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Feminicídio e a violência contra mulher

no Brasil
O presente artigo traz um importante apanhado de informações sobre esse assunto,
ressalta ainda a Lei 11.340/2016, que em 07 de agosto de 2006, identificando um dos
melhores instrumentos legais já concebidos no tratamento dessa questão: a Lei
13.104/2015.

1.INTRODUÇÃO
O presente artigo que tem como tema Feminicídio e a Violência Contra Mulher no
Brasil, traz um importante apanhado de informações sobre esse assunto que atualmente
tem acorrido com muita frequência no Brasil. À violência contra a mulher não é um fato
novo. Pelo contrário, é tão antigo quanto àhumanidade. O que é novo, e muito recente, é
a preocupação com a superação dessa violênciacomo condição necessária para a
construção da nação humana.
E mais novo ainda é a judicialização do problema, entendendo a judicialização como a
criminalização da violência contraas mulheres, não só pela letra das normas ou leis, mas
também, e fundamentalmente, pela consolidação de estruturas específicas, mediante as
quais o aparelho policial e jurídico pode ser mobilizado para proteger as vítimas e punir
os agressores. A explosão da violência hoje parece ultrapassar qualquer forma de
entendimento humano. As pesquisas sobre violência contra a mulher e de gênero,
expressas nas relações interpessoais no espaço doméstico ou conjugal, iniciaram-sea
partir da década de 1980 graças à inspiração do movimento feminista que possibilitou a
visibilidade pública e política.
O Brasil não é o único país do mundo a contar com uma lei específica decombate à
violência doméstica. Alguns países também são precursores na aprovação de legislação
antiviolência domésticos como, por exemplo, Porto Rico,
no continente americano (1989); Ucrânia, na Europa (2001) e Malásia, na Ásia (1994).
Embora o Brasil não tenha integrado o time das primeiras regulações sobre o tema, o
Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM) – hoje ONU
Mulheres –, reconheceu a Lei11.340, inicialmente, em 07 de agosto de 2006, quando foi
sancionada a Lei Maria da Penha como um dos modelos mais avançados de legislação
para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Posteriormente, em 09 de março de 2015 seria sancionada a Lei 13.104/2015 Lei do
Feminicídio. O Feminicídio é definido como o homicídio da mulher em razão da sua
condição de gênero, envolvendo violência doméstica e familiar e menosprezo ou
discriminação à condição demulher, de acordo com o § 2º-A.Ao longo de quatro
décadas o conceito foi ganhando força entre ativistas, pesquisadoras e organismos
internacionais. Mas só recentemente o feminicídio passou a ser incorporado às
legislações de diversos países daAmérica Latina – inclusive do Brasil, com a sanção da
Lei nº 13.104/2015, que visa tirar essas raízes discriminatórias da invisibilidade e coibir
a impunidade. A lei também se propõe a ressaltar a responsabilidade do Estado que, por
ação ou omissão, é conivente com a persistência da violência contra as mulheres.
Dentro desse contexto, o estudo busca responder ao seguinte questionamento: A Lei do
Feminicídio pode ser entendida como um novo tipo penal brasileiro ou apenas como
uma norma penal simbólica?
Esse trabalho tem como objetivo geral analisar o feminicídio através das abordagens de
aspectos relacionados à violência contra as mulheres, conhecendo um dos melhores
instrumentos legais já concebidos no tratamento dessa questão: a Lei 13.104/2015.
Especificamente, objetiva diferenciar os homicídios de mulheres do conjunto de
homicídios que ocorrem no país; relatar uma breve síntese sobre a violência contra a
mulher como uma força social que estrutura as relações de poder entre os gêneros;
apresentar as principais ações relacionadas à Lei 11. 340/2006 (Lei Maria da Penha);
analisar a função simbólica do Código Penal brasileiro.
O estudo abordado está norteado por uma metodologia embasada em pesquisas
bibliográficas de caráter descritivo qualitativo, caracterizada a partir de subsídios
encontrados em livros, artigos, dissertações, teses, entre outros publicados nos bancos
de dados. A seguir, serão apresentados em tópicos e sub-tópicos os resultados desta
pesquisa.
2. O QUE É FEMINICÍDIO?
“Femicídio” ou “feminicídio” são expressões utilizadas para denominar as mortes
violentas de mulheres em razão de gênero, ou seja, que tenham sido motivadas por sua
“condição” de mulher. O conceito de “femicídio” foi utilizado pela primeira vez na
década de 1970, mas foi nos anos 2000 que seu emprego se disseminou no continente
latino-americano em consequência das mortes de mulheres o corridas no México, país
em que o conceito ganhou nova formulação e novas características com a designação de
“feminicídio”.
O assassinato de mulheres em contextos marcados pela desigualdade de gênero recebeu
uma designação própria: feminicídio. No Brasil, é também um crime hediondo desde
2015. Nomear e definir o problema é um passo importante, mas para coibir os
assassinatos femininos é fundamental conhecer suas característica e, assim, implementar
ações efetivas de prevenção.
A formulação do conceito de “femicídio” (femicide, em inglês) é atribuída a Diana
Russel, socióloga e feminista anglo-saxã, que o empregou pela primeira vez para definir
o “assassinato de mulheres nas mãos de homens por serem mulheres“ (PONCE, 2011,
p. 108). Nos anos seguintes, Russel e outras autoras teriam aprimorado o conceito que
se tornaria paradigmático para as discussões em torno das mortes de mulheres,
ressaltando os aspectos de ódio e desprezo que as caracterizam, através da expressão
“assassinato misógino de mulheres” (PONCE, 2011. p. 108). Com esse novo conceito,
Russel contestou a neutralidade presente na expressão “homicídio” que contribuiria para
manter invisível a realidade experimentada por mulheres que em todo o mundo são
assassinadas por homens pelo fato de serem mulheres.
Apesar de importante, dar um nome ao problema é apenas um primeiro passo para dar
visibilidade a um cenário grave e permanente. Para coibiros assassinatos de mulheres
com motivação de gênero é fundamental conhecer suas características. Construir no
âmbito da sociedade e do Estado a compreensão de que são mortes que acontecem como
desfecho de um histórico de violências. Para assim implementar ações efetivas de
prevenção. Contudo, o enfrentamento às raízes dessa violência extrema não está
nocentro do debate e das políticas públicas com a intensidade e profundidade
necessárias diante da gravidade do problema.
A Lei do Feminicidio (Lei 13.104/2015) aprovada em 09 de março de 2015 remete aos
assassinatos recorrentes de mulheres cuja especificidade, incontestavelmente, está
centrada nas relações de poder desiguais e hierárquicas entre homens e mulheres,
manifestas sobre o corpo pela condição hegemônica e estrutural da dominação
masculina, seja em relação ao desejo sexual, ao controle sobre o corpo, ou sobre a
autonomiae liberdade das mulheres (BANDEIRA, 2016; BLAY, 2007, 2013;
ROMERO,2014; SEGATO, 2014).
Para entender o que é o feminicídio é necessário compreender o que é a violência de
gênero, já que o crime de feminicídio é a expressão extrema, final e fatal das diversas
violências que atingem as mulheres em sociedades marcadas pela desigualdade de poder
entre os gêneros masculino e feminino e por construções históricas, culturais,
econômicas, políticas e sociais discriminatórias. Essas desigualdades e discriminações
manifestam-se de diversas formas, que vão do acesso desigual a oportunidades e
direitos até violências mais graves. É esse círculo que alimenta a perpetuação dos casos
de assassinatos de mulheres por parentes, parceiros ou ex que, motivados por um
sentimento de posse, não aceitam o término do relacionamento ou a autonomia da
mulher. Ou ainda as mortes associadas a crimes sexuais e aqueles em que a crueldade
revela o ódio ao feminino, entre outros casos.
Segundo a socióloga Eleonora Menicucci, professora titular de Saúde Coletiva da
Universidade Federal de São Paulo e ministra das Políticas para as Mulheres entre 2012
e 2015, feminicídio é um crime de ódio e seu conceito surgiu na década de 1970 para
reconhecer e dar visibilidade à morte violenta de mulheres resultante da discriminação,
opressão, desigualdade e violência sistemáticas. “Essa forma de assassinato não
constitui um evento isolado e nem repentino ou inesperado. Ao contrário: faz parte de
um processo contínuo de violências, cujas raízes misóginas caracterizam-se pelo uso de
violência extrema. Inclui uma vasta gama de abusos, desde verbais, físicos e sexuais,
como o estupro, e diversas formas de mutilação e de barbárie”, ressalta. A dimensão
política dessas mortes foi apresentada por Marcela Lagarde, antropóloga e feminista
mexicana, que argumentou sobre a importância de se discutir a responsabilidade do
Estado pela continuidade dessas mortes, principalmente por sua omissão na
investigação, identificação e responsabilização dos criminosos. Com o propósito de
abarcar a impunidade penal como característica dessas mortes, Lagarde (2004) elaborou
o conceito de feminicídio:
Há feminicídio quando o Estado não dá garantias para as mulheres e não cria condições
de segurança para suas vidas na comunidade, em suas casas, nos espaços de trabalho e
de lazer. Mais ainda quando as autoridades não realizam com eficiência suas funções.
Por isso o feminicídio é um crime de Estado (LAGARDE, 2004, p. 6).
Apesar do avanço representado por este componente da responsabilização do Estado, a
formulação de Lagarde continua a reconhecer o pertencimento da vítima ao sexo
feminino e o contexto social de desigualdade de gênero como sendo a principal
característica dessas mortes.
2.1 Feminicídio no Brasile a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006)
No Brasil, há doze anos, em 07 de agosto de 2006, era sancionada a Lei 11.340/2006,
conhecidacomo Lei Maria da Penha, visando incrementar e destacar o rigor das
punições para o crime de violência contra a mulher. A introdução do texto aprovado
constitui uma boa síntese da Lei:
Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos
termos do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos
Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de
Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências
(LEI MARIA DA PENHA art.226).
A lei deve seu nome a Maria da Penha Maia Fernandes. Quinze anos depois de quase ter
sido assassinada por seu ex-marido e de ter ficado paraplégica, Maria da Penha não
conseguiu ver o agressor processado e punido. A busca por justiça e a luta contra a
impunidade levou Maria da Penha a protocolar uma denúncia contra o Estado brasileiro
na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, alegando a tolerância estatal para
com o crime cometido pelo ex-marido.
No relatório, apresentado em 2001, a Comissão reconheceu a) a responsabilidade do
Brasil pela violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial de Maria da
Penha; e b) a violação, pelo Brasil, da Convenção de Belém do Pará. Ao final, as
recomendações da Comissão giraram emtorno da necessidade de proceder ao
julgamento do agressor com a maior celeridade possível e a reformas com vistas a
eliminar a tolerância estatal e o tratamento discriminatório com respeito à violência
doméstica contra mulheres no Brasil.
Entende a lei que existe feminicídio quando a agressão envolve violência doméstica e
familiar,ou quando evidencia menosprezo ou discriminação à condição de mulher,
caracteriza do crime por razões de condição do sexo feminino. Devido às limitações dos
dados atualmente disponíveis, entenderemos por feminicídio as agressões cometidas
contra uma pessoa do sexo feminino no âmbito familiar da vítima que, de forma
intencional, causam lesões ou agravos à saúde que levam a sua morte.
A Lei Maria da Penha teve o mérito de transferir para a esfera pública a questão da
violência doméstica e familiar contra a mulher, até pouco tempo considerada um
assunto de natureza privada, que somente dizia respeito ao casal ou à família. De fato,
em se tratando de violência doméstica, o senso comum recorria ao dito popular “em
briga de marido e mulher ninguém mete a colher” para justificar uma atitude de não
intervenção. Por causa dessa Lei 11.340/2006, mais mulheres passaram a denunciar as
próprias histórias de abusos sofridos, as quais provavelmente teriam um epílogo trágico
não fosse à coragem de expor a público as suas dores. Hoje, a violência doméstica e
familiar contra as mulheres é um assunto discutido abertamente pelas pessoas, nos seus
círculos íntimos e nas mídias sociais.
Mais recente ainda, faz uns poucos meses, em 09 de março de 2015 seria sancionada a
Lei13.104/2015, a Lei do Feminicídio, classificando-o como crime hediondo e com
agravantes quando acontece em situações específicas de vulnerabilidade (gravidez,
menor de idade, napresença de filhos, etc.). As definições dessa lei, embora
controversas e alvo de merecidas críticas por parte de diversos operadores da lei e dos
movimentos sociais, principalmente os de mulheres, deverá ser nosso ponto de partida
para a caracterização de letalidade intencional violenta por condição de sexo.
O Brasil compartilha as limitações quanto à informação pública, acessível e confiável
sobre o tema, principalmente na fase criminal e judiciária. Não é duvidoso que num
futuro próximo, poderemos contar com algumas informações estatísticas de inquéritos
policiais tipificados como feminicídios, em função da aprovação recente que tipifica
como crime hediondo os homicídios de mulheres por razões de sexo. Igualmente
positiva foi à capacidade da Lei Maria da Penha de evitar as mortes de inúmeras
mulheres por meio das Medidas Protetivas de Urgência, o que traduzimos por
efetividade. Os números de feminicídios ainda assustam e geram indignação, mas
certamente o cenário seria mais brutal se a leinão existisse.
2.1.1 Medidas Protetivas de Urgência da Lei 11.340/2006
Uma das formas de coibir a violência e proteger as vítimas asseguradas pela norma da
Lei Maria da Penha é a garantia das chamadas Medidas Protetivas de Urgências. Por se
tratar de medida de urgência a vítima pode solicitar a medida por meio da autoridade
policial ou do Ministério Público, que encaminhará o pedido ao juiz. A lei prevê que a
autoridade judicial deverá decidir o pedido (liminar) no prazo de 48 horas após o pedido
da vítima ou do Ministério Público.
Esse é um dos mecanismos criados pela lei para coibir e prevenir a violência doméstica
e familiar, assegurando que toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia,
orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goze dos direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana e tenha oportunidades e facilidades para viver
sem violência, com a preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento
moral, intelectual e social.
Pela lei, a violência doméstica e familiar contra a mulher é configurada como qualquer
ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual
ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Diante de um quadro como esse, as
medidas protetivas podem ser concedidas de imediato, independentemente de audiência
das partes e da manifestação do Ministério Público, ainda que o Ministério Público deva
ser prontamente comunicado.
A Lei Maria da Penha prevê dois tipos de medidas protetivas de urgência: as que
obrigam o agressor a não praticar determinadas condutas e as medidas que são
direcionadas à mulher e seus filhos, visando protegê-los. As medidas protetivas de
urgência que obrigam o agressor estão previstas no art. 22 da referida Lei:
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos
termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou
separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão
competente, nos termos da Lei n. 10.826 de 22 de dezembro de 2003;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite
mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de
comunicação;
c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e
psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de
atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
§ 1o As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na
legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o
exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.
§ 2o Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições
mencionadas no caput e incisos do art. 6o da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de
2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas
protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o
superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial,
sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.
§ 3o Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz
requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.
§ 4o Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e
nos §§ 5o e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL).
Já as medidas para auxiliar e amparar a vítima de violência estão previstas no art. 23 e
24, da Lei Maria da Penha:
Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de
proteção ou de atendimento;
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo
domicílio, após afastamento do agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a
bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV - determinar a separação de corpos.
Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de
propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes
medidas, entre outras:
I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e
locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos
materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.
Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos
incisos II e III deste artigo.
A vítima deve procurar uma delegacia – de preferência a Delegacia da Mulher – e
relatar a violência sofrida, que deverá ser registrada no boletim de ocorrência,
requerendo a concessão das medidas protetivas necessária ao caso. O delegado deverá
remeter esse pedido para o juiz, que por lei deverá apreciar o pedido em até 48 horas. A
vítima não precisa estar necessariamente acompanhada por advogado, apesar de
recomendado, uma vez que uma assistência jurídica adequada garantirá à ofendida que
as medidas sejam efetivamente concedidas. Também há a opção de se pedir tais
medidas diretamente ao juiz ou ao Ministério Público, através de uma petição, para que
sejam apreciadas antes do prazo de 48 horas, opção que pode ser adotada em casos de
uma maior urgência.
Dado seu uso em situações de urgência, as medidas protetivas devem ter caráter
autônomo, independendo da instauração de inquérito ou processo penal, já que a rapidez
na sua expedição é essencial para sua efetividade. Portanto, o juiz avalia a situação sem
ter de ouvir a outra parte, ou seja, de forma liminar. Somente após conceder as medidas
protetivas é que o agressor é comunicado, passando a estar obrigado desde sua
intimação.
É importante destacar que, se a vítima solicitar tais medidas, os agentes de segurança
pública e a justiça tem o dever de fazer a solicitação das mesmas ao sistema de justiça,
uma vez que ainda são recorrentes os casos em que o profissional considera que a
mulher "está exagerando" e não reconhece a gravidade da violência doméstica e
familiar, muitas vezes levando aos inúmeros casos de feminicídio, infelizmente, ainda
existentes no país.A Lei Maria da Penha prevê que após a denúncia, a mulher deve
necessariamente ser representada por advogado, o qual pode ser a própria Defensoria
Pública, a fim de que seus direitos e liberdades sejam respeitados.
2.2 Feminicídio e o Código Penal Brasileiro
Com a pressão crescente da sociedade civil, que vinha denunciando a omissão e a
responsabilidade do Estado na perpetuação do feminicídio,e com as organizações
internacionais reiterando recomendações para que os países adotassem ações contra os
homicídios de mulheres associados a razões de gênero, a partir dos anos 2000 diversos
países latino-americanos incluíram o feminicídio em suas legislações.
No Brasil, o crime de feminicídio foi definido legalmente desde que a Lei nº
13.104/2015 entrou em vigor, em 2015, e alterou o artigo 121 do Código Penal
(Decreto-Lei nº 2.848/1940) para incluir o tipo penal como circunstância qualificadora
do crime de homicídio. A Lei foi criada a partir de uma recomendação da Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher (CPMI-VCM), que
investigou a violência contra as mulheres nos Estados brasileiros entre março de 2012 e
julho de 2013. De acordo com os termos do Projeto de Lei que foi apresentado pelo
poder Legislativo do Brasil, no artigo 121 do Decreto-Lei nº. 2.848 de 07 de dezembro
de 1940, o Código penal brasileiro, passaria a vigorar com a seguinte redação do Art.
121:
§ 7º Denomina-se feminicídio à forma extrema de violência de gênero que resulta na
morte da mulher quando há uma ou mais das seguintes circunstâncias:
I – relação íntima de afeto ou parentesco, por afinidade ou consanguinidade, entre a
vítima e o agressor no presente ou no passado; II – prática de qualquer tipo de violência
sexual contra a vitima, antes ou após a morte;
III – mutilação ou desfiguração da vítima, antes ou após a morte:
Pena – reclusão de doze a trinta anos.
§ 8º A pena do feminicídio é aplicada sem prejuízo das sanções relativas aos demais
crimes a ele conexos. (BRASIL. SENADO FEDERAL. PROJETO DE LEI DO
SENADO DE N. 293, de 2013).
Inicialmente a proposta de lei formulada pela Comissão definia feminicídio como a
forma extrema de violência de gênero que resulta na morte da mulher, apontando como
circunstâncias possíveis a existência de relação íntima de afeto ou parentesco entre o
autor do crime e a vítima; aprática de qualquer tipo de violência sexual contra a vítima;
mutilação oudesfiguração da mulher, antes ou após a morte.
O texto, no entanto, sofreu alterações durante sua tramitação na Câmara dos Deputados
e no Senado e, no momento da aprovação no Congresso Nacional, diante da pressão de
parlamentares da bancada religiosa, apalavra „gênero‟ foi retirada da Lei. Mais do que
nunca, compreender as desigualdades que contribuem para que as mortes violentas
aconteçam continua sendo essencial para a correta aplicação da Lei e, principalmente,
para uma atuação preventiva.
Assim, segundo o Código Penal, feminicídio é “o assassinato de umamulher cometido
por razões da condição de sexo feminino”, isto é, quando o crime envolve: “violência
doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher”. A pena
prevista para o homicídio qualificado é de reclusão de 12 a 30 anos. Ao incluir o
feminicídio como circunstância qualificadora do homicídio, o crime foi adicionado ao
rol dos crimes hediondos (Lei nº 8.072/1990), como o estupro, o genocídio e
olatrocínio, entre outros.
Com a nova legislação, o feminicídio(Lei nº 13.104/2015), corresponde ao artigo 121,
§2º, inciso VI e se refere ao “crime praticado contra a mulher por razões da condição do
sexo feminino”, assim considerados atos praticados e foram reconhecidos ainda como
causas de aumento da pena em 1/3o cometimento dos crimes: “I - violência doméstica e
familiar e II - por menosprezo ou discriminação à condição de mulher” (inciso VI, §
2ºA). O novo tipo penal também prevê o aumento de pena de um terço até a metade, se
o crime for praticado: durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;
contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com
deficiência; na presença de descendente ou de ascendente da vítima.” (§ 7º, I, II e III).
Para além do agravo da pena, o aspecto mais importante da tipificação, segundo
especialistas, é chamar atenção para o fenômeno e promover uma compreensão mais
acurada sobre sua dimensão e características nas diferentes realidades vividas pelas
mulheres no Brasil, permitindo assim o aprimoramento das políticas públicas para coibi-
lo.
A preocupação em criar uma legislação específica no Brasil para punir e coibir o
feminicídio segue as recomendações de organizações internacionais, como a Comissão
sobre a Situação da Mulher (CSW) e o Comitê sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), ambos da ONU. A tipificação do
feminicídio tem sido reivindicada por movimentos de mulheres, ativistas e
pesquisadoras como um instrumento essencial para tirar o problema da invisibilidade e
apontara responsabilidade do Estado na permanência destas mortes.
A pena do feminicídio foi apontada por especialistas como uma importante ferramenta
para denunciar a violência sistêmica contra mulheres em relações conjugais, que muitas
vezes resultaem homicídios encarados como “crimes passionais” pela sociedade, pela
mídia e até mesmo pelo sistema de Justiça. A tipificação do crime de feminicídio vista a
alterar o Código Penal foi proposto pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre
Violência contra a Mulher:
O feminicídio é a instância última de controle da mulher pelo homem: o controle da
vida e da morte. Ele se expressa como afirmação irrestrita de posse, igualando a mulher
a um objeto, quando cometido por parceiro ou ex-parceiro; como subjugação da
intimidade e da sexualidade da mulher, por meio da violência sexual associada ao
assassinato; como destruição da identidade da mulher, pela mutilação ou desfiguração
de seu corpo; como aviltamento da dignidade da mulher, submetendo-a a tortura ou a
tratamento cruel ou degradante.(CPMI-VCM, RELATÓRIO FINAL, dez. 2013, p. 898)
Para compreender o feminicídio íntimo é preciso retomar os parâmetros estabelecidos
pela Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340) desde 2006: violência doméstica e familiar
contra a mulher é qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte,
lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, no âmbito
da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto,
independentemente de orientação sexual.
3. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BRASIL
No Brasil os homicídios de mulheres tornaram-se paradigmáticos da violência contra
elas e bandeira de luta dos movimentos de mulheres e feministas. As primeiras
denúncias voltaram-se contra a tolerância dos órgãos de justiça e da sociedade com
crimes que envolviam casais, nomeados como „crimes passionais‟ e cujos autores eram
absolvidos com base no reconhecimento da “legítima defesa da honra” (CORRÊA, 1981
e 1983).
Nos anos seguintes, e seguindo o movimento internacional, registrou-se significativa
mudança na conscientização da sociedade sobre a gravidade dessas situações com
crescente denúncia da violência contra as mulheres. Desde os anos 1980, e por pouco
mais de duas décadas, as iniciativas governamentais para combater a violência contra as
mulheres continuaram a se desenvolver de forma fragmentada e com baixa
institucionalidade, resultando em respostas pouco efetivas e eficazes para prevenir a
violência e proteger as mulheres. Segundo Pimentel, Pandjiardjian e Belloque (2006):
“O Brasil talvez seja um dos países da região latino-americana com o mais tradicional,
largo e profundo histórico de decisões jurisprudenciais que acolheram – e muitas vezes
ainda acolhem – a tese da legítima defesa da honra em crimes de homicídios e agressões
praticados contra mulheres por seus companheiros e ex-companheiros, ainda que não
haja expressa previsão na lei penal a esse respeito” (PIMENTEL, PANDJIARDJIAN E
BELLOQUE, 2006, p. 86).
Com a criação da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres da Presidência da
República, em 2003, pela primeira vez o país passou a ter uma Política Nacional de
Enfrentamento à Violência contra as Mulheres cujas ações pressupõem a abordagem
integral, inter setorial, multidisciplinar, transversal e capitalizada, desenvolvidas de
forma articulada e colaborativa entre os poderes da República e os entes federativos.
Entre as inovações que apresenta, a Lei Maria da Penha faz referência à Convenção de
Belém do Pará, ao nomear a violência doméstica e familiar contra a mulher como
“qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento
físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” (art. 5º); afirma que esta
violência “constitui uma das formas de violação dos direitos humanos” (art. 6º); e
amplia sua definição para contemplar a violência física, violência sexual, violência
psicológica, violência moral e violência patrimonial (art. 7º).
A abordagem integral prevista na lei – com ações para prevenir, responsabilizar,
proteger e promover direitos – reafirma que as mortes violentas são a expressão mais
grave da violência baseada no gênero e enfatiza que sua prevenção deve ser o objetivo
da boa aplicação da Lei Maria da Penha e de toda a política de enfrentamento à
violência contra as mulheres cuja implementação é responsabilidade dos governos
federal, do Distrito Federal, dos estados emunicípios. Apesar do avanço que essa
legislação representa para o país, sua aplicação tem ocorrido em contextos sociais e
políticos adversos, o que significa que ainda permanecem muitos obstáculos para o
acesso das mulheres à justiça.
Piovesan (2002) conceitua a violência contra a mulher como:
[...] qualquer conduta – ação ou omissão – de discriminação, agressão ou coerção,
ocasionado pelo simples fato de a vítima ser mulher, e que cause dano, morte,
constrangimento, limitação, sofrimento físico, sexual, moral, psicológico, social,
político ou econômico ou perda patrimonial. Essa violência pode acontecer tanto em
espaços públicos como privados(PIOVESAN, 2002, p. 214).
O uso da violência contra a mulher, e de gênero, visa controlar e dominaras mulheres,
pois, historicamente, as raízes do exercício de poder são desiguaisentre homens e
mulheres; e nesse sentido, a expressividade da violência masculina não se manifesta
frente ao que é visto como seu igual, ou a aquele que está nas mesmas condições de
existência e de valor. Situações contrárias estão postas quando se manifesta a condição
de desigualdade de gênero,sobrepondo-se a condição masculina, como se pode
exemplificar: o controle daparceira durante o sexo, a cobrança de sua disponibilidade
constante para si, situações de verdadeira „escravidão‟ pela exigência de atenção de ser
servido, cujo argumento gira em torno de: “se você me ama, você faz....me obedece.”
3.1 Conceito de Violência de Gênero
A violência é um comportamento deliberado e consciente, que pode provocar lesões
corporais ou mentais à vítima. É considerada violência de género aquela que é exercida
de um sexo sobre o sexo oposto. Em geral, o conceito refere-se à violência contra a
mulher, sendo que o sujeito passivo é uma pessoa do género feminino. Neste sentido,
também se aplicam as noções de violência machista, violência no seio do casal e
violência doméstica (designação mais usada).
Os casos de violência familiar ou de violência no lar raramente são denunciados por
uma questão de vergonha ou por receio. A violência de gênero constitui um padrão
específico de violência que se amplia e atualiza na proporção direta em que o poder
masculino é ameaçado. Podendo revestir-se de diversas formas, tanto físicas, como
psicológicas, económicas, sexuais ou de discriminação sócio cultural.
Embora a palavra gênero tenha sido retirada do texto da lei aprovado no Brasil, os
operadores do Direito entrevistado no Dossiê Feminicídio (InstitutoPatrícia Galvão,
2016) são unânimes em apontar que essa perspectiva é fundamental para a compreensão
das duas circunstâncias incluídas no Código Penal para qualificar o feminicídio – ou
seja, violência domésticae familiar, como define a Lei Maria da Penha, ou em outras
situações que revelam menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Esta forma de violência é considerada, nacional e internacionalmente, como uma das
mais graves violações do direito à vida, segurança, liberdade, dignidade e integridade
física e mental daquelas que são as suas vítimas, e, por conseqüência, um entrave ao
funcionamento de uma sociedade democrática, baseada no Estado de direito. Nela se
inscrevem um conjunto de crimes de que resultam vítimas que não só sofrem
diretamente os efeitos físicos e psicológicos da vitimação, como também suas
conseqüências sociais, materializadas na desorganização total ou parcial dos seus
projetos de vida.
Segundo Luiz Eduardo Soares (2005) a palavra violência possui múltiplos sentidos:
“Pode designar uma agressão física, um insulto, um gesto que humilha, um olhar que
desrespeita, um assassinato cometido com as próprias mãos, uma forma hostil de contar
uma historia despretensiosa, a indiferença ante o sofrimento alheio, a negligência com
os idosos, a decisão politica que produz consequências sociais nefastas (...) e a própria
natureza, quando transborda seus limites normais e provoca catástrofes.” (SOARES,
2005, p.245).
Para tanto, em um estudo psicanalítico sobre violência de gênero, Muszat (2006, p.
187), ressalta: ― “(..) a violência ditada pelas relações de gênero está a serviço da
manutenção de uma identidade masculina idealizada, é o resultado de seu desamparo
identitário”.
Como acentuado, as investidas da violência de gênero são produzidas em contextos e
espaços sociais relacionais, quer sejam interpessoais, quer sejam da ordem impessoal ou
em outros contextos que envolvem grandes coletivos, comunidades em situações de
guerras ou de conflitos. Em outras palavras, a centralidade das ações violentas contra as
mulheres (físicas, sexuais, psicológicas, patrimoniais ou morais) incide sobre a
alteridade do feminino na esfera doméstico-familiar, na esfera pública e de conflitos
nacionais e internacionais.
3.2 Dos crimes passionais aos feminicídios no Brasil
Os assassinatos são a expressão mais grave da violência contra as mulheres e alguns
desses crimes foram catalizadores das manifestações feministas no início dos anos 1980,
tornando-se posteriormente a principal bandeira de luta dos movimentos feministas e de
mulheres. (CORRÊA, 1981, 1983; BARSTED, 1994). As primeiras manifestações
públicas de denúncia da violência contra as mulheres no Brasil foram contra a
impunidade dos assassinos que, agindo motivados pelo desejo de controlar suas
(ex-)companheiras ou (ex-)esposas, acabaram sendo beneficiados pelo argumento da
“legítima defesa da honra”.
O argumento da “legítima defesa da honra” é exemplo da conivência social e da justiça
com esses crimes. Sua formulação e manejo por hábeis defensores contribuíram para
mobilizar em favor dos assassinos o sentimento conservador de proteção da família e do
casamento (CORRÊA, 1981, 1983; BARSTED, 1994).
A natureza passional atribuída ao comportamentoviolento operava para mostrar os
crimes como atos isolados na vida do acusado, em geral um homem de caráter ilibado e
portador dos melhores atributos na vida privada (como pai, marido, filho e outras
relações familiares) e na vida pública (como trabalhador, colega de trabalho etc.).
Consequentemente, o crime era tratado como de natureza íntima, episódico, encerrado
no espaço privado, sem representar um perigo para a ordem social, contornando, dessa
forma, as tentativas de criminalização e intervenção da justiça.
Embora todas as mortes violentas de mulheres possam ser enquadradas como
homicídios nos termos da legislação penal vigente, nem todos os homicídios cujas
vítimas são mulheres podem ter sido motivados por razões de gênero, isto é, nem todos
os homicídios de mulheres são feminicídios. A perspectiva de gênero aplicada à
investigação, processo e julgamento dessas mortes visa enfatizar que entre os aspectos
que diferenciam os feminicídios de outros homicídios cujas vítimas são homens ou
mesmo mulheres encontram-se o propósito de:
Refundar e perpetuar os padrões que culturalmente foram atribuídos ao significado de
ser mulher: subordinação, fragilidade, sensibilidade, delicadeza, feminilidade etc.[...]
Tais elementos culturais e seu sistema de crenças o levam a crer que tem suficiente
poder para determinar a vida e o corpo das mulheres, para castigá-las ou puni-las, e em
última instância, matá-las, para preservar ordens sociais de inferioridade e opressão
(MODELO DE PROTOCOLO, 2014, § 98, p. 39).
A motivação do agressor é central na prática desses crimes e deve ser levada em
consideração na investigação criminal, no processo judicial e no julgamento. Nesse
sentido, recomenda-se que:
[...] As consequências do crime devem ser buscadas não só no resultado da conduta, em
seu impacto na vida da vítima e na cena do crime, como também, na repercussão que o
tem para o agressor, em termos de ”recompensa” ou ”benefícios”, a fim de entender
porque se decide levar a cabo um femicídio (MODELO DE PROTOCOLO, 2014, § 99,
p. 39).
Além dos homicídios, recomenda-se que as diretrizessejam também aplicadas na
investigação de supostos suicídios, mortes aparentemente acidentais e outras mortes
cujas causas iniciais são consideradas indeterminadas, uma vez que os indícios de
violência podem ocultar as razões de gênero por trás de sua prática.
A opção pelo termo feminicídio reforça a responsabilidade da sociedade e do Estado no
cumprimento de suas obrigações na proteção das mulheres e na promoção de seus
direitos. Reforça também o objetivo de modificar a atuação do sistema de justiça
criminal calcada em estereótipos de gênero e na discriminação contra as mulheres, que
contribuem para ossentimentos sociais de impunidade e descrédito na justiça. Trata-se
de estratégia política para nomear e qualificar essas mortes como problema social
resultante da desigualdade estrutural entre homens e mulheres, rejeitando seu tratamento
como eventos isolados, ou crimes passionais inscritos na vida privada dos casais, ou
provocados por comportamentos patológicos.
3.3 Diretrizes Nacionais para investigar, processar e julgar as mortes violentas de
mulheres (feminicídios)
As Diretrizes Nacionais visam colaborar para o aprimoramento da investigação policial,
do processo judicial e do julgamento das mortes violentas de mulheres de modo a
evidenciar as razões de gênero como causas dessas mortes.
O objetivo é reconhecer que, em contextos e circunstâncias particulares, as
desigualdades de poder estruturantes das relações de gênero contribuem para aumentar a
vulnerabilidade e o risco que resultam nessas mortes e, a partir disso, aprimorar a
resposta do Estado, em conformidade com as obrigações nacionais e internacionais
assumidas pelo governo brasileiro.
A partir de março de 2015, a Lei 13.104/2015 alterou o Código Penal Brasileiro e
incluiu o feminicídio como uma das formas qualificadas do homicídio, assim
compreendida quando a morte de uma mulher decorre de violência doméstica e familiar
ou quando provocada por menosprezo ou discriminação da condição do sexo feminino.
As diretrizes formuladas nesse documento abrangem o tipo penal, sem, contudo, se
limitarem a ele, devendo ser aplicadas a investigação, processo e julgamento de todas as
mortes de mulheres com indícios de violência, orientando a busca de evidências sobre
as razões de gênero que motivaram o comportamento delitivo e resultaram na morte da
mulher.
As mulheres serão consideradas independentemente de classe social, raça ou cor, etnia,
orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade, religião, procedência
regional ou nacionalidade. São crimes de natureza tentada ou consumada, que tenham
sido praticados por pessoas com as quais as vítimas mantenham ou tenham mantido
vínculos de qualquer natureza (íntimas de afeto, familiar, amizade) ou qualquer forma
de relação comunitária ou profissional (relações de trabalho, nos espaços escolares, de
lazer etc.) ou por pessoas desconhecidas pela vítima.
O documento reconhece também que os crimes podem ser praticados por indivíduos ou
por grupos, sejam eles particulares ou agentes do Estado. “Em conformidade com a
Convenção de Belém do Pará, o Estado é considerado como responsável nos casos de
violência contra a mulher quer esta seja „perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus
agentes, onde quer que ocorra” (Artigo 2º, c).Para uma investigação eficaz das mortes
violentas de mulheres, estas Diretrizes devem ser aplicadas a todas as situações que
apresentem indícios de violência ou sugiram que esta possa ter ocorrido, incluindo os
casos de suicídios e mortes aparentemente acidentais. Aplicam-se tanto aos casos
recentes como àqueles que tenham ocorrido há algum tempo, por exemplo, após um
período em que a vítima tenha estado desaparecida. Conforme o Modelo de Protocolo:
A prudência exige que se aplique o Modelo de Protocolo frente ao mais mínimo indício
ou dúvida de que se possa estar diante de uma morte violenta. Sua aplicação não
impede, em caso algum, a investigação geral dos fatos; antes permite, pelo contrário,
identificar os fatos e associá-los a um eventual contexto feminicida (MODELO DE
PROTOCOLO, 2014, p. 18).
Este documento destina-se às instituições que atuam na apuração de responsabilidades
criminais: instituições de segurança pública – polícias civis polícias militares, órgãos de
perícias criminais e de medicina legal –, ministérios públicos, defensorias públicas e
poder judiciário. Em consonância com a Política Nacional de Enfrentamento à
Violência contra as Mulheres e a Lei Maria da Penha, as diretrizes também devem ser
observadas por agentes do corpo de bombeiros e da guarda metropolitana, sempre que
necessária sua intervenção no caso de morte tentada ou consumada de uma mulher.
Parte das diretrizes também se dirige aos serviços de saúde, aplicando-se àqueles que
realizam socorro imediato às vítimas ou que participam da cadeia de custódia para a
coleta de vestígios e evidências da violência física e sexual. A polícia federal também
deverá ser sensibilizada para o uso das diretrizes, considerando suas atribuições na
investigação de crimes decorrentes de tráfico internacional de pessoas e aqueles que
atingem as mulheres indígenas, por exemplo. A articulação entre a atuação da polícia
federal com as polícias civis e os órgãos do judiciário contribuirá de forma relevante
para o combate à violência contra as mulheres entre esses grupos específicos e deverá
ser incentivada na aplicação destas diretrizes.
Para fins dessas diretrizes para investigar, processar e julgar com perspectiva de gênero
as mortes violentas de mulheres, a expressão “feminicídio” será empregada com o
objetivo de diferenciar os homicídios de mulheres do conjunto de homicídios que
ocorrem no país, enfatizando as características associadas às razões de gênero.
4. CONCLUSÃO
A pesquisa em questão nos remete ao um assunto de suma importância que tem atingido
as mulheres de várias partes do nosso Brasil. Pode-se dizer que estamos testemunhando
situações de violências contra as mulheres e de gênero que são perpetradas por relações
persistentes indistintas de poder, que assumem aspectos tão extremos que não podem
ser vistas apenas a partir de uma razão instrumental, mas como uma forma assustadora
de exercício do poder (ir)racional.
Esse estudo constata uma tenaz resistência à interiorização das leis relativas aos direitos
das mulheres. Esse recurso impede quea criminalização da violência contra elas chegue
a todos os cantos do país efuncionem, igualmente, em todas as esferas, instâncias e
aparatos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Busca-se, ainda que no âmbito
dos poderes institucionalmente estabelecidos, esvazia-se o conceito amparado nas leis
Maria da Penha e do Feminicídio.
Visto que, o feminicídio é o desfecho de um histórico de violências, sendo considerada
uma morte evitável, ou seja, que não aconteceria se na conivência institucional e social
às discriminações e violências contra as mulheres que se perpetuam até o extremo da
letalidade. O Estado, por ação ou omissão, compactua com a perpetuação destas mortes.
Nesse cenário, emerge a importância de nomear essa ferocidade e chamar atenção para a
necessidade de conhecer sua dimensão e contextos de formamais acurada. Além de
desnaturalizar concepções e práticas enraizadas nasrelações pessoais e instituições que
corroboram a permanência da violênciafatal contra as mulheres em diferentes
realidades.
Conclui-se que, através dessa pesquisa os objetivos almejados foram claramente
atingidos, pois, para além do agravo das penas em relação à violência contra mulheres,
o aspecto mais importante da tipificação, segundo especialistas, é chamar atenção para o
fenômeno e promoveruma compreensão mais acurada sobre sua dimensão e
características nasdiferentes realidades vividas pelas mulheres, permitindo assim o
aprimoramento das políticas públicas com a preocupação em criar uma legislação
específica no Brasil para punir e coibir o feminicídio.

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