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1. Saber Local
O termo “Local” referido no contexto do saber local não se refere apenas ao espaço localizado
geograficamente, mas aos discursos educativos produzidos por pessoas de uma determinada
comunidade. Refere se aos discursos de pertença comunitária que desempenham uma função
na educação dos jovens da mesma comunidade. Local tem um carácter regional e caracteriza
os residentes de uma determinada comunidade, ou cultura situada no espaço. Desta forma, a
selecção de conteúdos pode, pois, incluir a matéria que não sendo meramente local do ponto
de vista geográfico, se afigura relevante a sua aprendizagem no contexto da comunidade.
O saber local dá-se dentro do universal e vice-versa é por isso que LYOTARD (1989:43),
relaciona o saber local com o saber científico. Ele entende que o saber científico não é só o
conjunto de enunciados, mas também “o saber voltado à vida quotidiana e a escola tem a
obrigação de ensinar esse saber. O saber escolar é abrangente e prático e diz respeito à vida da
localidade”.
A Geografia é uma Ciência que estuda, descreve e interpreta os fenómenos que ocorrem na
superfície terrestre. Pela sua natureza ela dedica-se à distribuição desses fenómenos no globo.
Ela possui alguns conceitos chaves capazes de sintetizar o seu objectivo, como ciência social
a geografia tem como sua preocupação o estudo da sociedade, englobando cinco conceitos-
chave num parentesco bem próximo modelando a superfície terrestre em paisagem, região,
espaço, lugar e território.
O saber geográfico busca abordar os conflitos entre a Geografia Física e a Geografia Humana.
Esta disciplina é a única entre as ciências humanas a ter em conta os aspectos físicos do
planeta e analisar os processos que se desenvolvem na natureza e na sociedade individual e
colectiva. Os conceitos que a utiliza sofrem mudanças ao longo do tempo onde seus interesses
e raciocínios, e muitas vezes individualizados e contextualizados.
Relativamente ao currículo local, este serve-se como base para a sua integração e auto-
afirmar-se como parte integrante no PEA. O currículo local resulta de conteúdos recolhidos na
comunidade através de entrevistas dirigidas aos intervenientes da educação. Nesta linha de
pensamento, CASTIANO (2003:5), diz que “o imperativo de introduzir os conteúdos locais
foi expresso por diferentes grupos sociais com objectivo de eliminar o deficit epistemológico
oferecendo ferramentas ao aluno para a leitura e interpretação dos fenómenos naturais, sociais
da região”.
O INDE (2003:1), por sua vez, define currículo local como sendo: “Uma componente do
currículo nacional correspondente a 20% do total do tempo previsto para a leccionação de
cada disciplina. Esta componente é constituída por conteúdos definidos localmente como
sendo relevantes, para a integração da criança na sua comunidade”.
A intenção com o currículo local é, sem dúvidas, abrir mais espaço para os saberes locais
entrarem na escola. Nesta perspectiva, CASTIANO (2005:192) volta a referir que “o
Currículo local é um critério de ensino que facilita o aluno a viver os seus usos e costumes,
aprender a fazer e conservar os ensinamentos que a sociedade oferece, sobretudo ajudar a
obter prática e aplicação”.
O currículo local tem como principal objectivo a formação de cidadãos capazes de contribuir
para a melhoria da sua vida, da vida da sua família, da sua comunidade e do seu pais, tendo
em conta as necessidades e potencialidades locais. O currículo tem sido o meio pelo qual as
sociedades têm determinado ontologicamente o tipo de homem que pretendem.
A geografia física, tão valorizada na geografia tradicional, foi esquecida durante um bom
tempo durante a renovação e o surgimento da Geografia Crítica. Hoje percebemos um retorno
de seu ensino, inicialmente pela necessidade de se discutir a questão ambiental, e
posteriormente com uma perspectiva da integração e conhecimento real e profundo da
realidade na qual os alunos estão inseridos (AFONSO, 2009).
É preciso cada vez mais repensar os conteúdos na sala de aula, buscar essa visão integrada do
espaço. O conhecimento adquirido na vida extra-escolar deve ser incorporado e organizado
pelo professor de forma coerente e relevante para que seja possível melhorar cada vez mais a
relação professor-aluno e, logicamente, o processo de ensino-aprendizado.
Torna-se cada vez mais importante que o professor seja capaz de transitar de forma crítica e
criativa na sua área de conhecimento específico e seja capaz de dialogar com as demais áreas
do conhecimento, isto é, respeitando as especificidades disciplinares, porém pensando de
maneira conjunta numa totalidade dinâmica e respeitando o seu objecto de estudo: sociedade e
natureza (AFONSO, 2009).
O enfoque dos saberes locais deve se as duas razões: a primeira, revitalizar o valor intrínseco
dos saberes locais, e o segundo eles, favorecem a inserção do aluno na sua comunidade. A par
da categorização, um autor contemporâneo escreve sobre a tipologia dos saberes locais, trata-
se de:
Aprender a conhecer;
Aprender a fazer;
Aprender a viver juntos ou aprender a viver com os outros;
Aprender a Saber.
A grande preocupação do autor ao referir estes tipos de saberes é desenvolver a educação para
a vida e para o mundo de trabalho. Daí que refere que:
(i) Aprender a conhecer oferece ao aluno a estrutura lógica que lhe permite ler e interpretar
o mundo. Com este saber o aluno lança se a descoberta, isto leva a compreender o ambiente
que lhe rodeia. Sob ponto de vista local os mais velhos ensinam os mais novos a interpretar os
fenómenos como a chuva, doenças, falta de chuva, origem dos lugares míticos e os rios mais
importantes da comunidade. O aumento de saberes sob diversos aspectos leva a compreender
melhor o ambiente, favorece o despertar da curiosidade intelectual, estimula o sentido crítico
e compreende o real mediante a aquisição de autonomia na capacidade de discernir.
(ii) Aprender a fazer responde à questão como se faz algo, é um saber prático. Responde a
questão de como se faz algo e está ligado ao profissionalismo. O saber fazer bem tem uma
dimensão técnica: a do saber e do saber fazer, isto é do domínio dos conteúdos de que o
sujeito necessita para desempenhar o seu papel, aquilo que se quer deste socialmente
articulado com o domínio com a técnica, das estratégias que permitem que ele ‘dê conta do
seu recado em seu trabalho.
No contexto geográfico, este tipo de saber materializa-se na medida em que o aluno antes de
aprender na escola, tem conhecimento de técnicas de combate à erosão na sua comunidade
(usa sacos, planta relva abre canais de circulação de água entre outras), conhece e cuida das
florestas e lugares sagrados da sua comunidade, pratica a agricultura, sabe quando e como
colocar a semente na agricultura, todavia lhe falta saber o porquê de colocar a semente
naquele lugar e não noutro; porque é que um solo produz e outro não; saber quando e quais os
sinais da chuva, mas não sabe porque é que chove mais num momento e noutro não; enfim
conhece os objectos e não os conceitos, desta forma o papel dos educadores deve ser de
conciliar o objecto conhecido pelo aluno com o conceito contido nos programas de ensino, ou
seja, no saber escolar criando, deste modo, um “espaço de coexistência.
(iii) Aprender a viver junto para levar o aluno a tomar consciência das semelhanças e da
interdependência entre os seres humanos e o meio onde vive, este saber do ponto de vista
geográfico, leva ao reconhecimento do aluno como um ser social e que deve respeitar as
dinâmicas populacionais com os recursos que o meio disponibiliza para a sobrevivência, sob
ponto de vista local, portanto, leva o aluno a aprender e ocupar de forma sadia o espaço
geográfico e os outros elementos espaciais como partes integrantes do mesmo sistema e que
precisa-se respeitar e reconhecer os seus atributos diante de todo um conjunto, vivendo em
harmonia com a natureza e os outros seres. A educação tem por missão, por um lado,
transmitir conhecimento sobre a diversidade da espécie humana e, por outro, levar as pessoas
a tomarem consciência das semelhanças e da interdependência entre os seres humanos do
planeta.
(iv) Aprender a ser para que o aluno desenvolva os juízos de valor para agir com prudência
na sociedade. Trata-se do conhecimento ético comportamental do reconhecimento do valor
das pessoas e das coisas, por exemplo, dentro de uma comunidade que encontramos florestas
tradicionais ou mesmo uma árvore sagrada é um mito indicativo que leva a conservação de
uma determinada espécie. Dentro de uma comunidade encontramos um leque de saberes que
tem como finalidade cultivar um comportamento socialmente aceitável.
Aqui o aluno aprende a desenvolver juízo de valor para agir com prudência na sociedade.
Estes saberes categorizados pelo autor levam-nos aferir que para a formação de um cidadão
íntegro e participativo de uma determinada sociedade é preciso explorar os saberes veiculados
localmente em consonância com os escolares de forma a contribuir para a resolução dos
problemas e melhoria da vida das comunidades, visto que onde está o problema lá está a
solução do mesmo, só basta explorar os respectivos mecanismos de resolução.
A relação entre os saberes escolares e locais é estabelecida na escola à medida que estes se
cruzam. Esse cruzamento é necessário porque os saberes escolares são o eixo do sistema de
educação universal formal e os saberes locais são a base da educação informal, estes últimos
atravessam os primeiros e pela sua relevância são indispensáveis para a aprendizagem,
portanto esta é uma relação de complementaridade.
Para explicitar a relação entre os saberes locais e escolares apresenta-se um quadro baseado
na tipologia de Delors (Tabela 1).
Para posicionar os saberes locais no conhecimento escolar dado que a criança deve atender a
cultura local e os grupos sociais eliminando a distância entre o local e o universal, é nessa
senda que LYOTARD (1989:93), relaciona o saber local com o saber científico. Ele entende
que “o saber científico não é só o conjunto de enunciados, mas também o saber voltado à vida
quotidiana e a escola tem a obrigação de ensinar esse saber. O saber escolar é abrangente e
pratico e diz respeito a vida da localidade”.
A relação que o autor acima referido faz entre o saber local e o saber científico é legítima
porque o saber se auto-afirma como saber científico recorrendo ao saber local, por isso ele
advoga também que “o saber científico não pode saber e fazer saber que ele é verdadeiro
saber sem recorrer a outro saber, narrativo, que é para ele o não saber, cuja ausência ele é
obrigado a pressupor-se a si mesmo, Caindo assim no que condena, a repetição do próprio, o
preconceito”.