Manuel Antônio Álvares de Azevedo nasceu em São Paulo SP, no ano de 1831 e faleceu no Rio de
Janeiro RJ, em 1852. Cursou Letras no Imperial Colégio de D. Pedro II, no Rio de Janeiro e, em 1848,
matriculou-se na Faculdade de Direito de São Paulo. Nos anos seguintes, redigiu os contos de
Noite na Taverna, o drama Macário e ensaios literários sobre Bocage, George Sand e Musset. Em
1849, discursou na sessão acadêmica comemorativa do aniversário da criação dos cursos jurídicos
no Brasil. Três anos depois faleceria, sem chegar a concluir a faculdade.
A obra de Álvares de Azevedo apresenta linguagem inconfundível, em cujo vocabulário são
constantes as palavras que expressam seus estados de espírito, a fuga do poeta da realidade, sua
busca incessante pelo amor, a procura pela vida boêmia, o vício, a morte, a palidez, a noite, a
mulher... Em Lembranças de morrer, está o melhor retrato dos sentimentos que envolvem sua vida:
“Descansem o meu leito solitário/ Na floresta dos homens esquecida/ À sombra de uma cruz e
escrevam nela:/ - Foi poeta, sonhou e amou na vida.”
Para entender a extensa obra de Álvares de Azevedo, seria importante selecionar alguns dos
poemas mais representativos e agrupá-los em alguns conjuntos de características. Assim, é possível
encontrarmos quatro grandes grupos de temas recorrentes na poesia do autor. Seriam eles:
1º) Poesias em que a morbidez é a temática central. Nestes poemas fica clara a opção do autor pelo
“spleen”, sensação de desespero e abandono em face da morte. Essa característica também foi
chamada de “mal-do-século”. É importante perceber o tom de evasão de Álvares, que o faz buscar
a morte como refúgio de uma vida infeliz. Um passo além dessa poesia, mas ainda muito próxima
da temática acima, estariam os poemas satânicos, em que as cenas “demoníacas” fazem a diferença
e dão um tom mais “gótico”, como já foi analisado no vestibular da UEM.
Um Cadáver de Poeta
De tanta inspiração e tanta vida
Que os nervos convulsivos inflamava
E ardia sem conforto...
O que resta? uma sombra esvaecida,
Um triste que sem mãe agonizava...
Resta um poeta morto!
Morrer! e resvalar na sepultura,
Frias na fronte as ilusões — no peito
Quebrado o coração!
Nem saudades levar da vida impura
Onde arquejou de fome... sem um leito!
Em treva e solidão!
Nos poemas deste grupo, a relação com a morte, característica marcante do Mal-do-Século é
constante, como se pode notar neste outro excerto onde a figura de uma criança morta é idealizada
como um anjo:
Anjinho
Não chorem! que não morreu!
Era um anjinho do céu
Que um outro anjinho chamou!
Era uma luz peregrina,
Era uma estrela divina
Que ao firmamento voou!
(...)
Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o dolorido afã...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!
Meu Sonho
Eu
Cavaleiro das armas escuras,
Onde vais pelas trevas impuras
Com a espada sangüenta na mão?
Porque brilham teus olhos ardentes
E gemidos nos lábios frementes
Vertem fogo do teu coração?
(...)
Cavaleiro, quem és? — que mistério,
Quem te força da morte no império
Pela noite assombrada a vagar?
O fantasma
Sou o sonho de tua esperança,
Tua febre que nunca descansa,
O delírio que te há de matar!...
2º) Há também uma poesia amorosa na qual o autor se debate em atitude contraditória: se por um
lado a mulher é colocada em um pedestal (ou castelo) e idealizada nos princípios da vassalagem
amorosa; por outro ela é vista de maneira mais acessível. Ou seja, no mesmo poema ela pode
aparecer como a virgem intocável e pura e a mulher fatal e devassa.
C...
Sim — coroemos as noites
Com as rosas do himeneu;
Entre flores de laranja
Serás minha e serei teu!
Eu soltarei-te os cabelos...
Quero em teu colo sonhar!
Hei de embalar-te... do leito
Seja lâmpada o luar!
3º) Por último, mas não menos importante, estariam as poesias prosaicas, também chamadas de
irônicas. São poemas que fogem à idealização romântica do amor e da mulher amada. Neles, o autor
chega ao cômico por intermédio do grotesco e da vulgaridade
É ela! É ela! É ela! É ela!
É ela! É ela! - murmurei tremendo,
E o eco ao longe murmurou - é ela!
Eu a vi... minha fada aérea e pura -
A minha lavadeira na janela!
(....)
Como dormia! Que profundo sono!...
Tinha na mão o ferro do engomado...
Como roncava maviosa e pura!...
Quase caí na rua desmaiado!
Afastei a janela, entrei medroso...
Palpitava-lhe o seio adormecido...
Fui beijá-la... roubei do seio dela
Um bilhete que estava ali metido...
Oh! de certo... (pensei) é doce página
Onde a alma derramou gentis amores;
A obra
Memórias Póstumas de Brás Cubas pode ser considerado um “divisor de águas” tanto da ficção de
seu autor, quanto da própria Literatura que, a partir dessa obra, torna-se mais madura e mais
voltada à análise humana. Organizado em 160 capítulos curtos que fluem segundo o ritmo do
pensamento de um narrador em 1ª pessoa (um “defunto-autor”), Memórias se utiliza da estrutura
de “flashback”, ou seja, escrito do final para o início da obra: Brás Cubas, depois de morto, resolve
contar a sua vida (a isso se dá também o nome de digressão).
No romance, Machado se utiliza da visão de um representante da burguesia brasileira para tecer
críticas às relações sociais: Brás Cubas nasceu em uma família burguesa que enriqueceu com o
comércio. Ao falecer, tinha 64 anos, era solteiro e seu enterro contou com 11 pessoas. Sua morte
foi assistida por três mulheres: a irmã Sabina, a sobrinha e Virgília, um de seus amores.
O narrador deixa claro o fato de que foi criado para o ócio e para os prazeres mundanos em uma
sociedade patriarcal. Se na infância o personagem fora uma criança abastada e protegida, a ponto
de usar um escravo da casa como montaria, tornou-se, como consequência disso, um jovem leviano
e fútil.
Jovem, relaciona-se com Marcela, uma cortesã que exige presentes caríssimos, a ponto de seu pai
ter que tomar uma atitude radical, impedindo o endividamento da família: mandá-lo à Europa
“estudar”: “...Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos.”
Sua conduta hipócrita continua se manifestando e fica explícita quando descreve sua “formação”
universitária na Europa: “Não digo que a Universidade me não tivesse ensinado alguma; mas eu
decorei-lhe só as fórmulas, o vocabulário, o esqueleto”.
Com a doença e a morte da mãe, ele retorna ao Brasil. Seu pai quer que ele se torne deputado e lhe
apresenta Virgília, filha do Conselheiro Dutra: um caminho para o ingresso na vida pública sem
muito esforço. Virgília é uma moça de cerca de 15 anos, atraente e voluntariosa: “uma jóia, uma
flor, uma estrela, uma coisa rara”. Virgília, no entanto, casa-se com Lobo Neves, um homem que lhe
pareceu mais promissor (prometeu a ela que seria marquês). O pai de Cubas, desgostoso, morreu,
inconformado.
Após algum tempo, Virgília e Lobo Neves regressam de São Paulo e Brás Cubas começa a frequentar-
lhes a casa até tornar-se amante de Virgília. É nesta época que encontra, na rua, Quincas Borba, um
colega de infância, que vivia como mendigo. Ajuda-o com cinco mil réis e este lhe rouba o relógio,
ao despedir-se.
Brás Cubas aluga uma casinha para se encontrar às escondidas com Virgília (a caseira era D. Plácida,
uma antiga agregada da casa de Virgília, muito religiosa, mas que fazia tudo por dinheiro, inclusive
acobertar o relacionamento extra-conjugal da esposa de Lobo Neves).
Ao chegar aos 50 anos, sua única companhia é Quincas Borba, com quem filosofa sobre a vida e a
existência humana através de observações da realidade.
Lobo Neves morre, na iminência de se tornar ministro. Brás Cubas vai-lhe ao enterro e vê que Virgília
chorava “lágrimas verdadeiras”.
O último capítulo, “Das negativas”, finaliza a obra com o tom cético e realista que atravessa toda a
obra: Brás Cubas não se torna famoso por seu emplastro, não foi ministro, nem califa, nem se casou.
Em compensação, não comprou o pão com o suor do rosto, pois nunca teve de trabalhar. Não
morreu como D. Plácida, Marcela, Eugênia e tantos outros, nem se tornou louco como Quincas
Borba.
Ao morrer, chega “ao outro lado”, sentindo-se um pouco credor, pois não teve filhos e, portanto,
não transmitiu “a nenhuma criatura o legado de sua miséria”.
Budismo Moderno
Tome, Dr., esta tesoura, e... corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração, depois da morte?!
Ao Luar
Quando, à noite, o Infinito se levanta
A luz do luar, pelos caminhos quedos
Minha táctil intensidade é tanta
Que eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos!
As linhas temáticas
Em 1962, Drummond publicou a sua Antologia Poética. Ao organizar o volume, procurou, segundo
ele, “localizar, na obra publicada, certas características, preocupações e tendências que a
condicionam ou definem, em conjunto”. Agrupou, portanto, os seus poemas em diversas linhas
temáticas, ou segundo as diferentes “matérias de poesia”. Assim, dividiu a sua obra em nove grupos
temáticos básicos, que têm guiado as considerações críticas sobre a sua poesia até hoje.
Cidadezinha qualquer
Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.
6. AMAR – AMARO - O conhecimento amoroso: O amor altruísta (como só ele poderia existir)
Apesar da luta com o lirismo, digamos, “derramado”, Drummond fez poesias sobre o amor e o amar.
Logicamente seguindo a linha do “gauche” e fugindo das idealizações, confessionalismos e exageros
românticos. Há na análise deste sentimento tão grandemente cantado por outros poetas um certo
tom de ironia. Como se o poeta não acreditasse, ou não se deixasse arrebatar facilmente pelo “bicho
instruído”.
7. POESIA CONTEMPLADA - A própria poesia: metalinguagem
Uma das mais importantes abordagens de Drummond é o próprio fazer poético. A rotina do poeta
mineiro o obrigava a acordar todo os dias no mesmo horário e ficar em frente à máquina de escrever
das 8 horas ao meio dia, somente sendo interrompido por sua esposa que lhe trazia queijo minas e
café fresco por volta das 10 e 30 da manhã. Muitas vezes a poesia “não saía” e ele escrevia sobre
isso.
O lutador (excerto)
Lutar com palavras
é a luta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.
São muitas, eu pouco.
Algumas, tão fortes
como o javali.
Não me julgo louco.
Se o fosse, teria
poder de encantá-las.
Mas lúcido e frio,
apareço e tento
apanhar algumas
para meu sustento
num dia de vida.
em verde, sozinha,
antieuclidiana,
uma orquídea forma-se.
9. TENTATIVA DE EXPLORAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DO ESTAR-NO MUNDO - Uma visão, ou
tentativa de, a existência: o estar no mundo.
Mais uma vez a temática é existencial, abordando a angústia de um homem crítico em uma
sociedade caótica. Entre os versos desta parte da antologia figura o famoso poema “No meio do
caminho”, um dos mais conhecidos do poeta, publicado inicialmente em 1928, na Revista de
Antropofagia de Antonio de Alcântara Machado e Oswald de Andrade.
Personagens
Guarnieri, por um lado, criou personagens marcantes e populares como Terezinha. Chiquinho,
Dalvinha e Jesuíno que nos revelam um mundo alegre, descontraído e aparentemente feliz. Já por
outro, a peça se apresenta forte e densa revelando de maneira real os conflitos que atormentam
personagens como Otávio, Romana, Tião, Maria e Braúlio. São tais encontros e são esses momentos
alegres e comoventes que nos provocam riso e dor, alegria e tristeza. Assim, se por um lado, mostra
um olhar profundo dentro da sociedade brasileira, por outro, esse olhar vem embalado por um valor
poético materializado na visão romântica de mundo de seus personagens.
OTÁVIO, o pai, é operário de carreira, sonhador, idealista, leitor de autores socialistas e, ao mesmo
tempo, revolucionário por convicção e consciente de suas lutas. Forte e corajoso entre os seus
companheiros, exerceu várias vezes a liderança nas reivindicações da classe operária (greves nos
anos 30 a 50, período Vargas e JK, portanto), experimentou algumas prisões, com isso ganhou
destaque entre os seus companheiros, tornando-se um dos cabeças do movimento grevista.
TIÃO, o filho, em razão das prisões do pai grevista, foi criado praticamente, na cidade, longe do
morro, com os padrinhos, sem conviver com esse mundo de luta e reivindicação da classe operária.
Hoje adulto e morando no morro com os pais, vive um dos maiores dilemas de
sua vida. Em primeiro lugar, não quer aderir à greve, pois acha que a greve é algo Nóis Não Usa Os Bleque
Tais
utópico, que essa é uma luta inglória, sem maiores resultados para a classe. Em
(Adoniran Barbosa)
segundo lugar, pretendendo casar-se com Maria, moça simples, porém
O nosso amor é mais
determinada e leal ao seu povo, e que está esperando um filho seu, não quer gostoso
arriscar sua segurança e seu emprego. Daí estar mais preocupado com o seu Nossa saudade dura mais
futuro do que com a luta de seus companheiros, que sonham com melhores O nosso abraço mais
salários. Ele não tem tempo para esperar, precisa resolver seus problemas de apertado
Nóis não usa as bleque tais
imediato, ou seja, casar. Corajoso quando se trata de enfrentar outros homens –
e o fato mesmo de furar deliberadamente a greve põe isso em evidência – o seu Minhas juras são mais juras
medo é de outra natureza: o grande medo da sociedade moderna, o medo de Meus carinho mais
ser pobre. carinhoso
Suas mão são mãos mais
ROMANA, a mãe, uma realista sem ilusões, é a figura dramaticamente mais bem
puras
desenhada da peça – ela desafia diariamente a miséria. Suas observações são Seu jeito é mais jeitoso
cruas, sem cinismo nem amargura ou desespero, francas e desabusadas, sem Nóis se gosta muito mais
circunlóquios mordazes, que chamam os homens para a realidade, e Nóis não usa as bleque tais
neutralizam, com uma nota levemente ácida, o falso sentimentalismo em que os
O nosso amor é mais
outros personagens ameaçam cair em determinadas cenas. Suas atitudes gostoso
revelam o choque entre o que é, e o que deveria ser, indo do otimismo algo Nossa saudade dura mais
sonhador e ingênuo do pai, sempre pronto a acreditar na perfeição moral da O nosso abraço mais
humanidade, até os sonhos de grandeza do filho que quer subir na vida e apertado
Nóis não usa as bleque tais
abandonar a condição difícil e miserável do morro, desafiada cotidianamente
pela coragem e bravura de Romana, sua mãe, mulher determinada e responsável OBS: Na peça esta é a
pelo equilíbrio da casa e da família. música composta pela
JESUÍNO - Amigo de Tião, ao contrário deste é malando, fraco e oportunista. personagem Juvêncio, que
MARIA – namorada de Tião, vive feliz no morro, no meio de sua gente. Grávida, foi “roubada” por um
compositor da cidade.
fica noiva e quer se casar logo para ninguém notar que está de barriga. Não apoia
a atitude do noivo de furar a greve, nem aceita ir com ele embora do morro. Vai ficar com o filho
esperando a volta de Tião para junto dela.
JOÃO – irmão de Maria, um homem ponderado e maduro capaz de compreender a situação
conflitante vivida pelo amigo Tião e, ainda, apoiar sua irmã neste momento difícil. É um dos poucos
moradores que continua amigo de Tião depois que a greve foi vitoriosa, contra as previsões de Tião.
BRAÚLIO, negro amigo e companheiro de Otávio, é outro líder dos operários na greve.
CHIQUINHO E TEREZINHA – ele irmão de Tião. Formam um casal de adolescentes com suas
mentirinhas, malandragens e expedientes (pequenos furtos e desvios) para conseguirem um
dinheirinho extra ou coisas que desejam. Apaixonados e erotizados, vivem pelos cantos escuros
fazendo “safadezas” que ninguém pode saber, e que todos sabem o que acontece porque já fizeram
também.
JUVÊNCIO, apenas citado por outros personagens, é um mulato sambista do morro. Manco de uma
perna, arredio e ensimesmado, é autor do samba “Nois não usa as bleque tais”, cantado no decorrer
de toda a peça. No final, fica deprimido ao saber que seu samba estava fazendo enorme sucesso,
tocando nas rádios, mas com o nome de outro compositor.
Enredo e tempo
Eles não usam black-tie compõe-se de três atos, cada qual dividido em dois quadros. É importante
mencionar que o modelo dos três atos remete ao modelo da dramaturgia clássica (grega). Chamava-
se “Lei dos Três Atos”. A maioria dos escritores de cunho engajado/social, escrevem respeitando
esta regra. Então, a peça é revolucionária na temática operária e por trazer ao teatro discussões
político-sociais em um período conturbado da história nacional (Governos Populistas que pregavam
o desenvolvimento às custas do árduo e pouco valorizado trabalho do povo), mas é tradicional na
estrutura. Outra coisa importante é o tempo da peça: ela ocorre de forma muito rápida entre uma
sexta e uma segunda-feira.
ATO II (Mesmo cenário. Domingo de manhã. Romana ocupa-se com a casa. Chiquinho zanzando
pelo barraco. Tião na porta do barraco absorto em seus pensamentos.)
QUADRO I
Domingo de manhã. Romana reclama dos homens que ficaram todos bêbados na festa da noite
anterior. O filho mais novo, Chiquinho, faz gracejos lembrando alguns lances da festa. Tião está
pensativo, distraído, imaginando sair pelo mundo com Maria. A mãe lembra a discussão dele com o
pai, ambos bêbados durante a festa. Tião, excitado pela bebida culpava o pai pela vida que ele
levava. Romana comenta que os padrinhos pouco tinham feito pela formação de Tião, queriam
apenas um pajem para os filhos. Tião sai para ver o pai que estava batendo boca com o português
dono do botequim, por causa da greve.
Chiquinho e Terezinha discutem porque o rapaz deu prejuízo no armazém onde trabalha, deixando
um bando de moleques roubarem mercadorias e aproveitando-se também. O patrão descontou o
prejuízo no salário de Chiquinho. Terezinha gosta dele apesar de achá-lo encrenqueiro, briguento e
de vida torta, mas quer se casar com ele na igreja. Chiquinho preferiria casar-se num terreiro de
umbanda. Estão se agarrando e se beijando, quando entram Romana e Maria e vêem os dois se
agarrando.
Romana e Maria comentam a esquisitice de Tião e a moça desconfia que o noivo é capaz de furar a
greve por causa das preocupações com o casamento e o filho que está chegando. A chegada de
Jesuíno descontrai o ambiente.
Tião volta e fica a sós com Jesuíno. Discutem sobre a forma de furar a greve, depois de combinarem
com o gerente da fábrica e acertarem a recompensa que receberiam. Jesuíno fica com medo, pois
se a greve der certo o pessoal vai xingá-los e marginalizá-los da comunidade. Tião está resolvido,
inclusive a enfrentar todas as broncas.
Otávio entra anunciando que alguns líderes do sindicato haviam sido presos numa tentativa dos
patrões de atemorizar os outros, mas a reação foi de mais revolta e disposição de enfrentar os
patrões. Chega um aviso de que a polícia está procurando pelo Braúlio que não se intimida. Tião se
desespera com a proposta dos trabalhadores de fazerem greve mesmo assim.
QUADRO II
Domingo à noite, o casal de noivos, Tião e Maria, de volta ao parque, conversam diante da casa da
moça. Trocam declarações e juras de amor. Falando do filho que esperam, escolhem o nome do
filho (Durval). Apontando a cidade lá embaixo, o rapaz pergunta à noiva se gostaria de morar lá e
recebe uma resposta negativa.
Poemas escolhidos para análise (O livro é composto de 47 poemas e todos iniciam com minúsculas)
DEVERAS
o poeta finge
e enquanto isso
cigarras estouram
pontes caem
azaleia claudicam
édipos ressonam
vacinas vencem
a bolsa quebra e
o poeta finge
e enquanto isso
vagalhões explodem
o pão adoece
astros desviam-se
manadas inteiras se perdem
a noite range
o vento derruba ninhos e
o poeta finge
e enquanto isso
vozes racham
veias entopem
galeões afundam
medeias abatem crias
turvam-se as corredeiras
o sapato aperta e
o poeta finge
que as mãos cheias de súbitos
não são suas
Neste poema, o primeiro do livro, Luci usa como base o poema “Autopsicografia” de Fernando
Pessoa (poeta do primeiro modernismo português) para confessar que enquanto o “poeta finge”
sentir, amar, sofrer... O mundo continua acontecendo normalmente. Serve para
metalinguisticamente, contestar a necessidade/sentido do fazer poético e do próprio sentido da
poesia. Ao mesmo tempo em que “critica” em forma de poesia, ou seja, faz um poema para criticar
a poesia, caímos em um paradoxo: a poesia tem o dom de deixar que expressemos os nossos
sentimentos (fingidos ou não) e as nossas dúvidas (a respeito de tudo e dela própria). Leia os versos
de Fernando Pessoa: “O poeta é um fingidor/Finge tão completamente/Que chega a fingir que é
dor/A dor que deveras sente.//E os que lêem o que escreve,/Na dor lida sentem bem,/Não as duas
que ele teve,/Mas só a que eles não têm.//E assim nas calhas de roda/Gira, a entreter a razão,/Esse
comboio de corda/Que se chama coração.”
Lindo poema feito em dois quartetos usando rimas e versos medidos (octassílabos), coisa não
muito comum nos poetas modernos/contemporâneos. Segundo o eu-lírico, a dor da ferida feita com
lâmina é intensa, mas cessa (reversível). A verdadeira dor, a que nunca para de doer é aquela mais
funda, aquela que não envelhece, aquela “de um ontem que nunca se esquece”. Uma dor de algo
ocorrido m um passado que não pode ser olvidado.
LANCES
dado que nos poreja
cumprir o poema
sagrar sua sorte
de verbo em chamas
dado que nos decanta
mover o poema
provar sua forma
de fusão de rochas
dado que é sem doutrina
jogo de emblemas
ondulação das cortinas
que tudo a voragem do início
e os sons feito fosses azes
estilando
o âmago desimpedido
de um esplêndido
algo
Usando o trocadilho lance (de dados) com a palavra “dado” nos versos 1, 5 e 9, que da verdade
significa “já que”, “posto que”, o poema é metalingüístico e lembra um pouco a temática do poema
de Carlos Drummond de Andrade “A
procura da poesia” onde ele diz que o poeta precisa “penetrar no reino das palavras”. Cabe ao eu-
lírico “cumprir o poema”, fazê-lo nascer da “fusão das rochas”. Decantar o poema é a função deste
ser que se diz poeta, o trabalhador do verbo e do verso. O que dá sentido à palavra algo, ou o que
tenta dar sentido às coisas usando algumas palavras que simbolizam algo a quem quiser entendê-
las. Se assim o fizer, torna-se um esplêndido “algo”, pois que o poeta alcançou seu intento: traduziu
o intraduzível.
INSONETO
De amor, ora direis, rever promessas
Que as chamas de uma voz não voltam mais
E sempre é de hora alguma esse momento
E nunca em face a mais meu bem secreto
CICLORAMA
o infinito
daquela mulher
era um espelho
daquele animal
era um disparo
daquela menininha
era um coelho
daquele mendicante
era um retalho
daquele ancião
era um xarope
daquele temporal
era um compasso
daquele imperador
era um decálogo
daquele especialista
era um lapso
daquela meretriz
era um suspiro
daquele marinheiro
era um rio
daquele vendaval
era o abandono
daquela mulher
o infinito
Linda poesia que pode ser lida tanto de cima para baixo, como de baixo para cima (daí o título
CICLORAMA). O infinito de cada coisa que termina em uma mulher. A relação espelho (ver-
se/velhice) e abandono são pungentes. Infinito como metáfora da morte para cada uma das pessoas
referidas. O erre do especialista, o amor para a prostituta, as margens do rio para o marinheiro
acostumado a grandes espaços marítimos, as leis (decálogo) para o imperador, as regras para a
tempestade... Mas também a vida e a esperança: o coelho para a menina (Alice?), o retalho pra o
mendigo e o xarope para o idoso.