referência na rede municipal de ensino. Diante
da proposta dessa atividade, a direção e a equipe pedagógica apoia-
ram, incentivaram e ficaram bastante curiosas quanto ao curso Play
Testing, sobre como seria esse jogo e se seria possível desenvolver
atividades similares para as salas que tinham alunos com menos de
14 anos de idade.

Nesses termos, o jogo foi realizado com a intenção de levar os


alunos ao aprendizado e a interagirem durante as aulas, destacando

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a importância do conteúdo na formação enquanto cidadãos. Ressal-
tamos ainda a pesquisa como princípio educativo, motivando a cria-
tividade do próprio educando, sendo que, conforme Demo (1996,
[s.p.]), é preciso:

Rever o conceito de aprendizagem relacionada ao de ensinar,


sempre restritos os dois a posições receptivo-domesticado-
ras. Educação aparece decaída na condição de instrução, in-
formação, reprodução, quando deveria aparecer como am-
biente de instrução criativa, em contexto emancipatório. O
que conta aí é aprender a criar. Um dos instrumentos essen-
ciais da criação é a pesquisa. Nisto está o seu valor também
educativo, para além da descoberta científica.

No que tange ao papel da pesquisa, abordamos a priori a par-


ticipação dos soldados brasileiros na Segunda Guerra Mundial por
meio de documentos que seriam pesquisados na sede do 36º Bata-
lhão de Infantaria Motorizado, em Uberlândia. Porém, como resi-
dem ex-combatentes do conflito na cidade, optou-se por realizar a
entrevista com um deles, o que seria enriquecedor para o professor
e a turma. Vale ressaltar que um relato pessoal demostra as emoções
e experiências de alguém que viveu o fato histórico. Na sequência,
apresentamos a proposta e os resultados do jogo aplicado.

Aplicação e resultados do jogo

Nessa proposta, abordamos o tema “Segunda Guerra Mun-


dial”, primeiramente como História Regional. Utilizamos uma entre-
vista com um ex-combatente do conflito, o soldado Mario Pereira da
Silva; na sequência, ministramos uma aula expositiva sobre o envio
da Força Expedicionária Brasileira (FEB) para a cidade de Montese,
na Itália, e mediamos um debate com a turma sobre o relato do refe-
rido combatente.

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Nesse entremeio, observamos grande interesse dos alunos pelo
fato de residir em Uberlândia um personagem que esteve em uma
Guerra Mundial, aumentando a curiosidade sobre a atividade a ser
desenvolvida. A seguir, temos um fragmento da entrevista com o sol-
dado brasileiro Mario Pereira da Silva (SILVA, 2014), utilizado como
ilustração para a aula expositiva e o debate realizado com os alunos
antes da aplicação do jogo, conforme informado anteriormente:

Estivemos na Itália até terminar. Retiramos os alemães de


lá, nós e os americanos, e ficamos lá quatro meses. Estavam
na montanha Monte Castelo, já tinham tomado a cidade de
Montese, nós chegamos e reconquistamos a cidade de Mon-
tese e fomos combater no front em Monte Castelo. Os ale-
mães estavam a 1.200 metros de altura, e nós lá em baixo
(a tropa brasileira e a americana). Toda vida eu fui patriota,
caxias, como se diz... Eu fui servir e sabia que não ia voltar!
Havia batalhas com canhões, só canhões em torno da mon-
tanha. Depois de dois meses ocorreram os combates corpo
a corpo. Fizemos os alemães prisioneiros, aí acabou a guer-
ra, mas durou quase dois meses de combate. Dormíamos no
mato, na montanha. Não dormia, não! Ficávamos comba-
tendo dia e noite. Morreram muitos brasileiros, eu escapei
dessa. Usávamos rifles, metralhadoras, canhões, os alemães
ficavam no topo da montanha e nós, embaixo. Os alemães
eram 100%, muito fortes! Os maiores soldados do mundo
foram os alemães. Eles ficaram no final do combate como se
fossem os vencedores da tropa. Se você visse os brasileiros
e os alemães... Os coronéis, soldados brasileiros e o major
pareciam presos deles. E eles, os perdedores, orgulhosos,
orgulhosos! Quase 200 prisioneiros e pareciam que eles ti-
nham vencido a guerra... Orgulhosos, orgulhosos, mesmo!
Você vê um coronel e um alemão, você pensa que o coronel
é o alemão. A pose deles! Depois de rendidos, prisioneiros,
de terem perdido a guerra, pareciam que tinham vencido.
Os alemães são os soldados mais corajosos do mundo. Se
você pensar em um vencedor, são eles, pareciam os donos
do mundo. Se renderam porque acabaram a comida e a mu-
nição. O Brasil fez um sucesso terrível junto com os Estados
Unidos, [...] e nós retomamos a Itália. Quando voltamos,

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quem quisesse ficar no exército ficava, quem não quisesse,
aposentava43.

A entrevista foi realizada como parte da elaboração do jogo.


Destacamos a relevância da vivência, da pesquisa e das fontes orais
como fatores determinantes na construção do jogo e para o aprendi-
zado dos fatos históricos, visando diminuir a distância entre o pas-
sado e seus reflexos.

Na turma nos deparamos com a indisciplina, sendo que na


escola existe uma preocupação da direção, da equipe pedagógica
e do corpo docente em relação ao comportamento dos alunos. As
estratégias utilizadas pela instituição de ensino para minimizar tal
problema se baseiam em conversas entre o educando e o supervisor,
e, por último, os pais são chamados. Em geral, essas medidas funcio-
nam por uma ou duas semanas de aula, mas o discente retorna com
o mesmo comportamento. Tal situação está ligada à falta de limites,
por parte dos responsáveis, aos problemas na estrutura familiar, den-
tre outros, além do desgaste causado pela rotina na sala de aula.

A partir dessas análises sobre o comportamento dos alunos e


o interesse pelas aulas, notamos que houve participação, disciplina
e empenho na resolução dos exercícios. Observamos, ainda, que a
turma prefere atividades em grupo e considera a disciplina História
complexa – na visão dos estudantes, é difícil se dedicar ao aprendi-
zado de fatos passados que, na concepção deles, não se relacionam
com suas vidas.

43 O soldado Mario Pereira da Silva, ex-combatente da Segunda


Guerra Mundial, integrava o 6º Regimento de Infantaria – Ipiranga.
Nascido no ano de 1923, na pequena cidade de Ribas do Rio Pardo,
interior do estado de Mato Grosso (hoje Mato Grosso do Sul), Mario
era o filho mais velho de seis irmãos (três homens e três mulheres),
do casal José Vitoriano da Silva e Abadia Pereira da Silva. Foi o único
convocado (como voluntário) para a guerra.

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Assim, ao conhecer a realidade dos alunos, buscamos outros
meios para interagirmos com a turma, com o intuito de produzir
conhecimento. A proposta do jogo tencionou fazer essa ligação, con-
tribuindo para a diversificação das aulas.

Após a aula expositiva e o debate sobre a participação da FEB


na Segunda Guerra Mundial, aplicamos um jogo de cartas que, de
acordo com o professor Rafael Rocha, se encaixou na modalidade
LARP – Live Action Role-Playing Game ou jogo de interpretação – e
cartas.

Os jogos de cartas, na visão de Huizinga (2014, [s.p.]):

[...] diferem dos jogos de tabuleiro na medida em que jamais


chegam a eliminar completamente o fator sorte. Quanto
mais este predomina, mais ele tenderá a cair na categoria
dos jogos de azar, e é aqui que se manifesta mais fortemente
o elemento de seriedade ou até de excesso de seriedade [...].
Os jogos de cartas passaram por um processo de aperfeiçoa-
mento cada vez maior, e só com o bridge e as técnicas sociais
modernas se apoderaram inteiramente do jogo.

Quanto ao LARP, nota-se que tal modalidade oferecia aos alu-


nos uma participação por meio da representação. Nas palavras de
Falcão (2013, p. 13):

LARP é ao mesmo tempo um jogo de interpretar persona-


gens e um tipo de arte participativa. Ele pode até ter elemen-
tos da performance ou do teatro e em alguns momentos se
parecer com uma dessas linguagens, mas o LARP tem uma
linguagem própria. A principal diferença é que ele não é fei-
to para ser visto, é para ser vivido. O LARP também pode
ser desenvolvido como uma experiência imersiva, uma vi-
vência e um jogo relacional e todas essas perspectivas estão
corretas. Em um LARP não há plateia, cada um dos partici-
pantes – que podemos chamar também de jogadores – inter-
preta um personagem para si mesmos e uns para os outros.

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Também não há um roteiro ou script a ser seguido. A partir
de alguns dados que todos conhecem no início do jogo, os
participantes vão improvisando suas ações e se relacionan-
do uns com os outros como se fossem seus personagens. A
história se desenrola a partir das escolhas e ações dos joga-
dores, na medida em que interagem uns com os outros.

Como o desígnio do jogo foi proporcionar a vivência aos alu-


nos, as cartas desenvolvidas no curso Play Testing apresentavam per-
sonagens e algumas descrições para a representação dos estudantes.
Na montagem do cenário, elaboramos um desenho no quadro repre-
sentando a cidade de Berlim sendo bombardeada e explicamos para
os discentes que eles estavam em um bunker e que o jogo acabaria
quando esse lugar fosse invadido pelos soldados nazistas ou destru-
ído.

Então, arrumamos as carteiras de forma a separar em quartos


o bunker e diminuímos a intensidade da luz durante o recreio. Nas
cartas colocamos cidadãos comuns – ricos, pobres, industriais, ban-
cários, prefeito, médicos, idosos, crianças e feridos –, além de figuras
perseguidas pelo regime nazista, como judeus, portadores de defici-
ência física, homossexuais etc.

Por estarem refugiados no abrigo, as notícias que os persona-


gens recebiam sobre a guerra eram transmitidas por uma televisão
representada pela pesquisadora. Com isso, visávamos aumentar as
dificuldades vividas dentro do abrigo, como medo da invasão, fome,
falta de remédios e convivência com pessoas perseguidas pelos sol-
dados, consideradas “traidoras”, para os alunos buscarem soluções
para esses problemas e sentirem as consequências das escolhas. Um
exemplo disso diz respeito a decidir sobre quem iria receber os re-
médios ou não, à distribuição da comida e à entrega dos personagens
perseguidos para os soldados.

No jogo, os alunos buscaram representar cada personagem

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considerando a situação de guerra, e os comportamentos variaram
de acordo com a noção que eles possuem sobre risco, perigo e medo,
dentro de suas possibilidades enquanto adolescentes. Os educandos
que representaram os judeus, por exemplo, ao se sentirem amea-
çados por uma notícia transmitida pela televisão ou em virtude da
perseguição de outro personagem, se escondiam embaixo das car-
teiras, imaginando que assim escapariam dos nazistas. O prefeito,
com vistas a obter soluções para diminuir os problemas do bunker,
se mostrou aflito por lidar com várias queixas e pedidos, e utilizava
os soldados para colocar ordem no abrigo. Os soldados, por sua vez,
obedeciam ao mandatário e queriam prender ou matar todos os “de-
sordeiros”.

Quando os noticiários repassavam alguma informação, a tur-


ma ouvia com atenção e em seguida continuava com a representação
que abordaria um novo problema. Quando era anunciado um bom-
bardeio em locais como escola, hospital e casas da cidade de Berlim
representada no quadro, os discentes ficavam preocupados por ve-
rem que o ataque que se aproximava do bunker onde eles estavam.

Embora fosse um jogo, os alunos pretendiam sobreviver e não


queriam que tudo acabasse com a explosão do bunker e, consequen-
temente, com os personagens mortos. Por se tratar do último horá-
rio, o jogo foi encerrado com esse fim, mas a turma solicitou que o
repetíssemos em outro dia, quando fossem dois horários seguidos,
para a trama durar mais tempo.

Durante o desenvolvimento do jogo, a princípio os alunos fi-


caram curiosos e agitados, mas, no decorrer do trabalho, eles parti-
ciparam e avaliaram a atividade como satisfatória e inovadora. No
aprendizado adquirido durante as tarefas propostas, constatamos
uma simpatia por parte dos educandos, sendo que a turma sugeriu
que ocorressem mais jogos durante o ano letivo.

Ademais, o jogo durou cerca de 30 minutos, sendo aplica-

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do dentro das salas. Acreditamos que tal atividade teria sido mais
adequada na quadra ou no quiosque, tendo em vista o barulho feito
pelos alunos que causou um incômodo na escola, apesar de ter apre-
sentado os pontos positivos esperados. Os discentes se interessaram
em produzir o que lhes foi proposto, e houve algumas dúvidas sobre
o que fazer, principalmente por parte do personagem do prefeito,
que deveria comandar, mediar e solucionar os problemas salientados
pelos outros personagens.

Considerações finais

Com o entusiasmo dos alunos, notamos que eles se divertiram


com uma atividade diferente em sala de aula, o que confirmou nos-
sas justificativas e objetivos propostos, facilitando o aprendizado nas
aulas sobre o conteúdo. Portanto, na medida em que frequentavámos
as discussões do curso e após a aplicação do jogo, mudamos nossa
concepção sobre essa atividade, dado que se trata de um recurso que
aproxima os alunos do professor, facilitando o relacionamento na
sala de aula.

Tendo em vista que a escola continua sendo a única instituição


cuja função oficial e exclusiva é a educação, medidas formadoras,
coletivas e continuadas precisam abordar aspectos concernentes a
rótulos, estereótipos e convenções sociais para propiciar uma mu-
dança ou percepção nas crianças e nos jovens sobre seus papéis nas
realidades em que estão inseridos. O jogo enquanto vivência permite
ao aluno se colocar no lugar do outro, sentir a realidade dele e refletir
sobre problemas e preconceitos que são (ou foram) enfrentados na
sociedade.

Referências Bibliográficas

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APOLINÁRIO, Maria Raquel (Ed.). Projeto Araribá: história. 3 ed.
São Paulo: Moderna, 2010.
DEMO, Pedro. Pesquisa: principio científico e educativo. São Paulo:
Cortez, 1996.
FALCÃO, Luiz. Live Action Role Playing – um guia prático para
LARP. 2. ed. 2013. Disponível em: <http://nplarp.blogspot.com>.
Acesso em: 20 maio 2014.
HUIZINGA, Johan. Homo Ludens – vom Unprung der Kultur im
Spiel. 2014. Disponível em: <www.editoraperspectiva.com.br>.
Acesso em: 25 jun. 2014.
SILVA, Mario Pereira da. Entrevista concedida em maio de 2014 à
Keila T. P. Sousa, Uberlândia, 2014. Arquivo pessoal de Keila T. P.
Sousa.

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Anexo

Jogo “Refugiados da Segunda Guerra Mundial”

Categoria LARP + cards


Conteúdo Segunda Guerra Mundial
Vivência das dificuldades civis durante um
Experiência proporcionada
conflito/guerra
Livro didático: Projeto Araribá (APOLINÁRIO,
Fonte
2010)
Fonte para história regio- Entrevista com o ex-combatente soldado Mario
nal e local Pereira
Escola e ano em que será Escola Municipal Leôncio do Carmo Chaves –
aplicado 9º ano do Ensino Fundamental
Quantidade de alunos 30
Duração aproximada 30 minutos
Despertar a consciência do aluno sobre as ques-
Motivação tões sociais de conflitos em relação ao seu papel
no mundo
Forma de registro Fotos

Cenário: Berlim, onde todos estão no bunker com a comida e os


remédios acabando.

A TV repassa informações (trazer uma televisão antiga; representa-


ção do professor).

Personagens e quantidades de cartas: judeus (6), deficientes físicos


(2), idosos (2), crianças (3), doentes (2), homossexuais (2), bancários
(2), industriais (2), prefeito de Berlim (1), soldados (4), ateu (1), ra-
bino (1) e padre (1).

Descrição de orientações para cada personagem:

• Judeus: só ajuda quem for do grupo judaico; todos são ricos, po-
dem dialogar com bancários e industriais, têm interesse em rei-
vindicar direitos dos judeus ao prefeito. 

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• Deficientes físicos: cego, paraplégico e com mal de Alzheimer.

• Idosos: limitação de movimento e necessidade de remédios; são


rabugentos, ranzinzas e irritados.

• Crianças: dependentes dos idosos, agitadas, medrosas, famintas.

• Doentes: tuberculose e baleado sangrando que perdeu a audição


com uma bomba.

• Religiosos: um rabino, um padre e um ateu.

• Homossexuais: atenciosos, carinhosos e gentis – um é médico.

• Médico: atencioso, carinhoso e gentil.

• Bancários: ricos, egoístas, orgulhosos e individualistas – querem


manter os judeus em segurança devido às suas relações econô-
micas e, ao mesmo tempo, conservar a amizade dos industriais
e do prefeito.

• Industriais: ricos, orgulhosos, exigentes e manipuladores; que-


rem soluções rápidas do prefeito e dos médicos, e buscam seus
interesses exclusivos.

• Prefeito de Berlim: não gosta dos judeus, e sim industriais e ban-


cários; está com alguns sintomas de tuberculose.

• Soldados: estão sob as ordens do prefeito; são agressivos, rígidos,


fechados e têm “caras” de bravos.

Observações em sala:

- Fechar janelas, escurecê-las com papéis e deixar as luzes acesas;

- Distribuir cartas, mas não falar quem é quem, a não ser médicos (a
fita branca representa o jaleco), idosos (fita azul), crianças (fita ama-
rela) e deficiente visual (venda nos olhos).

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- Ninguém se conhece, exceto: prefeito, industriais, bancários e ju-
deus (não é interessante aos bancários e industriais que os judeus
sejam descobertos).

- Utilizar lousa e parede para colar folhas ou desenhar informações


da guerra, número de mortos, tomada da cidade, ações dos exércitos,
fotos etc.

- Permitir apenas um médico como homossexual, para deixar o gru-


po em dúvida; quem tiver a carta de médico homossexual deve negar
para sobreviver.

- Outro homossexual pode ser um industrial ou banqueiro.

- O rádio ou a TV deve denunciar os grupos com anúncios esporá-


dicos, como se o aparelho sofresse interferência dentro do bunker,
com muitos chiados.

- Quanto tempo os alunos estão no bunker? Acabaram de chegar.


Estão lá a uma semana? Um mês?

- O jogo termina quando o bunker for invadido. A TV (ou o rádio)


irá vai informar a proximidade do ataque ao bunker.

Custo para os materiais utilizados:

A televisão de tubo (só a caixa, sem peças) foi obtida gratuitamente


em uma loja de assistência técnica. Não havia a necessidade de ela
funcionar. Como a TV estava sem peças, utilizamos uma imagem de
exame de raio-X para representar a tela.

As fitas amarela, branca e azul custaram R$ 2,00 o metro (utilizamos


um metro de cada). Compramos a de cetim em loja de aviamentos.

Os remédios foram representados com um tic-tac de R$ 3,00.

Para a venda de olhos, utilizamos um elástico preto de aproximada-


mente 50 cm e com o valor de R$ 2,00.

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Usamos uma lanterna para focar nos personagens, porém não a
compramos por tê-la em casa. Caso não tenha disponível, não a use.

O desenho da cidade no quadro foi feito com o pincel utilizado nas


aulas, de preferência azul ou vermelho.

As cartas foram confeccionadas pela UFU, com verbas do projeto em


questão.

Custo total dos materiais: R$ 11,00.

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Desafios da aplicação de RPG
em sala de aula: o que podemos
aprender com uma experiência
fracassada?

Lucas de Sousa Medeiros44

RESUMO: Apresenta o relato de uma aplicação malsucedida de um jogo


narrativo sobre Revolução Francesa em sala de aula, analisando os elemen-
tos envolvidos na situação e atentando para o que pode ser aprendido e
evitado por futuros professores. Planejamento deficiente, problemas de ca-
lendários, preconceito por parte dos outros professores e da coordenação
pedagógica, aplicação em condições não favoráveis, dificuldade em manter
o pacto ficcional do jogo e cativar os alunos, intervenções externas durante
a aplicação, além de outros fatores são apresentados e analisados durante
esse relato, assim como uma reflexão de como trabalhar RPG com grandes
grupos de participantes.

Palavras chave: RPG em sala de aula; Relato de experiência; Jogos Narra-


tivos.

Introdução

44 Professor efetivo da Escola Estadual Jerônimo Arantes, des-


de 2016, em Uberlândia/MG e mestre em História Social pela Uni-
versidade Federal de Uberlândia (PPG/Inhis-UFU)

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Parodiando a famosa frase inicial de Anna Karenina, “todas
as aulas felizes se parecem, as infelizes não.” Os fatores responsáveis
pelo sucesso de uma aula são vários e complementares entre si, po-
dem residir no interesse da audiência, na didática, metodologia e
habilidade do docente, na construção e manutenção de um ambien-
te de aprendizado, mas via a falta de um deles compromete todo o
conjunto. Normalmente exercemos nossa atividade como professo-
res longe das condições ideais, driblando obstáculos e reinventando
constantemente nossa prática docente para dar conta dos desafios
que se acumulam e, às vezes, simplesmente fazemos tudo certo e não
obtemos êxito. Chamamos essas narrativas de tragédias, só que essa
não é uma delas. Seria mais interessante entende-la como uma crô-
nica de uma tragédia anunciada e talvez por isso, mais esclarecedora.
Faz-se mister compreender as experiências pouco exitosas para delas
apreender lições com as quais guiar nossas atividades futuras.

Em 2014, estando como profissional a época “novato” na ati-


vidade docente, com apenas um ano integralizado em sala de aula, e
atuando pela primeira vez nos ciclos iniciais – 8º ano, senti-me com-
pelido a buscar novas maneiras de re/estabelecer a ludicidade salutar
ao bom aprendizado em sala de aula. Também estava buscando uma
maneira de estimular a prática da pesquisa em história por parte dos
alunos. O curso de aplicação de jogos narrativos ao ensino de histó-
ria, promovido pela ONG Narrativa da Imaginação em parceria com
a pesquisa da Fapemig “Cidade de Uberlândia: História regional e
loca, aprendizagem e jogos narrativos”, ofertado aos professores da
educação básica – municipal e estadual – de Uberlândia foi a forma
que encontrei de buscar subsídios para realizar esses objetivos.

Ao decorrer do curso, foi-me apresentado uma série de me-


todologias passíveis de serem aplicadas em sala de aula como LARP
(Live Action Role Play), jogos de tabuleiros ou cartas e RPG assim
como foi propiciado um ambiente de troca de experiências entre os
docentes.

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Cabe ressaltar que sou um jogador experimentado de RPG e
que na última década e meia, de forma intermitente participei de
diversas mesas e entrei em contato com diversos sistemas e cenários;
apesar disso, o RPG em minha experiência pessoal estava fortemente
apartado da vida profissional, sendo relegado a um espaço circuns-
crito do lúdico, do prazeroso, do diletantismo, do intimamente pes-
soal e por oposição, do não-público, não-didático e não profissional.
Tratava-se da manutenção de um pensamento corrente entre os do-
centes, no qual o ensino de ordem escolar ainda é em certa medida
uma educação bancária cuja realização é inerentemente vertical, hie-
rarquizada, de trocas desiguais, conteúdista e em última instância,
árida. O lúdico, o divertido, o apreender fazendo ou simulando só
seria aceito como uma distensão controlada sob o olhar vigiante do
professor, da coordenação pedagógica e da diretoria da escola.

A escola na qual exercia atividade docente não se apresentava


como um ambiente favorável à experimentação de metodologias não
convencionais de ensino. Trata-se de uma escola de referência na ci-
dade, tendo sido adotada como escola modelo de educação no ciclo
fundamental 1, pelo governo de Minas Gerais e, portanto, constante-
mente sujeita a intervenções por parte da Superintendência Regional
de Ensino (SRE). Esperava-se que isso a tornaria mais receptiva à
iniciativa individual de professores em realizar projetos pedagógicos
ou implementar práticas diferenciadas de ensino, mas o que se per-
cebeu é o contrário. Sendo uma escola de referência a preocupação
inicial era a de manter essa posição, que por sua vez beneficia a es-
cola diretamente através de verbas e a fortalece em termos de nego-
ciação com os órgãos governamentais; tal postura, entretanto torna a
instituição muito pouco afeita a correr riscos. Soma-se a isso que não
raro é outorgado à escola algum projeto governamental – em caráter
experimental ou não – que pode ao sabor dos acontecimentos, alte-
rar o planejamento anual dos docentes.

Evidenciar a posição precária da escola em relação aos órgãos

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governamentais é necessário, pois ao decorrer desse relato, o leitor
irá perceber como isso influenciou na aplicação de jogos narrativos
em sala de aula.

O curso de oferecido pela Narrativa da Imaginação compre-


ende uma parte prática de aplicação e registro nas escolas, efetuado
pelo professor participante e por uma equipe do projeto destinada a
documentar a atividade. Um dos resultados previstos da parte prá-
tica é esse relato de experiência em formato de artigo. Trata-se de
um esforço de pesquisa sobre ensino de história, metodologicamente
definido e rigorosamente criterioso a ser aplicado por uma série de
professores da rede pública nos diferentes anos iniciais e eventual-
mente por docentes no ensino superior, com o objetivo de promover
um arcabouço de experiências que suporte futuras teorizações, assim
como estimular essa metodologia entre os professores participantes
e instiga-los a pesquisarem eles mesmos formas de melhorarem o
ensino de história.

Dentre os modelos disponível de jogos narrativos, foi escolhi-


do o RPG devido a sua demanda baixa de insumos materiais, limi-
tado a um objeto gerador de probabilidades (dado, roleta, moeda,
etc) e o grande papel exercido pelo professor na figura do mestre do
jogo – narrador, que facilita o controle da classe durante a atividade
oferecendo estímulos ou coibindo atitudes à medida de sua neces-
sidade. Isso se dá devido da preponderância do elemento narrativo
sobre todos os outros elementos presentes na atividade e a narração,
apesar de partilhada com os alunos conflui sempre ao professor, nas
palavras de Correia Rocha:

A plasticidade do elemento narrativo permite que o con-


teúdo seja conduzido de acordo com as necessidades etárias
e locais. Recursos como Data show, multimídia, objetos e
equipamentos são totalmente opcionais, podendo ser trans-
formados ou resinificados. O proposito desta ação serve
para que o (a) educador (a) não mantenha dependência de

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nada além dele mesmo, ele é o gestor do recurso infinito da
imaginação. (ROCHA, 2012, p. 23)

O conteúdo deveria partir do Currículo Base Comum (CBC)


de história, que no 8º ano regular, que propões trabalhar as revolu-
ções liberais do século XVIII, temática essa escolhida para ser abor-
dada na atividade. A matéria escolhida dentro desse tópico foi Re-
volução Francesa e sua escolha foi motivada pelas seguintes razões:
1- É uma matéria que suscita questionamentos e participação dos
alunos, tanto por seu alcance como pela carga simbólica e emocional
nele presente; 2- Possui um extenso arcabouço iconográfico de fácil
acesso, na forma de filmes, imagens, quadrinhos e outros; 3- Apre-
senta um protagonismo difuso, no qual os “grandes nomes” podem
ser subsumidos em um sujeito indeterminado que seja a “massa” ou
estratos da população; 4- Facilita criar e trabalhar com personagens
arquétipos. 5- Instiga a pesquisa por parte dos alunos e por ser uma
área densamente documentada a chance de enfoques parecidos é
menor.

Algumas dessas características não existiam no projeto inicial,


mas surgiram ao decorrer das conversas com o ministrante, com as
leituras realizadas e com o confronto entre a teoria e a minha própria
vivência como praticante de RPG. Uma das principais dificuldades,
estava em como adaptar o RPG de uma atividade para poucos par-
ticipantes para uma sala de aula com dezenas de alunos. Usualmen-
te no RGP sem finalidades didáticas, cada jogador presente assume
uma personagem e através de uma série de elementos narrativos de-
senvolvem esses personagens dentro de uma trama45. Sua estrutura
básica é apresentada por Jackson Reis como:

45 Pode-se também perceber o jogo como uma contação de


histórias interativa, quantificada, episódica e participativa, atribuída
de personagens com características determinantes e um cenário com
regras prefixadas na resolução da interação entre os personagens
(SCHMIT, 2008).

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O narrador expõe uma situação e diz aos ouvintes o que
seus personagens vêem e ouvem. Em seguida, os ouvintes
descrevem o que seus personagens fazem naquela situação e
o narrador, então, diz qual o resultado das ações dos perso-
nagens ouvintes [...] e assim por diante. A história vai sen-
do criada pelo narrador e pelos ouvintes à medida que ela é
contada e vivenciada como uma aventura (JACKSON; REIS,
1999, p. 63).

Em uma mesa de RPG com até 10 participantes, o narrador


consegue aplicar essa dinâmica a personagens individuais sem gran-
des riscos de ter a narrativa comprometida ou de enfrentar grande
dispersão por parte dos jogadores, mas como fazê-lo com 30-40 alu-
nos? A alternativa apresentada pelo ministrante foi não utilizar per-
sonagens individuais, mas ao contrário, utilizar personagens coleti-
vos. Essas personagens seriam arquétipos adaptados a determinada
situação, como “a multidão”, “os guardas”, os “escravos”, os “nobres” e
sua utilização é coletiva, partilhada pelos alunos. Cabe ao professor
gerenciar essa utilização com intervenções pontuais garantindo que
não haja excluídos e que a todos se sintam participantes da experi-
ência.

Essa é uma alternativa interessante, pois independe do núme-


ro de alunos envolvidos, podendo ser aplicada sem grande prejuízo
mesmo diante de um súbito esvaziamento da classe. Outro aspecto a
ser considerado é a promoção de um outro tipo de visão dos sujeitos
históricos, no qual o protagonismo não se restringe às grandes figuras
ainda presentes em muitos livros didáticos, mas se dissemina aos su-
jeitos anônimos, participes silenciosos da história, mas nem sempre
lembrados. A noção da atividade coletiva, construída cotidianamen-
te é mais próxima da realidade dos alunos do que os grandes feitos.
Em uma escola central, desprovida de uma comunidade de bairro, a
composição do público costuma ser fortemente heterogênea abar-
cando alunos tanto dos bairros mais abastados quanto dos mais po-
bres. O critério de identificação deles com as personagens é difuso,

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favorecendo criações generalistas em detrimento de particularidades
acentuadas, mas igualmente permitindo uma multiplicidade muito
grande de aproximações diferentes a uma mesma personagem.

Via de regra, a individualidade de cada personagem na mesa


de RPG é mediada por um sistema quantificado de valores, a ficha
de atributos. Essa quantificação é desnecessária em sala de aula e só
serviria para dificultar a interação dos alunos. As situações de con-
flito podem ser resolvidas com o auxílio de objetos de probabilidade
(dados, moedas, roletas, entre outros) que tanto afastam o fantasma
da arbitrariedade do mestre – o que romperia o elemento lúdico –
quanto oferecerem um elemento de tensão a narrativa podendo ser
utilizado como uma forma de integrar determinados sujeitos disper-
sos ou de reestabelecer o fluxo da narrativa.

Por fim, o RPG é um jogo de simulação e é nisso que reside


sua maior força. Como praticante, já conhecia a capacidade do jogo
de criar cenários e situações que provocavam alteridade e já tinha
entrado em contato com vários cenários históricos que instigavam a
pesquisar mais sobre o tema e a aplicar efetivamente esses conheci-
mentos nas partidas, exercitando o pensamento histórico com uma
preocupação em evitar o anacronismo que raramente se vê em sala
de aula. Para se jogar é necessário estabelecer um pacto ficcional en-
tre os participantes, no qual eles se despem de seus conhecimentos,
de sua visão de terceira pessoa, oferecem ao mestre o monopólio da
posição de narrador onisciente e entram na brincadeira. Ao se assu-
mir como uma personagem, sua margem de manobra é diretamente
proporcional aos seus conhecimentos sobre ela e o sobre o cenário
na qual ela está inserida. O jogador que não domina o cenário, a per-
sonagem e a dinâmica acaba tateando durante a partida descobrindo
novas coisas e se tornando mais confiante à medida que apreende.

A partir das considerações expostas acima, percebi dois mo-


mentos propícios para aplicar a atividade em sala de aula, o início e
o final de uma determinada temática. Se aplicada no início de uma

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matéria nova, serve para testar os conhecimentos gerais dos alunos
sobre determinado período histórico e para já inteirá-los sobre al-
gumas das principais questões abordadas e já fazer um chamamento
para que os alunos se interessem pelo assunto. Ao decorrer das au-
las o professor poderia sempre se remeter à aplicação pedindo aos
alunos para relembraram aquilo que simularam e à medida que o
domínio deles do tema se ampliasse perguntar a eles se manteriam
determinadas atitudes que tomaram durante a partida ou se fariam
de forma diferente, ou porque tal personagem não jogador agiu de
tal forma ou se seria possível determinado pensamento ou ação no
período estudado.

Se a aplicação acontecer ao final de um bloco temático seu pa-


pel seria de fixar a matéria e promover um diagnóstico do aproveita-
mento dos alunos. O professor pode criar cenários mais complexos e
estimular os alunos a abordarem diferentes pontos de vista ao mes-
mo tempo em que pode coloca-los interagindo com “grandes vul-
tos” na forma de personagens controlados pelo narrador. Em ambos
os casos o RPG aparece não como um parêntese na matéria, como
muitas vezes são os filmes utilizados em sala, mas são integrados ao
planejamento pedagógico na forma de uma dinâmica influenciando
e sofrendo influência do conjunto geral das aulas.

A escolha inicial foi aplicar a atividade no início do bloco te-


mático sobre “Revoluções Liberais” concomitantemente ao fim das
aulas no curso de jogos narrativos, todavia uma série de complica-
ções levou a adiar indefinidamente a aplicação, a essas complicações
dedicarei posteriormente alguns parágrafos.

O jogo

Temática: Revolução Francesa

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Objetivos: Explorar diversos aspectos do período como a vida coti-
diana dos trabalhadores e suas condições de vida; a situação socio-
econômica da França revolucionária; as aspirações e exigências he-
terogêneas dos revoltosos; o caráter fragmentário e não monolítico
dos revolucionários, assim como os principais discursos envolvidos;
o processo civilizador aristocrático; o contraste social e econômico
entre os três estados na França; a força das construções simbólicas de
nobreza, igreja e realeza durante o Antigo Regime.

Insumos: Um objeto gerador de probabilidade e a critério do profes-


sor, giz, imagens, som, data show, entre outros.

Participantes: Uma sala de aula com até 50 alunos e 1 professor que


exercerá o papel do mestre.

Duração: Uma aula, aproximadamente 40-45 minutos

Metodologia e aplicação: O professor deve também compreender


que apesar do improviso ser uma parte importante dentro do RPG
não deve nunca ser o elemento predominante em um jogo didático,
ele deve se comportar como uma aula normal, com uma estrutura
definida e intervenções pontuais que guiem a aula de volta a esse
eixo.

Antes de realizar a atividade pode ser avisado aos alunos pre-


viamente que vai haver uma atividade diferentes, isso ajuda a quebrar
a predisposição negativa de alguns deles sobre atividades, principal-
mente pois a atividade com RPG dificilmente é avaliada em termos
de pontos, e cria expectativa positiva em relação a aplicação.

O professor deve evitar sobremaneira intervenções externas


durante a aplicação, pois elas rasgam o tecido de fantasia (pacto fic-
cional) duramente construído para a aplicação, então é mister avisar
os outros professores e funcionários para evitarem o máximo possí-
vel qualquer intervenção com a classe, limitando-a a questões emer-
genciais, assim como separar a classe em um microcosmo, fechando

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janelas e portas e isolando-a do mundo exterior. Também é reco-
mendado que o professor peça aos alunos que desliguem seus apa-
relhos celulares, pois eles representam um link direto com o mundo
exterior e, portanto, são indesejáveis durante a atividade.

Não é recomendado que o professor explique a atividade aos


alunos, pois se trata de um jogo que valoriza muito a intuição e me-
dida que os alunos se esforçam para compreender a dinâmica por si
mesmos, eles se envolvem ao cenário e as personagens. O jogo, como
uma piada ou um truque de mágica, perde grande parte de seu en-
canto quando é explicado.

O jogo é dividido em 3 momentos que rementem as estrutu-


ras mitológicas clássicas que condensadas por Campbell no “mito do
herói”

Apresentação: Uma pessoa normal em um mundo comum até a


chegada de um acontecimento inusitado que conturba essa realidade
pacata. Campbell (1988) denomina este acontecimento de “o cha-
mado para a aventura” e o indivíduo se sente tentado a sair de seu
cotidiano monótono.

O conflito - O indivíduo agora definido por Campbell como herói,


encontra-se com uma rica diversidade de aliados, inimigos, men-
tores, testes, provações, desafios e adquire saberes importantes para
seu desenvolvimento pessoal.

A resolução - O herói vence a suprema provação, soluciona a fonte


do desequilíbrio e retorna para seu mundo.

Por se tratar de uma aula, ao final desses 3 movimentos, há um


4º que é integrar aquilo que foi simulado com a matéria e articular
as impressões dos alunos com os objetivos desejados pelo professor.
Para critério de praticidade dividiremos a atividade em 4 partes, cada
uma representando um dos movimentos explicados anteriormente.

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1 – Apresentação

A primeira preocupação do professor ao iniciar um jogo nar-


rativo é a contextualização da aventura. Tem-se de a definir espacial
e temporalmente a zona de ação. No nosso caso, Paris, 1789 durante
os anos iniciais da Revolução Francesa. Só isso não é suficiente para
promover a imersão dos alunos no cenário, então é necessário reali-
zar uma descrição densa do ambiente.

“Paris era uma cidade mal planejada, as reformas urbanas


recentes foram feitas por sobre a cidade medieval, fora das
poucas grandes avenidas temos uma série de ruelas com
centenas ou milhares de anos, de chão batido ou pedras
mal-ajeitadas, ladeadas por pequenas casas de madeira ou
alvenaria muito malfeita. A cidade, para a maioria das pes-
soas era feia. ”

O quão mais vasta e diversificada for a apresentação do cená-


rio, maior a chance dos alunos se envolverem com o cenário. Tente
provocar neles diferentes sentidos do que apenas a visão abstrata,
falando de cheiros, gostos, sensações táteis, construindo um sujeito
sensível como personagem. Sobre a personagem é preferencial esco-
lher uma personagem coletiva, essas personagens seriam arquétipos
adaptados a determinada situação, como “a multidão”, “os guardas”,
os “escravos”, os “nobres” e sua utilização é partilhada pelos alunos.
Cabe ao professor gerenciar essa utilização com intervenções pontu-
ais garantindo que não haja excluídos e que a todos se sintam parti-
cipantes da experiência.

Como personagem coletiva escolhida para essa aventura é o


“povo”. Um pequeno grupo amorfo de 30-40 pessoas composto de
gentes da classe trabalhadora. Após a apresentação do cenário de-
ve-se apresentar a personagem com uma rápida fala sobre como é a
vida dos trabalhadores franceses, a dura carestia a qual estavam sub-
metidos e os principais traços de sua mentalidade, novamente fazen-

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do-o com cores vivas e um vasto aspecto sensível. O professor pode
falar sobre as condições de higiene, de alimentação, o pensamento
religioso, a fragilidade do processo civilizador entre as massas, to-
mando o cuidado de não trata-los como uma unidade homogênea,
mas como um grupo de pessoas diferentes unidas por objetivos si-
milares e pontuais.

Toda essa parte de descrição deve ser feita de forma breve, sem
tomar mais do que 3-5 minutos, especialmente se os alunos já foram
apresentados previamente ao período estudado. Se o professor se de-
morar demais nessa parte, corre o risco de enfrentar dispersão antes
mesmo de iniciar a partida.

A personagem coletiva deve ser colocada em uma situação que


rompa com o ordinário dotando-a de protagonismo. No nosso caso,
a narrativa se inicia diante das portas do Palácio de Versalhes, onde
o grupo controlado pelos jogadores está protestando contra as me-
didas autoritárias e de austeridade tomadas pela coroa, junto a uma
multidão significativamente maior de algumas centenas ou milhares
de pessoas. A situação de tensão que corresponde ao “chamado para
aventura” se dá com a dispersão a força dessa multidão devido a uma
carga de cavalaria.

“1- Multidão protestando diante do palácio. 2- Personagem


como parte dessa multidão. 3- Os portões se abrem revelan-
do a cavalaria real. 4- A cavalaria realiza uma carga sobre a
multidão com objetivo de dispersá-la. 5- A multidão começa
a correr e o grupo representado pelas personagens se des-
garra do conjunto da multidão. ”

Esse ato inicial separa as personagens do conjunto da mul-


tidão, dotando-a de individualidade o próximo passo é dotá-la de
protagonismo. Nessa hora se o professor ainda não começou a uti-
lizar o objeto gerador de possibilidades aleatórias ele deve começar
a fazê-lo. Ofereça situações para os alunos como “jogue essa moeda,

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se cair cara você percebe alguma coisa” ou “vocês perceberam uma
ruela que oferece uma saída fácil da avenida, o que vocês fazem? ”.
Essas intervenções dotam a personagem de protagonismo e liga os
alunos ao destino da personagem, agora eles passam a se preocupa-
rem mais com ela, pois ela os representa e os dá posição ativa dentro
da narrativa.

“1- A personagem percebe uma ruela que oferece saída do


meio da multidão e promete segurança em relação a carga
de cavalaria. 2- Os jogadores são induzidos a escolherem se
encaminhar por aquela ruela. 3- A personagem percebe que
está sendo perseguida por um pequeno grupo de cavaleiros.
4- Ocorre algum acontecimento que cessa a perseguição;
alguém tropeça, os cavaleiros atiram, chegam em um beco
sem saída. 5- A personagem é confrontada com a possibi-
lidade de reagir. 6- Embate com os cavaleiros. 7- vitória da
personagem. 8- Confrontar a personagem sobre o que fazer
depois. 9- Induzir os jogadores a resolverem voltar ao palá-
cio. ”

2 – Conflito:

Passado as desventuras iniciais, esperasse que os alunos já te-


nham domínio aceitável da dinâmica de jogo, assim como já estejam
emocionalmente ligados ao personagem e integrados ao pacto fic-
cional. Nessa parte podemos alterar o foco das cenas de ação para
a interação entre personagens e com o cenário, parte mais rica do
ponto de vista educacional. As jogadas não são mais focadas em em-
bates físicos, mas em percepção, algo que o aluno percebe, alguma
informação que recebe e isso leva a questionamentos, ele tem de po-
sicionar ativamente diante do ambiente a sua volta e perceber as su-
tilezas de suas ações assim como as consequências delas para o meio.

A personagem retornaria aos portões de Versalhes, agora des-


guarnecidos e o professor utilizaria o elemento de probabilidade para
decidir se algum aluno, relapso, disperso ou hiperativo percebe uma

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falha nos portões. Uma vez caídos, há uma série de intervenções da
parte do professor para instigar os alunos a explorarem o local e à
partir disso proceder com uma descrição densa sobre o estilo de vida
da nobreza francesa no Antigo Regime e as diferenças entre ele o
estilo de vida das massas trabalhadoras.

O clímax dessa parte se daria quando a personagem encon-


trasse no meio de sua exploração do castelo, um grupo de nobres
escondidos, dentre eles o próprio rei de França. Ai os alunos seriam
interpelados por uma série de personagens não jogadores que pro-
moveriam um amplo debate sobre a situação da França.

“1- A personagem chega aos portões de Versalhes. 2- Os


portões caem e a personagem adentra o território do castelo.
3- uma série de explorações no o castelo. 4- Encontro com a
nobreza. 5- Climax”

3 – Resolução:

Independente da ação tomada pelos alunos e levada a cabo


pela personagem, ela encerra a parte narrativa do jogo. A finalização
da aula se dá com o levantamento da opinião dos alunos, o que eles
perceberam de importante e sobre o destino (o real e/ou o criado no
cenário alternativo) da França após a Revolução Francesa.

A experiência de aplicação em sala da aula: erros, acer-


tos e pesares

O Narrativa da Imaginação disponibilizou aos professores um


termo de compromisso a ser levado à escola e esse termo foi passado
a diretoria. Antes, a proposta foi levada à coordenação pedagógica
que inicialmente a aprovou, mas depois começou a criar dificuldades
para a execução da atividade. O motivo alegado é que me encon-

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trava, pela análise da coordenação, atrasado na matéria e que não
estava em posição de “desperdiçar uma aula” fazendo dinâmica com
os alunos.

Foi-me pedido que apresentasse um plano de aula detalhado a


ser aprovado pela coordenação pedagógica, antes que o termo fosse
levado até a diretoria. Tal atitude não era completamente inesperada
devido ao próprio funcionamento interno da escola, mas foi o pri-
meiro movimento de uma longa opereta de tons tragicômicos que
envolveria a aplicação.

A aprovação do termo de compromisso era absolutamente ne-


cessária para a boa execução do projeto, pois se tratando de uma
pesquisa, faz-se mister a documentação da experiência e sua poste-
rior divulgação. O bom cumprimento da função pública da aplicação
compreendia duas etapas, uma permissão da escola e uma permissão
dos pais dos menores envolvidos. Esperava um processo fácil e den-
tro das possibilidades, informal, pragmático e direto, mas o encon-
trado foi um longo processo burocrático que terminou inconcluso,
obrigando a uma radical reformulação dos planos e uma execução
muito abaixo das expectativas.

Mesmo com o plano de aula aprovado previamente pela co-


ordenação pedagógica a diretoria demandou uma cópia do mesmo
para avaliação e aceitou receber o termo de compromisso, todavia
já avisando que não permitiria que ele fosse repassado aos pais dos
estudantes antes de prévia análise por parte da superintendência re-
gional de ensino. O envolvimento do SRE foi uma supressa, mas ana-
lisando o retrospecto da escola e a situação particular dessa com os
órgãos estatais de ensino não foi de todo inesperado.

Como uma escola modelo, há um cuidado muito grande em


relação a imagem veiculada a comunidade; imagem essa que de uma
forma ou de outra é sempre mediada pelo corpo administrativo da
instituição, seja em reuniões com os pais, ações públicas e no trato

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com os do Estado. Em contrapartida, há uma aproximação maior
dos órgãos responsáveis pela gestão da educação no estado (nome-
adamente o SRE) que de forma intermitente envia fiscais a escola e
fiscaliza os planejamentos, notas e controle de disciplina de forma
mais rigorosa do que em relação as outras escolas estaduais do muni-
cípio. Essa relação limita a independência pedagógica da escola, seja
por intervenção direta ou, de forma significativamente mais comum,
através de uma espécie de autocensura que atinge principalmente os
professores designados, sendo o meu caso, cujos projetos e políticas
pedagógicas não encontrariam continuidade nos anos seguintes.

Os tramites burocráticos que envolvem a aprovação do ter-


mo são reconhecidamente demorados, sendo que a própria direto-
ra avisou que tomariam por volta de 15 dias uteis para emitir uma
resposta, um tempo de espera considerável. Diante desse empecilho
a aplicação que estava planejada para o início do bloco temático na
última semana de Abril foi adiada para a 3ª semana de maio, período
para o qual estava planejado o fim da unidade temática. Isso obriga
a uma mudança no enfoque e objetivo da atividade, como explicado
anteriormente, transferindo-a de uma dinâmica introdutória para
um exercício de revisão e fixação do conteúdo a ser aplicado uma
semana antes das provas bimestrais.

À parte do planejamento e do aspecto técnico burocrático, ca-


bia escolher se a atividade seria aplicada de forma ampla e irrestrita
a todas as seis turmas de 8º ano da escola ou se seria restrita a uma
única turma, aquela na qual seria documentada. A escolha inicial
seria escolher uma turma cujos laços professor-aluno fossem sólidos
e que se mostraria mais receptiva à atividade.

Todas essas preocupações seriam abandonadas ao decorrer


dos acontecimentos. Na 3ª semana de maio, ainda sem respostas por
parte da SRE, a dinâmica normal da escola seria abalada pelo fale-
cimento do pai da diretora que teve de se ausentar para cumprir o
luto junto à família em outra cidade, desguarnecendo a escola de sua

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liderança imediata por quase 2 semanas. Juntou-se a isso um afas-
tamento temporário da vice-diretora devido a problemas médicos
e da coordenadora pedagógica devido a um curso promovido pela
superintendência – felizmente ocorrências em dias separados. Tais
acontecimentos foram imediatamente anteriores à semana de provas
bimestrais, ocorrendo na semana convencionalmente utilizada para
revisões e, portanto, na semana em que estava planejado a aplicação
da atividade com os alunos.

Alienado do vínculo com a superintendência e tratado em re-


gime de emergência, a aplicação passou a correr real risco de não
acontecer. Por convenção, não poderia ser aplicada durante a sema-
na de provas, pois poderia vir a atrapalhar as faixas de prova ou o
rendimento dos alunos – que se supõe utilizariam as aulas dos pro-
fessores para se preparam para as provas, não necessariamente da
matéria ministrada; e a semana posterior a prova seria utilizada para
aplicação de provas e trabalhos de recuperação bimestral, apresen-
tando praticamente as mesmas dificuldades. A semana com maior
possibilidade de sucesso na aplicação seria justamente a 3ª semana
de Maio, imediatamente anterior a semana de provas bimestrais, na
qual poderia ser utilizada como uma atividade de fixação e revisão
do conteúdo previamente ministrado e contaria com ampla presença
dos alunos.

Por três vezes a aplicação foi marcada e desmarcada. Inicial-


mente na 3ª semana de Maio, quando fomos surpreendidos pela sú-
bita ausência de grande parte do corpo administrativo da escola, im-
pondo uma sobrecarga de trabalho aos professores. Posteriormente,
na 4ª semana, teve de ser desmarcada por coincidir com as provas
da 1ª fase da Olimpíada Brasileira de Matemática, aplicada a todos
os alunos da escola, que estando marcadas para o ocorrerem no 2º
e 3º horários, foram transferidas para o 4º e 5º horários devido a
aplicação de uma prova bimestral no 3º horário. Adiada novamente
para a 1ª semana de Julho não pode ser realizada por coincidir com

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o festival de talentos.

Toda essa confusão com o calendário é devido ao caráter for-


temente precário do planejamento de atividades na escola, marcado
por arranjos conjunturais que se sobrepõem uns aos outros. Esses
arranjos forçaram a adaptação de uma série de atividades não re-
lacionadas diretamente ao planejamento individual dos professores,
como a Olimpíada de Matemática e o Festival de Talentos.

Com a própria realização comprometida, fui forçado pelos


acontecimentos a marcar a aplicação de RPG na 2ª semana de Junho,
praticamente 1 mês depois do previsto e última semana de aula antes
das férias. Realizada após o termino das provas de recuperação e do
fechamento de nota, os professores não podem executar nenhuma
atividade avaliativa e são influenciados tanto pelos colegas, quanto
pela diretoria e pelos alunos a não trabalharem a matéria, recorrendo
a subterfúgios como filmes, dinâmicas recreativas – como liberar os
alunos para educação física – ou revisões generalistas. Os alunos, já
sabendo dessa dinâmica, vivenciada em outros anos naquela ou em
outras escolas, costumam faltar coletivamente gerando um esvazia-
mento muito grande das turmas.

Apesar do esvaziamento já esperado, propus-me a aplicar a


atividade em cada uma das turmas com os alunos presentes a partir
do dia 9 de Junho.

Para auxiliar a narrativa optei por não utilizar nenhum ele-


mento iconográfico ou sonoro, apenas a narração direta, e contei
com uma moeda como objeto gerador de possibilidades, resolvendo
as situações de tensão ou de ação através de jogadas de “cara ou co-
roa”. A moeda, apesar de ser limitada como gerador de possibilidades
aleatórias possui um caráter lúdico que atrai a atenção dos alunos,
mesmo quando eventualmente cai no chão e tem de ser procurada
pelos participantes.

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A atividade foi programada para durar aproximadamente 40-
45 minutos, o suficiente para uma aula, dado o tempo inicial para ar-
rumar a sala. Em 2 dias de aplicação, ela foi executada 4 vezes, sendo
que dessas 3 podem ser consideras um sucesso e compartilham de
alguns elementos comuns que detalharei agora.

No dia 11 de Julho já havia um grande esvaziamento entre os


alunos, sendo que a média de alunos em cada turma era de por vol-
ta de 15 alunos. Esse esvaziamento, todavia, não significa um corte
radical no perfil dos alunos, mantendo uma amostragem represen-
tativa de cada classe. Haviam alunos que esperavam aula, alunos que
estavam lá para jogar bola, alunos obrigados, alunos que estavam
lá só para zoar, mas no geral não se tinha o clima sério que marca
as semanas usuais de aula. Esse ambiente indubitavelmente facilita
a ludicidade presente na aplicação, mas é uma lâmina de 2 gumes,
pois também ameaça a seriedade da atividade que pode ser tomada
apenas como mais uma brincadeira e descartada pelos alunos sem
nenhum engajamento.

A primeira aplicação, feita com a turma 8-1, foi cercada de


inexperiência marcada por uma série de improvisações que depois
seriam incorporadas à narrativa com as outras turmas. Haviam 14
alunos, desses, dois alunos da 8-2 que haviam preferido ficar na
atividade em vez de assistirem filme com o resto de sua turma. A
atividade correu sem nenhuma interferência externa e com grande
participação dos alunos, que dispostos em semicírculo em volta do
professor podiam ser interpelados com facilidade. Cabe ressaltar que
havia 2 alunas na sala que se declararam jogadoras regulares de RPG
de mesa e cuja participação foi significativamente mais ativa do que
o restante dos alunos. Não consegui terminar a narrativa no decorrer
de 1 aula, tendo chegado apenas na metade da narrativa.

Na segunda turma, no 8-3, com 22 alunos em sala (maior quó-


rum dentre os oitavos anos presentes) preferi começar a atividade
explicando-a, dizendo o que era RPG e o que estava me propondo

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realizar com eles e fazendo uma descrição mais longa e densa do
cenário, de forma a evitar futuras perguntas redundantes dos alu-
nos. Nessa turma já havia uma clara discrepância de interesse en-
tre os alunos, sendo que alguns deles, esperando que continuariam
sem aula reagiram mal desde o anúncio da atividade e se recusaram
recorrentemente a participar da atividade, mesmo sendo interpela-
dos por várias vezes. Outro problema encontrado foram constantes
tentativas dos alunos de encenarem certas passagens da narrativa,
mesmo avisados de que isso tomaria tempo útil da narrativa e com-
prometeria o andamento da história. Entre esses dois extremos de
atitude em relação a atividade criou-se uma grande dificuldade em
gerir a participação comum, mas a despeito disso, se desenrolou de
forma relativamente suave.

A 3ª aplicação foi com a turma 8-4, com apenas 7 alunos e no


ultimo horário, mas de forma surpreendente foi a turma que mais se
envolveu e melhor participou da atividade. Cabe ressaltar que foram
interrompidos na janela por alunos de outras turmas que queriam
conversar e até mesmo distribuir guaraná e bolo de uma festa de ani-
versário feita no dia, mas os alunos envolvidos na atividade os dis-
pensaram eficiente e repetidamente sem prejuízo algum à atividade.

No dia 12, com um número de alunos levemente inferior ao


do dia 11, mas uma divisão interna diferenciada, pois muitos dos
alunos que vieram no dia anterior esperando receberem aula não
retornaram nesse dia. Outro contratempo observado foi a ausência
de 3 professores atuantes no 8º ano o que demandou uma atitude por
parte da vice direção.

A aplicação documentada, com a presença do professor mi-


nistrante do curso de jogos narrativos, Rafael Correia, estava marca-
da para o 4º horário do dia 12, com a turma 8-2.

Durante o intervalo, a vice direção decidiu resolver o proble-


ma da falta dos professores unindo os alunos presentem em duas sa-

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las, uma composta pelos 8º 1 ao 3 e outra, do 4 ao 6. Cada uma dessas
turmas ficaria sobre a responsabilidade de um professor: uma delas
iria assistir filme e a outra iria ser submetida a atividade de jogos
narrativos. Diante de minhas críticas sobre a atitude tomada, argu-
mentando que não seria produtivo colocar na mesma turma alunos
que já haviam feito a atividade e alunos que ainda não a haviam feito
e que, ademais eu tinha feito um planejamento e me comprometido
com ele com uma entidade externa (o curso) e não poderia alterar
isso de última hora foi-me respondido:

“Você está só brincando com os alunos, não tem direito de re-


clamar e não vamos trocar suas turmas, pois esses são os alunos mais
complicados e você vai distraí-los para que eles não fiquem me per-
turbando enquanto os meus alunos assistem filme”

Resolvida a situação – não a meu favor – fiquei responsável


por uma turma mista composta de aproximadamente 35 alunos de
pelo menos 4 turmas diferentes, muitos deles enviados especialmen-
te para não atrapalharem as atividades de outros professores. Dis-
pondo de dois horários – aproximadamente uma hora e meia de
tempo útil – o primeiro problema encontrado foi que as salas de aula
estavam trancadas e a funcionária responsável por abrir as salas não
estava com a chave da sala que seria utilizada. Uma vez resolvido essa
situação e arregimentado os alunos, o professor convidado aplicou a
primeira mudança à metodologia até então utilizada, fechando com-
pletamente a sala, janelas e portas e estabelecendo com os alunos um
acordo de que a nenhum deles seria facilitada à saída da sala para
não atrapalhar a atividade.

Tentando explicar aos alunos o que seria realizado, houve uma


segunda interferência, a qual o professor convidado disse que não
deveria ser explicado aos alunos pois a boa aplicação do jogo depen-
dia da manutenção de um pacto ficcional que funcionava melhor
sem uma explicação inicial. Logo nesse início já percebíamos múlti-
plos focos de conversa, tanto entre colegas da mesma turma quanto

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de turmas diferentes e uma necessidade urgente de atrair a atenção
dos alunos. O professor convidado tendo subido por sobre a cadei-
ra e teatralmente atraindo a atenção dos alunos fez a introdução do
cenário, devolvendo a narrativa a minha pessoa. Esse tipo de dinâ-
mica se repetiria várias vezes ao decorrer da narrativa, quase sempre
quando se percebia dispersão por parte dos alunos.

Além dos múltiplos focos de conversa, outros principais pro-


blemas enfrentados foram constantes intervenções externas na sala.
Funcionários da escola vieram várias vezes durante a aplicação para
retirar um ou outro aluno da sala para resolver questões adminis-
trativas ou passar algum recado. Alunos de outras turmas vinham
regularmente até a janela para tentar conversar com quem estava na
sala e tinham de ser dissuadidos de fazê-lo. O uso de celulares por
parte dos alunos dentro de sala também foi um problema de difícil
trato – problema esse praticamente inexistente nas outras aplicações
-, fazendo com que vários alunos ficassem constantemente pedindo
para irem ao banheiro com objetivo de se encontrarem com alunos
fora da aula e atrapalhando a atividade.

Dentro de sala, cada uma dessas intervenções externas que-


bravam o pacto ficcional com os alunos e aprofundavam ainda mais
o desinteresse dos alunos. No fim, as interações feitas pelas jogadas
de ação e o uso do dado mais estavam provocando situações de con-
flito do que reestabelecendo o ritmo da narrativa. Ao final da ativi-
dade, muitos dos alunos já haviam se alienado completamente da
aplicação, em especial aqueles que já a haviam realizado em outras
turmas. Dispondo de 2 horários para sua realização, quase não foi
possível terminar a parte narrativa e o balanço final da atividade não
pode ser realizado devido à falta de participação do público. Todas
essas situações levaram a creditar a aplicação como um fracasso.

Vitimada por uma série de problemas extra-sala, realizada em


condições precárias e até indesejáveis a aplicação não atingiu seu ob-
jetivo a despeito dos esforços desse professor e do ministrante con-

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vidado – que estava lá apenas para documentar, sem obrigação de
se envolver na atividade. As outras aplicações foram realizadas com
condições diferentes, também adversas, mas obtiveram sucesso em
suas propostas. Diante dessa experiência conseguimos inferir alguns
pontos relacionados à preparação, suporte e aplicação de jogos nar-
rativos em sala de aula.

Sua realização não é um evento excepcional, uma carta branca


à completa suspensão do ambiente e da postura de estudo e o pro-
fessor, a equipe pedagógica e os alunos devem estar dessa situação.
Dessa feita, é mais do que brincadeira ou “entretém aluno”, sendo
efetivamente aula e devendo ser conduzida como tal. Uma vez ado-
tada como aula, deve ser planejada de antemão e avisada a todos os
envolvidos sob o risco de comprometer toda a aplicação. O pacto fic-
cional entre os participantes deve ser protegido a todo custo, pois é o
fiador da experiência de ensino e aprendizagem durante a aplicação
do jogo pedagógico e interferências externas podem romper todo o
encantamento da atividade.

Em suma, o jogo pedagógico não deve jamais ser realizado de


forma leviana ou descomprometida, demanda de seus participantes
extensa preparação prévia e a construção de um ambiente propício
para sua execução.

Referências Bibliográficas

REIS, Alessandro Viera dos. Módulo Básico FLER: Ferramenta lúdi-


ca de ensino por representação. Florianópolis: Edição do autor, 2002.
ROCHA, Rafael Correia. Narrativa da imaginação: proposta peda-
gógica, metodologia role playing e reflexões sobre educação. Uber-
lândia: [s.n.], 2014.

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Parte III

Pesquisa e Jogos-
Narrativos:
Experimentações no
Ensino Básico (Ensino
Fundamental)

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Código Cinquecento: o
jogo educacional como
possibilidade no ensino de
História

Gabriella Tito46

Resumo: Este capítulo relata uma atividade realizada como jogos narrati-
vos, por ocasião do curso de Play Testing, interligado à pesquisa CAPES/
FAPEMIG (APQ-03413-12 – INHIS/UFU – CAPES/FAPEMIG). O tema
central foi o Renascimento, este traz em si imensa riqueza, pois se trata não
apenas de um movimento cultural mas de todo o redimensionamento da
sociedade europeia da época em seus diversos aspectos: econômicos, reli-
giosos, políticos, psicossociais, filosóficos e culturais.

Palavras-chaves: Renascimento, Jogos, Live Action.

Este texto foi produzido como artigo de conclusão do curso


de Play Testing oferecido através da Universidade Federal de Uber-
lândia. É de fundamental importância para o constante aprendizado
e desenvolvimento dos educadores iniciativas semelhantes, que ins-
trumentalizem os profissionais para uma atuação mais em conso-

46 Graduada em História pela Universidade Federal de Uber-


lândia, graduada em Educação Física pelo Centro Universitário do
Triângulo. Professora de História na Escola Municipal Dr. Gladsen
Guerra de Rezende no município de Uberlândia.

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nância com as demandas da educação atual, e não são poucas.

Por outro lado se a aposta é em democratização da educação e


do ensino, as práticas educativas também devem ser democráticas e
visar não só o aprendizado mas também o bem estar dos discentes.
Neste aspecto ferramentas que abordam o lúdico são vitais. Outro
ponto importante se refere ao bem estar do próprio educador, poder
usufruir de abordagens que também lhe proporcione bem estar, sa-
tisfação, alegria e aprofundamento das relações humanas com seus
alunos também tem que estar em pauta.

No decorrer do curso passamos por três períodos distintos,


no primeiro vivenciamos diversos jogos educacionais, ou seja, joga-
mos. Em seguida se seguiu a fase de desenvolvimento, em que com
orientação do professor Rafael Rocha, Bolsista do Projeto em tela,
desenvolvemos nosso próprio jogo para aplicar em sala de aula. Nes-
te período vários encontros de orientação foram necessários para
discussão do tema, do tipo de jogo a ser usado, das fontes e também
das questões práticas, dia ser aplicado, horário, turma, etc.

A última etapa se destinou a aplicação do jogo em sala de aula


e a escrita do relato da experiência vivida em sala. O curso foi bastan-
te rico e demonstrou como em inúmeras ocasiões se faz uso dos jo-
gos sem atingir o seu verdadeiro potencial, como poderia se dito no
inglês há um “misunderstanding” ou um mau entendimento no uso
dos jogos. Na maioria das vezes se usam jogos em que o foco é ape-
nas o conteúdo, e a experiência e a vivência de jogo fica sublimada.

Os jogos ficam, portanto, sub-explorados, pois diversas moda-


lidades de jogos podem ser trabalhadas com enfoques diferentes, que
visem um processo educacional e um formar-se sujeito enquanto se
joga. É a experiência vivida, sentida e subjetivada que traz significa-
do ao aprendizado, inclusive do conteúdo, e apesar dele. Tais con-
clusões no entanto, não foram facilmente atingidas pois a própria
vivência de jogos da maioria dos professores não é tão profunda.

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Ao passar pelo primeiro período do curso play testing, muitas
indagações se passaram na minha mente: serei capaz de desenvolver
meu próprio jogo, conseguirei aplicá-lo na sala de aula, meus alunos
irão realmente se engajar na tarefa e atingir conhecimento? E embo-
ra o período de vivencia tenha sido prazeroso e justamente por isso,
uma expectativa a mais se criou: meus alunos irão se divertir tanto
quanto eu?

A opção que pareceu ser a mais envolvente para os alunos e


também para mim, foi o desenvolvimento de um Live Action Role-
playing com cartas, pois ansiava por estabelecer um novo e diferente
canal de comunicação com os estudantes, um canal onde os tradicio-
nais papéis atribuídos a cada parte pudesse ser driblado e uma cone-
xão mais profunda pudesse ser estabelecida e consequentemente um
aprendizado mais significativo pudesse ser alcançado, pois segundo
Huizinga: “o jogo ultrapassa as dimensões físicas e biológicas, ele é
uma função significante” (1938, p. 5).

O Live Action Role playing é definido segundo Falcão (2012,


p. 17)” como um jogo de interpretar personagens, mas não para ser
visto mas para ser vivido”. O desenrolar de um jogo de Live Action
Roleplaying se dá conforme os personagens vão se relacionando, não
há um roteiro pré-definido. Isso foi fundamental na escolha, pois um
dos objetivos era justamente desenvolver novas relações entre os su-
jeitos da sala de aula. Outro aspecto constituiu-se em despertar nos
alunos a percepção que adquirir conhecimento pode ser, e é praze-
roso, e ainda pode ser feito de maneira encantadora.

Neste sentido o curso play testing permitiu a apropriação do


jogo como o veículo por excelência para tal fim, já que a fascinação
é a própria essência e característica primordial do jogo (Huizinga,
1938).

A turma escolhida para a aplicação foi um 7º ano da Escola


Municipal Dr. Gladsen Guerra de Rezende, onde a maioria dos jo-

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vens tem por volta de 12 anos. A Escola Gladsen é uma escola com
aproximadamente 600 alunos, no período da manhã funciona o en-
sino de 5º ao 9º ano e no período da tarde as séries iniciais e no perí-
odo noturno a EJA (Educação de Jovens e Adultos).

A Escola localiza-se no bairro Canaã, foi fundada em 1997 e


atende a população desta região e do bairro Jardim Célia, ocasio-
nalmente atende crianças de outros bairros no entorno, Jardim das
Palmeiras, Jardim Vica, São Lucas, Santo Inácio, Santo Antônio, Bela
Vista, Jardim Holanda, Nova Uberlândia, Eldorado e Cidade Jardim.
É uma escola que se propõe a uma gestão democrática e participa
de diversos projetos como PIBID, Mais Educação e ECA. A equipe
pedagógica é coesa e procura manter-se em constante aprimoramen-
to, não foi encontrada nenhuma resistência para aplicação do jogo,
muito pelo contrário, o apoio foi irrestrito.

Os 5º e 6º anos estão no andar térreo com recreio das 08h40min


às 08h55minh e no segundo pavimento encontram-se os 7º, 8º e 9º
com recreio das 09h30minh às 09h50minh. Ministro aula em todos
os 9º anos e apenas neste 7º ano onde se deu a atividade e que é o úni-
co no piso inferior. Vinha enfrentando certa dificuldade de comuni-
cação com esta turma, assim como professores de outras disciplinas,
sua característica é de intensa agitação com alunos que desestabili-
zam o ambiente, nem sempre de forma positiva.

Ansiava por um meio de estabelecer uma relação mais orgâ-


nica com a turma quando em encontro de formação continuada no
CEMEPE- Centro de Estudos e Projetos Educacionais Julieta Diniz-
(o centro de apoio ao professor da prefeitura) recebemos a proposta
do curso. No decorrer dos primeiros encontros ficou clara a possibi-
lidade do jogo como o meio para este fim, sendo o jogo uma evasão
da vida real (Huizinga, 1938, p. 10) os jovens teriam uma oportuni-
dade de expressarem uma realidade diversa da sua própria e assim
dar vazão a emoções e atitudes que nem sempre podem na realidade
objetiva e abrindo novos canais de interação entre todos.

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O tema abordado foi Renascimento Cultural europeu no sé-
culo XV. Do ponto de vista do conteúdo, a meta era que os alunos
entendessem e vivenciassem os conflitos vividos pelos artistas do pe-
ríodo que se encontravam entre as pressões da Igreja Católica, da no-
breza absolutista e da emergente burguesia da época. Um dos pontos
era que eles percebessem o jogo de poder e de interesses que envolvia
cada grupo e o importante papel dos artistas, considerando a influ-
ência e a inserção que estes alcançavam na sociedade.

Por outro lado a experiência do jogo poderia possibilitar uma


alteração na dinâmica de poder da própria sala, fazendo com que
os alunos experimentassem papéis de influência diversos daqueles
exercidos por eles costumeiramente e assim expressar uma subje-
tividade às vezes impossível dentro da realidade comum. E assim
foi, alunos tímidos e introvertidos se tornaram grandes oradores e
advogados no momento do jogo, outros experimentaram indecisão,
outros o respeito, alguns exerceram domínio sobre outros, e estes
se sujeitaram, ou seja, a sala de aula se tornou o território mágico,
nossas relações ordinárias ficaram temporariamente suspensas, não
havia professor e alunos, mas artistas, burgueses, padres, inquisi-
dores, cientistas, nobres, etc. No dia da aplicação a turma de apro-
ximadamente 30 alunos (cerca de metade de meninas e meninos)
foi dividida em três grupos: a Igreja, os Mecenas e os Artistas. Cada
grupo se constituiu segundo uma distribuição aleatória das cartas
confeccionadas para o jogo.

Da categoria Igreja foram distribuídas as seguintes cartas:


duas de Cardeais, uma de Monge Copista, uma da Inquisição, uma
de Inquisidores, uma de Jesuítas, uma de Monges, uma de Padres e
uma de Papa. Da categoria Mecenas foram distribuídas as cartas: um
Banqueiro, Cosme de Médici, Francisco I, Galeazzo Maria Sforza,
um Jovem Burguês, Lourenço de Médici, duas de Mercador, uma
Dama Viúva, uma Mulher Burguesa. Da categoria Artistas: Sandro
Botticelli, Miguel de Cervantes, Cristóvão Colombo, Dante Alighieri,

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Donatello, Galileu Galilei, Johannes Gutenberg, Leonardo da Vinci,
Michelangelo, Rafael, William Shakespeare. E finalmente uma carta
sem categoria, a Rainha Isabel de York. A Rainha desempenhou a
função dentro da narrativa de convocar a assembleia entre estes três
grupos e determinar que cada artista optasse em pertencer a um dos
outros dois grupos, o dos Mecenas ou o da Igreja.

Cada um destes deveria apresentar argumentos que conven-


cesse o artista a optar por ele. O argumento da Rainha para a con-
vocação da assembleia era de que a indecisão dos artistas entre as
classes estava tumultuando o reinado e causando mal estar na corte.
Durante a fase de desenvolvimento ficou claro que este personagem
deveria representar a Inglaterra, uma das maiores potências da época
e com uma relação peculiar com a Igreja. Eu assumi este papel, para
melhor me encaixar na vivência do jogo e ajudar no encantamento
dos alunos, estilizei um figurino que se compôs de um vestido longo,
um cetro de brinquedo e uma coroa confeccionada por mim mesma.

O professor Rafael Rocha que me auxiliou na aplicação atuou


como O Espírito Santo “soprando” inspiração e dicas a quem neces-
sitasse. As carteiras foram separadas formando duas bancadas, uma
de cada lado da sala e deixando um espaço livre no meio para os
Artistas. A cadeira da Rainha no ponto central voltada para todos
os grupos.

Nas aulas iniciais, em que vivenciamos principalmente os jo-


gos de Roleplaying Game e Live Action Roleplaying, foi necessário
sair de uma certa zona de conforto, a partir do momento em que se
atravessou a fronteira do espaço e tempo do jogo, naturalmente hou-
ve um desligamento da realidade objetiva. Erroneamente receei que
os alunos também enfrentassem certo desconforto inicial, porém ao
contrário de adultos eles facilmente atravessaram a fronteira do coti-
diano para a realidade mágica do jogo.

O jogo foi aplicado no terceiro horário que é logo após o re-

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creio da sala e os alunos foram avisados com antecedência que ha-
veria um jogo naquele dia. Normalmente eles não retornam pron-
tamente ao bater o sinal, no entanto todos estavam aguardando na
porta da sala antes do término do intervalo deixando claro a força do
aspecto lúdico contido nos jogos, e o quanto as atividades corriquei-
ras do aprendizado estão negligenciando este aspecto.

O que ocorreu a seguir foi surpreendente, pois à medida que


cada lado ia argumentando a discussão ia se tornando mais e mais
inflamada e alunos de todos os grupos se manifestaram com vee-
mência defendendo seus argumentos como se disso dependessem
suas vidas. Os Artistas ao se decidirem por um dos lados começavam
a tentar convencer os outros artistas a se juntar a eles.

A balburdia foi total, porém nenhum deles quebrou a regra


estabelecida ou se comportou como “desmancha prazeres” (Huizin-
ga, 1938, p. 12), todos viveram o jogo do seu início ao seu fim. Ape-
nas um aluno resistiu no início, mas ao ver o entusiasmo dos colegas
acabou por se envolver na atividade. Alguns não abriram mão de
jogar, porém, deram suas cartas a outros jogadores para que estes os
representassem.

Outro ponto a ser discutido e que foi observado trata-se da


questão corporal. Os alunos durante a narrativa não puderam se con-
ter às suas bancadas sentindo uma grande necessidade de utilizarem
o corpo como forma de expressão. Ora, a tradição ocidental durante
muito tempo cindiu a educação entre mente e corpo, conferindo à
razão lugar de destaque, ou seja, postulando como argumenta Bracht
(1999, p. 70) a superioridade da esfera mental ou intelectual, redu-
zindo a dimensão humana à racionalidade apenas, e apesar de todas
as mudanças nas teorias e práticas educacionais a estrutura escola
permanece na esfera do tempo de longa duração e muito de uma
mentalidade estagnada se percebe em relação à percepção e liberda-
de do corpo.

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Tal estrutura ainda favorece uma sala de aula e uma prática pe-
dagógica que engessa o corpo e associa a liberação deste com a indis-
ciplina, e educar o corpo é neste sentido educar o comportamento.
O corpo, no entanto, pode e deve exercer um potencial subversivo e
emancipatório. O movimento humano não só é veículo de aprendi-
zagem como também de comunicação.

Através do entendimento da construção histórica da cultura


corporal o educador pode desenvolver uma visão crítica da noção
de corpo, de suas implicações e influências na cultura escolar e as-
sim contribuir para integrar este corpo no processo educacional. O
jogo pode também nesta esfera dar sua contribuição, especialmente
o Live Roleplaying em que se joga com o corpo (Falcão, 2012, p. 22).
A experiência foi extremamente liberadora neste ponto, a Rainha
não tinha necessidade e nem obrigação de conter seus súditos senta-
dos na carteira e falando baixo. E artistas, burgueses e religiosos em
“guerra” também não precisavam conter-se a seus lugares e podiam
esbravejar à vontade dentro dos limites da civilidade.

Uma única regra foi imposta no jogo, todos deveriam calar-se


no momento preciso em que a Rainha se levantasse, manobra para
aplacar os momentos mais explosivos, recurso que funcionou rela-
tivamente bem. A liberação do corpo aliviou diversas tensões que
pairavam sobre a turma, considerada como uma das mais difíceis da
escola.

Referências Bibliográficas

BRACHT, Valter. A Constituição das teorias pedagógicas da edu-


cação física. Cadernos Cedes, ano XIX, nº 48, Agosto/99.
BOULOS JUNIOR, Alfredo. História, Sociedade & Cidadania 7º
Ano. FTD Editora.

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FALCÃO, Luiz. Live! Live Action Roleplaying: Um Guia Prático
para Larp. Núcleo de Pesquisa em Live Action Roleplay Boi Voador,
VAI: Valorização de Iniciativas Culturais, Prefeitura de São Paulo:
secretaria de cultura, 2012.
HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. Coleção Estudos. São Paulo:
Editora Perspectiva: 2000.
PROJETO ARARIBÁ: História / organizadora Editora Moderna;
obra coletiva concebida, desenvolvida e produzida pela Editora Mo-
derna; editora responsável Maria Raquel Apolinário. – 3 ed. – São
Paulo: Moderna, 2010.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científi-
co. 23. ed. rev. e atual. São Paulo: Cortez, 2007.

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Anexo

Segue uma descrição do jogo com suas respectivas metodolo-


gia, objetivos e recursos necessários:

NOME DO JOGO

Código Cinquecento

DESCRIÇÃO

O jogo é um Live Action Roleplaying e foi desenvolvido abor-


dando o conteúdo do Renascimento Cultural Europeu do Século
XIV, é destinado ao 7º ano do ensino fundamental. Foi pensado para
31 jogadores e utiliza 31 cartas divididas em três categorias: Igreja,
Mecenas e Artistas. Na categoria Igreja são 9 cartas: duas de Car-
deais, uma de Monge Copista, uma da Inquisição, uma de Inqui-
sidores, uma de Jesuítas, uma de Monges, uma de Padres e uma de
Papa. Nos Mecenas são 10 cartas: um Banqueiro, Cosme de Médici,
Francisco I, Galeazzo Maria Sforza, um Jovem Burguês, Lourenço
de Médici, duas de Mercador, uma Dama Viúva, uma Mulher Bur-
guesa. Na ordem Artistas são 11 cartas: Sandro Botticelli, Miguel de
Cervantes, Cristóvão Colombo, Dante Alighieri, Donatello, Galileu
Galilei, Johannes Gutenberg, Leonardo da Vinci, Michelangelo, Ra-
fael, William Shakespeare. E uma carta sem categoria a Rainha Isabel
de York.

JUSTIFICATIVA

O jogo foi pensado levando em conta o período do ano, segun-


do bimestre, de acordo com planejamento escolar anual. Porém este
não foi o fator determinante, o tema do Renascimento traz imensa
riqueza, pois se trata não apenas de um movimento cultural mas de
todo o redimensionamento da sociedade europeia da época em seus

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diversos aspectos: econômicos, religiosos, políticos, psicossociais, fi-
losóficos e culturais. Tais transformações causaram imenso impacto
no modo de vida ocidental e por consequência nos continentes Ame-
ricanos, contatados neste mesmo período. Dentro deste contexto
coube ressaltar as relações passado presente e as implicações destas
transformações no mundo contemporâneo. Por outro lado pode ser
traçado um paralelo entre as tensões sociais do período e as tensões
que envolvem os componentes da sala de aula. Dentro da suspensão
temporária das relações costumeiras entre professor e aluno e dos
alunos com os próprios alunos proporcionada pelo jogo, podem ser
estabelecidas novas formas de relacionamento e de expressão de sub-
jetividades sublimadas no comportamento ordinário. O jogo como
componente da vida e aspecto lúdico do comportamento humano é
essencial ao bem estar dos discentes e também dos docentes numa
possibilidade de revitalização do espaço escolar.

OBJETIVOS

GERAL

Possibilitar aos alunos vivenciar um momento de ludicidade,


de descontração e alegria, em que o aprendizado do conteúdo pro-
porcionasse um aprendizado significativo e referenciado na subjeti-
vidade e em relação com sua própria realidade.

ESPECÍFICOS

• Entender as intensas transformações no decorrer dos séculos


XIV, XV e XVI.

• Entender as tensões, jogos de interesses e disputas pelo poder


entre os diversos grupos sociais do período: Igreja, burguesia,
nobreza e pessoas comuns.

• Vivenciar momentos de alegria e descontração em sala de aula.

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• Perceber o aprendizado de forma prazerosa.

• Expressar outras possibilidades de subjetividade.

METODOLOGIA

As cartas devem ser distribuídas aleatoriamente, em seguida


os grupos se reúnem segundo sua categoria. A Rainha não pertence a
nenhuma delas, ela será o personagem que convoca uma assembleia
entre a Igreja, os Mecenas e os Artistas para mediar os conflitos da
corte. A sala deve ser organizada em três bancadas ou três espaços,
um para cada grupo. Em cada carta há argumentos ou missões, o pa-
pel da Igreja é de convencer os Artistas a estarem exclusivamente aos
seus serviços, para tal as cartas contém argumentos como promessa
de salvação, proteção, etc. Os alunos devem falar abertamente aos ar-
tistas e podem também refutar os argumentos do grupo adversário.
Os Mecenas por sua vez farão o mesmo expondo seus argumentos:
financiamento, liberdade de criação, etc. Os Artistas podem entrar
no debate, fazer indagações, propor alianças, tem total liberdade, e
então deve optar por um dos lados e ir para a categoria de sua escolha,
uma vez escolhido o lado ele pode ajudar seu grupo. O jogo termina
quando todos os artistas se decidirem. Há apenas uma regra formal,
quando a Rainha se levanta todos devem parar imediatamente de
falar e prestar atenção em suas considerações e ordenamentos. A uti-
lização de figurino fica à livre escolha da sala e do professor.

CUSTOS

O custo do jogo é a impressão e plastificação das cartas. Caso


se opte pelo uso de figurino, então haverá as despesas com este, no
entanto pode ser confeccionado com materiais alternativos de acor-
do com as possibilidades dos jogadores ou da instituição.

Ao encerrar do jogo os alunos estavam muito entusiasmados e


pediram se poderiam desenvolver uma peça de teatro sobre o Renas-
cimento. A peça já está sendo escrita por eles e a previsão é que seja

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encenada no segundo semestre deste ano. Equilibrar a educação, o
formato e a estrutura da escola com o aprendizado efetivo e significa-
tivo tem sido o desafio de muitos educadores. Formar cidadãos, uti-
lizar novas tecnologias, contemplar o conteúdo, alinhar-se a projetos
e políticas públicas, atender às necessidades do aluno contemporâ-
neo, tudo isso esbarrando em falta de recursos ou recursos obsoletos,
problemas sociais terríveis que adentram o cotidiano e espaço esco-
lar, sem contar a desvalorização da educação e dos seus profissionais,
tem sido e é, ao que parece, tarefa Hercúlea. Neste sentido introduzir,
ou reintroduzir o lúdico no ensino tem se mostrado uma das saídas
viáveis e talvez a mais ao alcance do educador para lidar, ao menos
em parte, com todas estas questões. O uso mais frequente dos jogos
pode mudar radicalmente as relações na sala de aula, já que permite
vivências mais dialéticas com o conteúdo e entre os participantes das
aulas, incluindo-se obviamente o professor.

O jogo educacional cumpre aqui papel duplo, traz o aspecto


lúdico com todas as suas implicações, e ainda permite que sejam tra-
balhados o conteúdo e a formação do sujeito. O desejo dos alunos
em desenvolver a peça de teatro a partir do jogo denota como inú-
meros desdobramentos podem advir da utilização da pesquisa-jogo
pelo professor. Estes desdobramentos podem inclusive introduzir o
aluno no caminho da pesquisa. Portanto passar por todas estas eta-
pas, vivenciar, desenvolver, aplicar e relatar a pesquisa-jogo demons-
trou o grande valor e potencial desta metodologia e a importância do
lúdico na experiência escolar tanto dos alunos quanto dos professo-
res. Por outro lado levantou outras questões como a abordagem da
questão corporal e das relações estabelecidas dentro do contexto da
escola e da sala de aula. Muito mais pode surgir do uso regular dos
jogos educacionais e daí uma mudança das relações aluno/aluno e
professor/aluno, cabe-nos a coragem para tal.

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O uso do LARP no processo de
aprendizagem em História:
dando novos significados aos
jogos na educação

Priscilla Fagundes Brunelli47

Resumo: No presente relato busco explicitar minha experiência com a uti-


lização do live action role play (LARP) associado com cartas no proces-
so de aprendizagem da Reforma Protestante no conteúdo de História em
uma turma do 7º ano do ensino fundamental, com o objetivo de promover
a temática através da interpretação de grupos envolvidos no contexto, de
forma a promover um diálogo a partir dos conhecimentos e experiências
incorporados pelos alunos. Identifico ainda, a partir da elaboração da pro-
posta sugerida pelo Curso Play Testing da Universidade Federal de Uber-
lândia (UFU), uma mudança das minhas concepções sobre a técnica ado-
tada, o que possibilitou a percepção de um novo entendimento sobre jogos,
fazendo com que eu tivesse um novo olhar, também, para a minha prática
enquanto professora de História.

Palavras-chave: LARP. Reforma Protestante. Ensino de História.

Introdução
47 Graduada em História pela Universidade Federal de Uber-
lândia (UFU); professora do ensino fundamental pela Secretaria
Municipal de Educação de Uberlândia.

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O conceituar jogos tem sido um desafio, assim como sua com-
preensão e utilização na educação. É a partir desta constatação que
este relato de experiência procura demonstrar uma nova perspectiva
e percepções de jogos, voltados para o ensino de História.

Neste relato busco descrever sobre o desenvolvimento de uma


proposta de ensino para a temática da Reforma Protestante no 7º ano
do ensino fundamental na Escola Municipal Prof. Sérgio de Oliveira
Marquez, em Uberlândia, utilizando como técnica de ensino o live
action roleplaying (LARP)ou em português interpretação de perso-
nagens ao vivo, associado a cartas que tem como função caracterizar
o contexto estudado.

Nessa proposta o objetivo geral foi promover a aprendizagem


sobre a Reforma Protestante utilizando LARP com cartas, para tanto
foram traçados como objetivos específicos interpretar membros de
classes e grupos sociais relevantes no contexto da Reforma Protes-
tante; discutir a experiência como forma de compreender as relações
entre os grupos e seus interesses no contexto da Reforma Protestan-
te, a partir das ações incorporadas pelos participantes.

A utilização do LARP e das cartas se justificam enquanto pos-


sibilidade de trazer a experiência do jogo de interpretação ao vivo
para fornecer aos alunos condição de levar o estudo para além do
livro didático, e ser uma experiência a ser debatida, a partir do ex-
perimentado, do vivido. Nessa perspectiva, não só o conteúdo ganha
significância, mas é fomentado o interesse para além da experiência
do LARP, gerando uma busca voluntária dos alunos pelo conteúdo
estudado.

Foram traçadas como hipóteses nesse processo, a possibilida-


de de promover o aprendizado de forma lúdica, levando em con-
sideração o que o aluno traz de conhecimento e experiência para
incorporar ao jogo, de forma a criar uma maior empatia por parte
dos alunos com o conteúdo trabalhado.

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Revisão da Literatura

Ao refletir sobre a melhor metodologia no desenvolvimento


do aprendizado de História, questões inquietantes são companheiras
no processo de escolha das técnicas e métodos mais adequados a
cada conteúdo e turma. Nessa perspectiva compartilho o pensamen-
to de Pinsky, que defende que:

O passado deve ser interrogado a partir de questões que nos


inquietam no presente (caso contrário, estudá-lo fica sem
sentido). Portanto, as aulas de História serão muito melho-
res se conseguirem estabelecer um duplo compromisso: com
o passado e o presente. (PINSKY, 2003, p.23)

A partir de Pinsky, tomo como papel do professor de História


oportunizar aos alunos a aproximação de sua realidade com o con-
teúdo trabalhado, de forma que o diálogo entre passado e presente
promova relevância em sua vida, favorecendo reflexões e posiciona-
mentos quanto a situações no presente e futuro.

Respaldando esse pensamento os Parâmetros Curriculares


Nacionais (PCN) em suas orientações didáticas gerais afirmam que:

Para que os alunos dimensionem a sua realidade historica-


mente é importante que o professor crie situações de apren-
dizagem escolares para instigá-los a estabelecer relações en-
tre o presente e o passado, o específico e o geral, as ações
individuais e as coletivas, os interesses específicos de grupos
e os acordos coletivos, as particularidades e os contextos,
etc. (BRASIL,1997, P.53)

Norteada por esse direcionamento do ensino de História, a


nova questão que se apresenta é a escolha das melhores técnicas de
ensino para atingir tal objetivo, e ao conhecer um pouco mais sobre
jogos como roleplay games (RPG), LARP, jogos de cartas e tabulei-

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ros, voltados à educação pude perceber que a partir deles poderia
aumentar a relevância do estudo de História em um contexto onde a
experiência dos alunos fizesse papel fundamental.

Ao participar do Curso Play Testing – Design de jogos para o


ensino de História, oferecido pela Universidade Federal de Uberlân-
dia (UFU), fui confrontada com minhas definições sobre o uso do
jogo na educação por ser apresentada às possibilidades que não se
engessavam em regras que fechavam as questões e definiam cami-
nhos estáticos a serem percorridos.

Convidada a conhecer um pouco mais sobre o LARP, fui apre-


sentada a uma proposta de jogos que se adequam à educação e que
sugerem a utilização de regras como norteadoras do ambiente, re-
lações e conceitos necessários para desenvolver uma temática, mas,
que antes de tudo, seja pensada e se organize contando com o que
os alunos incorporam de seu, através da sua imersão e interação no
ambiente criado para o jogo, de forma voluntária. Para tanto com-
preendo por LARP:

O LARP se aproxima muito do teatro, a diferença é que é


todo feito de improviso e baseado em conhecimentos sobre
os personagens aos quais cada jogador ou grupos estão in-
seridos. (...) A liberdade proporcionada pelo LARP, também
permite que os estudantes rompam com a barreira do pen-
samento adquirido e passem a refletir mais sobre os proble-
mas apresentados e vivenciados na simulação. (Ilustra&nar-
rativa)

Apresentada a essa nova perspectiva de jogos, me aproprio do


conceito de Huizinga (2000) quando delimita características essen-
ciais para que compreendamos os jogos em seu caráter voluntário,
porém dotado de regras próprias que vigora em uma esfera tempo-
rária. Nesse sentido observo que:

(...) o jogo é uma atividade ou ocupação voluntária, exerci-

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da dentro de certos e determinados limites de tempo e de
espaço, segundo regras livremente consentidas, mas abso-
lutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo,
acompanhado de um sentimento de tensão e de alegria e
de uma consciência de ser diferente da “vida quotidiana”.
(HUIZINGA, 2000, p.24)

Descrição do Objeto

Para esse relato descrevo o objeto do meu estudo, que teve iní-
cio com o Curso Play Testing, oferecido pela UFU, que foi a experi-
ência com o desenvolvimento da temática da Reforma Protestante
em uma sala de 7º ano do ensino fundamental na Escola Municipal
Prof. Sérgio de Oliveira Marquez, em Uberlândia, utilizando como
técnica de ensino os jogos.

Após as orientações e aulas práticas sobre cada modalidade de


jogos apresentados no Curso, me aproximei dos jogos de tabuleiros
e cartas, por acreditar que poderiam oferecer um “ambiente seguro”
no desenvolvimento do conteúdo.

É importante, nesse momento, entender o que eu compreen-


dia por um “ambiente seguro”, desta forma, descrevo que a prática
dos jogos em minha sala de aula sempre me acompanhou, pois acre-
dito que desenvolver um ambiente lúdico, divertido e instigante é
fundamental para promover o interesse do aluno. Sendo assim, pen-
sar em jogos era pensar em um a estrutura que poderia moldar todos
os pontos que eu gostaria de fazer o aluno compreender do início ao
fim do jogo, nessa estrutura, eu deveria delimitar e pensar em todas
as possibilidades que cercassem os conceitos e relações que seriam
trabalhados para que eles fossem passados aos alunos. Nessa pers-
pectiva eu fixava regras, pensava em objetivos a serem alcançados e
caminhos que deveriam ser percorridos.

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Durante o processo de orientação para a elaboração do jogo a
ser aplicado em sala de aula, contemplar as perspectivas que o Cur-
so ofereceu já não parecia algo fácil, pois batiam de frente com a
crença que eu tinha construído do “ambiente seguro”. No período de
orientação e nos debates que se fizeram durante e com a aplicação
do jogo, a proposta era promover um território histórico que seria
contemplado no jogo, mas promovendo o aluno como agente de seu
aprendizado, através das questões que ele próprio poderia sugerir ao
incorporar um personagem do período proposto.

Nesse contexto o jogo de cartas e tabuleiros já não era uma


opção que eu consegui desenvolver, restou acatar a sugestão da uti-
lização do LARP associado com cartas, e descontruir a ideia de con-
trole, que eu tinha com o “ambiente seguro”, experimentando ousar e
observar os frutos desse trabalho.

O carácter livre no LARP ofereceu à minha proposta de apren-


dizagem a possibilidade de promover o aluno enquanto agente ativo
de seu processo de aprendizagem, uma vez que vinculou à vivência
do ambiente da Reforma Protestante, elementos de sua experiência
cotidiana, que pôde ser aproveitado em um segundo momento, no
debate, de forma comparativa, no diálogo entre o passado e o pre-
sente.

Métodos

O caminho a ser percorrido nessa proposta baseia-se em uma


metodologia ativa, onde o aluno constrói seu próprio conhecimento
a partir das experiências vivências em grupo. Com isso, o papel do
professor é de mediador e fomentador do aprendizado, aproveitando
as experiências dos alunos para promover o diálogo entre o presente
o passado.

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Para desenvolver essa proposta tomei como técnica de apren-
dizagem a promoção do LARP associando-o com cartas, sendo que
o através das cartas os alunos foram divididos em 5 grupos que re-
presentavam classes com interesses distintos, sendo: luteranos, ca-
tólicos, povo, burguesia e nobreza. Cada aluno recebeu uma carta
que continha informações exclusivas sobre o grupo a que pertencia,
oferecendo uma ideia de seus interesses e dificuldades para obtê-los.
Como cada carta continha uma característica diferente, o primeiro
passo seria conhecer as informações do próprio grupo, aumentando
seu conhecimento sobre a classe em que estava inserido.

O debate inicial entre os grupos ofereceu argumentos para que


os alunos percebessem seus interesses em comum, mas deu opor-
tunidade a cada um deles agir de forma individual quando em in-
teração com grupos diferentes. E como as ações foram individuais,
puderam trazer para a interpretação dos personagens seus valores e
concepções pessoais, ampliando a temática proposta.

O jogo foi desenvolvido a partir de um objetivo em comum


entre luteranos e católicos, que seria arrebanhar o maior número de
fiéis, tentando convencê-los a se voltarem a seus grupos religiosos.
Dadas as informações básicas através das cartas, a dinâmica do jogo
se desenvolveu a partir das ações dos participantes, que trouxeram
para a interpretação argumentos ricos para a compreensão do pro-
cesso da Reforma Protestante, a partir das classes e grupos envolvi-
dos.

O passo seguinte foi um debate a respeito da encenação feita


pelos alunos e das questões que eles levantaram durante o jogo. Nes-
sa proposta as questões vivenciadas nortearam a reflexão sobre a Re-
forma Protestante no sentido de comparar o vivenciado com o que
de fato aconteceu. Os participantes puderam dar significado a sua
encenação no momento em que se confrontaram com o que haviam
feito e com o que de fato aconteceu no contexto da Reforma e per-
ceberam que o que eles propuseram se aproximava das atitudes dos

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personagens reais e de seus grupos com o que a história oficial trazia.

Análises

A experiência com LARP e cartas no processo de aprendiza-


gem no ensino de História para o 7º ano se mostrou um recurso que
atingiu as hipóteses propostas e foi além, uma vez que ampliou o
debate a partir de questões levantadas na encenação dos personagens
e grupos, pelos próprios alunos.

Com o debate observei que muitas das questões levantadas


foram feitas pelos alunos em função do interesse que a encenação
promoveu nos participantes. Ao dar relevância e contextualizar cada
escolha que fizeram no jogo com o contexto da Reforma Protestante,
os alunos se deram ênfase a todas as experiências vividas no jogo,
como um processo de investigação, onde o livro didático e eu toma-
mos o papel de mediador no processo de aprendizagem.

A atividade foi gratificante para os alunos que se sentiram ati-


vos no processo de aprendizagem e empolgados com a possibilidade
de vivenciar o que antes só poderia ser entendido nas linhas do livro
de história.

Entender a História a partir dos pontos levantados pelos alu-


nos com a imersão promovida pelo jogo, incentivou uma pesquisa
voluntária por parte dos alunos que nas aulas subsequentes continu-
aram a fazer questionamentos sobre o assunto trabalhado.

Enquanto professora a experiência motivou uma análise crí-


tica sobre minha prática e os usos de técnicas de ensino para a His-
tória.

A partir da concepção de um jogo para o ensino da Reforma


Protestante estive em constante debate sobre minhas escolhas. O pe-

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ríodo de orientação para a criação do jogo me fez observar que em
minha prática, buscava estratégias capazes de promover a aprendiza-
gem de forma lúdica, divertida, instigante, mas não conseguia incor-
porar, em todos os recursos e temáticas, a experiência dos alunos, de
modo a fazer delas gatilhos para a compreensão do conteúdo.

O encontro com o LARP ofereceu condição para que eu pu-


desse ampliar minha compreensão sobre jogos e ver a possibilidade
de entendê-los fora de um formato engessado, controlado, com ca-
minhos e objetivos fechados.

Considerações Finais

Com o uso do LARP no processo de aprendizagem em His-


tória pude dar novo significado ao conceito e percepção dos jogos
enquanto técnicas de ensino. Nessa nova perspectiva os jogos podem
promover o aprendizado de forma divertida, crítica, com regras de-
finidas, mas que estão longe de fornecer um fim em si mesmo ou de
estabelecer caminhos fechados para compreensão de um conteúdo.

Por outro lado atendem a necessidade de tornar o conheci-


mento e experiência do aluno, parte integrante no desenvolvimento
do aprendizado em História, em qualquer conteúdo trabalhado.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curri-


culares nacionais: história, geografia. Secretaria de Educação Fun-
damental. – Brasília: MEC/SEF, 1997.
Ilustr&narrativa, Linha de Pesquisa do Grupo Histórias Interativas
do IAD-UFJF. Disponível em: < http://historias.interativas.nom.br/

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ilustrenarrativa/?author=19> Acesso em 19 de julho de 2014.
HUIZINGA. Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultu-
ra. Tradução de João Paulo Monteiro. São Paulo: Perspectiva, 2000.
PINSKY, Jaime e PINSKY, Carla Bassanezi. O que e como ensinar:
por uma história prazerosa e consequente. In: KARNAL, Leandro
(org.) História na sala de aula: conceitos, práticas e proposta. São
Paulo: Contexto, 2003.

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Relato de Experiências no
Ensino de História: Jogos nas
séries iniciais

Edna Aparecida dos Santos48

RESUMO: O texto aborda experiências com jogos com crianças em perío-


do de alfabetização realizados na Escola Estadual Hercília Martins Rezen-
de, pareceria do projeto HISTÓRIA LOCAL, ENSINO-APRENDIZAGEM
E JOGOS NARRATIVOS: CIDADE DE UBERLÂNDIA. A ação se fez a
partir de diferentes estágios, os quais possibilitam a criação de um perso-
nagem (representando um ser social) e um texto coletivo.

Palavras-chave: História, Séries Iniciais, Ser Social.

Como professora alfabetizadora, tive a oportunidade de viver


uma nova experiência participando do Projeto “Cidade de Uberlân-
dia: História Local, Ensino-Aprendizagem e Jogos Narrativos”, que
me mostrou novas formas de trabalhar o ensino por meio da Histó-
ria nas séries do Ensino Fundamental.

Realizei as atividades com uma turma de primeiro ano, o qual


48 Professora da Escola Hercília Martins Rezende, Bolsista:
Bolsa Professor Fundamental – Capes (2013/2014) - HISTÓRIA
LOCAL, ENSINO-APRENDIZAGEM E JOGOS NARRATIVOS:
CIDADE DE UBERLÂNDIA. Orientador: Prof. Dr. Sérgio Paulo
Morais.

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foi iniciado no mês de Agosto de 2013 com bases nas leituras realiza-
das e com intuito de promover as primeiras construções conceituais
e práticas sobre o que é História, sendo que, neste período, normal-
mente trabalhava apenas com a origem do nome dos alunos.

Diante dos desafios do projeto aprofundei em questões rela-


cionadas à memória e identidade, pois a atuação no campo da Histó-
ria leva o professor há buscar novos caminhos e meios de articular o
conteúdo, a fim de se tornar mediador dos saberes.

Penso que os professores só se fazem quando estão exercendo


sua atividade dentro da sala de aula. Pois apenas transmite o contex-
to histórico, não levando o aluno a ser um investigante do conteúdo
apresentado. No meu ponto de vista, estes são executores das disci-
plinas curriculares.

Acredito que o professor historiador é muito importante para


a sociedade e que isto acontece devido a sua curiosidade e contem-
plo na área da História duas linhas que podem ser percorrida. Uma
induz ao historiador; que é aquele que tem sede de saber e busca me-
canismos para investigar, obtendo assim as respostas de suas indaga-
ções, fazendo anotações de suas descobertas no campo de pesquisa,
enquanto o professor de História é um mediador que não realiza re-
gistros com o objetivo de construção histórica.

Segundo o artigo de Ilmar Rohff de Mattos:

“(...) o processo de ensino aprendizagem se difere funda-


mentalmente do processo de pesquisa, porque se o movi-
mento deste é animado por questões problemas, como o
que motivara a tese de Capistrano, o movimento daquele é
fruto da contradição entre o velho e o novo, propiciador de
desequilibrações sucessivas. Aqui, o novo e o desconheci-
do são o objeto de ensino que tanto possibilita a ampliação
do universo do conhecimento quanto funda a relação entre
professores e alunos, uma vez que o novo e o desconhecido
se constituem em objeto de ensino e oportunidade de apren-

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dizagem a um só tempo.” (MATTOS, 2006, p. 2).

Dentro deste pensamento o estudo de História nos anos ini-


ciais leva os alunos a começar suas pesquisas buscando o conheci-
mento próprio e de suas raízes, compreendendo, interiorizando e
apropriando dos dados que mostra toda sua História, desenvolvendo
assim sua consciência histórica.

De acordo com Condoti (2013), somos todos sujeitos anôni-


mos da História, mas para chegarmos a uma História geral devemos
principiar os estudos e as pesquisas na História da família, comuni-
dade, meio profissional e lazer. Já outros autores como Silva e Fon-
seca indicam que a função da educação e do desenvolvimento social
deve “(...) valorizar permanentemente, na ação curricular, as vozes
dos diferentes sujeitos, o dialogo, o respeito à diferença, o combate
a desigualdade e o exercício da cidadania. (SILVA; FONSECA, 2007,
p. 55)”.

Como nos mostra os dizeres citados, devemos valorizar as me-


mórias históricas, pois elas possibilitam a visão de metas futuras. O
contato com elementos e narrativas investigativas de professores e
alunos agrega sentido ao processo de ensinar e aprender História, e
possibilitam o desenvolvimento do pensamento, sendo que sua infe-
rência contribui para a compreensão do sujeito histórico que venha
a se formar.

Dentro desta discussão sobre as memórias, notamos que tudo


que está inserido no meio social acaba por fazer parte da História, e
desta maneira o resgate dos jogos também favorece a uma aprendi-
zagem positiva e de fácil compreensão, já que os jogos fazem parte
da vida e aqui são apresentadas como uma maneira lúdica de mediar
os conteúdos.

Sabemos que o processo histórico envolve todos os indivíduos


que participam de um meio de convivência, e a metodologia usada

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na aplicação da experiência nos deu uma vivência prática destas si-
tuações.

No mês de setembro (2013) o projeto foi apresentado para os


alunos em uma roda de conversa, em que foram apontados os ques-
tionamentos da compreensão e significado de saudade, memórias e
lembranças para cada um. A discussão transcorreu com tranquilida-
de e alguns alunos expuseram suas breves memórias.

Destaco, em particular, alguns fatos descritos como da aluna


que ao nascer seu pai já havia falecido e devido a esta situação com
o aumento das dificuldades familiares, sua mãe tomou a decisão de
ir morar no bairro Pampulha junto com sua avó materna, para que
esta pudesse ajudar na contenção das despesas e auxiliar no cuidado
e criação dela e de seu irmão. Assim, seria possível que a sua mãe de
trabalhasse para o sustento da família. Estas situações foram con-
tadas pela mãe da aluna e a criança fala que sente muito a ausência
paterna.

Já outra criança compartilhou que sua família veio a residir no


bairro por ter adquirido a casa própria. No entanto a grande maioria
dos alunos vive neste mesmo bairro, pela proximidade de seus fami-
liares e por seus pais terem a oportunidade de construir suas casas no
terreno de avós ou parentes, em que um ajuda os outros.

Neste momento observei que, quando falam de suas vivências


várias lembranças e emoções emergem, e no decorrer desta conversa
inicial foi possível apresentar uma noção da sua História de vida e
iniciação da sua linha do tempo individual.

Em conjunto os alunos, junto a minhas considerações, perce-


beram que eram sujeitos da História da família, da comunidade, do
bairro, da cidade, enfim, da História da humanidade.

Percebi, observando os alunos e registrando suas falas que,


estes têm noção da sua participação na História, mas esta não está

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consolidada e sim em processo de construção. Por isso, necessitam
da intervenção e mediação com os conhecimentos sistematizados
oferecidos pelo ambiente escolar, e, neste desenvolvimento da sua
consciência histórica, com um olhar e uma postura participativa e
critica, tem grande importância com a família, comunidade, meio
profissional e lazer em que cada ser participa.

Noto que no ciclo de alfabetização (o estudo de História), se


prioriza demasiadamente a leitura e escrita deixando o aprendiza-
do histórico como responsabilidade da sociedade. Desta maneira se
trabalha com outros conteúdos com objetivo apenas de dar noções
básicas, não consolidando o conhecimento.

Com as discussões notei a necessidade de buscar informações


sobre a vivência dos alunos fora do recinto escolar, criando um elo
entre suas lembranças e experiências vividas, com suas ações presen-
tes e seus sonhos futuros.

Para ter acesso a essas informações e auxiliar no resgate das


experiências do círculo familiar, elaborei um questionário para que
os alunos respondessem. Inicialmente, eles foram questionados so-
bre como identificam e compreendem o que é trabalho. (Anexo 02)

Nas respostas obtidas, observei que no entendimento deles,


o trabalho trata-se de uma tarefa importante desempenhada para
garantir o sustento da família e dar aos seus membros um futuro
melhor. A maioria das respostas da ênfase ao trabalho como manu-
tenção e sustento da família, não tendo uma perspectiva de carreira
ou futuro profissional.

Ao perguntar o que as crianças pensam sobre a profissão de


seus pais, observamos que possuem uma percepção variada entre
ações positivas, ocupações cansativas voltadas para as relações de
consumo e aquisição de bens para uma melhor qualidade de vida da
família como cita Karl Marx

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o estranhamento do trabalhador em relação a seu objeto se
expressa no fato de que, quanto mais ele produz, menos tem
para consumir, quanto mais valor ele cria, mais sem valor e
mais indigno se torna, quanto mais o produto tem forma,
mais deformado o trabalhador, quanto mais civilizado seu
produto, mais bárbaro o trabalhador (MARX, 2004, p. 366).

Questionei também qual profissão elas desejam seguir. Nes-


te ponto, os alunos expressaram uma projeção às áreas do conheci-
mento como modelos relacionados a gostos individuais, porem sem
dimensões do mercado de trabalho, penso que acordo com as colo-
cações, grande parte deles almejam profissões que julgam ser uma
ascensão social.

A maioria das crianças veio residir no bairro da escola para


ficarem mais próximas de suas famílias, auxiliando assim o sustento
de suas casas. Assim, quando perguntei como se sentem em relação
a suas moradias, os alunos às julgaram apresentáveis.

Posteriormente ouve um desdobramento do questionário so-


bre o motivo pelo qual as crianças vieram residir no bairro, busquei
assim compreender as motivações das famílias diante de suas c con-
dições sociais e laborais.

Na questão seguinte, foi realizado um retorno às origens de


cada família, expondo os bairros e cidades de origem, pois como cita
Raphael Samuel (1990) “as pessoas estão continuamente colocando
para si mesmas questões relacionadas ao local onde moram e sobre
como viveram seus antepassados”. (p.221)

Para resgate das lembranças, questionamos se elas sentiam


saudades de alguma coisa, lugar, pessoas ou situações vividas. A
maior parte afirmou sentir saudade de pessoas, sendo: primos(as),
avós, pais e bichos de estimação.

Para finalizar o levantamento das informações, pedi que a

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turma compartilhasse um pouquinho de sua vivência em família ou
um fato que a marcou. Retomei a atividade de discussão focando
nas fotografias que os alunos trouxeram de casa, e cada um explicou
o que estava retratado nas fotos. Discutimos também, como era a
vida em família, da forma como ocorria a convivência com os outros
membros e alguns pontos relevantes da vida em grupo. Coloco o que
cada indivíduo realiza dentro de seio familiar, nas suas participação e
contribuição para a manutenção dos afazeres familiares, mesmo com
suas tenras idades têm direitos e deveres para assim contribuírem
para o crescimento do grupo e que todos estes fatores favorecem na
construção da História familiar e da sociedade de maneira geral.

Dentro deste contexto, observei que os alunos estão construin-


do seus conhecimentos históricos, pois demonstram entendimentos
da sua participam no meio social o qual faz parte, percebendo-se
com sujeito ativo, participante e atuante na História da família, da
comunidade, e de maneira oculta da História ensinada.

Em uma discussão com o grupo que compõe o projeto, foi pro-


posto um jogo com um dado colorido de 20cm², feito de courino, no
qual foram bordadas as palavras: família, lazer, trabalho, motivação,
costumes e moradia. O dado é utilizado como um instrumento de
fomentar perguntas aos alunos, quando a sala se organiza segunda
a estrutura e mecânica propostas segundo os seguintes parâmetros:

1) A professora da turma realiza uma retrospectiva do trabalho de-


senvolvido até o momento para assim dar continuidade nas ativida-
des planejadas.

2) É feito o desenho de um boneco no piso da sala com giz e os alu-


nos preencheram o desenho com os materiais que trouxeram de casa
que representam memórias significativas.

3) Ao colocarem os objetos no desenho do boneco, cada aluno co-


menta as lembranças que os objetos lhe remetem.

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Logo após compor essa estrutura me deparei com vários obs-
táculos, como por exemplo, os meios que seriam utilizados para a
aquisição dos objetos que seriam trago pelos alunos, pois a escola em
que trabalho não dispõe de espaços para colocar os objetos recolhi-
dos. Assim, foi necessário improvisar uma caixa de papelão, onde co-
loquei os materiais recolhidos e solicitei à supervisora que guardasse
a caixa em sua sala para não ocorrer perdas, pois os mesmos seriam
usados para a atividade seguinte que é a construção de um individuo.

Além da dificuldade de arquivar o material, a outra situação


difícil era o de vincular o projeto ao conteúdo disciplinar proposto
no programa curricular da Secretaria Estadual da Educação de Mi-
nas Gerais. Busquei no planejamento global, meios de fazer com que
as atividades estivessem vinculadas ao conteúdo de Ciências, no qual
tem o trabalho com o corpo humano, suas partes (cabeça, tronco e
membros) e as fases de desenvolvimento humano (infantil, adulto,
velhice), já que um dos objetivos do projeto é de construir um ser
dando a ele uma personalidade e especificando uma fase da sua vida.

Com estas questões resolvidas, propus aos alunos a coleta dos


materiais para o desenvolvimento das atividades, e aproveitando
uma reunião de pais e mestre, reforcei aos familiares o contexto do
projeto. Os alunos contribuíram ativamente e dentro de um curto
espaço de tempo, foram agrupados vários objetos. A sala com vinte e
seis alunos, somente quatro não participaram com objetos.

Entre os objetos trazidos, estavam: Quatro cobertores de bebê,


dez bonecas, três bonecos, uma bolsa, três ursinhos de pelúcia, duas
mini motos de brinquedo, duas fotografias (de um cachorro e ou-
tra da própria criança quando pequeno) três carrinhos, uma aranha
plástica e um dinossauro (pois o aluno esqueceu-se de trazer o objeto
e pegou um dentro da mochila que um brinquedo de sua afinidade).

Logo após fui a uma das reuniões com a equipe do projeto no


mês de Abril (2014) onde houve a organização para desenvolver a

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atividade na escola juntamente com os alunos. Ficou definido que a
excussão das atividades seria em uma quarta, pois era o dia em que o
espaço da escola (a quadra) que havia programado para desenvolver
a atividade estava disponível.

Como programado nos reunimos na quarta-feira e iniciamos


com uma discussão relembrando as nossas falas anteriores como o
tema saudade, a representatividade de cada objeto trazido para o
nosso trabalho. Falamos dos objetos reunidos, das lembranças que
estes reportavam para cada aluno, e assim os alunos gradativamente
construíram o boneco no qual fez a ligação com o planejamento de
Ciências que estava sendo ministrado o estudo do corpo humano.

Membros da equipe do projeto acompanharam a atividade


desenvolvida com os alunos fazendo os registro e filmagem. Iniciei
formando uma roda com os alunos e através de uma dinâmica dia-
loguei com a turma realizando uma revisão das situações vividas até
o momento; relembramos as temáticas e discutindo os pontos mar-
cantes que os materiais recolhidos remetiam a cada proprietário. Os
materiais recolhidos foram: quatro cobertores de bebê, dez bonecas,
três bonecos, quatro ursos de pelúcia, duas fotos, três carrinhos, uma
bolsa de bebê e uma aranha de plástico.

Durante a apresentação, pedi aos alunos que demonstrasse seu


objeto e falasse o sentimento que este lhe trazia, assim, cada um teve
o momento de relatar perante o grupo as suas lembranças.

Como exemplo da experiência, cito os alunos que levaram os


cobertores que falaram que o contato com aquele objeto lhe remetia
ao aconchego e carinho de seus pais quando bebê, já as que levaram
as bonecas disseram que estas foram um dos primeiros brinquedos
que ganharam e que tinha um carinho especial pelo brinquedo.

Após esta discussão apresentei as regras do jogo para a classe


que consistiam em jogar o dado, como parâmetro de debate sobre o

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tema que estivesse virado para cima, e na composição do ser que está
exposto perante a representação dos materiais. Desenhei a figura de
um boneco no chão com giz branco, e realizei mediação entre a ati-
vidade com o conteúdo de ciências revendo as partes que compõe
o corpo humano; expliquei que cada aluno pegasse o material que
trouxe de casa e colocasse em uma parte desenhada do boneco.

Durante duas horas-aula com o desenho retratado no piso e


após a explicação da atividade o primeiro aluno pegou seu objeto na
caixa e nos relatou qual a lembrança que este lhe trazia a memória.
Logo em seguida, expôs seu objeto dentro da figura desenhada no
chão. Assim, continuamos o exercício de exposição de todo o con-
teúdo que havia dentro da caixa e cada aluno falava de suas recor-
dações e o que era remetido em seu consciente. Desta forma eles
construíam e internalizavam a própria História de vida que está em
processo de construção (Anexo 01)

Em seguida, começamos a fazer alguns questionamentos para


as crianças falarem as possíveis características e vivências do indi-
víduo construído, como: qual o sexo, idade, em que época ele vive
ou viveu, qual a sua fase da vida, qual era sua profissão, se estava
aposentado ou trabalhando, se este tinha família, quantos filhos, e
outros.

Para instigá-los, utilizamos um dado pedagógico com as se-


guintes informações: moradia, costumes, lazer, motivação, família e
trabalho.

Pela descrição dos alunos obtivemos as seguintes caracterís-


ticas do boneco: ele é do sexo masculino, vive na época atual e este
está na fase adulta não podendo ser jovem por que os materiais que
compunha sua forma são objetos que nos trazia a memória de situa-
ções passadas, e alguns alunos entendem que ele não poderia ser do
futuro por que foi construído de memórias. Mora com sua família
e é professor de musculação em uma academia, onde atua com ale-

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gria e é muito querido pelos colegas de trabalho e freqüentadores do
ambiente. Reside com sua esposa e filhos que estão entre a fase de
crianças e adolescentes.

Em um novo momento, retomamos a atividade com a ilus-


tração no piso e expondo novamente os objetos. Com a retomada
da discussão, coloquei que todo individuo tem um nome e aquele
tinha uma família, filhos, uma profissão e muitas qualidades, mas
ainda não havia recebido um nome próprio. Assim pedi sugestão de
nome para ele, e diante de vários nomes apresentados que foram re-
gistrados no quadro, em seguida sugeri uma votação com os alunos
para definir qual nome seria dado ao individuo. Assim conseguimos
definir com a votação que o nome dado á ele seria “Zeca Martins”,
o qual obteve o maior número de votos. Os alunos também disse-
ram que ele residia em um sobrado com piscina e espaço para lazer;
sendo esta localizada no bairro Pampulha, na cidade de Uberlândia.

Observei que o nome dado ao individuo tem uma correlação


com o nome José por ser um nome com uma presença muito forte
nas famílias e que geralmente leva o apelido de Zeca, enquanto o
sobrenome Martins demonstra nas entre linhas que o espaço escolar
faz parte da vida dos alunos e que os alunos têm uma grande afini-
dade com a escola.

Para finalizar as atividades com a turma foi proposto um pro-


dução de texto coletiva (Anexo 03)

O trabalho com o jogo de dado desenvolvido com a turma,


me mostrou uma metodologia agradável de desenvolver os conte-
údos de maneira interdisciplinar, onde podemos envolver todos os
conteúdos exposto no planejamento escolar, abrangendo todas as
disciplinas e dando abertura para que cada indivíduo se sinta parte
do ambiente.

As reflexões aqui apresentadas foram constituídas com base

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em varias leituras e também com a vivência das atividades aplica-
das para o desenvolvimento do projeto no qual estamos engajados.
Com tudo estamos apresentando os pontos que alcançamos com os
meios e estratégias usadas através do jogo. Sabemos que há muitas
retificações a serem feitas, pois a experiências aqui apresentadas es-
tão sujeitas a mudanças para se adequarem ao meio em que esta será
utilizada. Com tudo vemos a experimentação como um passo posi-
tivo para podermos contribuir com a construção do conhecimento e
também formarmos novos historiadores que venham ajudar no de-
senvolvimento da sociedade.

Após todo trabalho desenvolvido com os alunos, ficou níti-


do que o contexto histórico precisa ser continuamente aprimorado e
aprofundado para que ocorra a construção do conhecimento, e desta
forma ocorra à percepção de como somos agentes ocultos dentro
deste processo social. E mesmo em processo de alfabetização deve-
mos propor atividades que levem os alunos a construírem a sua linha
coletiva, percebendo-se como ser social da História.

Cabe ao professor dos anos iniciais tomarem consciência do


seu papel na vida de cada educando e criar oportunidades que façam
seus alunos se situem conhecedores da sua História e entendam sua
participam na História da sociedade.

Com esta oportunidade de desenvolver atividades com jogos


na disciplina de História, vi que os alunos assimilam melhor o conte-
údo quando eles as desenvolvem através de ações lúdicas.

A participação no projeto me mostrou novos caminhos, os


quais possibilitam desenvolver atividades que levam os alunos a pen-
sar no histórico mesmo nas series iniciais.

Assim tratar o ensino de História, é nos remeter a um auto-


conhecimento desde as séries iniciais; pois de acordo com os PCNS
- Parâmetros Curriculares Nacionais e o Currículo, o ensinamento

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de História é um processo de construção histórica que esta ligada a
realidade da comunidade escolar, iniciada através do estudo da iden-
tidade de cada um, levando o individuo a se reconhecer como ser
significativo da História da família, da comunidade e de todo movi-
mento histórico e social.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacio-


nais: História. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Edu-
cação Fundamental, 1998.
CANDOTI. Eliane Aparecida; O Ensino De História Nos Anos
Iniciais: Apontamentos No Processo De Construção Do Conhe-
cimento Histórico História & Ensino, Londrina, v. 19, n. 2, jul./dez.
2013. pp. 285-301
FONSECA, Selva Guimarães; SILVA, Marcos A, da. Ensino de His-
tória hoje: errâncias, conquistas e perdas. Revista Brasileira de His-
tória, São Paulo, v.31, n. 60, 2010, p. 13-33.
MARX, Karl. Manuscritos Económico-Filosóficos. Boitempo Edi-
torial, S.P., 2004.
MATTOS. Ilmar R. de, “Mas não somente assim!” Leitores, autores,
aulas como texto e o ensino-aprendizagem de História. Revista Tem-
po, vol. 11, núm. 21, 2006, pp. 11-26.
SAMUEL, Raphael “História local e História Oral” In Revista
Brasileira de História. São Paulo: ANPUH: Marco Zero, vol.9, n.9,
set.89/fev.1990, pp. 219-243.

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Anexo 01

***

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Anexo 02
Questionário Respondido de Entendimento e Resgate
da História

Senhores pais ou responsáveis, Estamos desenvolvendo uma


atividade sobre trabalho, moradia e família. Contando com sua cola-
boração e peço que converse com seu filho(a) e ajude-o a responder
em uma folha de caderno os questionamentos abaixo:

• O que é trabalho para você (seu filho)?

1) Bom porque compra brinquedos, comidas, e outras coisas.

2) É uma tarefa realizada e remunerada.

3) É uma atividade muito importante para dar um futuro melhor a


família.

4) Eu acho uma coisa boa.

5) Trabalho é sustento para a família.

6) É tudo na nossa vida.

7) O trabalho é uma obrigação e muitas vezes não é legal.

8) É onde ganha o sustento.

9) Ganha dinheiro.

10) Para ganhar dinheiro.

11) Dever e obrigação de todo cidadão.

12) Um meio de sobrevivência para todos. Através do trabalho que


consegue as coisas.

13) Trabalho para ganhar dinheiro.

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14) Trabalho para ganhar dinheiro.

15) Trabalho é um jeito de ganhar dinheiro.

16) É meio de sobrevivência.

• O que você acha da profissão dos seus pais?

1) Bom porque compra brinquedos, comidas, e outras coisas.

2) A profissão do meu pai dá muito trabalho.

3) É legal e trabalha pouco.

4) Bonita.

5) Bom.

6) Muito legal.

7) Ela é boa.

8) Boa, bonita e cansativa

9) É uma profissão muito bonita.

10) Parece que é um pouco difícil

11) Abençoada

12) Legal

13) Boa

4) Acho boa, muito legal e digna

15) Cansativa e não é bem remunerado

O que você quer ser quando crescer?

1) Eu quero ser veterinária para cuidar dos animais.

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2) Advogada

3) Veterinária

4) Ainda não sei

5) Veterinária da policia

6) Médica

7) Eu vou ser modelo

8) Bombeiro ou jogador de futebol

9) Veterinário

10) Policial

11) Policial

12) Professora

13) Médica

14) Eu quero ter uma sorveteria

15) Engenheiro

• Você gosta do lugar onde mora?

1) Sim, eu amo

2) Não. Porque eu queria ter uma casa muito grande

3) Gosto

4) Gosto

5) Gosto

6) Sim

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7) Sim

8) Gosto. É um bairro bom

9) Eu gosto muito

10) Sim

11) Sim

12) Sim

13) Gosto muito mais ou menos

14) Eu gosto do lugar onde eu moro

• Por que veio morar neste bairro?

1) Porque a minha mãe se casou

2) Porque compramos uma casa neste bairro

3) Porque meus pais escolheram

4) Porque sempre morei com meus pais

5) Porque o meu pai faleceu e não podíamos ficar sozinhos

6) Já nasci nesse bairro

7) Porque compramos a casa própria

8) O bairro é bom e a casa é perto do trabalho dos meus pais

9) Porque nasci aqui

10) Mudamos para casa própria

11) Porque nasci nele

12) Porque eu gosto e acho bonito

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13) Porque minha vovó mora aqui

14) Porque foi onde encontramos uma casa perto da nossa família

15) Porque é perto da escola e de outros meios

• Você veio de outra cidade ou bairro? Qua

1) Sim eu vim de Cuiabá

2) Não

3) Eu vim do bairro Lídice

4) Não

5) Não

6) Não

7) Não

8) Viemos do bairro Tibery

9) Não

10) Morumbi

11) Sim, do bairro Tibery

12) Bahia

13) Não

14) Eu morava no bairro Brasil

15) Sim da cidade de Indianópolis

• Tem saudades de alguma coisa, lugar, pessoas ou situações vivi-


das?

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1) Sim do lugar onde eu morava;

2) Eu tenho saudade dos meus periquitinhos que fugiram

3) Sim. De quando eu era pequeno

4) Tenho dos animais

5) Não

6) Do meu pai que morreu

7) Tenho saudade da minha prima

8) Tenho saudades dos meus avôs

9) Tenho saudade de brincar na casa da vovó Rosa com meu primo

10) Meus primos

11) Sim, da casa da minha vovó

12) Da minha prima

13) Tenho saudade da minha prima Hemellyn e de brincar com ela

14) De quando meus pais eram casados

15) Eu tenho saudade da minha bisavó

• Conte-nos um pouquinho de sua vivência em família ou um fato


que te marcou?

1) Eu e minha família todo domingo nos reunimos na casa da minha


avó

2) O meu aniversário de seis anos que passei com meu pai e a mulher
dele.

3) Boa demais

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4) Sempre convivi meus avôs paternos, onde até hoje meus avôs cui-
dam de mim. Minha avó cuida de mim para meus pais trabalharem.

5) Legal. Viagens na casa da vovó

6) Quando fui ao parque sabia com minha mãe e meus primos.


Quando fomos ver o papai Noel e de quando meus primos foram
embora para Bélgica.

7) Gosto muito de ir passear com minha família no rancho da minha


avó Ionice e meu vovô Carlos. Quando eu fui pescar com minha avó
e peguei um peixe. Fiquei muito alegre e isso me marcou muito.

8) Um acidente de carro

9) Eu tinha apenas três anos quando meu pai veio a falecer, daí vim
morar com a minha avó, minha mãe, meu irmão, meu primo, meu
tio e minha madrinha. Este é o fato que mais marcou minha vida.
Minha convivência com a família é ótima, apesar da falta do meu
pai, levo uma vida bem tranqüila, brincadeiras sadias como andar de
bicicleta, patins e etc.

10) Minha vivência é muito boa

11) O fato que marcou foi uma viagem para São Paulo com meus
pais em 2012 no Natal. Curti bastante.

12) Quando estivemos na prainha de Nova Ponte.

13) Eu amo toda minha família. Todo mundo me trata com muito
carinho. Eu sou uma menina sapeca e feliz.

14) Eu amo minha família muito, da minha mãe, da minha avó. Vivo
bem com todos na paz. Gosto de brincar e de andar de bicicleta.

Importante: mande-nos fotos de momentos marcantes ou


convivência em família para discussão em sala de sala de aula. “Após
a finalização da atividade as fotos serão devolvidas.”

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Anexo 03

Nosso amigo Zeca

Meu amigo Zeca é um senhor que é professor de academia.


Ele dá aulas de musculação e suas aulas são legais e dinâmicas. Zeca
mora em uma casa com sua família na cidade de Uberlândia. Gosta
de jogar bola, videogame e de passear com filhos e netos. É uma pes-
soa bonita, esperta, inteligente e de boa memória. “Zeca é um amigo
muito legal e querido.”

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O jogo da História –
Experiência do Role Playing
em sala de aula

Maria Helena Raimundo49

Resumo: Este texto narra experiências vividas e relatadas durante o curso


Play Testing, no qual se discutiu sobre a importância do lúdico no processo
de ensino e aprendizagem. O homem é um indivíduo propenso à felicida-
de, por isso mesmo, as brincadeiras e jogo fazem parte dele desde sempre.
É na infância e na adolescência que os jogos são mais significativos e, por-
tanto é deste lugar, do lugar da ludicidade que deve ocorrer o aprendizado.
Mas o lúdico deve envolver também os professores, reaprender a brincar
deve ser o pontapé inicial para que o LARP possa ser utilizado como um
instrumento de ressignificação do saber e da própria vida.

Palavras chaves: Lúdico, Jogos narrativos, cardgames, LARP, aprender.

Ao longo de cerca de vinte e cinco anos, de efetivo exercício


do magistério participei e observei professores buscando alternativas
que tornassem suas aulas mais agradáveis em função de uma série
de críticas da sociedade como um todo. Pais, alunos, outros profis-
sionais da escola e fora dela, a mídia principalmente, colocavam nos
professores a responsabilidade pelo mau desempenho dos estudan-
tes em provas oficiais que indicam índices de aprendizagem.
49 Professora de História nas redes publica municipal, pública
estadual e particular de ensino.

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É preciso dizer que, embora o espaço de tempo seja curto,
muitas coisas mudaram nas relações escolares ao longo destes vinte
e cinco anos e acredito essencial falarmos um tanto disto antes de
entrar no assunto jogos.

Por relações escolares aqui, falo das relações entre professor/


aluno (cuja importância está no topo das preocupações de estudiosos
em geral), falo das relações entre professor, aluno e família do aluno;
falo das relações entre aluno/ gestor; aluno/pedagogos e professor,
gestor e pedagogos. O espaço escolar não se limita simplesmente às
relações entre o professor e o aluno, mas a toda uma conjuntura, a
um sistema escolar onde o aluno é o começo e o fim de tudo.

Poderíamos listar uma gama de problemas nas relações de “en-


sino e aprendizagem” que foram estudados ao longo dos anos (nes-
te caso não só dos últimos vinte e cinco), por pedagogos, psicólo-
gos, antropólogos entre outros, com vistas a melhorar a educação.
Também foram criados uma série de teorias, falas, sistemas e outros
“ismos”, com a mesma finalidade (ou seja, “encontrar um sistema
educacional que funcione”). Em todos eles o papel principal era o
do professor!!!! Portanto, se as coisas não funcionassem, e claro, a
maioria não funcionou, a culpa também era do professor.

Importante ressaltar que, poucos destes estudos foram feitos


por professores com vivência em turmas de alunos de ensino funda-
mental e médio, mas, grande parte deles criou professores culpados.

Há que se considerar que todas as teorias educacionais, pro-


postas por estudiosos renomados, com exceção talvez do construti-
vismo50, teoria que parte dos questionamentos dos próprios alunos,
50 “Construtivismo significa isto: a ideia de que nada, a rigor,
está pronto, acabado, e de que, especificamente, o conhecimento não
é dado, em nenhuma instância, como algo terminado. Ele se cons-
titui pela interação do indivíduo com o meio físico e social, com o
simbolismo humano, com o mundo das relações sociais; e se cons-
titui por força de sua ação e não por qualquer dotação prévia, na

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deixaram de considerar a historicidade das relações pessoais que es-
tão acima, inclusive, das relações entre professores, alunos e demais
membros da comunidade escolar.

Considerar a historicidade das relações pessoais significa en-


tender que tudo muda, que as relações também são dinâmicas e que
os problemas da escola continuarão existindo enquanto houver su-
jeito nessas relações. Atualmente o maior problema enfrentado pela
escola em geral e, pelo professor de História em particular, é a efe-
meridade dos fatos, o presentismo. Eric Hobsbawn em “Sobre a His-
tória” dizia que, “quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie
de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado
público da época em que vivem.”(2001, p. 13) causado talvez, e não
estou certa disto, pela tecnologia.

É claro que, muitas vezes este e outros problemas, inclusive os


familiares recaíram sobre a forma com que o professor lida com seu
aluno e não com o seu conteúdo. O professor não é o único culpado
pelos problemas da educação, mas, parte ativa das relações sociais
nas quais tanto ele quanto seu aluno estão inseridos.

Entender que o professor enquanto parte ativa das relações es-


colares era responsável por uma aula “feliz” fez dele um pesquisador
de ações que favorecessem a construção de metodologias que tor-
nassem isto uma realidade. Mas, muitas vezes, as metodologias nos

bagagem hereditária ou no meio, de tal modo que podemos afir-


mar que antes da ação não há psiquismo nem consciência e, mui-
to menos, pensamento.” http://www.crmariocovas.sp.gov.br/dea_a.
php?t=011 Sobre Construtivismo ler ainda: CELESTIN FREINET
(1986 - 1966): Uma Escola Ativa e Cooperativa; PAULO FREIRE
(1921 - 1977): Uma Escola Cidadã; JEAN PIAGET (1986 - 1980):
Uma Escola Cognitiva; EMILIA FERREIRO (1936 - ): Uma Escola
de Vanguarda; LEV VYGOTSKY (1898 - 1934): Uma Escola Sócio
Interacionista; HOWARD GARDNER (1945 - ): Uma Escola que Va-
loriza o Ser

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parecem boas, não o são para os estudantes e, consequentemente,
acabam se tornando um terror para nossas experiências pessoais. Os
jogos pareciam uma boa opção. E foram.

Os jogos de tabuleiro do tipo ludo ou trilhas são ótimos para


a revisão de conteúdos. Os jogos de raciocínio ou de lógicas também
resolvem bastante a dificuldade de pensar o tempo e o espaço histó-
rico estudado. Ambos satisfazem a escola e o professor. Os alunos
são capazes de realizar o jogo, revisar o conteúdo sem atrapalhar a
dinâmica da escola, isto é, sem barulho, sem bagunça. Mas faltava
a interação de fato com o conteúdo. Os jogos propostos não eram
capazes de fazer com que o passado (objeto das aulas de História)
fizesse sentido! Era preciso fazer com que os alunos mergulhassem
no tempo histórico desejado. Quando surgiu a propostas do curso
sobre os jogos narrativos fiquei bem animada. Seria uma alternativa
possível!

Do jogo da Teoria

Durante conversa corriqueira com uma amiga psicóloga, sur-


giu a seguinte frase: a vida na verdade é um jogo, uma forma de su-
perarmos as frustrações, as decepções e continuar seguindo em frente.
Falávamos de como algumas pessoas conseguem manter relações
violentas dentro de suas próprias casas. Ouvindo mais um pouqui-
nho, entendi que ela quis dizer que, ao longo da vida, as pessoas de-
senvolvem formas de jogar entre si, que tornam a vida possível de ser
vivida, apesar dos problemas marcantes que surgem ao longo desta
jornada. Ao procurar os teóricos do RPG encontrei várias falas dife-
renciadas, mas, nenhuma que expressasse tão bem a fala da minha
amiga psicóloga, quanto a de J Huizinga no prefácio de Homo Lu-
dens:

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Seria mais ou menos óbvio, mas também um pouco fácil,
considerar “jogo” toda e qualquer atividade humana. Aque-
les que preferirem contentar-se com uma conclusão meta-
física deste gênero farão melhor não lerem este livro. Não
vejo, todavia, razão alguma para abandonar a noção de jogo
como um fator distinto e fundamental, presente em tudo o
que acontece no mundo. Já há muitos anos que vem crescen-
do em mim a convicção de que é no jogo e pelo jogo que a
civilização surge e se desenvolve. (2000, p.03)

Huizinga afirma em todo o texto que o jogo faz parte da cultu-


ra humana por mais que seja um desejo biológico de brincar, de ser
feliz. Neste caso é no jogo que surge o desejo pela organização social
e pelas formas de impor regras aos relacionamentos interpessoais.

A escola é o espaço por excelência organizado para repassar


estas regras de convívio e onde o jogo da vida se impõe de maneira
mais elaborada. No entanto, passa a ser um jogo chato onde as regras
sociais e, mais ainda nos dias atuais, se confundem com as regras dos
jogos familiares. Assim, deixa de ser jogo, isto é, deixa de ser diverti-
do. O jogo da vida não passa então de obrigações da vida para ela se
enquadre nos padrões do comportamento socialmente aceitos.

Via de regra estes padrões serão questionados não só por alu-


nos, mas, por todos que deixam de se divertir no cumprimento des-
sas obrigações. E é neste momento que tentamos mudar as regras
do jogo e recriar a própria ludicidade da vida. O próprio Huizinga
afirma:

As grandes atividades arquetípicas da sociedade humana


são, desde início, inteiramente marcadas pelo jogo. Como
por exemplo, no caso da linguagem, esse primeiro e supre-
mo instrumento que o homem forjou a fim de poder comu-
nicar, ensinar e comandar. É a linguagem que lhe permite
distinguir as coisas, defini-las e constatá-las, em resumo,
designá-las e com essa designação elevá-las ao domínio do
espírito. Na criação da fala e da linguagem, brincando com

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essa maravilhosa faculdade de designar, é como se o espírito
estivesse constantemente saltando entre a matéria e as coi-
sas pensadas. Por detrás de toda expressão abstrata se oculta
uma metáfora, e toda metáfora é jogo de palavras. Assim, ao
dar expressão à vida, o homem cria um outro mundo, um
mundo poético, ao lado do da natureza. (HUIZINGA, 2000,
p.07)

Assim é na criação da própria vida que se estrutura o jogo


de viver. Cabe-se ressaltar, porém que, sem perceber transforma-
mos este jogo em obrigações o e a arte de viver se torna desafio e se
transforma em opressão. Percebendo isto muitos educadores, vem
pensando o papel do lúdico na educação. Em São Paulo, um grupo
de psicólogos e pedagogos intitulado “Os jogos e sua importância
para a Psicologia e Educação”, sob a organização de Lino de Macedo,
pesquisaram e organizaram em livro o papel dos jogos na educação
infantil. Segundo Macedo:

Nossa hipótese é que jogos e desafios podem favorecer ob-


servações a esse respeito e possibilitar análises, promovendo
processos favoráveis ao desenvolvimento e a aprendizagens
de competências e habilidades dos alunos para pensar e agir
com razão diante dos conteúdos que enfrentam em sua edu-
cação básica. Mais que isso, supomos que por meio deles
podem encontrar – simbolicamente – elementos para refle-
tirem sobre a vida e, quem sabe, realizá-la de modo mais
pleno. (MACEDO, 2009, p.08)

Embora com uma visão diferenciada dos jogos de interpreta-


ção Macedo e vários outros educadores, inclusive Piaget se mobili-
zam no sentido de mudar a educação através dos jogos trazendo de
volta o prazer de viver o aprendizado. Segundo Monica Lisboa:

A educação tem por objetivo principal formar cidadãos


críticos e criativos com condições aptas para inventar e ser
capazes de construir cada vez mais novos conhecimentos.

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O processo de Ensino/Aprendizagem está constantemente
aprimorando seus métodos de ensino para a melhoria da
educação. O lúdico é um desses métodos que está sendo tra-
balhado na prática pedagógica, contribuindo para o apren-
dizado do alunado possibilitando ao educador o preparo de
aulas dinâmicas fazendo com que o aluno interaja mais em
sala de aula, pois cresce a vontade de aprender, seu interesse
ao conteúdo aumenta e dessa maneira ele realmente apren-
de o que foi proposto a ser ensinado, estimulando-o a ser
pensador, questionador e não um repetidor de informações.
(LISBOA, 2014, p.01)

A proposta dos jogos narrativos, não é a de jogos com objetivos


educacionais. Isto é não têm a pretensão ou finalidade de ensinar, são
jogos cujo objetivo é a diversão, talvez por isso seu efeito se mostrar
tão eficaz mesmo que, a princípio não pareça.

Os jogos estabelecem um diálogo com a educação formal e,


além de tornarem as aulas mais divertidas estimulam as pesquisas.
Por exemplo, em jogos de cartas, é possível pedir aos alunos que pes-
quisem na biblioteca da escola, que busquem soluções na internet,
que façam entrevistas com professores e outros profissionais da esco-
la, mostrando aos alunos as diversas facetas do trabalho que envolve
a educação, do mesmo modo que indicam como as pesquisas podem
e devem ser realizadas. Desta forma o aluno ao mesmo tempo em
que aprende, ensina e cria um foco no assunto a ser abordado na
aula. Conforme diria o professor Rafael Correia Rocha:“O fim real
desta proposta pedagógica está na melhoria constante das relações pro-
fessor-aluno (relações humanas) por meio da ludicidade e expressão,
manifestada na criação de diferentes formas do jogar de maneira a
mobilizar os sujeitos envolvidos no processo de ensino aprendizagem”
(ROCHA, 2014,p.26).

Os jogos

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Ao longo do curso sobre os jogos de interpretação, aprende-
mos duas coisas importantes e uma delas já fazia parte do meu co-
tidiano: divertir-se no trabalho! Sem a possibilidade de nos diver-
tirmos a aula de História se torna repetitiva e sem sentido para o
professor. É como se nos perguntássemos a todo momento: “o que
eu estou fazendo aqui?”. É claro que todo professor tem na ponta da
língua a resposta sobre a importância da disciplina que ele ensina.
Mas é óbvio que diante dos desafios da própria sociedade tecnológi-
ca, esse discurso de importância deixa de fazer sentido.

O segundo item importante é aprender a jogar! Se eu sou ape-


nas o professor observador o jogo perde o sentido.

As experiências que vou relatar aqui (sim, serão mais de uma),


partem de duas posições: a de professora jogadora e a de professora
observadora. Mas primeiro preciso explicar o jogo ou os jogos.

Jogo 01 – “Estamos todos mortos!” LARP – combinado


com jogo de cartas

Essa primeira experiência de jogo parecia fadada ao fracasso!


Em primeiro lugar fiquei animadíssima em poder experiênciar com
os alunos, a Crise do século XIV. Eram alunos do 7º ano de uma
escola particular da cidade que, em função de sua situação financei-
ra, tem pouco ou nenhum contato com o mundo mais propenso a
epidemias e crises financeiras. Em geral esses alunos estão, por assim
dizer, do lado do poder. E este foi meu primeiro grande obstáculo.

A fim de protegê-los, a escola não permitiu nem a filmagem,


nem liberou as imagens dos alunos. Também não permitiu nenhu-
ma observação que não fosse a minha própria. Fazia sentido, porém
me senti desestimulada, fui para a sala de aula e apliquei o jogo. Isto
mesmo, APLIQUEI! Parece injeção isto!!! Uma injeção em mim...

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daquelas bem doloridas!!! Eles se divertiram no caos e inventaram o
próprio jogo!

Escolhi como primeira experiência o LARP ( Live Action Ro-


le-Playing, ou interpretação ao vivo em português ), em um Live Ac-
tion você não imagina o cenário narrado pelo Mestre (ou Narrador),
mas utiliza o espaço à sua volta como o cenário de jogo. Em uma
sessão de RPG comum, cada jogador pega a sua ficha e senta-se à
mesa, como em um jogo qualquer, representando ali o seu papel sem
nenhuma interação real com outros jogadores: Já o Live Action é
o estilo de RPG que mais se aproximaria de um teatro de verdade.
Você representa o seu personagem exatamente como um ator repre-
sentaria um papel. É como uma peça de teatro, onde cada jogador
representa um personagem: As diferenças são que esses personagens
foram construídos antes com ajuda do mestre, e que estes persona-
gens não seguem um roteiro ou ‘script’ pré-definido e sim improvi-
sam ações baseados na construção e história criada para seus eles.

Meus alunos do 7º ano foram então convidados a mergulha-


rem no século XIV, por volta do ano de 1370, na França. Eles já ha-
viam, como tarefa de casa, lido sobre todos os fatos que provocaram
a crise do século, XIV e sabiam, de antemão que naquele ano a peste
negra havia devastado a França que também sofria com a Guerra dos
Cem anos e com as Revoltas camponesas.

O desafio era fazê-los compreender o que significava uma cri-


se, como os acontecimentos do século XIV se influenciaram e, de
que forma o poder dos reis foi reforçado durante o processo.

Cada um deles recebeu uma cartinha dizendo qual era o per-


sonagem a ser interpretado e o que eles deveriam fazer durante o
jogo. A maioria cumpriu com o ‘combinado’ porém, a seu modo
e, como estava apenas como observadora, achei a situação caótica!
Todos falavam alto e gritavam ao mesmo tempo, alguns alunos se
aproveitaram para fugir da disciplina tão comum no dia a dia daque-

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la escola. Pela primeira vez, eles tinham autorização para falar alto,
gritar com os colegas, e, alguns personagens foram além do ‘previsto’,
o rei não deveria morrer mas, foi assassinado! Outras personagens
que deveriam morrer de febre foram assassinadas pela fúria de cam-
poneses que deveriam organizar a rebelião!

Terminei o jogo antes do previsto por “medo” de represálias.


Em seguida, com os alunos em círculo e sob controle, discutimos so-
bre o significado da crise, no contexto do século XIV, e do próprio
jogo. Fui embora frustrada, guardei as cartas no fundo da gaveta,
tranquei a mesma e joguei a chave fora!

Na primeira aula pós-jogo, os alunos deveriam produzir um


texto, como forma de avaliação, narrando a crise do século XIV a
partir da experiência do jogo, isto é, sendo ele um indivíduo daquele
tempo. Foi fantástico, além do esperado. Eles haviam compreendido
mais do que foi dito ou lido sobre o assunto. Como eu esperava o
fracasso, demorei a ler e corrigir os textos, quando o fiz, não pude
resgatar nenhum para publicar, in off, nesse trabalho. Mas, posso
enumerar os avanços:

• Souberam relacionar passado e presente estabelecendo paralelos


com epidemias atuais como a dengue e o ebóla na Africa (alguns
alunos são filhos de médicos), que, inclusive eu, não tinha a in-
formação de que estava fora do controle.

• Estabeleceram críticas aos papeis dos governantes. No jogo o rei


não teve chance de agir!

• Fizeram análises sobre o significado da palavra e da própria crise


do século XIV como sendo importante para a reconfiguração do
mundo moderno.

• Sucesso!!

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Jogo 02 - “Todos contra o rei” - LARP – combinado
com jogo de cartas

Gosto do LARP. Talvez haja mais em mim de tradicional do


que eu gostaria de admitir. O fato é que o LARP me proporciona a
ideia de estar no controle. É um engano, mas uma sensação engano-
sa é tudo que temos no jogo da vida. De verdade, ninguém controla
nada! Como diria Leo Cunha:

Podem me prender no quarto,


eu saio pela janela.
Podem trancar a janela,
eu fujo pelo telefone.
Podem cortar o telefone,
eu pulo dentro de um livro. (Castigo, Leo Cunha, 2012)

No jogo do engano, me voltei para os alunos do segundo ano


de uma escola pública. A Escola Estadual Messias Pedreiro, onde ex-
perimentamos o jogo com todos os segundos anos do turno vesper-
tino. As turmas têm em média, trinta e cinco alunos por sala. Desta
vez resolvemos mergulhar no universo da Revolução Francesa e eu
contava com o suporte do professor Rafael Correia Rocha que minis-
trou o curso de formação.

Para iniciar o jogo a turma foi separada em grupos e cada gru-


po recebeu um conjunto de cartas que os inseria em um estamento
da sociedade francesa revolucionaria setecentista e foi dado a eles
instruções prévias sobre o que fazer durante o jogo.

Em seguida colocou-se uma situação problema: Uma gran-


de festa estava acontecendo no Palácio das Tulherias e toda a rica
nobreza estava presente. De frente o palácio, um grupo de esfome-

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ados tentava se aquecer do rigoroso inverno francês fazendo uma
pequena fogueira. De repente, saem do palácio o rei Luiz XVI e sua
coquete rainha Maria Antonieta. A partir daí o jogo seguia seu curso
normal. Ou não!

Observações importantes:

• 7 turmas participaram do jogo e, em nenhuma turma o jogo foi


igual.

• Algumas turmas fizeram muito barulho, em outras turmas a dis-


cussão foi mais contida.

• Uma turma mudou totalmente os rumos da Revolução France-


sa, o rei conseguiu fugir, não foi assassinado e os sans-culottes
tomaram o poder! Parecia Comuna de Paris e não a Revolução
Francesa.

• Em todos os jogos foi possível entender a angústia dos revolucio-


nários e, principalmente a violência da própria Revolução!

A partir do jogo ficou mais fácil abrir o diálogo sobre as ma-


nifestações populares ocorridas no Brasil no ano de 2013 e entender
porque de algumas manifestações conseguirem seus objetivos e por-
que outras apenas abrem caminho para as mudanças.

Considerações finais

Muito se foi dito durante o curso “Play Tetsing” sobre as rela-


ções entre professores e alunos e sobre a forma como jogos narrativos
nos ajudaria anos transformar transformando também nossas aulas.
Considero, porém alguns aspectos importantes: a) quando as pesso-
as fazem o que gostam, tendem a se sair bem naquilo que fazem; b)
a prática de sala de aula é tão desgastante quanto qualquer outro tra-

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balho. Invariavelmente o professor se sentirá cansado e saturado em
algum momento e nenhum jogo narrativo dará conta disto; c) não
nos esqueçamos jamais que embora o ensino possa ser divertido, a
aprendizagem também é consequência de um ‘labutar’, um trabalho
para que as coisas possam acontecer. Não iludam seus alunos!!!

Faço estas considerações para que ninguém se esqueça do


compromisso com o outro na educação, do rigor científico, da co-
brança por bons desempenhos, e do respeito ao ser humano.

Alguns professores, cantam, inventam músicas, fazem piadas,


jogam e outros, não precisam de nada disso para que a magia acon-
teça. E mais do que isso, parafraseando a máxima católica: Nós pro-
fessores, não somos deuses...humanos é que somos!

Referências Bibliográficas

CUNHA, Leo. Cantigamente, São Paulo. Nova Fronteira. 2012


LISBOA, Mônica. A importância do lúdico na aprendizagem,
com auxílio dos jogos Disponível em http://brinquedoteca.net.
br/?p=1818 <
HOBSBAWM, Eric. Sobre a História. SP: Companhia das Letras,
2001. p. 13.
HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. SP Editora Perspectiva, 2000.
Col. Estudos
MACEDO, Lino. Jogos, psicologia e educação teoria e pesquisas. Dis-
ponível em http://jogoscooperativos.files.wordpress.com/2012/06/
jogos-psicologia-e-educacao.pdf
ROCHA, Rafael Correia. Narrativa da imaginação: proposta peda-
gógica, metodologia role playing e reflexões sobre educação – Uber-
lândia: [s.n.], 2014

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VICENTINO, Cláudio. Viver a História. São Paulo: Scipione; 2002.
p.101
Michaelis - Moderno Dicionário da Língua Portuguesa
Dicionário de Ciências Sociais.
www.institutoequilibrio.com.br. Acesso em10/09/2011
http://www.grupoescolar.com/pesquisa/guerra-da-reconquista.
html, Acesso em10/09/2011

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Parte IV

Pesquisa e Jogos-
Narrativos: formações e
contextualizações

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Possibilidades historiográficas
e experiências de intervenção
urbana: andarilhagens, jogos e
brincadeiras

Diogo Rios51
Milene Valentir52

RESUMO: o texto lida com o criar um coletivo fluido, atuante conjun-


tamente na troca de conhecimentos (o que o coletivo Mapa Xilográfico
chama de coeducação) e na produção artística coletiva (coprodução), o
objetivo do mesmo é discutir a intenção de se quebrar algumas dualida-
des: artista X público, educador X educando, arte como entretenimento X
integração arte-vida, pesquisador X pesquisado e história oficial X história
não oficial.

Palavras-chave: Coletivo Fluído, Cidades, Devir.

(...) o espaço é história e nesta perspectiva, a


cidade de hoje, é o resultado cumulativo de
todas as outras cidades de antes, transformadas,

51 Integrante do Coletivo Mapa Xilográfico e mestre em Arte-


-educação pela Unesp – SP.
52 Integrante do Coletivo Mapa Xilográfico, mestre em arte-e-
ducação pela Unesp – SP e arte-educadora na rede municipal de São
Caetano do Sul – SP.

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destruídas, reconstruídas, enfim produzidas pe-
las transformações sociais ocorridas através dos
tempos, engendradas pelas relações que promo-
vem estas transformações. (SPOSITO, 1996:11)

“Quem constrói a cidade?” indaga um estudante em uma


roda de conversa sobre a moradia na cidade de São Paulo, diante
dos despejos sistemáticos de pessoas dos imóveis ociosos que, ao se-
rem ocupados ganham função social, mas significam empecilhos aos
processos de especulação imobiliária e de valorização territorial das
incorporadoras e empreiteiras. Os espaços da cidade, bem como o
seu processo histórico, são constituídos mediante a disputa constan-
te entre interesses públicos e privados, tensionados pelas resistências
dos movimentos sociais, associações comunitárias, na luta pela le-
gitimação dos assentamentos informais, exercício dos lugares como
públicos, ocupações de prédios vazios e sem finalidade social, enfim,
na luta pela afirmação da vida e do direito à cidade diante dos inte-
resses que buscam lucrar ao capitalizar territórios, formas de vida e
a própria sociabilidade.

Milton Santos, ao refletir acerca do espaço urbano e sua histo-


ricidade, concebeu uma necessária distinção que, costumeiramente
é objeto de confusão, entre o urbano e a cidade.

Há duas coisas que estão sendo confundidas gratuita e ale-


gremente, isto é, a cidade e o urbano. O urbano é frequen-
temente o abstrato, o geral, o externo. A cidade é o particu-
lar, o concreto, o interno. Não há que confundir. Por isso,
na realidade, há histórias do urbano e histórias da cidade.
(SANTOS, 1994:69)

Ao apresentar a diferença conceitual entre cidade e urbano,


Milton Santos busca compreender os processos de urbanização que
se apresentam específicos em cada localidade, apesar de carregar
semelhanças oriundas das modificações das concepções de urbano

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promovidas pelas transformações e ajustes do modo de produção ca-
pitalista. “A história de uma dada cidade se produz através do urbano
que ela incorpora ou deixa de incorporar”53, ou seja, a implementa-
ção ou não de conceitos urbanos atrelados a um processo global de
produção, que atropelam as características, histórias e memórias de
uma cidade. Nesse sentido, investigar a história das cidades é tam-
bém interpretar o choque (ou ajuste) entre a história da cidade e de
seus habitantes com a história da urbanização e seus gestores atrela-
dos ao interesse de reprodução do capital.

Compreender a história de um lugar é identificar no vivido


e experimentado as disputas atuais, vetores e interesses em dispu-
ta, capazes de uma aproximação entre as percepções do instante, os
acontecimentos passados e as potências do amanhã. Walter Benja-
min destaca que:

O cronista que narra os acontecimentos, sem distinguir en-


tre os grandes e os pequenos, leva em conta a verdade de que
nada do que um dia aconteceu pode ser considerado perdi-
do para a história. (BENJAMIN, 2012:242)

Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo


“tal como ele de fato foi”. Significa apropriar-se de uma re-
cordação, como ela relampeja no momento de um perigo (...)
Pois é uma imagem irrecuperável do passado que ameaça
desaparecer com cada presente que não se sinta visado por
ela. (BENJAMIN, 2012:243)

Nesse sentido, estabelecer relações entre o vivenciado em


nosso cotidiano e as circunstâncias que nos levam a tais contextos
experimentados é um fértil percurso de conhecimento significativo
e de exercício do fazer histórico, rompendo com a falsa percepção
da história como compilação de grandes eventos passados e viven-
ciando os processos históricos em que somos construtores. E como
53 SANTOS, 1994:71

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construtores da história e dos espaços habitados, necessariamente
disputamos quais são os conceitos e narrativas da cidade que deseja-
mos. Teobaldo (2010) lembra que

Uma das principais características do espaço é a possibili-


dade da existência de multiplicidade e narrativas, onde há a
coexistência entre o encontro e as trajetórias e onde acontece
ou não o conflito. A partir do momento em que há a homo-
geneização do espaço, muitas vezes promovidas e reforçadas
pela mídia, as múltiplas identidades e diferentes formas de
vida social são simplificadas. As imagens produzidas para a
cidade constituem-se na negação da possibilidade de exis-
tência de outras imagens e, consequentemente, de outras
leituras, retirando da cidade a multiplicidade e o conflito.
Dessa forma, a cidade perde uma de suas expressões sociais:
a sua diversidade de leituras. (TEOBALDO, 2010: 145)

Ao exercitar os espaços da cidade, ressignificando-os e aproxi-


mando-se dos saberes locais, acessamos simultaneamente a investi-
gação histórica e a construção de um lugar, ou seja, experimentando
o exercício da própria história: o que está pronto pode ser modifica-
do e o inexistente pode ser inventado.

Além disto, não distinguir entre os “grandes e os pequenos”


acontecimentos, como destaca Benjamin, é um caminho necessário
para valorizar e investigar as narrativas autônomas e deslegitima-
das pelos recortes historiográficos dominantes. “Escovar a história a
contrapelo”, contatando trocas de saberes orais para além da história
oficial, pois nada está perdido na investigação histórica, uma vez que
o instante de pesquisa se integra à própria história.

Contudo, transbordar os espaços de saberes institucionaliza-


dos e buscar o contato com os saberes de uma determinada comu-
nidade, em fluidez pelas ruas, nos caminhos de um transeunte, nos
encontros imprevisíveis do espaço público, é experiência necessária
no entendimento do sujeito histórico em ação no mundo e com o

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mundo, como nos lembra Paulo Freire.

A partir das relações do homem com a realidade, resultan-


tes de estar com ela e de estar nela, pelos atos de criação,
recriação e decisão, vai ele dinamizando o seu mundo. Vai
dominando a realidade. Vai humanizando-a. Vai acrescen-
tando a ela algo de que ele mesmo é o fazedor. Vai tempo-
ralizando os espaços geográficos. Faz cultura. E é ainda o
jogo destas relações do homem com o mundo e do homem
com os homens, desafiado e respondendo ao desafio, alte-
rando, criando, que não permite a imobilidade, a não ser em
ternos de relativa preponderância, nem das sociedades nem
das culturas. E, na medida em que cria, recria e decide, vão
se conformando as épocas históricas. É também criando,
recriando e decidindo que o homem deve participar destas
épocas. (FREIRE, 1967:43)

A experiência do Coletivo Mapa Xilográfico

Em busca de acontecimentos e de uma relação de poetização


com o urbano, nasceu o Mapa Xilográfico54, coletivo de intervenção
urbana. Criado em 2006, aconteceu como desdobramento de uma
ação que consistia na impressão do tronco de árvores cortadas55 nas
calçadas da cidade de São Paulo. A intervenção buscava tratar os
troncos como matrizes de xilogravura a céu aberto, refletindo sobre
a questão da autoria, uma vez que um anônimo havia gravado a ma-
triz no ato do corte e deixado exposta, ao destino do tempo, aberta
para outros impressores. A impressão levava o nome da rua e do
número onde a árvore havia existido, constituindo uma espécie de
mapeamento de obras públicas, o que nos provocou a compreender
54 O coletivo Mapa Xilográfico é formado por Diogo Rios, Mi-
lene Valentir e Tábata Costa.
55 A intervenção de impressão de troncos foi concebida por
Milene Valentir e Kleber Silva.

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melhor onde estávamos pisando, as histórias e as circunstâncias de
cada lugar.

O que se configurou inicialmente como uma ação pontual,


atrelada às memórias e às modificações de uma localidade, trans-
formou-se gradativamente em uma espécie de portal, contatando
outro tempo e elaborando outros territórios. Como uma resposta
ao estranhamento gerado pela intervenção, frequentemente, ao im-
primir um tronco, éramos abordados por transeuntes e moradores
que compartilhavam generosamente suas histórias, do quarteirão,
do bairro, seus mapas mentais e afetivos de um bairro em transfor-
mação. De forma difusa e processual, aconteciam encontros que nos
levavam à outras relações imprevistas.

A cada novo bairro, novos portais e agenciamentos56 surgiam,


fato que promoveu um transbordamento da prática: nascia um pro-
cesso de aproximação com o urbano, um mapa xilográfico psicoge-
ográfico e afetivo, estabelecendo relações entre as raízes das árvores
que caíram, os vínculos de seus moradores e a necessidade de im-
pedir o apagamento da memória dos espaços em metamorfose cujo
vetor de mudança não eram os praticantes do lugar, mas interesses
de valorização territorial do mercado.

56 Agenciamento no sentido concebido por Deleuze e Guatta-


ri, como um modo concreto de produção de realidade, que agencia
através dos afetos produzidos e pelo regime coletivo de enunciação.
Os agenciamentos conectam, combinam, conjugam, produzem e
fabricam movimentos, pensamentos, corpos e mentes, ou seja, são
acontecimentos que produzem efeitos e que compõem subjetividade
e corporeidades.

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Impressão de tronco, Havana, Cuba, 2006

Impressão de tronco no bairro do Bixiga, São Paulo, SP. 2009

A cada impressão, uma prática de escavação poética capaz de


integrar gente disposta a narrar suas experiências, a fortalecer diálo-
gos e outra relação corpo-cidade.

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A intervenção visa os vestígios das árvores e encontram novos
territórios e tempos, lugares de encontro e de resistência poética na
cidade. Destes encontros, uma proposta: a criação de um coletivo
para poetizar e derivar57 pelo lugar, estabelecer pontos de troca e de
sociabilidade que promovam rupturas de fazeres artísticos pelo es-
paço, o que chamamos de Coletivo Fluído. De porta em porta, em
conversas pelas calçadas e encontros fortuitos, um morador indican-
do outro conhecido, criamos um grupo para vivenciar fazeres artís-
ticos pelas ruas do bairro, em um ajuntamento livre e aberto para
propostas e ações de intervenções pelos espaços públicos, ou seja,
um grupo para criar e recriar a cidade.

Ao criar um coletivo fluido, que atue conjuntamente na troca


de conhecimentos (o que o coletivo chama de coeducação) e na pro-
dução artística coletiva (coprodução), atua-se na intenção de quebrar
algumas dualidades: artista X público, educador X educando, arte
como entretenimento X integração arte-vida, pesquisador X pesqui-
sado e história oficial X história não oficial. A criação desse grande
coletivo aponta para uma relação entre pessoas bastante diversas em
situação de horizontalidade, não ignorando as dificuldades e contra-
dições implicadas neste processo; inclusive, assumindo as falhas que
provavelmente acontecem no decorrer do trabalho ou das tentativas
não contempladas. A possibilidade do erro está incluída.

Memória, experiência, processos artísticos, exercícios de sin-


gularidade, reconhecimento de alteridade, contato com o diferente,
prática de permanência na construção de espaços públicos, enfim,
uma forma de agenciamento horizontal e autônomo de retomada
das produções simbólicas e da pluralidade de narrativas.

Ao longo dos processos de imersão em cada bairro, o Mapa


Xilográfico busca a construção de uma teia de contatos, que se des-
57 Inspirada na prática de “derivas” dos Situacionistas, com
suas práticas de caminhadas a esmo pelas ruas como forma de des-
condicionamento da relação com a cidade.

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dobra através das interações do coletivo fluído. Espaços culturais,
movimentos sociais, associação de moradores e escolas estatais são
convidados a integrar o processo de troca de saberes e experiências.
As escolas, em especial, costumam ser espaços de difícil parceria,
tendo em vista sua arquitetura disciplinar, vertical e a reboque dos
projetos hegemônicos da cidade espetacular. Contudo, a ação do
Mapa Xilográfico consiste em convidar os professores para participar
dos processos de investigação e poetização, para depois convidar os
estudantes das respectivas séries. Geralmente, os professores58 que se
integram e aceitam o convite são aqueles sedentos por interlocuções
criativas na escola, e que vislumbram a possibilidade de desenvolver
um trabalho consistente em parceira, não mais em solidão escolar.
Um convite, por mais estranho que possa parecer, já promove desor-
ganizações férteis na escola de professores cansados de imposições
verticais que destroem sua autonomia como educadores, e estudan-
tes aprisionados, enfileirados e violentamente “encurriculados”. Ao
analisar as práticas escolares das escolas estatais de São Paulo, Giove-
di (2014) apresenta o conceito de “violência curricular”:

A violência curricular consiste nas várias maneiras pelas


quais os elementos e processos que constituem o currícu-
lo escolar – suas práticas e intenções políticas, seus valores
difundidos (declarados ou não), sua concepção de aprendi-
zagem praticada (declarada ou não), seus objetivos de for-
mação praticados (declarados ou não), seus conteúdos se-
lecionados, seu modo de organização do tempo, seu modo
de organizar o espaço, suas metodologias, seus processos de
avaliação, a relação professor-alunos etc. – negam a possibi-
lidade dos sujeitos da educação escolar reproduzirem e de-
senvolverem as suas vidas de maneira humana, digna e em
comunidade.(GIOVEDI, 2012:92)

Diante da violência estrutural imposta, o fato de exercitarem


58 Gradativamente, com o desdobramento das atividades, ou-
tros professores se integram, algumas vezes através da intermediação
dos próprios estudantes entusiasmados com o processo.

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autonomamente uma escolha tem sido capaz de fomentar potentes
ações, em especial na relação que buscamos estabelecer com a rua.
Convidamos os jovens às derivas, aos jogos, às intervenções, aos en-
contros com os moradores, a fazer parte do coletivo fluído. Nas ca-
minhadas pelo bairro, os estudantes apresentam seus caminhos, seus
mapas mentais e suas narrativas sobre o espaço praticado. Aprendem
uns com os outros, e as barreiras de uma relação horizontal entre
educadores e educandos é rompida. A rua, como elemento signi-
ficativo de aprendizagem, em toda a sua potencia anti-disciplinar,
possibilita caminhos de conhecer que respeita os saberes prévios, os
tempos e as circunstâncias de cada integrante do coletivo fluido. Ve-
lhos aprendem com os jovens, jovens aprendem com os velhos e ou-
tras possibilidades de sociabilidade são inauguradas, como semente
de uma possível continuidade após o término das intervenções. Da
mesma maneira que as propostas de intervenção urbana são capazes
de promover rupturas pelas ruas das cidades, elas também podem se
infiltrar em circuitos espetacularizados e disciplinares, como a esco-
la. Nesse sentido, a relação escola-rua é um potente desprogramador
da instituição escolar, sem a intenção de reformá-la, mas de produzir
fendas de exercício de autonomia que apresentem o conhecimento
não como imposição, e sim como possibilidade de singularização.
Como destaca Silvio Gallo (2010) ao afirmar a busca por uma “edu-
cação menor”

Podemos ver como uma “educação menor” o trabalho sin-


gular que um professor ou um conjunto de professores de-
senvolvem com uma turma de alunos. Um trabalho que
pode se colocar à margem do projeto político pedagógico
da escola, à margem da política educacional do município
ou do Estado, à margem das políticas públicas do Ministé-
rio da Educação (...) Uma educação aberta ao acontecimento
(...) que se dá ao capricho de “furar” um planejamento ou
um cronograma para aproveitar a emergência de algo não
planejado que acontece em um dado momento (...) uma edu-
cação que não é e nem quer ser modelo, que vale para o mo-
mento, que acontece com aquela turma e que não pode ser

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repetida, senão com diferença”. (GALLO, 2010:61)

No mesmo sentido, as propostas de intervenção urbana do


Mapa Xilográfico não pretendem ser modelo ou fórmula de nada,
mas aberturas à emergência poética e de construção de saberes.

Exercício de observação Represa de Guarapiranga. Estudantes do CEU


Cidade Dutra, 2010

Andarilhagens e Intervenções urbanas

No contra-uso da cidade, as ações de intervenção urbana são


insurgências poéticas que promovem desequilíbrios no cotidiano
para além das mediações mercadológicas e os agenciamentos publi-
citários da city marketing, possibilitando outras percepções e exercí-
cios na cidade e, consequentemente, investigando outras possibilida-
des. Na visão de Mesquita, a insurgência poética

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desconstrói a aura cosmopolita das cidades globais, o con-
trole privado dos centros urbanos e ascensão de uma econo-
mia de mercado que se reflete na gentrificação e nas falsas
utopias de consumo esteticamente controladas pelas ima-
gens da publicidade, estratégias de marketing e vigilância
corporativa (MESQUITA, 2011)

Ao promover fricções com a arquitetura urbana hegemônica,


busca-se retomar a experiência de alteridade na cidade, enfrentando
as estratégias de captura, sequestro e anestesia da experiência.

Certa vez, em uma das derivas propostas pelo Mapa Xilográ-


fico na Cidade Dutra, ao lado dos estudantes do CEU Cidade Dutra,
encontramos Rita Gomes Silva, 71 anos, moradora da comunidade
Castelo desde a sua criação, em 1985, às margens da represa de Gua-
rapiranga, zona sul de São Paulo. Vizinha do Condomínio e clube
de campo Castelo, a comunidade sofre com a ameaça de remoção,
ao contrário do condomínio com que faz divisa, que, por conta do
poder econômico, constrói juridicamente formas de permanecer
beirando à represa. Rita explica a história comunitária e a disputa:

Juntaram mais ou menos uns vinte homens, arrumamos


uns caminhões de madeira (...) compraram telhas, tabuas,
“brasilit” (...) chegaram de noite, marcaram com arame e
a turma invadiu. Batendo pau, um fazendo buraco, outro
colocando as tábuas, outro já pregando, outro arrumando...
Antes do dia amanhecer, chegou um caminhão de gente.
Uma nora minha grávida, minha filha com o filho no braço,
o que tinha de bebê e criança você nem imagina (...) Colo-
camos uns papelões no chão e os colchões por cima. Depois
tivemos que jogar tudo fora, cheio de lama (...) o banhei-
ro era um buraco, com tapume e banho tomava com cane-
quinha (...) quando amanheceu, a rua encheu, era só trator
querendo derrubar. Mas viemos, colocamos arame farpado
na frente e no fundo. Veio tudo, carro da prefeitura, policia
querendo tirar. (Rita Gomes Silva59).

59 Rita Gomes Silva, fundadora e moradora da Comunidade

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Após 30 anos desde sua criação, a comunidade resiste às di-
versas tentativas de despejo e, como previsto, mesmo sendo vizinhos
de um condomínio de elite que ocupa o mesmo manancial, e em si-
tuação legal semelhante, apenas a comunidade do Castelo é alvo das
ações do Estado, muitas vezes por interferência dos vizinhos ricos.

Tem um pessoal ali de cima que não aceita a nossa presen-


ça como vizinhos. E eles querem fazer abaixo assinado para
nos tirar daqui. Mas se agente sair, eles vão ter que sair tam-
bém (...) Tanto lá como aqui não tem escritura (...) o mesmo
direito que nós temos, eles tem. (Rita Gomes Silva)

Nessa disputa a cidade se constitui, na resistência dos que lu-


tam pelo elementar, em oposição aos bolsões de riqueza e territórios
em processo especulativo.

Ao lado das resistências das comunidades, as propostas de


intervenção urbana somam-se nessa disputa, produzindo espaços
de desequilíbrio e de recriação. As interferências poéticas são for-
mas cotidianas de retomada de exercícios autônomos que tem sido
sequestrado pelas tecnologias de poder, o de criar o espaço vivido,
alterá-lo, pertencer e integrar a uma localidade e potencializar a mul-
tiplicidade de interpretações e práticas de um lugar. Ao refletir sobre
as heterotopias, Defert (2013) destaca que

Não refletem a estrutura social nem a da produção, não são


um sistema sócio histórico nem uma ideologia, mas ruptu-
ras da vida ordinária, imaginários, representações polifôni-
cas da vida, da morte, do amor, de Éros e Tánatos. (DEFERT,
2013:38).

São nas brechas e fissuras dos contraespaços que as interven-


ções urbanas afirmam a potência da experiência, dos jogos impre-

Castelo, Guarapiranga, Zona Sul de São Paulo. Entrevista concedida


ao Mapa Xilográfico, em 27 de agosto de 2010.

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visíveis, do convite à criação de um outro território, para além da
cidade espetáculo contemporânea.

Além disso, o impulso de ruptura é um dos fundamentos das


ações de intervenção urbana, como resposta às tentativas de um es-
paço planejado em determinar como os corpos devam se comportar.
Nesse sentido, conceber o espaço urbano como uma materialidade
em que a pulsão criativa pode interferir, poetizando-a, é uma possi-
bilidade afirmativa na integração entre arte e vida, de uma ação ar-
tística que reverbere macropoliticamente, micropoliticamente e que
subverta os mecanismos de adestramento biopolíticos em forma de
biopoder, afirmando o corpo como realidade biopotente, bem como
a relação entre corpo-cidade.

No campo macropolítico, as transformações produzidas no


desequilíbrio do cotidiano e as veredas abertas de uma nova prática,
mesmo que por alguns instantes, desnaturalizam as escolhas políti-
cas que constituem um determinado lugar, inaugurando possibilida-
des de jogos e de percepções capazes de relacionar um acontecimen-
to pontual e aparentemente isolado a características que reverberam
em toda a sociedade. Em uma perspectiva micropolítica, as propos-
tas de intervenção urbana atuam na elaboração de realidades através
dos afetos, desejos, de outros agenciamentos na construção autôno-
ma de subjetividades.

É nesse campo que as intervenções urbanas produzem interfe-


rências desprogramadoras, ao participar do entrecruzamento de for-
ças que incidem sobre os indivíduos em sua relação cotidiana com o
espaço urbano. Outras disposições corporais possíveis, outro espaço
possível e convites a jogos e combinações imprevisíveis. Os corpos
dispostos na cidade podem legitimar ou não os planejamentos ar-
quitetônicos. A ruptura produzida é capaz de integrar a dimensão
macro e micropolítica, percepção necessária na desconstrução das
estratégias biopolíticas de controle, como destacam Deleuze e Guat-
tari (2012:99): “Em suma, tudo é político, mas toda política é ao mes-

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mo tempo macropolítica e micropolítica”.

Neste contexto, prática da rua como espaço de permanência


tem íntima relação com a disputa acerca da natureza dos espaços ur-
banos em tempos de cidade espetacular: privado, estatal ou público?
O lugar de estar, ocupado por corpos desinstitucionalizados, indis-
ciplinados e improdutivos exercitam os espaços como públicos, na
medida em que instalam uma ética não mercantilizada, nem policia-
lesca, e sim, de prática de alteridade e de reconhecimento do outro.
Não existe espaço público por decreto, e sim, espaço público exerci-
tado, mantido e defendido das infiltrações estatais e de mercado.

Ao vivenciar a criação e a ressignificação de um lugar, esquina,


cidade, qualquer transeunte acessa um devir artístico singular, a per-
cepção da cidade como obra, inventada e planejada e que, portanto,
pode ser redesenhada e reinventada através de uma disposição ao
alcance de todos, exercitando a arte como ação objetiva de transfor-
mação do espaço e como ação subjetiva na construção de si, ou seja,
elaborando autonomamente a própria subjetividade, exercitando
singularidades, campo em profunda disputa sob a égide do capitalis-
mo cognitivo e simbólico.

Jogos de memória e brincadeiras nos tabuleiros de as-


falto

Os espaços de brincar, potentes contraespaços exercitados, são


brechas de rememoração e de indisciplina corporal na cidade. Trans-
formar localidades utilitárias em lúdicas significa fomentar outros
agenciamentos e relações singulares entre os brincantes.

De certa forma a intervenção urbana sobrepõe um novo ta-


buleiro no jogo existente, questiona as regras dadas e propõe, na lu-
dicidade da transgressão, a sensação de frescor de que o instituído

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não é tão rígido ou imutável, pode ser reinventado ou alterado pelas
pessoas que vivem seu contexto.

Toda intervenção urbana pode ser entendida como um jogo a


fim de brincar com as regras instituídas, mas há também interven-
ções ou aproximações com o urbano que utilizam o jogo em si como
aproximações possíveis. O coletivo Mapa Xilo, nesses 10 anos, além
das intervenções urbanas, realizou algumas ações que se utilizam do
tabuleiro físico em jogos que têm a questão urbana como temática. A
seguir serão mostradas algumas experiências de jogos em contextos
diversos.

Inferno celestial e céu infernal

Em busca de tais transformações, o grupo de estudos de inter-


venção urbana60, criado em 2009 pelo Mapa Xilográfico, concebeu
uma amarelinha não maniqueísta para ser brincada, sem ponto de
partida ou chegada, tendo como extremidades do tabuleiro o “infer-
no celestial” e o “céu infernal”. Na praça, faixa de pedestres, calçada,
o convite era lançado aos transeuntes, cada qual com seus conceitos
de celestiais e infernais. Jogo aberto pelos encontros na cidade. As
brincadeiras como convites ao exercício de heterotopias e de singu-
laridades.

60 Grupo de Estudos organizado pelo Mapa Xilográfico em


2009, no Sesc Pompéia, em São Paulo. Participaram do grupo de
estudos: Milene Valentir Ugliara, Tábata Costa, Diga Rios, Marco
Ferrari, Leonilda Reis, Daniel Rabanéa, Daniela Fatoretto, Hugo Ca-
lixto, Beatriz Cristal, André Lom, Letícia Kamada, Marcus Flávio de
Andrade, Roseli Cunha e Thiago Roque.

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Intervenção Amarelinha. Faixa de Pedestres. Rua Clélia, Lapa. São Paulo,
SP, 2009.

Jogos de deriva

As derivas, caminhadas a esmo pela cidade, são mecanismos


utilizados pelo coletivo para começar um reconhecimento de deter-
minado bairro ou região, em busca de construir uma relação a longo
prazo com seus moradores para produções de intervenções e resga-
tes da memória local. As caminhadas desprogramadoras nos levam
a lugares e situações que não aconteceriam de outra forma, em um
caminhar objetivo. O olhar aguça, o tempo de caminhada muda, a

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atenção aponta para outras camadas do cotidiano.

Em algumas oficinas de intervenção urbana realizadas pelo


coletivo são propostos jogos de derivas, em que são dispostos alguns
complementos para as caminhadas, como gravadores de áudio para
a livre captura das sonoridades da rua, lápis e papel para desenhos
e anotações durantes os deslocamentos, máquina fotográfico para a
produção de imagens e propostas como “escolha um transeunte e
siga seu trajeto, inclusive seu tempo de caminhada” ou “ aborde pes-
soas na rua e faça perguntas relacionadas ao bairro”. Cada pessoa
ou dupla escolhe um dos complementos e sai em deslocamento pela
rua, no retorno é compartilhado um mapeamento psicogeográfico
de composição coletiva.

Exercício de Deriva, Pq. São Carlos, São Paulo, SP. 2011

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Instalações lúdicas

Quando o processo de imersão em cada bairro conta com es-


tudantes de escolas públicas no coletivo fluido criado junto ao Mapa
Xilo, costuma-se criar uma instalação junto aos estudantes, sediada
na escola pública, contendo os registros e coletas feitas durante os
encontros, com fotos, documentários, impressões de xilogravura,
áudios com memórias dos moradores, entre outros. Existe uma pre-
ocupação de compartilhar o vivido com os demais estudantes, crian-
do assim um espaço lúdico e convidativo para a visita de todos na
instalação. Na entrada é criado um tabuleiro- portal, que propõe ao
visitante um jogo de tabuleiro humano, onde ele é a peça e jogador.
Cada espaço do tabuleiro tem palavras, criadas pelos próprios estu-
dantes, que estabelecem relações com a cidade ou bairro que habi-
tam. O jogo proposto é pisar nas palavras escolhidas e assim criar um
trajeto próprio; anotar as palavras e usá-las como referência durante
a visita à instalação. Ao final da imersão criar uma frase ou desenho
inspirado nas palavras e na experiência pessoal diante da instalação
e anexá-la ao espaço lúdico expositivo.

Esse jogo foi realizado na Escola Estadual Zuleika de Barros


no bairro da Pompéia, São Paulo , SP em 2008, na Escola Estadual
Maria José em 2009 no bairro do Bixiga, São Paulo, SP e 2009 e uma
variação do jogo foi realizado no CEU Cidade Dutra - Cetro de Edu-
cação Unificado da Prefeitura de São Paulo em 2010.

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***

Jogo de abertura da instalação – EE Zuleika de Barros, São Paulo, SP. 2008

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Jogo de abertura da instalação – CEU Cidade Dutra, São Paulo, SP. 2010

Banana por samba

Em São Paulo, um dos berços do samba paulista foi alvo de


um processo de apagamento, o Largo da Banana, na Barra Funda.
O largo localizava-se ao lado da antiga ferrovia São Paulo Railway,
responsável pela circulação de produtos para outras regiões do esta-
do de São Paulo. Entre a chegada dos trens e composições, os traba-
lhadores aguardavam no largo conversando e fazendo música, mui-
tos deles negros, filhos e netos de escravos libertos sem alternativa
de trabalho, o que trouxe a região o batuque dos ritmos africanos,
como jongo e umbigada, misturados com a influência trazida dos
migrantes do interior de São Paulo, que desembarcavam na estação
trazendo traços caipiras que contribuíram para que o samba paulis-
tano tivesse elementos do universo rural e com as cordas do choro
que já era executado na capital.

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Entre um carregamento e outro, em busca de aumentar seus
rendimentos, alguns trabalhadores estabeleceram barracas para a
venda de frutas, em especial a venda de bananas, fato que batizou o
lugar.

Na década de 50, em busca de ligar a zona norte da cidade à


região central, foi construído um viaduto, sobre a linha férrea, cor-
tando o largo ao meio, o que gradativamente esvaziou seu caráter de
encontro e de produção cultural.

Hoje, a região da Barra Funda vive um processo de intensa


especulação imobiliária, fruto da Operação Água Branca, repleta de
parcerias público privadas destinadas a valorização territorial e, con-
sequentemente, ao processo de gentrificação.

Em 2013, em busca de rememorar corporalmente o largo, a


intervenção Banana por Samba61 saiu às ruas, percorreu o entor-
no, atravessou a estação de metrô e trem, até chegar sob o viaduto,
ao encontro do largo apagado. Pandeiro, surdo, tamborim, agogô e
chocalho em mãos, saímos tocando e lançando um jogo aos encon-
tros: cante um samba e receba uma banana ou uma dose de cachaça.
Sambas antigos, novos pagodes, quem lançava o repertório eram os
61 A intervenção Banana por Samba foi fruto de uma atividade
de deriva realizada em aula da profa. Carminda Mendes André, do
Instituto de Artes da Unesp, com apoio do Coletivo Mapa Xilográ-
fico, ao lado dos estudantes do primeiro ano da turma de 2011, em
busca de reconhecimento da região da Barra Funda, local onde o
Instituto de Artes se instalou em 2009. A primeira experiência de in-
tervenção foi é retratada no artigo “Arte como mediadora de afetos”,
de Carminda Mendes André, na Revista Rebento nº4, de maio de
2013. Em 2013, como atividade integrante do evento R.U.A. Reali-
dade Urbana Aumentada – Barra Funda e suas histórias, organiza-
do pela profa. Lilian Amaral, a intervenção retornou às ruas, tendo
como participantes Carminda Mendes André, Diga Rios, Milene
Valentir e Tábata Costa (Coletivo Mapa Xilográfico), Lilian Amaral,
Paulo Maia, Silvana Santos, Thais Balazs e Zoé Coin.

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transeuntes. No acesso ao metrô, somos abordados por Léo, um se-
nhor de idade avançada e que nos presenteou cantando Ataulfo Al-
ves, Cartola e Adoniran Barbosa, entoando, dentre outras, “O Trem
das Onze” 62, a relação entre o centro e a Zona Norte na estação fer-
roviária, “Se eu perder esse trem (...) Só amanhã de manhã”. E assim
seguiu o cortejo-escavação, e o largo sumido, eclodiu.

***

62 Música composta por Adoniran Barbosa em 1964.

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Intervenção Banana por samba. Barra Funda, São Paulo, 2013.

Banco de Ações ImobiHilárias

O jogo Banco de Ações ImobHilárias63 é um convite à experi-


mentação de intervenções urbanas associado a uma leitura em forma
de jogo de uma dissertação de mestrado. Estruturado à semelhan-
ça do jogo “Monopoly” (Banco Imobiliário), os participantes expe-
rimentam um jogo colaborativo, sem vencedores e perdedores, na
medida em que se integram para reinventar espaços da cidade, ao
mesmo tempo em que leem de forma não linear, fragmentos da pes-
quisa desenvolvida. Um tabuleiro de 9m² possibilita que os corpos

63 O tabuleiro é parte integrante da pesquisa de mestrado “In-


tervenções urbanas: possibilidades de desconstrução do espetácu-
lo cotidiano – jogos, derivas e andarilhagens”, de Diogo Sérvulo da
Cunha Vieira Rios, defendido em julho de 2015 no Instituto de Artes
da Unesp, SP.. O nome do jogo foi inspirado na intervenção “Lança-
mento Imobhilário da Gatunos S.A.”, do Coletivo Mapa Xilográfico.

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ocupem as casas do jogo, sem prazo para terminar, ou meta para ser
atingida, mas com o estabelecimento de acordos de duração e ação
alinhavados pelos jogadores, ou seja, ele pode durar uma tarde, um
dia ou semanas, dependendo do acordo e da carta retirada no ato
do jogo. Cada carta contém propostas de intervenção (que podem
ou não serem acolhidas – modificadas – reinventadas) ou uma car-
ta coringa, aberta à qualquer iniciativa que os participantes deseja-
rem. Para a realização do jogo se configurar como uma intervenção
por si só, recomenda-se que o tabuleiro seja esticado em um espaço
público, para que transeuntes possam se aproximar e participar, ou
seja, um jogo-intervenção catalizador de leituras e outras ações pela
cidade.

Reticências e (in)conclusões

No contra-fluxo das narrativas dominantes e das histórias ofi-


ciais, a experimentação da cidade como localidade inconclusa, aber-

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ta à intervenções, jogos e recombinações alheias aos planejamentos
urbanísticos, carrega a potencia de afirmação e construção de outro
espaço, bem como a percepção da condição de sujeitos históricos,
tocando a história da própria vida, em conexão direta com a nossa
história, ou seja, sem fórmulas ou metodologias previas, mas com
abertura aos encontros e aos saberes não institucionalizados, em flu-
xo constante pelos transeuntes e na sociabilidade do cotidiano.

Na resistência luminosa das intervenções urbanas, em sua efe-


meridade tática, ou em seus processos perenes e estratégicos, a dis-
puta pela construção do urbano, bem como do imaginário da cidade,
os contra-fluxos se apresentam como reafirmação da potência da ex-
periência humana, que na perspectiva de Didi-Huberman, apresenta
o seguinte percurso:

Devemos, portanto (…) nos tornar vaga-lumes e, assim, for-


mar novamente a comunidade do desejo, a comunidade de
lampejos emitidos, de danças apesar de tudo, de pensamen-
tos a transmitir. Dizer sim na noite atravessada de lampejos
e não se contentar em dizer o não da luz que nos ofusca.
(DIDI-HUBERMAN, 2011).

Contudo, a multiplicidade de ações intervencionistas pode ser


vista como lampejos de vaga-lumes em alternativa às homogêneas
luzes do espetáculo contemporâneo, uma vez que a origem de novos
enunciados, narrativas e agenciamentos são também os instantes de
encontro e afetos produzidos pelas imagens em fricção com o imagi-
nário naturalizado da cidade planejada, isto é, um possível caminho
para a compreensão histórica de nosso tempo, para além das con-
cepções dos vencedores difundida em forma de história oficial das
cidades.

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Escravidão no Triângulo
Mineiro: Utilização de L.A.R.P
na percepção dos jovens sobre
o século XIX

Ana Paula Gonçalves Gontijo de Oliveira64

RESUMO: Este artigo é a apresentação e análise de um jogo, desenvolvido


por mim, resultado de um projeto de extensão realizado no ano de 2014
cujo objetivo foi a análise e desenvolvimento de jogos para a sala de aula.
O jogo foi desenvolvido e aplicado para crianças a partir de quatorze anos.
Considerei, também, nas discussões, experiências em escoteirismo.

PALAVRAS-CHAVE: Jogo. Escoteirismo. L.A.R.P.

“A mente que se abre a uma nova ideia jamais


voltará ao seu tamanho original” (Albert Eins-
tein).

Descrevo neste capítulo a finalização de um trabalho iniciado


em 2013, que participei com o intuito de conhecer uma metodologia
diferenciada que associasse pesquisa e ensino a ser utilizada em sala
de aula. Esse trabalho teve o objetivo de testar alguns “tipos” de jogos
64 Graduanda do curso de História na Universidade Federal
de Uberlândia. Chefe voluntária no Grupo Escoteiro Triângulo, na
cidade de Uberlândia-MG.

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tais como tabuleiro, cartas, RPG e LARP entre alunos da Universi-
dade Federal de Uberlândia com o objetivo de desenvolvê-los, para
que, futuramente possam se utilizados em salas de aula.

Entre os vários tipos de jogos testados e desenvolvidos durante


o projeto o que eu mais me identifiquei foram os jogos de repre-
sentação, especificamente, o LARP, pois o jogo de representação de
personagens tem

elementos da performance ou do teatro e em alguns mo-


mentos se parece com uma dessas manifestações, mas o
LARP tem uma linguagem própria. A principal diferença é
que ele não é feito para ser visto... é para ser vivido. [...] A lin-
guagem do LARP aceita os mais diversos temas e assuntos,
desde Histórias fantásticas e de mistério até experiências ra-
dicalmente imersivas, pesadas e perturbadoras (FALCÃO,
2013, p.17-18).

Acredito que o ensino de História, assim como a escola de


modo geral, tem se modificado e passa a “enxergar” o aluno como
sujeito particularmente capaz de aprender e repreender o conheci-
mento por meio de diferentes meios, meios estes que saiam da tão
temida aula expositiva. Não repudio este tipo de aula, mas também
acredito que só este meio não é o caminho mais satisfatório para
a construção do conhecimento. Concordo com Durval Muniz (AL-
BUQUERQUE JÚNIOR, 2010, p.10-11) quando este diz que o pro-
fessor deve sair do modelo pré-estabelecido e fazer com que o aluno
goste de estar no ambiente escolar, que goste de estudar.

É por concordar, defender e acreditar em um ensino que de-


forme, assim como Muniz, que me interessei pelos jogos como fer-
ramenta de ensino-aprendizagem e, por ter tido a oportunidade de
aprender na prática que posso afirmar que o aluno pode aprender
perceber e compreender o fatos históricos, por exemplo, sobre a Re-
volução Francesa quando interpretar uma cena de conflito no palá-

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cio de Versalhes65 ou aprenderem, também, sobre a cultura oriental
ao interpretar uma cena sobre as escolhas feitas por um samurai no
império chinês.66

Dentro dos diversos temas que eu poderia explorar no campo


da História, escolhi trabalhar e desenvolver sobre a escravidão no
Triângulo Mineiro, pois este é um tema recorrente em meus estudos
de graduação, contudo, é a primeira vez que minha pesquisa tem
um foco na História Local e Regional. Embora a localidade seja um
aspecto novo no meu trabalho, entendo que é uma parte importante,
pois conhecer os impactos da escravidão na nossa região é essencial
para entender também a sociedade atual e compreender a diversi-
dade sociocultural a que estamos inseridos, principalmente quando
esta compreensão sobre a diversidade é importante para os alunos,
na escola ou em casa.

Em fim, este trabalho busca, utilizando como do ponto de iní-


cio e referência o professor/historiador e a implementação de fer-
ramentas alternativas no exercício da docência para refletir sobre a
utilização de jogos na sala de aula, para que esta aula torne-se mais
dinâmica e atrativa aos olhos dos alunos. Proponho fazer esta refle-
xão por meio de discussão sobre o tema citado a cima e utilizar tam-
bém, minha própria experiência como aluna, professora e jogadora.

Sobre as fontes e metodologia

Como trabalho final do projeto de desenvolvimento de jogos,


tive como missão a criação de um jogo para a sala de aula com um
65 O palácio de Versalhes é um castelo localizado na cidade de
Versalhes, em Paris. Construído por Luís XIV, foi o centro do Antigo
regime Absolutista Frances entre os anos de 1682 e 1789.
66 Estes jogos foram testados por mim e pelos outros discentes
da universidade durante o curso de jogos.

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tema de livre escolha e para desenvolver o jogo utilizei, além da ex-
periência adquirida durante o curso, de fontes que me ajudaram a
compreender a questão do lúdico não apenas em sala de aula, mas
também no mundo que nos cerca. Além das leituras acadêmicas, me
debrucei também na experiência que tive como docente e também
experiências pessoais vivenciadas no movimento escoteiro o que
participo desde muito jovem e que tem como raiz de aprendizado o
lúdico, o jogo e o “aprender fazendo”.

O movimento escoteiro foi criado pelo inglês Robert Stepher-


son Smith Baden-Powell, ou simplesmente Baden-Powell, quando,
após servir por muitos anos no exército inglês e participar de várias
batalhas, entre elas o cerco de Mafeking67, voltou ao seu país e encon-
trou vários jovens utilizando em suas brincadeiras um livro que ele
havia escrito para ajudar aos exploradores militares com várias téc-
nicas mateiras, intitulado Aids To Scouting68. O interesse dos jovens
foi tanto que Baden-Powell decidiu realizar um acampamento com
21 jovens divididos em quatro patrulhas (equipes de aproximada-
mente 8 pessoas), em agosto de 1907 na ilha de Brownsea.

Além das técnicas de acampamento, Baden-Powell utilizou de


jogos e experiência ativa para ensinar aos jovens não apenas a acam-
par ou fazer os e amarras, mas também atividades que propunham
o desenvolvimento do caráter, do social, do afetivo e do espiritual e
para que estes valores fossem trabalhados, utilizava-se e utilizamos
até hoje jogos para que os jovens e por que não também os adultos
possam aprender de uma forma mais dinâmica e divertida.

Para conduzir minha pesquisa sobre o tema que escolhi para


desenvolver o jogo, utilizei de artigos sobre a escravidão na região,
67 Cidade economicamente estratégica, situada no sul da Áfri-
ca, alvo de várias disputas entre o império Britânico e colonos holan-
deses. Diz-se que Baden Powell defendeu o cerco apenas enganando
o inimigo até a chagada dos ingleses em 1900.
68 Tradução livre: Ajudas à explorações militares.

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principalmente sobre a questão da escravidão em Uberaba, a cidade
mais próxima de Uberlândia que vivenciou o esquema escravista. A
cidade de Uberlândia por ter sido criada já no século XX não de-
senvolveu o sistema escravista tão ativo quanto às outras cidades da
região como Uberaba, Campina Verde e Ituiutaba.

A escravidão no Triângulo Mineiro

Para que eu conseguisse desenvolver o meu trabalho final, ou


seja, desenvolver o jogo proposto pelo professor, tive que pesquisar
sobre a temática e a partir dela compreender o sistema escravista nas
Minas Gerais. A seguir deixo um panorama geral sobre o tema.

A partir da segunda metade do século dezesseis, começa-se a


trazer para a América os africanos para exploração da mão de obra
escrava. A escolha pelo africano para esta exploração se deu graças
a algumas vantagens: maior conhecimento em trabalhos artesanais,
maior resistência às epidemias e melhor conhecimento a cerca do
trabalho no campo. Outra vantagem que facilitou a escolha do afri-
cano como principal força de trabalho foi a questão econômica, já
que o tráfico negreiro era uma das atividades mais lucrativas da épo-
ca.

A partir de fim do século XVII, o sistema escravista brasilei-


ro passou a escorar-se em uma estreita articulação entre trá-
fico transatlântico de escravos bastante volumoso e número
constante de alforrias. Nessa equação, era possível aumentar
a intensidade do tráfico, com a introdução de grandes quan-
tidades de africanos escravizados, sem colocar em risco a
ordem social escravista (MARQUESE, 2006, p.109).

Os escravos eram trazidos para o Brasil são provenientes de


diversos locais da costa Oeste da África, passando por Cabo Verde,

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Congo, Quíloa e Zimbábue. Devido à descoberta de ouro na provín-
cia de Minas Gerais, no final do século dezessete- aproximadamente
1695, os escravos começaram a ser trazidos para região das minas.
Para o trabalho na mineração havia uma preferência pelo chamado
negro-mina (negro baixo e forte, vindo principalmente da região do
congo), baixo para melhor locomoção dentro das minas e forte, pois
o trabalho era árduo e bruto. A História do sistema escravista na
região onde agora conhecemos como Triângulo Mineiro69 começou
em meados de 1816 quando a região passou da jurisdição da pro-
víncia de Goiás e passou a pertencer à província de Minas Gerais de
acordo com o Alvará de Dom João VI de 04/04/1816.

A escravidão em Minas Gerais entrou em decadência junta-


mente com a mineração, no final do século XVIII, contudo, voltou a
crescer com a entrada em cena da agricultura e pecuária, no século
XIX. No ano de 1870, mesmo depois do fim do tráfico de escravos,
ainda havia 300 mil escravos em Minas.

Jogos em sala de aula

Existem hoje diversos acertos sobre a questão do processo de


ensino e aprendizado, dos quais tratam da relação professor/aluno
no que se refere à teoria e a prática em sala de aula. Entretanto, ainda
percebe-se um grande abismo entre esta teoria e a prática, o que nos
faz pensar e questionar a maneira mais correta de “repassar o conteú-
do”, fazendo do aluno parte integrante do processo de construção do
conhecimento e de transformar o espaço escolar em um local mais
69 O nome Triângulo Mineiro ficou reconhecido no ano de
1884, quando um médico francês, residente em Uberaba afirmou
que a região de junção dos rios que formavam o rio Paraná tinha
a forma de um triângulo. (Informação disponível em http://arqui-
vopublicouberaba.blogspot.com.br/2013/03/breve-trajetoria-de-u-
beraba-193-anos_5.html).

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de dinâmico, aberto ao diálogo, à duvida e a descoberta de um novo
mundo capaz de fazer com que este aluno se interesse pelo conteúdo.

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, em sua


introdução (2001, p. 107), os objetivos gerais do Ensino Fundamen-
tal determinam que os alunos, entre outras competências, sejam
capazes de: posicionar-se de maneira crítica, responsável e constru-
tiva nas diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como for-
ma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas; desenvolver
o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de confiança
em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de in-
ter-relação pessoal e de inserção social, para agir com perseverança
na busca de conhecimento e no exercício da cidadania; saber utilizar
diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para adqui-
rir e construir conhecimentos; questionar a realidade formulando-se
problemas e tratando de resolvê-los, utilizando para isso o pensa-
mento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade de análise críti-
ca, selecionando procedimentos e verificando sua adequação.

A proposta aqui é que o espaço escolar deixe de ser estático,


que o professor deixe de ser o detentor do conhecimento e o aluno,
um depósito de informação. Pois,

Numa sociedade onde a informação circula em abundância


através de várias centrais de distribuição de sentido, em que
a produção de subjetividades e de sujeitos em que a produ-
ção de identidades se vêem cada vez mais descentralizadas
da escola, em que as mídias, as tecnologias de informação,
a circulação eletrônica do saber, a própria diversidades das
possibilidades de experimentação e de aprendizados trazi-
das pela vida urbana, cada vez mais complexa e diversifica-
da, o espaço escolar foi, cada vez mais, um espaço desinves-
tido de significação, de desejo, de sedução para os alunos, e
mesmo, para professores muito desmotivados e quase sem-
pre encarando o ensino como uma mera obrigação, um tra-
balho assalariado como outro qualquer: alienado, tedioso,
repetitivo, massificado, pouco criativo, uma tarefa que dela

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se tenta livra o mais rápido possível (ALBUQUERQUE JÚ-
NIOR, 2010, p.6).

Cabe ao professor fazer com que isto não aconteça, cabe a este
o desenvolvimento de ferramentas capazes de fazer com que o aluno
se sinta bem antes, durante e depois da aula. Quando o assunto é a
aula de História, a receita é a mesma: personagens históricos, datas,
territórios, guerras e etc., aprendidos por meio de uma aula exposi-
tiva e “sem graça”. Uma metodologia lúdica pode ser uma opção em
contrapartida a isto já que este tipo de atividade não se contempla
o físico, mas que também desenvolve o campo cognitivo do aluno,
propiciando um ambiente agradável e interativo entre o educando e
o educador, aumentando a aceitação e os interesses entre ambas as
partes envolvidas. Um bom exemplo de uma metodologia lúdica são
jogos em sala de aula que trazem para este ambiente uma oportu-
nidade de contradizer o conteudismo presente no ambiente escolar
desde os primórdios desta instituição.

A palavra jogo adquiri vários significados conforme sua tra-


dução e nuance cultural. Para Huizinga, de uma forma geral o jogo

é uma atividade ou ocupação voluntária, exercida num certo


nível de tempo e espaço, segundo regras livremente consen-
tidas e absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si
mesmo, atividade acompanhada de um sentimento de ten-
são e alegria, e de uma consciência de ser que é diferente
daquela da vida cotidiana(HUIZINGA, 1999, p.33).

De acordo com o autor, a palavra jogo se aproxima muito da


palavra lúdico, um contempla o outro, contudo, o autor também ex-
plicita que o jogo pode extrapolar o lúdico, não que este deixe de
estar presente no contexto de um modo geral. No campo de Histó-
ria, o docente pode explorar os vários aspectos permitidos por esta
área, desenvolver um jogo em sala de aula possibilita à criança a agir
numa esfera cognitiva e desta forma, a criança aprende a abstrair

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a realidade adquirindo assim, um comportamento novo e interno.
Para Vigotsky (VIGOTSKY, 2007, p.112), “da mesma forma que uma
situação imaginária tem que conter regras de comportamento, todo
jogo com regras contém uma situação imaginária”. Neste sentido, o
jovem ao participar de um jogo une o prazer de estar jogando com o
conteúdo proposto pelo docente durante jogo.

quando se fala em História como distração, diversão, sedu-


ção e prazer, não se está, necessariamente, renunciando à
sua carga crítica, à capacidade que possui de aprofundar a
(auto) compreensão dos homens: diferentes artes também
produzem aquelas experiências (pintura, poesia, cinema,
teatro, etc.) e, simultaneamente, participam, quando o que-
rem, de radicais desmontagens de poderes – governos, valo-
res, grupo (SILVA, 2003, p.12).

Tendo em vista o acima disposto, cabe aqui a segui te pergunta:


será que a escola/ educação deve ser tratada de forma tão impessoal
e fria? E Foi concordando que, como futura professora de História,
preciso utilizar de meios mais interessantes para “chegar” ao aluno
e ao desenvolver meu trabalho final (desenvolvimento de um jogo
com temática sobre a escravidão no Triângulo Mineiro), me esforcei
para que o jogo que me propus a desenvolver fosse interessante a
professores, e, também aos alunos que irão jogá-lo.

Jogo: “É possível fugir?” – desenvolvimento

Utilizarei esta seção para apresentar o jogo que desenvolvi.


Além de uma ferramenta diferenciada na metodologia escolar, o
jogo também proporciona ao professor a oportunidade de trabalhar
a questão do mito, no meu caso, como trabalho a escravidão no Tri-
ângulo Mineiro, eu posso afirmar uma construção de um mito sobre
este tema. De acordo com Cambell,

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Em todo o mundo habitado, em todas as épocas e sob to-
das as circunstâncias, os mitos humanos têm florescido; da
mesma forma, esses mitos têm sido a viva inspiração de to-
dos os demais produtos possíveis das atividades do corpo
e da mente humanos. Não seria demais considerar o mito
a abertura secreta através da qual as inexauríveis energias
do cosmos penetram nas manifestações culturais humanas.
As religiões, filosofias, artes, formas sociais do homem pri-
mitivo e histórico, descobertas fundamentais da ciência e
da tecnologia e os próprios sonhos que nos povoam o sono
surgem do círculo básico e mágico do mito (CAMPBELL,
1949, p.5-6).

Como meu foco de trabalho não está presente de uma forma


tão especifica nos livros didáticos, ao jogar o aluno pode perceber a
escravidão na região de uma forma diferente e resignificar o conceito
e como este conceito foi estabelecido na nossa região. Com o titulo
“É possível fugir?”, acredito que o jogo desenvolvido por mim pode
fazer com que a criança perceba, com a ajuda do professor, o outro
lado da escravidão, um lado que não é tão mostrado nos livros e ou-
tros materiais didáticos disponibilizados nas escolas.

Enxergo o jogo como uma ferramenta que, ao fazer com que


o aluno saia do seu mundo comum, ao emergir em outro mundo e
participe, no caso da História, de um fato histórico tenha percepções
sobre o tema que o ajudarão no ambiente escolar. Vejam

Certa vez, durante o Ensino Médio, fiz uma prova de Geo-


grafia. Paralelamente, eu estava jogando uma aventura de
RPG ambientada no noroeste do Brasil, na qual os perso-
nagens precisavam negociar constantemente com os co-
merciantes das fronteiras. O Narrador oferecia diferentes
informações sobre países como Colômbia, Venezuela e Peru
durante as sessões. Assim, pude compreender a grande in-
fluência exercida pelo narcotráfico na região, bem como os
problemas decorrentes dessa ação. São informações que eu
jamais memorizaria para responder às questões da avalia-

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ção, mas que acabei aprendendo simplesmente por precisar
delas, pois a sobrevivência de minha personagem no jogo
dependia disso. Assim, foi muito simples obter uma nota
máxima naquela disciplina (SOARES, 201, p.10).

É este tipo de aprendizado que um jogo proporciona um


aprendizado não forçado, sem pressão, um aprendizado que o pró-
prio aluno apreendeu por si só e que não precisou decorar para uma
atividade avaliativa e é este tipo de construção do conhecimento que
me propus seguir.

Escolhi a categoria LARP como característica de meu jogo,


pois esta categoria de certa forma faz com que o aluno seja de fato
protagonista, é claro que existem as regras, contexto histórico e o
objetivo central do jogo, porém, a criança tem em mãos o desenrolar
da História. Acrescentei à categoria cartas de personagens, para que
as crianças tenham um norte durante o jogo. Nestas cartas coloquei
o tipo de personagem, suas características e alguns objetivos e metas
a serem cumpridos ao decorrer da atividade. Busquei trabalhar di-
ferentes perspectivas por meio dos vários personagens do jogo, um
exemplo é a carta personagem “escravo festeiro”, que traz ao jogo a
questão da cultura africana, as musicas, os jogos e as lutas caracterís-
ticas desta etnia.

Além dos objetivos específicos de cada personagem, existe


também um objetivo geral de cada equipe (no jogo existem duas
equipes: a de escravos e do senhor de escravos, esta composta pelo
senhor de escravos e capitães do mato) que é saber as coordenadas
do quilombo. No caso dos escravos o objetivo é saber a localização
para se libertarem e para o senhor de escravos, o objetivo descobrir
a localização para impedir uma fuga em massa e também, invadir o
quilombo para conseguir armas e mais escravos.

Durante o jogo o professor pode ser interpretado como um di-


retor de teatro, fazendo quando necessárias às devidas intervenções

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no decorrer do jogo, para que a atividade não fique estática ou muito
“animada”. Apesar de o professor ter o poder de fazer intervenções,
volto a dizer que é o aluno o protagonista na atividade.

Outra questão que pretendi abordar foi a questão do contexto


histórico, no manual do jogo existe uma sessão dedicada a explicar o
contexto. O jogo se passa em uma fazenda do Triângulo Mineiro, no
fim do século XIX, onde um escravo consegue fugir, contudo, antes
de fugir ele “deixa” algumas pistas para que os outros escravos consi-
gam fugir também. Cabe ao professor preparar tanto o espaço como
a esfera emocional antecipadamente para que o aluno possa expor
totalmente durante o jogo e assim desenvolver e construir um novo
conhecimento efetivo.

O jogo que desenvolvi teve como titulo “É possível fugir?”,


para que logo no inicio os alunos que vivenciarão o jogo possam
repensar a questão do dia-dia do escravo, que este escravo tinha uma
vida, uma família uma rede de convívio sociocultural que vai além
do trabalho na lavoura. Cabe ao professor, antes que o jogo comece
trazer o assunto para os alunos para que estes já iniciem o jogo com
a capacidade de repensar o termo.

Para se chegar ao objetivo geral do jogo, tanto a equipe de es-


cravos deve encontrar as pistas que foram espalhadas pela fazenda,
e nos momentos que acharem oportunos e sem deixar que o grupo
do senhor de escravo as encontrem. Neste momento, entra em cena
outro personagem chave que é o “escravo letrado” que é o único que
saberá decifrar o código das pistas. Utilizei de duas etapas para a
construção código, na primeira parte escrevi em cada pista um tex-
to subliminar que apresenta dicas, onde os participantes deverão ir
ao mapa disponibilizado pelo professor, um exemplo é este trecho
de uma das dicas “evite a estrada, vá pelas montanhas e matas. não
confiem em ninguém que não seja um irmão, mesmo os da igreja, des-
canse e beba água, mas não pare na primeira mata fechada apesar das
laranjas.”, se der tudo certo e os alunos compreenderem, eles saberão

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que o caminho para o quilombo passa pó entre as montanhas e por
dentro da mata, contudo, não passa pela mata que tenha uma plan-
tação de laranjas. A outra etapa que abrange as dicas é um código
“secreto”, para escrever este código utilizei uma fonte que transforma
as letras em símbolos, durante o jogo, o único personagem que con-
seguirá decifrar este código será o escravo-letrado, pois este receberá
no inicio da atividade uma carta que contém o que cada símbolo
abarca.

Para a montagem do cenário, utilizei-me de giz de quadro


para desenhar os espaços da fazenda (senzala, moinho, casa grande,
lavoura, etc.), utilizei também tinta guache verde para pintar o rosto
dos jovens que eram escravos e um chicote feito de cetim para o capi-
tão do mato. Este tipo de marcação pode ser feito com outros mate-
riais que estejam disponíveis no momento, contudo, a diferenciação
entre os personagens é importante para que os jovens não se confun-
dam no decorrer do jogo. Outro personagem importante para o jogo
é o primeiro escravo a fugir, o que de acordo com o enredo espalhou
as pistas pela fazenda, este personagem deve ser interpretado por
outro professor, pois este personagem tem apenas uma ação e não
participa por muito tempo do jogo.

No que abrange o espaço físico do jogo, concordo que “Não há


uma forma única de educação nem um único modelo de educação; a
escola não é o único lugar onde ela acontece e talvez não seja o me-
lhor... (Brandão, 2007, p.9)”, e por isso minha proposta é que o jogo
deverá ser aplicado em um parque ou um espaço amplo, com árvores
e bancos, pois este espaço facilita no cenário e ajuda na imersão do
aluno no contexto histórico, quanto ao tempo de aplicação, a pro-
posta é que o professor se programe para aplicar em duas horas au-
las, 1h40min, já pensando no deslocamento da escola para o parque,
a montagem do cenário e aplicação de um modo geral. Pensando
nestas características de aplicação, vejo que este jogo pode ser visto
como uma atividade especial durante o ano já que o jogo é demorado

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e demanda descolamento e um mínimo de preparação antecipada.

Jogo: “É possível fugir” – Aplicação

Após desenvolver o jogo, precisei testá-lo para fazer as devidas


correções e determinar o espaço, o tempo e as regras que abrange-
riam todo o processo. Escolhi para a aplicação do jogo um espaço de
educação não formal, mais especificamente um grupo de escoteiros
do parque do Sabiá70, por já desenvolverem um trabalho com jogos e
por ter a oportunidade de trabalhar com uma turma mista de jovens.
Os jovens que participaram da aplicação tinham idade entre 12 e 17
anos, minha escolha por uma turma mista se deu por uma necessi-
dade de trabalhar diferentes percepções em diferentes idades.

Antes de o jogo começar me apresentei aos escoteiros, disse


que estava participando de um projeto de extensão da universidade
e que tive de desenvolver um jogo sobre a escravidão na nossa região.
Após a apresentação explanei sobre o enredo, disse as regras e mos-
trei o cenário do jogo, depois de tirar as duvidas que tivessem sobre
os personagens permiti que o jogo começasse.

No decorrer do jogo acabei por fazer algumas intervenções,


pois em alguns momentos percebi que os meninos necessitavam de
orientação diante do contexto histórico. Um problema que identi-
fiquei foi com relação às pistas, por algum motivo o aluno-jogador
não conseguiu encontrar e se relacionar com o escravo-letrado, isso
acabou dificultando o objetivo de decifrá-las e descobrir no mapa
onde o quilombo se localizava; para resolver este impasse acabei por
entregar as pistas já decodificadas sem que ninguém percebesse e
isso fez com que o jogo se desenvolvesse melhor neste caso em es-
pecifico.
70 Escolhi o grupo de escoteiros do qual participo: Grupo de
Escoteiros: Triângulo 132º/MG.

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O jogo terminou (após aproximadamente uma hora) sem que
os escoteiros conseguissem concluir o objetivo e me apontar à loca-
lização do quilombo no mapa. Apesar de eles não terem conseguido
finalizar o jogo como proposto, percebi que todos os jovens ficaram
satisfeitos com o desenvolvimento do jogo diante de outra aborda-
gem diante da História local.

Jogo: “É possível fugir” – Impressões

Ao finalizar o jogo e ao perceber que eu teria que terminar a


atividade sem que tivessem chegado ao final, no caso, ao final que eu
tinha programado, senti uma pontada de frustração, pois os meni-
nos não alcançaram aquilo que defini como fim para jogo. Contudo,
ao decorrer do jogo percebi que muitos participantes jovens tinham
interagido no contexto do enredo. É pensando nisso, que classifiquei
o jogo como uma atividade de estímulo ao aprendizado, isto é, o pro-
fessor poderá utilizar esta atividade antes de introduzir a matéria,
podendo assim, fazer uma pesquisa diante do conhecimento do edu-
cando antes e depois do jogo, avaliando o processo de construção do
conhecimento por meio de debates depois do jogo e também, pro-
porcionar aos alunos um debate após a matéria ser dada e comparar
as percepções antes e depois da atividade.

Apesar da não conclusão do jogo, muitas crianças vieram até


mim para me parabenizar e dizer que gostaram muito da atividade
e ainda me perguntaram se depois eu poderiam jogar novamente.
Estas ações me deixaram feliz, pois pude perceber que concluir o
jogo talvez não precise ser o objetivo final do professor, mas sim, fa-
zer com que o aluno vivencie a experiência. Neste ponto, repito que
o debate é importante tanto para o aluno quanto para o professor,
pois ao conversar com outros, o aluno acaba por perceber algo que
o outro vivenciou e ele não e assim trazer pra si mais conhecimento.

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Quando eu trouxe o debate para os escoteiros, percebi que as per-
cepções e dificuldades de cada um foi diferente, ao mesmo tempo
em que tive um escoteiro que relatou ter compreendido o tema mais
facilmente, tive também outro escoteiro que relatou ter sentido difi-
culdade em certos momentos. Estas questões podem ser percebidas
quando um escoteiro diz que

O jogo foi muito educativo, legal, pois ensina através de


brincadeiras. Tudo ocorria naquela época, ao mesmo tempo
mostra o dia-dia, o sofrimento dos escravos. (Relato do es-
coteiro71 Bruno Guilherme Vaz de Melo, 12 anos).

Ou quando diz que teve dificuldade em identificar e capturar


o líder da revolta.

O que me deu um pouco de trabalho foi identificar e cap-


turar o líder da revolta. Como eu era o “capitão do mato”
tive que ficar atento em todos os participantes do jogo, mas
o melhor foi entender como era difícil a fuga dos escravos
para o quilombo de outra perspectiva. (Relato do Sênior72
Danilo Cristian Feitosa dos Santos 16 anos).

Em ambos os relatos podemos perceber que o conhecimento


se deu de uma forma diferente. No caso do escoteiro Bruno, a cons-
trução do conhecimento se deu de uma maneira geral, a meu ver o
escoteiro deu mais atenção ao jogo como uma forma de relaxar mais
do que uma forma de aprender (não que um afete o outro, como dito
anteriormente, acredito que a aprendizado é mais eficaz quando o
aluno está feliz e se sente relaxado, contudo, neste acaso, talvez pela
idade, o conhecimento não foi tão especifico). Já no caso do sênior
Danilo, pude perceber que o conhecimento se deu de uma forma

71 No movimento escoteiro as crianças entre onze e quinze anos


participam do ramo escoteiro.
72 No movimento escoteiro as crianças entre quinze e dezoito
anos participam do ramo sênior.

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mais especifica, talvez por ter “entrado no personagem” e levado as
características e objetivos da carta personagem a risca.

Considerações finais

O que tentei neste artigo foi mostrar e demonstrar minha ex-


periência com os jogos em sala de aula, minha trajetória com este
nova metodologia de trabalho, um ferramenta esta que certamen-
te utilizarei quando me formar e tiver que trabalhar como docente.
Apresentar um processo extenso de pesquisa e trabalho em conjunto
com outros discentes da universidade, mas acima disto, apresentar a
finalização de um árduo trabalho de desenvolvimento de um jogo, de
testá-lo e compreender que ao e no final deste trabalho, demonstrar
o quanto me sinto orgulhosa com o fim deste trabalho e compreen-
der que o aluno ao emergir na cena histórica em sua condição de ser
humano se torna protagonista, realizando seus anseios dentro dos
limites impostos e determinados em seu tempo histórico singular,
superando problemas familiares e sociais, e, capaz de aprender, des-
de que a condição disponibilizada a este aluno seja de uma maneira
que o deixe feliz e interessado em querer aprender.

Em suma, acredito que o ato de pesquisar e de procurar res-


postas e o de questionar é imprescindível em sala de aula, pois a
pesquisa contribui de forma significativa na construção do conheci-
mento. Acredito também, que o jogo é uma ferramenta interessante
para o professor e principalmente para o aluno, que ao jogar relacio-
na o brincar a um novo conhecimento, através de uma compreensão
adquirida durante o jogo que o faz ter uma nova interpretação sobre
o que foi proposto pelo o professor.

Referências Bibliográficas

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lange Castro Afeche. 7ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2007.

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Acompanhamento Terapêutico:
caminhos possíveis a partir de
jogos e circulação na cidade

Daniela Aparecida Inácio Morais73


Denise Decarlos74

Resumo: Este capítulo objetiva relatar e discutir aspectos de caso de Acom-


panhamento Terapêutico (AT) junto a uma adolescente diagnosticada com
Síndrome de Asperger. Para discussão, empregaremos como metodologia
a utilização de jogos diversos, entre eles: RPG, LARP e outros, interligados
à pesquisa CAPES/FAPEMIG (APQ-03413-12 – INHIS/UFU – CAPES/
FAPEMIG)

Palavras-Chaves: Acompanhamento Terapêutico, Síndrome de Asperger,


jogos.

Esse texto tem por objetivo relatar e discutir, através de um


recorte, o caso de acompanhamento terapêutico (AT)75 junto a uma
adolescente diagnosticada com Síndrome de Asperger, iniciado no
73 Psicóloga, psicoterapeuta, acompanhante terapêutica e psi-
codramatista em formação.
74 Especialista em psicologia clínica e institucional, psicóloga,
acompanhante terapêutica (membro fundadora da Trilhas – Equipe
de acompanhantes terapêuticas de Uberlândia).
75 A sigla (AT) em lestas maiúsculas refere-se à clínica do
Acompanhamento Terapêutico.

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ano de 2013 e que ocorre até hoje. A paciente foi encaminhada pelo
setor de psicologia da Universidade Federal de Uberlândia para a
clínica Trilhas de Acompanhamento Terapêutico, visto que a equipe
que fez o acolhimento da referida paciente identificou que ela se be-
neficiaria com esta modalidade clínica frente às dificuldades relacio-
nais apresentadas. Sendo assim, a equipe de supervisão encaminhou
o contato da paciente para que eu desse início ao processo de Acom-
panhamento Terapêutico.

Penso ser necessário ressaltar que fiquei inquieta quando re-


cebi o referido caso; não tinha conhecimento sobre síndrome de
Asperger e então uma questão se impôs: pesquiso ou não pesquiso
sobre o diagnóstico? Depois de muito refletir, escolhi no primeiro
momento não ter conhecimento prévio sobre a síndrome. O que não
significa que desprezasse o diagnóstico, e sim que naquele momento
o investimento na relação seria de maior proveito para entrar naque-
le sistema familiar e, a partir daí, tentar desvendar as complexidades
da trama e descobrir um caminho para o início do trabalho da dupla
acompanhante/acompanhado. Dagalrrondo (2008) ao discutir sobre
a importância do diagnóstico afirma “que não se pode compreender
ou explicar tudo que existe em um homem por meio de conceitos
psicopatológicos, pois sempre resta algo que transcende a psicopato-
logia e até mesmo a ciência, permanecendo no campo do mistério”.

Inicialmente fiz contato com a mãe da menina por telefone, e


marquei um encontro na casa da paciente que chamarei aqui de NL.
Conversei um pouco com a mãe sobre o que é e como acontecem
os atendimentos a partir do Acompanhamento Terapêutico. Nessa
conversa percebi que a mãe estava bem colada ao diagnóstico, não
percebia a filha paciente em seu discurso. Outra questão que me cha-
mou a atenção é que, em sua fala parecia não ter outros desejos que
não estivessem relacionados às dificuldades da filha. Deste modo en-
tão, ela funcionava como uma espécie de extensão da paciente já que
esta não tinha espaço para responder as questões que chegavam até

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ela, e quando a mãe não estava presente, a irmã a representava.

A partir dessa conversa inicial com a mãe, percebi que as in-


terações familiares tinham um padrão simbiótico, reforçado pelo
diagnóstico, que proporcionou ao sistema familiar um porto seguro.
Porém, bloqueou seu processo de espontaneidade, impedindo assim
o desenvolvimento saudável de alguns aspectos relacionais. Provo-
cando uma distorção no que diz respeito à percepção dos papéis des-
se grupo.

Após a conversa inicial com a mãe convidei NL para darmos


uma volta pelo bairro, ela ficou visivelmente confusa com o convi-
te, mas aceitou ir depois que sua mãe autorizou. Andamos pratica-
mente em silêncio até uma praça, nos sentamos e fui tentando saber
um pouco sobre a paciente, mas a conversa não fluía muito, pois ela
respondia de forma monossilábica. Apesar do padrão monossilábico
descobri que ela gostava de anime e aproveitei a deixa para sugerir
uma saída, e a convidei para ir a uma loja especializada neste tipo de
entretenimento na cidade. Ela respondeu que sua irmã iria adorar,
então falei para convidarmos sua irmã, assim foi feito, a partir daí a
irmã da paciente foi inserida nos atendimentos.

Naquele momento achei apropriado, entendi a inserção da


irmã como uma possibilidade de vinculação com a paciente. Pergun-
tei-me muitas vezes se eu não estava usando a irmã para me proteger
da relação com a acompanhada. Através da supervisão, fui deixando
essa ideia de lado e entendendo que era o formato possível naque-
le momento e que eu só estava seguindo um fluxo das relações ali
configuradas. O meu papel ali não era o de confrontar ou romper
com qualquer forma de interação, e sim possibilitar o contorno de
novas formas de interação criando, como sugerem Mauer e Resnizky
(2008), a possibilidade de que algo novo acontecesse a partir da mi-
nha presença. Começamos a sair em trio.

No início, o projeto era aprender a andar de ônibus e descobrir

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o que tinha na cidade que lhe despertasse interesse. Iniciamos o per-
curso pela loja de anime. É importante ressaltar que fiquei muito as-
sustada em uma de nossas primeiras saídas de ônibus pela expressão
de terror estampada no rosto da paciente, em razão do ônibus estar
lotado. Percebi que nesta situação que ela não tinha manejo e nem
eu. Para os próximos encontros propus que fizéssemos uma ativida-
de de colagem que consistia em cada uma procurar figuras variadas,
de seu anime preferido para personalizar um caderno, a paciente e
sua irmã toparam.

Essa atividade, que surgiu do susto que a at levou com a ex-


pressão de terror da paciente, acabou sendo uma intervenção, pois
este caminho possibilitou a aproximação da dupla, e construção do
vínculo entre acompanhado e acompanhante, que é fundamental
neste processo. Ironicamente, a colagem possibilitou ao sistema ir se
descolando, pois cada uma escolheu seu personagem favorito e desse
modo o universo da paciente começou a se evidenciar neste grupo.
Outro fator importante é que a mãe participou como observadora
desse projeto e teve oportunidade de ir diferenciando as filhas a par-
tir das escolhas das mesmas. Pude perceber que a minha interação
com as meninas, principalmente com NL, permitiu que a mãe reco-
nhecesse suas dificuldades na relação com a filha. Percebeu que não
suportava o silêncio e era impelida a responder no lugar da filha,
pois não sabia como a menino poderia ser interpretada pelos outros,
e assim, pudemos delinear novas perspectivas e modos de interação.

A atividade de colagem então funcionou como um jogo psi-


codramático, já que essa técnica, segundo Monteiro citado por Ra-
malho (2010), propõe ao sujeito expressar livremente as criações de
seu mundo interno possibilitando quebrar resistências. Assim, esta
experimentação permitiu ao grupo acessar sua capacidade espon-
tânea e criadora. Tendo como aquecimento a escolha dos persona-
gens e imagens que cada uma utilizaria, propiciando um novo olhar,
como se agora um começasse a ver o outro. Vimos que esta inter-

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venção provocou um acontecimento, apurando a percepção do pe-
queno grupo, proporcionando relações mais télicas. De acordo com
Silveira, ao citar Arendt: “o acontecimento interrompe os processos
automáticos e introduz a contingência, a novidade, a vontade de jogo
e experimentação”. (SILVEIRA, 2006, p. 52) Neste sentindo, Possa-
ni (2010) afirma “que tais acontecimentos fundam possibilidades e
constituem pessoas e comunicação, gerados numa relação que tem
como base a empatia”.

Quando percebi que a construção de um vínculo começava a


se delinear, propus que retomássemos o projeto de circulação pela ci-
dade. Registro que minha proposta foi aceita pela paciente e por sua
irmã, assim, iniciamos uma exploração da cidade a fim de descobrir
pontos de conexão com os gostos de NL. A partir de então, percorre-
mos ruas, avenidas, cafés, lanchonetes, praças, terminais de ônibus,
camelódromos, lojas de jogos, revistarias, sebos (livraria de artigos
usados), atividades culturais, shopping, sorveterias, entre outros.

Porém, a maior aventura parecia ser o percurso de ida e prin-


cipalmente a volta de ônibus para casa. Nesses veículos a paciente
respondia às questões que surgiam e eu interferia minimamente
nas situações. As pessoas tentavam se comunicar, NL por vezes res-
pondia, por vezes não. Nos trajetos, ela precisava se locomover para
que as pessoas transitassem no interior dos veículos, era solicitada a
apertar a campainha e a conviver com as peculiaridades existentes
em um transporte público. Possani (2010) afirma que:

O AT possibilita Acontecimentos não por mover-se fisica-


mente no espaço e visitar lugares concretos com o paciente.
O AT movimenta-se pelos diversos campos do Ser e pode
servir à criação de diversos espaços de vida do paciente. As-
sim, o principal recurso do AT é o movimento. Movimento
com início e fim, orientados pelo que se desenha, pelo que
se desvela no encontro e em todo percurso (tempo vivido)
num espaço em presença, acompanhado e testemunhado
pela expressão mútua nos corpos. Possibilidade de seguir a

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direção dos sentidos que estabelecem devir, ação que fun-
da possibilidade de ser, funda lugar e descortina horizontes.
(POSSANI, 2010, p. 67 e 68.)

Com o tempo, seu corpo em conjunto com as expressões de


seu rosto pareciam acomodados em meio ao burburinho e a pre-
sença dos demais passageiros.   Ela se percebeu e se descobriu en-
quanto mais uma pessoa naquele espaço que, a princípio, lhe parecia
confuso e impenetrável. As conquistas advindas das nossas andan-
ças começaram a ressoar em diversos aspectos da vida da paciente.
Durante o trânsito pela cidade fui percebendo que NL permitia-se
conquistar, cada vez mais, os espaços urbanos, descobrindo os gostos
e as náuseas do convívio com lugares, situações e atividades feitas em
conjunto com diversos sujeitos.

Quando NL não se dispunha a se aventurar fisicamente pelos


entremeios da cidade, nós concordávamos em jogar. Jogávamos uno,
jogos de detetive, forca, dominó. Nesses ambientes, outro movimen-
to se desvelava, a paciente se mostrava mais, como antes não ocor-
ria, e quando eu percebia que ela não queria jogar eu a estimulava
para que expressasse sua vontade verbalmente. No jogo da forca, por
exemplo, eu raramente conseguia adivinhar uma palavra, já que as
palavras escolhidas pela paciente estavam relacionadas ao mundo
oriental e sendo assim ela me ensinava o significado.

Por conta da relação com os jogos, passamos a uma nova fase


no acompanhamento, pois à medida que NL se apropriava das suas
vontades ficava evidente uma crise que se instalou no relacionamen-
to com a irmã. Elas estavam brigando muito, segundo o relato da
mãe, estavam inclusive se agredindo fisicamente.

Entendi a crise como um pedido de espaço. Sendo assim, acor-


dei com a mãe que, a partir de então, seríamos eu e a paciente. Rom-
pendo com o trio que antes configurávamos. Nesse sentido, como
acompanhante terapêutica percorri o caminho apontado por Palom-

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bini (2008), ou seja, “abrir-se para o novo, seguir fluxos alheios, dei-
xar-se afetar, suportar a ignorância.” No processo angustiei-me com
a forma de como se estabeleciam as relações, com o isolamento da
paciente principalmente no grupo escolar.

Em 2014, por razão de início no o ensino médio, NL mudou


de escola.  Em tal ocasião agi em conjunto com a mãe da atendida,
com a intenção de apoiá-la na transição para outra instituição e para
a nova etapa de estudos. Naquele momento percebi ser importante
que os colegas e professore de NL tivessem um conhecimento sobre
alguns aspectos relacionados ao diagnóstico para que entendessem
que seu modo de estar no mundo não era proposital e que ela pre-
cisava de ajuda para sair do isolamento. Nesse sentido, sugeri aos
educadores que pesquisassem sobre a síndrome de Asperger e que
abrissem rodas de conversas em suas salas de aula para que os co-
legas se inteirassem das dificuldades de interação e que auxiliassem
NL no processo de inclusão em sua própria turma. A escola acatou
a proposta e desenvolveu meios de interação com NL. Assim, au-
xiliada por uma colega, ela se sentiu participante de um grupo, no
interior da própria escola.

Por fim, deparar-me com minha própria ignorância possibili-


tou-nos acesso a um caminho de co-construção mediado pela rela-
ção acompanhante/acompanhada e também pelas supervisões que
se tornaram um espaço de continência importante para as angustias
que emergiram da relação. Neste sentido pudemos varias vezes refa-
zer caminhos, rever as trajetórias e ampliar nossos olhares que por
vezes eram capturados por dificuldades inerentes ao processo. Algo
típico do próprio Acompanhamento Terapêutico, a reformulação
de trajetórias ou, como diz Maurício Porto (2011), o caminho só se
constitui fazendo e refazendo.

Jogos Domésticos: O vínculo

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Como dito anteriormente, quando havia indisposição por
parte de NL em fazer saídas eu perguntava o que podíamos fazer,
como não obtinha respostas, eu sugeria que jogássemos e pedia para
ela escolher o jogo. A ideia de inserir os jogos apareceu quando está-
vamos sentadas na cozinha de sua casa e eu observei dois jogos sobre
a mesa, a saber: dominó e uno, o que facilitava a sua escolha, já que
parecia que ela tinha familiaridade com os mesmos. Perguntei-lhe
qual dos dois jogos ela queria jogar comigo, e ela escolheu o uno.
Como eu não sabia como funcionava, pedi a ela que me ensinasse.
Sendo assim, ela me explicou que o jogo consiste em livrar-se rapi-
damente das cartas, usando as cartas de ação contra os adversários e
quem ficar primeiro com uma só carta na mão precisava gritar “uno”.

Nessa primeira experiência com o jogo, apesar de me ensinar


bem, ela quase não fazia contato visual comigo e se mostrou bem
retraída. Com o passar do tempo ela conseguiu ir se soltando na re-
lação comigo e vez ou outra os nossos olhos se encontravam e ela já
não os desviava tanto. Sendo assim, fomos inserindo outros jogos,
como forca e dominó. Com o jogo da forca ela ia nos revelando seu
universo, pois ele permitia que NL escolhesse palavras e personagens
que habitavam seu mundo particular, dando-me a oportunidade de
conhecê-la melhor. Também possibilitou que fossemos nos conec-
tando com lugares da cidade onde ela se encontrava com essas pa-
lavras e imagens, permitindo que ela ficasse cada vez mais solta na
relação comigo e também com os lugares que gostava de frequentar.

Ao olhar esse processo sob a perspectiva psicodramática, per-


cebemos que estes jogos funcionaram como um aquecimento para a
liberação do processo de espontaneidade76. Isso permitiu a ampliação
do mundo de NL, promovendo também o fortalecimento do vínculo
entre acompanhada e acompanhante

76 A essa resposta do indivíduo a uma nova situação – e à nova


resposta a uma antiga situação – chamamos espontaneidade. (MO-
RENO 1997 pag 101).

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Neste sentido podemos pensar no jogo como um potente ob-
jeto intermediário que nos remete à ideia do “brincar” conceituada
por Winnicott77, pois abriu espaço para o desenvolvimento da rela-
ção e também levou à prática de novas experiências. Possibilitou e
facilitou o processo de aprendizagem no que diz respeito à aquisição
de novas habilidades sociais através do Acompanhamento Terapêu-
tico.

Expansividade social e afetiva

A partir do estabelecimento do vínculo que possibilitou a for-


mação da dupla, percebemos que podíamos dar mais um passo no
sentido de inserir novos jogos e pessoas em sua rede. Nesta ocasião
fiquei sabendo de um projeto sobre RPG78 aplicado à educação, na
Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Fiz contato com o coor-
denador e sua equipe sobre a possibilidade de fazermos um trabalho
com NL que envolvesse o jogo em questão. Sendo assim uma pes-
soa da equipe ficou responsável por nos acompanhar e iniciar NL no
jogo. Falei com NL sobre o projeto e ela se mostrou disposta a tentar.

Fomos à atividade programada na UFU. O bolsista responsá-


vel pela iniciação de NL no jogo nos recepcionou. Inicialmente NL
77 (...) Winnicott acreditava que através do brincar se poderia
aprender a experimentar e controlar a realidade dolorosa; a essência
do brincar e a liberdade (grifo meu)... Aquilo a que Winnicott está se
referindo aqui é à capacidade de estar livre o bastante para brincar,
isto é, ter a capacidade para espontaneidade (grifo meu). A noção de
jogo é, como Winnicott a usa, muito equivalente à criatividade a si
mesma. (MELO 1995 pág 61)
78 RPG ou roleplaying games são jogos de mesa derivados de
wargames (jogo de guerra de tabuleiro). Nos RPGs, cada jogador in-
terpreta um personagem, mas fazem isso sentados em torno de uma
mesa, declarando suas ações em voz alta. (FALCÃO, 2012)

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estava um pouco retraída, e a conversa entre os dois não fluía, de
modo que eu estava sempre interferindo na tentativa de traduzir NL
e seu mundo para o responsável que chamarei aqui de RC. Neste
momento RC pediu-me para que eu não interferisse e que o deixasse
conduzir a situação para que ele conseguisse uma interação satisfa-
tória com NL. Percebi que naquele momento fiquei um tanto quanto
capturada pelo modo de interação que estávamos tentando transfor-
mar e então me afastei.

Sem a minha interferência RC conseguiu uma conexão com


NL a partir de questões de múltipla escolha como eu havia sugerido,
só que substituindo a escrita por dados e cartas provocando assim
certo encantamento em NL. Desse modo, RC conseguiu identificar
alguns gostos e preferencias de NL para iniciá-la no mundo dos jo-
gos. É importante ressaltar que neste primeiro encontro RC convi-
dou NL para participar de um festival de jogos que aconteceria na
cidade no fim de semana subsequente ao encontro, sendo que NL
ficou entusiasmada para participar. Ela experimentou nesse campo
vários tipos de jogo tais como: Swordplay79, cardgame80, Larp81, arco
e flecha e vídeo game. Esclarecendo que no processo de aprendiza-
gem dos jogos eu quase não participei, salvo uns dois jogos de vídeo
79 Swordplay é o nome dado a vários tipos de atividades que
envolvem jogos e combates simulados com espadas de espuma.
(FALCÃO, 2012)
80 Um jogo de cartas colecionáveis, JCC (conhecidos pelas
siglas em Inglês TCG, Trading Card Games ou CCG, Collectibles
Card Games) são jogos de estratégia nos quais os participantes
criam baralhos de jogo personalizados combinando estrategicamen-
te suas cartas com os seus objetivos. https://pt.wikipedia.org/wiki/
Jogo_de_cartas_colecionáveis
81 Larp (Live Action Roleplaying) é um jogo de interpretar per-
sonagens em interface com a arte. Segundo Falcão (2012) aproxima-
-se das performances teatrais, porem com a diferença que ele não é
feito para ser visto e sim ser vivido. Ainda de acordo com esse autor o
larp é uma experiência imersiva, uma vivencia e um jogo relacional.

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game. NL foi quem entrou em relação direta com os participantes,
no que diz respeito aos jogos, ela que, auxiliada pelos participantes
do projeto marcava os encontros e o tipo de jogo que queria.

Evidenciamos especificamente o projeto dos jogos, em que


um processo de expansividade afetiva começou a ser construído. As
relações que NL precisou estabelecer neste percurso para que che-
gasse ao jogo propriamente dito, oportunizou a quebra de padrões
estereotipados no campo da inter-relação. Podemos afirmar que essa
expansão se ampliou também para a escola. Neste mesmo período,
NL conseguiu também criar novos pontos de conexão em sua rede
relacional, e a experiência propiciou que ela desenvolvesse o senti-
mento de pertencimento, importante no processo de construção de
identidade.

A partir da aceitação por parte de NL do projeto de jogos, fo-


mos nos engajando para dar início à aprendizagem do RPG, que era
o objetivo inicial do projeto. Fomos à casa de jogos para assistir uma
rodada de RPG, porém o jogo se atrasou muito. Enquanto esperá-
vamos algumas pessoas que chegavam, vinha em direção a NL para
cumprimentá-la, duas pessoas para conversarem, pois a conheceram
no festival de jogos. À medida que esperávamos, outros jogadores
tentaram uma conversa com ela, porém as conversas não tinha se-
guimento, visto que NL ficou no padrão monossilábico. Ainda assim
ela me pareceu bem à vontade observando as decisões sobre as per-
sonagens, uma vez que o atraso ocorreu porque eles haviam mudado
de nível e tinham que preencher as fichas dos personagens de acordo
com os novos poderes adquiridos.

Quando percebi que ela já estava incomodada perguntei se


queria ir embora, ao que respondeu de forma afirmativa. No carro
conversamos um pouco sobre o ocorrido e NL expressou insatisfa-
ção quanto à demora, pois estava com fome. Questionei-a sobre seu
desejo de voltar agora para participar do jogo e ela disse que foi legal
ir lá, mas não queria voltar para aprender a jogar, pois prefere os

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jogos de tabuleiro e vídeo game. Assim, encerramos o projeto dos
jogos. Entendemos que o projeto estimulou NL a iniciar o processo
de inserção em grupos de seu interesse. Ampliando sua capacidade
de abrir-se para novas relações, proporcionando também que viven-
ciasse o processo de escolha de forma menos angustiada, pois teve
a oportunidade de ir se apropriando dos seus gostos e preferências.

Através da integração nesses pequenos grupos, e também do


reposicionamento no grupo familiar, NL entrou em contato com o
fenômeno que podemos nomear de expansividade afetiva, cuja de-
finição resumida é a ampliação do número de sujeitos com que uma
pessoa consegue se relacionar. A expansividade afetiva, segundo
Garrido Martín (1996), “é uma qualidade do átomo social e diz res-
peito ao número de pessoas de indivíduos com que uma pessoa se
relaciona”. Ainda de acordo com esse autor “quanto maior o número
de pessoas que fazem parte da sociomatriz do sujeito, maior será sua
expansividade afetiva”.

A partir do recorte da trajetória pode-se evidenciar que nesse


caso específico o investimento na relação e na sustentação do vínculo
entre acompanhante e acompanhado, juntamente com as saídas pela
cidade e aliado aos jogos, possibilitou a ampliação de seu universo,
facilitando a conexão com seu entorno geográfico e social. Hoje NL
transita com mais segurança pelos espaços públicos e seu padrão de
comunicação já não é mais somente monossilábico, sua capacidade
expressiva também se ampliou de forma considerável.

Referências Bibliográficas

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mento Terapêutico (AT) e Saberes Psicológicos: Enfrentando a Histó-
ria. Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia. Belo Horizonte,
2008.

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ANTUNEZ, Andrés Eduardo Aguirre. Acompanhamento Terapêuti-
co: casos clínicos e teorias. Casa do Psicólogo. São Paulo, 2011.
COSTA, Ronaldo Pamplona da (Org.). Um homem à frente de seu
tempo: o psicodrama de Moreno no século XXI. Ágora. São Paulo,
2001.
DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos trans-
tornos mentais. Artmed. Campinas, 2008.
FALCÃO, Luiz. Live ActionRoleplaying: um guia prático para LARP.
Boi Voador. São Paulo, 2012.
KNAPPE, Pablo Población. Mais do que um jogo: Teoria e Prática do
jogo em psicoterapia. Ágora. São Paulo, 1998.
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MAUER, Susana Kuras de, RESNIZKY, Silvia. Acompanhantes Tera-
pêuticos: Atualização Teórico- Clínica. Letra viva. Buenos Aires, 2006
MELO, Julio de. O ser e o Viver. Artes Médicas. Porto Alegre, 1995.
MORENO, Jacob Levy. Psicodrama. São Paulo: Editora Cultrix, 1997.
PALOMBINI, Analice de Lima (et al). Acompanhamento Terapêutico
na Rede Pública: a clínica em movimento. Porto Alegre: Editora da
UFRGS, 2008.
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panhamento terapêutico: a clínica do Acontecimento. 2010. 108p.
Dissertação (Mestrado) – USP, São Paulo, 2011.
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Tese (Doutorado em Psicologia) – Instituto de Psicologia, Aracaju,
2010.
SILVEIRA, Ricardo Wagner Machado da. Amizade e Psicoterapia.
Tese de Doutorado em Psicologia Clínica. Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP), 2006.

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Relato de experiência do jogo
“Debate Governamental”

Giovanni Barbon de Oliveira82

RESUMO: O processo criativo aqui descrito neste capítulo mostra como


foi possível criar um jogo com o intuito de trazer o debate de visões políti-
cas para dentro da sala de aula, sem resultar em uma briga de partidos. Os
alunos têm contato com diferentes formas de governo, defendendo-os pe-
rante outras formas e diante do povo, tentando gerar uma solução para um
país destruído pela guerra. Os grupos funcionam segundo o sistema que
defendem e os juízes do jogo, são os mais interessados a população (mais
um dos grupos de alunos). Não deixando de lado a teoria sobre experiência
e educação de Thompson e guiando o jogo pela pirâmide de Maslow.

PALAVRAS-CHAVE: Jogo; Política; Debate; Experiência.

A educação é a arma mais poderosa que você


pode usar para mudar o mundo.

Nelson Mandela*

O jogo “Debate governamental” é um jogo de tabuleiro em


que se propõe colocar os alunos para discutirem propostas de re-
construção de um “Brasil” destruído por uma guerra. O povo agora
82 Graduando em História, bolsista, edital 009/2013 - progra-
ma institucional de bolsas de iniciação científica PIBIC/FAPEMIG/
UFU (2014-0052).

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tem de decidir qual sistema de governo entrará em vigor. As pecas no
tabuleiro representam os sistemas em debate, e o povo é quem decide
a cada rodada a melhor argumentação, fazendo as peças avançarem.
Vence aquele sistema que mantiver a sua peça à frente ao final de
todas as rodadas.

Justificativa: Como tudo começou

Inspirado como jogador de WAR (lançado no Brasil pela pri-


meira vez em 1972 pela Grow), em que cada participante começa
com alguns territórios no Mapa Mundi, e tem um objetivo de con-
quistar continentes, certo número de territórios ou destruir outro
jogador, conquistando todos os seus territórios. Como tenho maior
afinidade por jogos de tabuleiro, quis começar simplesmente apli-
cando WAR em sala, mas esbarrei em um primeiro problema que
me perseguiu durante muito tempo: a quantidade de alunos na sala.
Se eu conseguisse juntar os alunos em grupos de três por cor, eu ain-
da precisaria de dois tabuleiros em sala. Isso geraria outro problema
que é como dar conta de dois grupos de alunos e as experiências que
eles teriam separadamente e, consequentemente, juntar essas expe-
riências ao final. Sem contar que o jogo é muito demorado. Seriam
necessárias talvez semanas de aplicações. Como um graduando, e
não um professor contratado em determinada escola, isso se tornava
cada vez mais inviável.

Assim, surgiu um caminho alternativo: criar um novo jogo


nos mesmos moldes. O campo de batalha mudou, não mais o mun-
do, mas apenas a cidade de Uberlândia. Cidade mineira com aproxi-
madamente 650 mil habitantes que se situa a quase 600 quilômetros
a oeste da capital, Belo Horizonte. Dessa forma eu poderia juntar a
minha ideia relativa ao WAR com a temática regional e local envol-
vendo ainda mais os alunos e suas vivências, experiências prévias e

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impressões sobre a cidade no tema e conteúdo do jogo. Seria talvez
necessário criar uma estória que justificasse o jogo, um contexto só-
cio político para o porquê de Uberlândia estar em guerra e quem
eram os exércitos. No entanto, isso ficou em segundo plano, o foco
do jogo se manteve em dominar Uberlândia.

Colocando os bairros como territórios e deixando o mapa


maior que o WAR original, pensei que ao adicionar mais uma cor
ficaria mais fácil trabalhar com mais alunos. Mas isso não resolveu
o problema, só aumentou a duração do jogo. Tentei ainda mudar a
dinâmica de ataques: liberar os corredores (ruas e avenidas) da ci-
dade. Pensei em dar bônus aos territórios pelo seu valor econômico
atualmente. Várias ideias de como reorganizar o jogo foram surgin-
do, acreditando que poderia facilita-lo, mas eu só compliquei mais.
Cada vez mais eu enchia de regras o que deveria ser um jogo simples.

Continuar com a ideia do WAR e suas variações estava sendo


difícil. Então essa ideia começou a ser deixada de lado para começar
do zero de novo. Um novo jogo precisou ser organizado. Não mais
a ideia de um campo de batalha. Algo diferente. Surge então a ideia
de discutir política, já que estávamos em ano de eleição. E discussões
políticas não estão diretamente em livros didáticos. Mais do que isso,
mantendo ainda o tema regional e local, e a proximidade com os alu-
nos, o novo jogo seria também para o contexto uberlandense. A ideia
era discutir correntes políticas para o governo da cidade. Isso não
só voltou no primeiro problema, de conter todos os alunos no jogo,
como também dois outros. O primeiro era não fazer propaganda po-
lítica de partidos, pessoas ou qualquer outra coisa. Há a preocupação
de falar essas coisas para parentes ou descendentes de figuras famo-
sas da cidade. O segundo era como não tratar Uberlândia como uma
cidade isolada do mundo, ou pelo menos como se não houvesse um
governo acima dela que fosse necessário respeitar.

Mudei novamente o direcionamento. Não mais Uberlândia se-


ria o foco, mas o Brasil. A questão era de novo como colocar todos

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como participantes. Vem então a ideia de um debate, dividindo a
sala toda em grupos que discutiriam e defenderiam não mais visões
políticas, mas sistemas de governo. E mais, separando uma parte da
sala para serem juízes, e outra para ser o povo. Aqueles que se bene-
ficiariam diretamente da discussão enquanto todos brigam por esta-
rem certos! O problema era agora muito mais simples de se resolver:
como guiar as discussões! Esse ainda gerava outro: o tabuleiro.

O tabuleiro indicaria como era a competição. A primeira ideia


era fazer um corredor pra cada equipe e as fazer avançarem parale-
lamente, ou seja, cada equipe que vencesse uma discussão andaria
uma casa, venceria a que fosse mais longe. Depois veio a ideia de que
elas andariam juntas (o que não fez sentido) até que finalmente, sur-
ge a ideia de que as carteiras seriam o tabuleiro e elas andariam nelas
conforme a colocação nos debates, quanto melhor a argumentação,
mais casas se anda e não mais somente uma casa para o vencedor da
rodada. Os temas foram assim então definidos: Anarquismo, Demo-
cracia, Monarquia constitucional, Monarquia absolutista e Ditadura.

São temas que os alunos estudam. Poderiam ter uma aula expo-
sitiva antes do jogo para que soubessem como funciona cada sistema
para jogar, e o jogo seria uma aplicação pratica do que aprenderam.
Relacionam-se aulas. Em sequência ao conteúdo, os alunos viveriam
uma experiência baseada em um conhecimento. Já no caso de eles
terem essa aula depois do jogo, ele se tornaria então um método de
ensino, fazendo os alunos buscarem suas experiências em debates
e outras situações que os encaixasse no grupo onde se colocaram.
Por exemplo, qualquer aluno já participou de uma situação onde ele
estava presente com colegas, amigos, ou família, sob moderação de
alguém, e é assim que funcionaria o grupo monárquico absolutis-
ta. Ou em situação onde todos precisavam decidir por consenso ou
votação: assim que funcionam os grupos anarquista e democrático
respectivamente. A experiência dos alunos não é deixada de fora em
nenhum dos casos. Em todos se segue a linha de educação e experi-

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ência de Thompson em “os Românticos”. (THOMPSON, 2002)

Para ele, a experiência prévia do aluno deve sempre ser levada


em consideração ao se pensar qual a importância para ele do que está
sendo ensinado. Assim o ensino se aproxima dele, gerando interesse
e uma maior aprendizagem. Com o jogo educativo a conversa é a
mesma. Ele não parte do zero. Já jogou outras coisas e já tem noções
do que se trata. Mesmo dos conceitos utilizados no jogo, ele já tem
uma noção do que será tratado, além de expectativas. O jogo tem de
redirecionar tudo isso para que o auno se relacione com o conteúdo
integralmente, se divertindo e aprendendo. Só um último detalhe fi-
cou para trás: quais seriam os temas discutidos?

A história que faz iniciar o jogo é a de que parti originalmente:


a de um país destruído precisando se reerguer. Isso nos fez pensar em
discutir as prioridades humanas, como resolver os problemas mais
básicos primeiro. E quem passou a guiar o jogo então foi a pirâmide
de Maslow83: (CHIAVENATO, 2000)

Ela trata de todas as necessidades humanas, das prioritárias às


83 C. f. https://pt.wikipedia.org/wiki/Hierarquia_de_necessi-
dades_de_Maslow, acesso 29/03/2016.

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que se tornam consequências das primeiras. Segundo ele, quando as
mais básicas são preenchidas, maiores vão se tornando suas aspira-
ções e desejos. Por exemplo: comer é tão necessário para sobreviver
quanto criatividade. Mas sem comer ou respirar, outras não existem.
A Moral seria importante sobre a sobrevivência se acabasse a comi-
da, mas ela surge para resolver os problemas sobre qualquer comida
encontrada, como no canibalismo. A discussão seria então, logica-
mente, primeiro sobre encontrar comida, assim também o jogo tra-
taria antes do que é mais importante, sendo que todos os tópicos
são necessários de serem discutidos, afim de que uma sociedade seja
construída.

O Desenvolvimento do Jogo

O professor divide a turma em seis. Um desses seis é o povo,


os outros cinco vão representar as cinco formas de governo já cita-
das. Ele então junta todas as carteiras no centro da sala e pede para
os alunos sentarem formando uma grande roda ao redor delas. Em
um ponto dessa roda estará o povo reunido. Os cinco grupos divi-
didos ficam dispostos no resto do circulo na seguinte sequência (da
esquerda para a direita do povo):

Anarquismo; Democracia; Monarquia Constitucional; e Ab-


solutista e a Ditadura.

O professor, neste caso, entrega uma carta com instruções bá-


sicas sobre o grupo e conta o contexto de destruição e reconstrução
da nação. Logo propõe o primeiro problema e determina um tempo
de aproximadamente cinco minutos para que eles tomem uma de-
cisão do que fazer. Findado o tempo, cada grupo apresenta sua pro-
posta e o povo debate com todas elas a fim de escolher a melhor. As-
sim que todas apresentarem seus argumentos, o povo decide as três
melhores argumentações em ordem (primeira, segunda e terceira)

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que vão andar no tabuleiro (respectivamente três, duas e uma casa).
Cada rodada é referente a uma linha da pirâmide e a cada rodada
sobe-se uma linha tratando os assuntos mais importantes primeiro.

Para apresentar as propostas ao povo todos os alunos do gru-


po participam da discussão, que funciona (dentro do grupo) como a
visão política do grupo propõe, ou seja:

• Para o grupo anarquista é necessário consenso, todos têm de opi-


nar.

• Para o grupo democrático tudo tem de ser votado.

• Para o monárquico constitucional é o parlamento quem discute,


mas o argumento não é apresentado sem aprovação do rei.

• O monárquico absolutista tem a presença do rei guiando a dis-


cussão

• E no ditatorial cabe ao ditador decidir como vai funcionar, se ele


vai ouvir o povo, ou se vai fazer tudo sozinho.

Todos os grupos permitem que se troque o líder, com exceção


do anarquista, em que não pode haver nenhum, isso depende de que
o resto do grupo entre em acordo e se reorganize com um novo sem
sair de seu sistema. Se a sala for muito grande (50 alunos) ainda há
só 10 alunos por grupo, o que faz a discussão ser muito mais pró-
xima de todos os alunos envolvidos. O professor ainda acompanha
os grupos nos momentos de discussão e serve como mediador do
debate, sem que os diferentes grupos tenham diferentes jogos, como
nas ideias de início, mas uma parte do todo. Um jogo só, para que a
turma se envolva. Só depende de o professor saber conduzir o jogo
como um todo.

Aplicação: ok, jogo pronto, mas funciona?

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Então veio a primeira experiência de aplicação: Eu e o Rafael
Rocha (bolsista da pesquisa mencionada) partimos para o experi-
mento do jogo colocando-o em prática em uma sala de turma de
oitavo ano.

A aula foi realizada no quinto horário, dois depois do interva-


lo, em que eu passei conversando com alguns professores da escola,
muito sobre a própria escola. Iniciamos com a professora nos apre-
sentando à turma e assim nós reorganizamos a sala com todas as
carteiras no centro e as cadeiras na parede (em círculo). Dividimos
a turma, narrei a história inicial, nomeei os grupos, e entreguei uma
carta com as informações prévias. Porém, logo veio o primeiro pro-
blema a ser resolvido: como um país/território sem estrutura pode
se reconstruir? Poderia ao menos alimentar o povo que está faminto?

Durante os cinco minutos de discussão os grupos decidiram o


que fazer e apresentaram propostas que demonstravam muito bem
a qual grupo pertenciam. O grupo anarquista propôs cooperativas,
sem muita divisão do trabalho e visando a rápida solução pra fome.
Eles ainda não deixaram de pensar no reaproveitamento do que era
produzido. Em suas discussões entenderam a ideia do consenso e
conversaram bastante antes de apresentar o argumento (foram os
primeiros), discutindo até sobre quem iria apresentar. E para manter
a linha de pensamento do grupo, os obrigamos a revezarem os apre-
sentadores.

O grupo democrático foi o que teve maiores dificuldades. Eles


não tinham ideias muito definidas sobre seus interesses, a ponto de
discutirem demais, não chegarem a propostas válidas e ainda esque-
cerem que era necessário votar aquela que seria apresentada.

O grupo monárquico constitucional se apegou a ideia de dei-


xar o rei como figura politica e não totalmente participativo, de ma-
neira que escolheram um dos alunos do grupo para ser o rei, e ele
por ser um aluno tímido, acabou não participando efetivamente do

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processo todo e permanecendo quieto enquanto o grupo discutia as
questões a serem apresentadas. Eu e o Rafael não conseguimos per-
ceber se o grupo de fato o deixou de lado no processo ou se foi ape-
nas uma característica pessoal dele. Sempre eram os outros alunos
que decidiam quem fariam as apresentações e ele não participou de
nenhuma delas.

O grupo monárquico absolutista ficou sob o comando de uma


aluna que assumiu a posição de rainha e segurou firme, controlou
as discussões, e aparentemente sem abuso de poder, ela se tornou
responsável por praticamente tudo do grupo. Esse grupo parecia (a
mim) o mais “bem cuidado”. Eles pareciam organizados e acompa-
nhavam o jogo.

Diferentemente do grupo ditatorial, que quis usar o pouco


de verba que tinha para voltar à guerra e tentar conseguir recursos.
Meio óbvio uma ditadura ir para a guerra não? O ditador do grupo
ficou um pouco perdido no começo, mas passou a ouvir os seus co-
legas, ele o fez cuidando do grupo firmemente assim como um Di-
tador dá ao povo a noção de liberdade, mas escolhe por eles. O jogo
não exclui a possibilidade de revolta “popular” dentro do grupo, para
a troca de líder ou ditador. No caso, não foi necessário em nenhum
dos grupos.

O melhor de todos os grupos foi o grupo do povo. Eles agiram


totalmente coerentes enquanto povo. Afinal, o jogo é para encontrar
o melhor sistema para eles. Eles não ficaram como alunos quietos
ouvindo um discurso e dizendo “próximo”. Eles contra argumenta-
ram, reclamaram, tiraram dúvidas, fizeram a sua parte durante a ar-
gumentação dos outros grupos. O mais complicado é que havia um
número par de alunos, o que gerou empate em uma das rodadas,
obrigando-os a escolher um dos sistemas para saber qual o melhor
sistema da rodada. Momento em que se gerou uma tensão entre os
alunos que esperavam uma resposta: isso demonstra que o principal
dos problemas de todos os jogos que foram pensados estava resolvi-

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do: o interesse dos alunos e suas respectivas participações, durante
todo o tempo.

Devido ao tempo que as equipes tiveram para discutir os pro-


blemas, argumentar, responder as dúvidas do povo e ainda espera-
rem o povo se decidir, não foi possível fazer mais do que duas ro-
dadas em uma aula. Isso mostra que o jogo ficou um tanto longo,
mas que seria possível fazê-lo em duas aulas, o que não atrapalharia
tanto o calendário de um professor qualquer. Mas que também daria
a possibilidade de que ele durasse mais, e assim entrando em outros
assuntos/temas a serem discutidos além dos cinco mais básicos, que
guiam todo o jogo.

Considerações: Pós jogo

Ficou nítido o interesse e prazer dos alunos em jogar. Isso de-


monstra que aprenderam e se divertiram. Mesmo a professora ficou
surpresa com o alcance do jogo na turma dela. Eu pude ver que os
alunos queriam jogar. Era interessante. Pelo menos para a maior
parte dos alunos. Não vi em nenhum auno atitudes do tipo “Não
quero”, “Eu não gosto” ou coisas do tipo. Imagino que isso ocorreu
porque como eram grupos de seis ou sete alunos, eles todos estavam
próximos para participar da discussão interna antes de apresentar a
proposta para o povo, e também estavam atentos aos discursos dos
outros grupos para comparar e pensar em algo, bolar ideias, argu-
mentos, etc. Para mim o jogo conseguiu alcançar todos os alunos da
sala.

Para um primeiro teste, o jogo foi bem sucedido. Eu precisaria


de duas aulas para concluí-lo, o que ainda seria viável para qualquer
professor. Não acho que seriam necessárias alterações práticas. Tal-
vez nas fichas dos grupos, para que ficassem mais claras e objetivas
quanto ao jogo. Não posso deixar de citar a noção de história real de-

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monstrada por Maria do Pilar de Araújo Vieira, Maria do Rosário da
Cunha Peixoto e Yara Maria Aun Khoury, em seu livro “A pesquisa
em história”: “Todo conceito é histórico, constituído em determinado
momento do processo histórico, por homens reais, concretos com inte-
resses, valores também reais, concretos”.

A partir disso, os conceitos desenvolvidos no jogo são cons-


truídos pelos alunos, e se tornam reais, para eles como indivíduos, e
como turma. Eles modificam o processo, nunca duas aplicações do
mesmo jogo terão resultados e processos iguais, o que faz com que o
próprio processo os modifique, e assim, eles lidam com o conteúdo e
não só aprendem a matéria como o fazem interagindo com ela.

Talvez eles não conhecessem tais conceitos, mas ali, durante


o jogo, os vivenciaram, interagiram com eles, os conhecendo e re-
pensando como seriam em um dado contexto no jogo, mas isso não
impede que eles façam o mesmo processo em seu cotidiano. Para
eles, a história deve ser pensada em duplo sentido: a narração hu-
mana e a sua própria projeção. A experiência humana não muda no
passado, mas muda a nossa visão sobre ela. Assim os conceitos ori-
ginais não mudam, mas mudam-se as turmas, mudam-se os alunos e
consequentemente as experiências passadas por eles. Repito, nunca
duas turmas terão experiências iguais. Assim a cada vez que o jogo
for aplicado, novas experiências serão alcançadas e novos conceitos
serão formados a partir dos originais.

Um ponto importante abordado é de como o professor que


utilizar esse jogo por alguns anos vai lidar com tantas experiências
diferentes. Ele terá todas elas em seu modo de conduzir o jogo no-
vamente, e poderá então pensar como as turmas alcançaram os con-
ceitos propostos e como lidaram com eles e como eles mudaram a
cada ano de aplicação. Assim, o aluno pode aprender com a própria
experiência, fazendo com que lide cada vez “melhor” com os proble-
mas propostos pelo jogo e pelas turmas que o jogam. Ele poderia in-
clusive repensar o jogo: quem sabe não o poderia aplicar para outros

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conflitos históricos ou mesmo internos à nossa época?

Referências bibliográficas

CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Adminis-


tração; edição compacta; 2ª ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro:
Campus, 2000
THOMPSON, Edward. Os Românticos. A Inglaterra na era revolu-
cionária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002
VIEIRA, Maria do Pilar, PEIXOTO, Maria do Rosário, e KHOURY,
Yara Aun. A Pesquisa em História. São Paulo, Ática, 1989

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“Tudo pelo poder”: Uma
experiência em iniciação
científica

Jenyffer Stefany Pereira Martins84

Resumo: O texto apresenta experiência em pesquisa realizada na Universi-


dade Federal de Uberlândia (bolsa IC/EM – FAPEMIG), durante o período
em que eu cursava o 2º colegial, em 2014. O objetivo central é o de demos-
trar a organização de um jogo a partir de temáticas políticas contidas no
enredo da revista em quadrinho e no filme: “V de Vingança” (2005).

Palavras-chave: Ensino de História, Terrorismo, Democracia e Anarquis-


mo.

Meu interesse por História começou apenas no 9° ano, quando


tive aula com um professor que me agradava muito em classe, que
apresentava uma aula onde não havia muito conteúdo no quadro,
que era toda dialogada e bem explicada. No momento que ele falava
sobre conflitos militares, ficava envolvida e isso me chamava muita
atenção.

Por um certo tempo, meu interesse em História foi enfraque-


cendo, e apenas retornou 2°ano do ensino médio, com um professor
84 Aluna do Ensino Médio, bolsista de Iniciação Científica (En-
sino Médio), bolsa BOLSISTA IC/Ensino Médio - FAPEMIG/UFU,
2014.

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que saiu do uso tradicional do livro didático. No começo até que
achava as aulas do meu professor um pouco sem conteúdo, pois ele
trabalha muito com filmes, mas com o tempo, percebi que esse modo
de dar aula também chama a atenção de alguns alunos.

O professor optou em usar mais recursos de imagens, áudio


e vídeo do que o livro didático. Para mim o livro didático não faz
diferença em fazer uma boa aula, pois o conteúdo é muito básico e,
na minha concepção, não é suficiente (tanto que até perdi meu livro
e até hoje não me faz falta).

Uma boa aula de História, em minha opinião, são aquelas


como a que ocorre no 2° ano do ensino médio em minha atual tur-
ma, porque não são apenas trabalhados vídeos, mas também várias
brincadeiras e competições no decorrer do ano, nas quais realmente
foi ótimo participar.

As experiências boas que tive eram sempre relacionadas com


uma impressão que os professores tinham, de certa forma “acredita-
vam que eu podia chegar aonde queria” e isso me deixava mais con-
fiante ainda. Infelizmente o professor que me fez gostar de História
do 9° ano faleceu, porém recordo-me até os dias de hoje da aula que
ele dava.

No ensino médio, concorri a uma bolsa de para conhecer,


como estagiária, o instituto de História da Universidade Federal de
Uberlândia (UFU), que hoje frequento quatro vezes por semana, em
período vespertino das 14h às 16h.

No começo, estava ansiosa para assistir aulas na UFU com al-


guns alunos e ver debates sobre o assunto que seria dado. Não tinha
ideia no que realmente eu iria trabalhar lá dento.

Comecei a frequentar o meu estágio, e no primeiro dia já par-


ticipei de um jogo com meu orientador, fiquei um pouco confusa,
mas fui me acostumando e percebendo a concepção do que aquele

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processo seria. A minha experiência como estagiária, me ajudou a
concretizar que História era realmente o que queria fazer. No co-
meço não imaginava que o curso seria tão interessante, pensei que
seria como se fosse ir à escola, algo como uma rotina. Porém, depois
da experiência que tive com outros métodos para educar em sala de
aula, percebi que a área de História às vezes me deixa confusa em
muitos assuntos, pois a área pede muita pesquisa, mas vi que Histó-
ria é o meu ponto forte e meu desafio.

Também tive a oportunidade de ir ao 2° Simpósio Narrativa da


Imaginação, em que assisti às palestras dos professores de História
participantes da pesquisa sobre jogos narrativos, estes desenvolve-
ram e testaram jogos que me proporcionaram uma visão diferente
do que acreditava sobre jogos, principalmente em sala de aula.

No decorrer das palestras, o que mais me chamou atenção foi


como o jogo pode influenciar os alunos a buscarem mais pelo conte-
údo, tornando uma aula mais interessante em relação ao professor e
o aluno. Um relato à parte me deixou curiosa e impressionada, entre
os relatos, o de um professor que descreveu o caso de um aluno que
estava passando por dificuldades familiares, e pensou em se suicidar,
mas este menino era fascinado por jogos. Quando esse aluno per-
cebeu que seu professor de História estava elaborando um jogo que
seria aplicado na sala, se interessou, e expôs toda a sua problemática,
falando que queria morrer, mas o professor interveio de maneira sen-
sata, convidando o aluno a colaborar na criação do jogo de maneira
que este, percebendo que estava sendo útil, repensou sua trajetória
de vida. Assim, esse relato me fez crer na validade dos jogos como
desenvolvedores de pontes para interação de saberes e experiências,
entre professores e alunos.

1. Desenvolvimento da pesquisa

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Meu orientador pediu para que escolhesse um conteúdo que
eu estivesse estudando na escola e que fosse interessante para mim.
Sendo assim, escolhi a obra “V de Vingança”, pois o cenário do filme
me chamava atenção, e como o protagonista do filme era misterioso
em relação às suas atitudes frente às coisas que aconteciam no go-
verno.

Então começamos a trabalhar em cima da obra. Entre os as-


suntos que ocorriam tanto no filme quanto na HQ, escolhi três te-
máticas: anarquia, democracia e política. Com base nesses assuntos,
comecei a exercitar minha escrita fazendo pesquisas na internet e
com alguns artigos previamente selecionados pelo orientador, para
compreender com profundidade o que realmente significam estes
temas. Logo após cada produção textual meu orientador fazia as cor-
reções, propondo perguntas e levantando problemáticas e assim aca-
bava aprendendo cada vez mais.

Sobre anarquia, me orientei por um dizer da obra “V de vin-


gança”, onde o protagonista cita “[...] Anarquia... com ela aprendi
que não há sentido na justiça sem liberdade, ela não faz promessas
e nem deixa de cumpri-las [...]”. (MOORE, 1988, P.43). A obra tam-
bém debate a respeito da democracia, por meio de críticas do prota-
gonista para o governo totalitário que perdeu a conexão com a po-
pulação, expondo que “[...] Nossos governantes não ouvem a voz do
povo há gerações... ela é muito mais alta do que eles recordam [...]”.
(MOORE,1988, P.196). Em contraponto, o mesmo também critica
os cidadãos, expressando que a culpa da corrupção não seja apenas
do governo, “[...] Você indicou essas pessoas, você deu a elas o poder
para tomarem decisões em seu lugar [...]”.(MOORE, 1988, P.119.)

E acerca de política, agrego o pensamento de Aristóteles que


compreende a tarefa da política como um processo de investigar qual
a melhor forma de governo e instituições capazes de garantir a felici-
dade coletiva. Mas em “V de vingança”, o governo não trabalha para
a satisfação do povo, contudo trabalham para o seu próprio bem es-

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tar, e para que o seu governo seja visto como autoridade e como fato
que ninguém poderá abalar o governo do “Chanceler”.

Para compreender melhor um governo totalitário, entrevistei


um homem que participou da ditadura militar, viveu e sofreu por
meio de um governo opressor. O entrevistado, ex-professor da Uni-
versidade Federal de Uberlândia, tem uma citação que relaciona um
paralelo entre sua experiência e a obra “V de Vingança”.

“[...] sofri na carne repreensão naquele momento, fui várias


vezes preso, e vi várias pessoas que conheci serem presas, e
então havia uma política repreensiva, a imprensa era censu-
rada, isso em termos de liberdade individual”. [...].

Em seguida, com a entrevista e agregando as experiências que


tive em relação à obra V de vingança, relacionei similaridades entre
a obra e a entrevista. Para o entrevistado, ser preso naquela época era
algo comum, até mesmo ele pronuncia que via várias pessoas que
conheciam ser presas. E naquela época da Ditadura Militar, a liber-
dade individual não poderia de forma alguma ser expressa, pois tais
medidas causavam alto sofrimento em quem ousasse se representar
em termos de liberdade.

Com todos esses acontecimentos, pude ter um olhar amplo


quando se trata de uma política repreensiva. Pois ao ver o filme “V de
Vingança”, e conhecer sobre um governo Totalitário, pude entender
sobre liberdade de expressão, que naquele contexto não se conhecia,
e pude ter a lisonja de entrevistar uma pessoa que participou e sentiu
na pele, uma política repreensiva.

Posteriormente, durante o estágio meu orientador também


me mostrou e jogou comigo vários jogos, entre eles RPG, LARP, jo-
gos com cartas e tabuleiros. No começo quando comecei a praticar
esses jogos, acreditei que eram voltados apenas para diversão, e não
entendi nenhum desses jogos como parte válida da educação.

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Tive compreensão do que era RPG só depois que meu orienta-
dor me colocou para jogar, só para fazer um teste e fazer com que eu
aprendesse mais sobre o jogo. Foi uma experiência diferente do que
tinha costume de fazer, e que me identifiquei bastante por envolver
fantasia, que é um tema bastante prazeroso para mim.

Também não tinha ouvido falar de LARP, e quando tive a prá-


tica com meu orientador, foi também envolvente na minha concep-
ção. Pois apresenta um cenário como se fosse um teatro. Achei dife-
rente esse tipo de atividade como uma prática imersiva, que repetiria
sempre que tivesse oportunidade.

Os jogos trabalhados com cartas eu já havia jogado bastante,


como baralho e outros, porém quando iniciei meu estágio na UFU,
meu orientador me apresentou outra forma de jogos com cartas, um
jogo criado dentro do projeto, similar a um “dominó conceitual” que
debatia assuntos que estavam presentes em cada carta, onde cada
assunto tinha que ser ligado ao anterior, uma mobilidade com cartas
inédita em relação ao que já tinha praticado antes.

Diante disso comecei a ter mais conhecimento nos assuntos


a serem trabalhados na criação de meu jogo, relacionado com as te-
máticas de democracia, anarquia e política, para isso meu orienta-
dor disse que iríamos entrar em um processo de construção de um
jogo relacionado, orientado pela obra V de Vingança, porém eu não
consegui reformular essa ideia, não tinha nenhuma noção de como
seria construído. Devido a isso foi proposta uma sequência de expe-
riências práticas, com visitas a órgãos governamentais em diferentes
instâncias.

Assim, eu e meu orientador nos dirigimos até a prefeitura, lu-


gar em que não tinha ido até então. Um lugar onde existem secre-
tárias de acordo com a necessidade de cada setor público, e minhas
concepções sobre a prefeitura não eram como eu imaginava, afinal.
Um lugar em que tudo aparenta ser organizado e bem estruturado.

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Quando chegamos, fui orientada quanto às áreas de trabalho, de for-
ma que fui entendendo determinadas funções dentro da prefeitura.

Dentro da prefeitura, compreendi como são distribuídos de-


terminados poderes, em que cada um tem seus objetivos a serem
aprimorados. Em seguida fui à câmara dos vereadores, onde existem
gabinetes para cada vereador, que são seus escritórios de trabalho.
Cada vereador se organiza para trabalhar para determinada “área
do governo”, uns para saúde, outros para educação e outras diversas
áreas. Minha experiência mais próxima com a câmara, antes desta
visita, foi quando minha escola recebeu a doação de um tablet por
um vereador, para ser rifado. Antes eu não tinha um discernimento
certo como eram divididas as áreas.

Na semana seguinte, fui conhecer a reitoria da UFU, nem me


passava a ideia de que fosse como o “governo” da universidade. Tudo
que acontece na UFU passa pela reitoria, sendo que problemas e pro-
postas da universidade são tratados lá dentro. Com essas visitas, tive
uma percepção de como estruturas de poder são organizadas e estru-
turadas em diferentes formas de governo. Dentro da reitoria também
tive um aprendizado com um exercício de entrevistas com o objetivo
de perceber o funcionamento de uma pesquisa qualitativa, o funda-
mento de amostragem, tendências e fatores que podem influenciar
uma pesquisa.

1.1 – O jogo

Depois de vários processos internos, começamos, eu e o orien-


tador, a construir o cenário do jogo, uma cidade fictícia impressa em
um banner de 80x50cm, depois disso comecei a acreditar que daria
certo.

Então começamos dar nome às cartas e suas funções. Criei as


cartas, para intervir no jogo, que simula movimentos de uma revo-
lução iniciada pelos anarquistas, que invadem áreas públicas, para

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chegar ao ponto chave do jogo, que é o Parlamento, para explodi-lo e
encerrar o jogo. O objetivo do Governo (Parlamento) é impedir que
os anarquistas conquistem as áreas públicas no decorrer do jogo, por
meio de ações coercivas como prisão, sequestro, tortura, entre ou-
tras. Para representar essas ações usei cartas com níveis de ação, para
que quem utilizasse determinada carta com nível maior levaria van-
tagem, como por exemplo, a carta “manifestação” (nível 1) poderia
ser facilmente contida por um “policiamento” (nível 3), que pode ter
como resposta uma carta de “resistência” (nível 2), que aumentaria o
poder da manifestação.

Então quando o jogo estava pronto, as cartas imprimidas e


plastificas, o tabuleiro do jogo finalizado, e as regras já criadas, fo-
mos para a fase de teste, em que eu acreditei que não haveria erros.
O primeiro teste que fiz na UFU, foi até uma experiência divertida,
testamos com pessoas que estavam próximas da sala, e vimos que o
jogo estava falhando em determinados pontos, em que o governo
saiu com mais poder que imaginávamos. Então após esse teste, mu-
damos algumas regras que não estavam servindo, e tentamos equili-
brar mais o jogo.

No segundo teste, que também foi na UFU, jogamos com pes-


soas que faziam parte do projeto, e vimos que tinha uma carta, do
Governo Anárquico, que estava atrapalhando muito o Governo To-
talitário, então tiramos duas cartas, e acrescentamos regras que se-
riam necessárias no processo do jogo.

Já no terceiro teste, que foi apenas meu e do meu orientador,


o jogo já estava quase pronto e ocorreu equilibrado em ambos os
governos, as regras já estavam batendo corretamente com a estrutura
do jogo, e as chances de vencer jogando apenas com dois jogadores
eram bem menores, pois se o governo mandasse sequestrar, torturar
ou prender o anarquista, e o anarquista não tivesse carta de resposta
na rodada, ele seria preso e seria o fim do jogo, isso poderia aconte-
cer no início do jogo e acabaria com a diversão.

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O quarto teste foi feito na minha casa, e já que minha família
não estava entendendo a estrutura do jogo por falta de conhecimen-
to com jogos, convidei meu amigo, que estuda na mesma escola que
eu, e também trabalhou a obra V de Vingança, então já tinha um co-
nhecimento amplo sobre os assuntos. Jogando com ele foi divertido,
porque eu joguei como anarquista e normalmente eu gosto de jogar
como governante, pois tenho mais chance de vencer e sempre gosto
em qualquer jogo de ter um pouco a mais de poder.

Incrivelmente consegui ganhar o jogo como anarquista, sem


a carta principal para explodir o parlamento que já tinha usado em
uma rodada antes, porém só consegui ganhar por causa de uma carta
chamada bomba de gás, que serve para dispersar a população dimi-
nuindo o nível das manifestações (e policiamento), e eu tinha várias
cartas de bomba de gás, fiquei muito feliz, por ter montado uma es-
tratégia para conseguir explodir aquele Governo Totalitário.

O último teste que fiz, foi no 2° Festival Cultural de Jogos,


em que testei com minha amiga que também tem conhecimento da
obra, onde consegui vender também como Governante, e um profes-
sor meu que estava presente até sugeriu usar meu jogo ano que vem
na escola, porém ele não chegou a testar meu jogo, teve também ou-
tro professor de História que estava presente no evento, que gostou
muito da estrutura do meu jogo, e disse que quer muito poder um
dia jogá-lo, pois achou interessante a forma com que foi montado o
meu jogo.

Nomeei o jogo de “Tudo pelo Poder”, pois durante todo o pro-


cesso do jogo, ocorrem disputas sobre áreas da cidade, em uma luta
pelo poder diante do confronto entre o governo estabelecido e o mo-
vimento revolucionário.

2. Considerações finais

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Após todo o processo do jogo, pude explorar algumas con-
siderações relevantes sobre esta jornada. Reconheci que um “jogo”
trabalhado e avaliado em sala de aula com um intuito de ensinar,
atribui um conhecimento aliado com divertimento.

A avaliação do meu jogo trouxe essa boa concepção que antes


eu não tinha. Porém, eu não acredito que esta habilidade com jogos
em sala, deva ser utilizada como principal base, levando em conta
uma boa aula argumentativa em forma de debate, tendo como prin-
cipal referencial o conhecimento.

A minha experiência com “Tudo pelo Poder” e outros jogos


mudou meu olhar, mas não só o meu, de todos os meus amigos da
escola que experimentaram a experiência de jogar, levando em conta
que não é apenas um jogo motivador, mas um jogo que trabalha so-
bre revolução e luta pelos direitos dos cidadãos.

Eu acredito que uma aula de História com bastantes argumen-


tos e debates seja efetiva, uma aula praticamente completa para o
professor, entretanto para o aluno, esse modo de aula não seria o su-
ficiente para ter uma aula excelente e menos tediosa, por isso entram
os jogos de acordo com a matéria, para acabar com a tensão da aula.
Portanto, o jogo e o conteúdo de História tendem se conciliar para
estabelecerem uma aula “completa”.

Como mencionado, o professor de História da escola onde


estudo atualmente, teve a oportunidade de conhecer o meu jogo, e
disse-me que talvez ano que vem, pudesse usar meu jogo como base
para a Ditadura Militar.

Quando finalizamos esse processo de criação do jogo, de en-


trevistas, de vários modos de aprendizado em relação a isso, reco-
nheci que para criar um determinado tipo de jogo, com o intuito de
“ensinar”, precisa-se ter certa competência, propósito e determina-
ção sobre o que esta sendo criado, acredito nisso para estabelecer um

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jogo dentro da área de História, tendo como elemento condicional
certa persistência.

Antes de conhecer jogos educacionais, nem eu nem meus pro-


fessores atuais aprovaríamos o uso esse método como no presente,
entretanto agora que tenho uma visão ampla desse assunto, eu quero
incentivar essa tentativa em sala de aula para os meus professores,
motivando os alunos a criarem seus próprios jogos. Meu trabalho
com jogos foi essencial para minha perspectiva sobre os meio que
podem ocorrer para o ensino de História.

A comprovação, frente aos aspectos de jogos educacionais, de


que “Tudo Pelo Poder” seria incluído como educacional, começou
nos testes. Eu testei meu jogo 5 vezes, e nessas vezes reconheci que
quem estava jogando tinha uma percepção diferente do conteúdo
proposto, tanto dentro do governo como no grupo anarquista, ou
seja, que agia como tais procederiam, pois quem estava no governo
queria ordenar e roubar como tal, e quem estava jogando do lado do
grupo anárquico tinha uma percepção diferente, que queria lutar e
fazer revolução sempre. Todos os testes mostraram esse padrão.

Com todo esse processo, considero-me uma pessoa diferen-


te de quando entrei na UFU, pois tinha algumas dúvidas de acordo
com o que queria depois do ensino médio. Antes de tudo, quando
ainda tinha dúvidas sobre o que era mais importante para mim, e
o que deveria seguir, minhas dúvidas eram bastante confusas sobre
tal processo. Elas geravam em mim perguntas tais como: Será que
ser professora daria a melhor vida financeira para mim? Ou se teria
um futuro melhor para dar aos meus filhos? -Mas com o passar do
tempo eu pude reconhecer que o importante não é o valor que um
curso de História me daria, entretanto o conhecimento que geraria
em mim.

Hoje, percebo que as dúvidas só são tiradas e mudadas quando


você muda o jeito de pensar sobre o que é o conhecimento e o que

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é a vida, através de experiências vividas por conhecimentos e não
apenas por relações de pressão.

Referências Bibliográficas

MOORE, Alan (História) & LYOID, David (arte). V de Vingança. R.


J.: Panini. Comics, 2006.
V for Vendetta. Direção: McTEIGUE, James (Direção), E.U.A/Ale.:
Warner Bros. Productions Limited in association with Studio Babel-
sberg (as Fünfte Babelsberg Film GmbH), Duração: 132 min, 2005.

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Sumário

Apresentação

Parte I - Ensino de História e Jogos-Narrativos: Limites


e Possibilidades

Role Playing Game (RPG): Narrativas no ensino-aprendizagem


de História
Formas de narrativa: tipos e especificidades
RPG e ensino de História: potencialidades
O RPG e a produção de conhecimento histórico
Considerações finais
Referências Bibliográficas

Pesquisa-Jogos e o ensino de História


Referências Bibliográficas

Pesquisa e ensino em História: Jogos-narrativos e experiências


nos contextos sociais vividos
1.
2.
Referências Bibliográficas

Parte II - Pesquisa e Jogos-Narrativos: Experimentações


no Ensino Básico (Ensino Médio)

Role-Playing Games em uma aula de História: possibilidades e


reflexões
A escolha pelo RPG
Jogo didático para o ensino de história: guerra de secessão e a vida

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dos escravos sulistas
Considerações finais: possibilidades e reflexões
Referências Bibliográficas

Bunker-jogo: “Refugiados da Segunda Guerra Mundial”


Introdução
Aplicação e resultados do jogo
Considerações finais
Referências Bibliográficas
Anexo

Desafios da aplicação de RPG em sala de aula: o que podemos


aprender com uma experiência fracassada?
Introdução
O jogo
A experiência de aplicação em sala da aula: erros, acertos e pesares
Referências Bibliográficas

Parte III - Pesquisa e Jogos-Narrativos: Experimenta-


ções no Ensino Básico (Ensino Fundamental)

Código Cinquecento: o jogo educacional como possibilidade no


ensino de História
Referências Bibliográficas
Anexo

O uso do LARP no processo de aprendizagem em História: dando


novos significados aos jogos na educação
Introdução
Revisão da Literatura
Descrição do Objeto
Métodos
Análises

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Considerações Finais
Referências Bibliográficas

Relato de Experiências no Ensino de História: Jogos nas séries ini-


ciais
Referências Bibliográficas
Anexo 01
Anexo 02 Questionário Respondido de Entendimento e Resgate da
História
Anexo 03

O jogo da História – Experiência do Role Playing em sala de aula


Do jogo da Teoria
Os jogos
Jogo 01 – “Estamos todos mortos!” LARP – combinado com jogo de
cartas
Jogo 02 - “Todos contra o rei” - LARP – combinado com jogo de
cartas
Considerações finais
Referências Bibliográficas

Parte IV - Pesquisa e Jogos-Narrativos: formações e


contextualizações

Possibilidades historiográficas e experiências de intervenção ur-


bana: andarilhagens, jogos e brincadeiras
A experiência do Coletivo Mapa Xilográfico
Andarilhagens e Intervenções urbanas
Jogos de memória e brincadeiras nos tabuleiros de asfalto
Inferno celestial e céu infernal
Jogos de deriva
Instalações lúdicas
Banana por samba

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Banco de Ações ImobiHilárias
Reticências e (in)conclusões
Referências Bibliográficas

Escravidão no Triângulo Mineiro: Utilização de L.A.R.P na per-


cepção dos jovens sobre o século XIX
Sobre as fontes e metodologia
A escravidão no Triângulo Mineiro
Jogos em sala de aula
Jogo: “É possível fugir?” – desenvolvimento
Jogo: “É possível fugir” – Aplicação
Jogo: “É possível fugir” – Impressões
Considerações finais
Referências Bibliográficas

Acompanhamento Terapêutico: caminhos possíveis a partir de jo-


gos e circulação na cidade
Jogos Domésticos: O vínculo
Expansividade social e afetiva
Referências Bibliográficas

Relato de experiência do jogo “Debate Governamental”


Justificativa: Como tudo começou
O Desenvolvimento do Jogo
Aplicação: ok, jogo pronto, mas funciona?
Considerações: Pós jogo
Referências bibliográficas

“Tudo pelo poder”: Uma experiência em iniciação científica


1. Desenvolvimento da pesquisa
2. Considerações finais
Referências Bibliográficas

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