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ISBN 978-85-356-2003-0
07-3317 CDD-261.8325
ASETT/EATWOT Pauliuas
Associação Ecumênica de Teólogos/as do Rua Pedro de Toledo, 164
Terceiro Mundo 04039-000 - São Paulo - SP (Brasil)
Apartado 0823-03151 Te!.: (11) 2125-3549 -Fax: (11) 2125-3548
Panamá - República do Panamá http://www.paulinas.org.br- editora@paulinas.com.br
http://www.eatwot.org/TheologicalCommission Telemarketing e SAC: 0800-7010081
© Pia Sociedade Filhas de São Paulo - São Paulo, 2007
·sumário
O que está por trás da Notificação sobre Jon Sobrino? ...... 315
Jung Mo SUNG- São Paulo, Brasil
LEONARDO BoFF
Petrópolis, Brasil
li
PROLOGO
m
Apresentação
da edição brasileira
•
APRESENTA
ÃO
m
José
Maria
Vigil
m
Perguntasà Congregaçãopara a
Defesada Fé em decorrênciada
Notificaçãoa Jon Sobrino
TISSA BALASURIYA
Colombo, Sri Lanka
m
PERGUNTAS
À (ONGREGAÇÃO
PARA DAfÉEMDECORRÊNCIA
A DEFESA DANOTIFICAÇÃO
AJON50BRINO
m
TissaBalasuriya
m
PERGUNTAS
À CONGREGAÇÃO
PARA DAFÉ
A DEFESA EMDECORRtNCIA
DANOTIFICAÇÃO
A JoNSOBRINO
•
Jesus de Nazaré,
Orixá da Compaixão.
Elementos de uma cristologia
afro-brasileira
MARCELO BARROS
Goiás, Brasil
m
JESUS
DENAZARÉ,
ÜRiXÁ
DA(OMPAIXÃO.
ELEMENTOS
DEUMA
CRISTOLOGIA
AFRO-BRASILEIRA
m
Marcelo
Barros
•
JESUS
DENAZARÉ,
ÜRIXÁ
DACOMPAIXÃO.
ELEMENTOS
DEUMA
CRISTOLOGIA
AFRO-BRASILEIRA
m
Marcelo
Barros
m
JESUS
DENAZARÉ,
ÜRIXÁ
DA(OMPAIXÃO.
ELEMENTOS
DEUMA
CRISTOLOGIA
AFRO-BRASILEIRA
Jesuse Kanambe
Quando estive no Quênia, em janeiro de 2007, procurei co-
nhecer alguma expressão atual das religiões africanas antigas e
ver em que isso me ajudava a compreender melhor as tradições
afro-brasileiras. Fui levado, a uns 100 Km de Nairóbi, para
conhecer uma aldeia tradicional do povo Kamba. Ali conheci
uma senhora idosa, sacerdotisa da tradição de Kanambe, a deusa
da Água. Depois de ter escutado como ela expressa sua fé na
religião tradicional, espantei-me quando me disseram que, ali,
todos eram cristãos, inclusive aquela sacerdotisa que, muitas
vezes, nas missas, é chamada pelo padre para abençoar o seu
povo. Perguntei, então, como ela formulava a relação entre a
religião tradicional e a fé cristã. Espantada com a pergunta, a
velha respondeu com palavras e expressões que, para mim,
foram muito surpreendentes. Anotei tudo o que ela disse e tentei
traduzir sua resposta assim: "Não há nenhuma dificuldade de
ligar Jesus e Kanambe. Jesus Cristo nos revela Deus presente na
história, nos acontecimentos da vida e nas pessoas e nos ajuda
a descobrir que Kanambe manifesta Deus presente na natureza,
na terra e na água. As duas ordens não entram em conflito e até
se interpenetram. Jesus é como uma espécie de plenitude da fé
em Kanambe, mas não à medida que a esvazia ou a substitui por
uma espécie de 'cultura cristã ocidentalizada', mas, ao contrário,
a valoriza e dá a ela densidade histórica".
É claro que a expressão de fé daquela cristã africana nunca
seria aceita por uma Cristologia para a qual Jesus é único e,
como todos os colonizadores, substitui o que havia antes dele,
colocando-se como referência de fé exclusiva. De fato, ela me
contou a dificuldade que tem em valorizar a cultura (nem se fala
da religião) tradicional do seu povo quando chegam ao local
alguns grupos neo-pentecostais que exigem o abandono até das
roupas, costumes, músicas e danças culturais do povo. O diálogo
m
Marcelo
Barros
m
DENAZARÉ,
JESUS DACOMPAIXÃO.
ÜRIXÁ DEUMA
ELEMENTOS AFRO-BRASILEIRA
CRISTOLOGIA
m
Marcelo
Barros
pensadas para isso e disfarçam esse fato). Por tudo isso, são
Cristologias a partir de baixo e ligadas à vida de quem sofre.
São cristologias narrativas e fragmentadas que, por não ser de
caráter dogmático (contam histórias, não afirmam dogmas), não
se envergonham de ser incompletas. Ao contrário de quaisquer
tendências de um Cristocentrismo exclusivista, Jesus é o Cristo
(Ungido de Deus), mas não é isolado de todos os seus irmãos e
irmãs. Nem das forças da natureza que são sacramentos divinos,
nem dos personagens que, como Jesus, são para o povo Cristos
ou Consagrados. Da caminhada de libertação, essas comuni-
dades aprendem a valorizar que a própria pessoa e a missão de
Jesus podem ser resumidas em sua própria palavra: "Eu vim para
que todos tenham vida e vida em abundância" (Jo 10,10).
Em 1996, em Bogotá, o Segundo Encontro Continental da
Assembléia do Povo de Deus propôs o aprofundamento de uma
espiritualidade macro-ecumênica. Tratava-se de reler a própria
fé de modo que nos una a todas as crenças e não que divida.
Afinal, não era essa a proposta pastoral do papa João XXIII?
O documento conclusivo do Segundo Encontro da Assembléia
do Povo de Deus diz: "Reconhecemos a vida como expressão
máxima do amor de Deus para todos os seres e defendemos a
vida de nossos povos e da natureza que nos cerca!. Diante da
mundialização dos ídolos da morte que o sistema socioeconômi-
co do mundo preconiza, proclamamos a mundialização desses
sinais da divindade como dom da Vida e presença criadora
no universo. Confessado em mil nomes, revelando-se a nós
com mil rostos, através, sobretudo, das religiões indígenas e
afro-ameríndias, como também da fé cristã dos nossos povos
latino-americanos, o mistério divino é sempre maior que todas
as nossas confissões, é mais belo que nossas imagens, é único
nos mais diversos encontros e nas mais diferentes formas de
manifestação.
m
Marcelo
Barros
LEONARDO BOFF
Petrópolis, Brasil
m
Leonardo
Boff
•
(R\STOLOGIA
APARTIR
DONAZARENO
m
Leonardo
Boff
m
(RISTOLOGIA
APARTIR
DONAZARENO
m
Leonardo
Boff
m
CRISTOLOGIA
APARTIR
DONAZARENO
m
O compromisso de descer
da cruz os pobres
m
Veralvanise
Bombonatto
m
Ü COMPROMISSO
DEDESCER
DACRUZ
OSPOBRES
m
Veralvanise
Bombonatto
li
Ü COMPROMISSO
DEDESCER
DACRUZ
05 POBRES
m
Ü COMPROMISSO
DEDESCER
DACRUZ
OSPOBRES
•
Veralvanise
Bombonatto
Notas
1 Ver: BüMBONATTO, V. I. Seguimento de Jesus. Uma abordagem segundo
a cristologia de Jon Sabrina. São Paulo, Paulinas, 2002.
2 Cf. SuslN, L. C. (Org.). O mar se abriu: trinta anos de teologia na Amé-
rica Latina. São Paulo, Soter-Loyola, 2000. pp. 154-155.
3 SoBRINO,J. O princípio misericórdia. Descer da cruz os povos crucifi-
cados. Petrópolis, Vozes, 1994.
4 IDEM.J. Os seis jesuítas mártires de El Salvador. Depoimento de Jon
Sabrina. São Paulo, Loyola, 1990.
5 IDEM.J. Afé em Jesus Cristo. Ensaio a partir das vítimas. Petrópolis,
Vozes, 2000. p. 16.
6 IDEM.O princípio misericórdia, cit., pp. 11-28.
7 Idem, ibidem.
8 IDEM.Jesús de Nazareth. ln: FLORISTÁN SAMANEs,C. & TAMAYo-AcosTA,
J. J. (Orgs.). Conceptos fundamentales de pastoral. Madrid, Cristiani-
dad, 1983. p. 510.
•
Primazia dos pobres na missão
de Jesuse da Igreja.
Influênciasdo Concílio
Vaticano 11no magistério
episcopal de Medellín,
Puebla e Santo Domingo
TEÓFILO CABESTRERO
Guatemala, Guatemala
m
Cabestrero
Teófilo
m
Teófilo
Cabestrero
m
PRIMAZIA
DOSPOBRES
NAMISSÃO
DEJESUS
EDAIGREJA
m
Teófilo
Cabestrero
m
PRIMAZIA
DOSPOBRES
NAMISSÃO
DEJESUS
EDAIGREJA
m
Teófilo
Cabestrero
Notas
GuTIÉRREZ, G. La recepción del Vaticano II en Latinoamérica. ln: AL-
BERIG0,G. & JossuA, J. P. La recepción dei Vaticano II. Madrid, 1987.
p. 227, nota 27.
2
Um comentário de Gustavo Gutiérrez a esse ponto luminoso de João
XXIII emAlberigo & Jossua, op. cit., pp. 221-225.
LERCAROG. , Intervenção na Congregação Geral de 6 de novembro de
1962: Acta Synodalia Sacrosancti Concilii Ecumenici Vaticani II v. I,
periodus prima, pars IV, 327-330. Tradução espanhola: CABESTRERO, T.
En Medellín la semilla del Vaticano II dio el ciento por uno. Revista
Latinoamericana de Teología 46 (ene.-abr./1999) 65-67.
4
DESCALZOJ., L. Martín. Un periodista en e! Concilio. Madrid, 1964. v.
I, pp. 326-327.
Martín Descalzo descreveu assim esse gesto em sua crônica de 30 de
novembro de 1965: "O documento reúne assinaturas episcopais e sei
que ontem ultrapassavam uma centena. É um documento significativo e
quero compilá-lo nestas crônicas porque estou certo de que permanecerá
como um dos 'símbolos' deste Concílio Vaticano II e do seu espírito".
Un periodista en e! Concilio. Madrid, 1966. v. IV, pp. 490-493.
Paulo VI na abertura da segunda sessão do Concílio Vaticano II. ln:
Concilio Vaticano II. Madrid, 1966. p. 773. BAC, n. 252.
Alocução de Paulo VI no encerramento do Concílio Vaticano II. ln:
Concílio Vaticano II. Madrid, 1966. pp. 490-493. BAC, n. 252.
PAULO VI. Exortação apostólica ao episcopado da América Latina em Roma.
ln: Concílio VaticanoII. Madrid, 1966. pp. 851-862. BAC, n. 252.
PARADA, H. Crônica de Medellín. Bogotá, 1975. pp. 237-238.
10 Podemos ver três alusões pontuais significativas em LG, n. 8; AG, n. 3;
PO,n.6.
m
Jesus, os pobres e a teologia
ÜSCAR CAMPANA
Buenos Aires, Argentina
m
EATEOLOGIA
OSPOBRES
JESUS
m
Oscar
Campana
bem o que ele estava dizendo: não é por acaso que a passagem
termina com a narrativa da primeira tentativa de assassinar Je-
sus (cf. Lucas 4,28-30). O Deus que se manifesta em favor dos
pobres abala a ordem vigente. Jesus começa a ser um obstáculo.
Mas ele continua: "Felizes são vocês, os pobres, pois o Reino de
Deus é de vocês. Felizes são vocês que agora têm fome, pois vão
ter fartura. Felizes são vocês que agora choram, pois vão rir.
Felizes são vocês quando os odiarem, rejeitarem, insultarem e
disserem que vocês são maus por serem seguidores do Filho do
Homem. Fiquem felizes e muito alegres quando isso acontecer,
pois uma grande recompensa está guardada no céu para vocês"
(Lucas 6,20-23).
Com quanto "romantismo" são lidas, às vezes, as bem-
aventuranças, deixando de perceber, assim, todo o escândalo e
alteração dos valores encontrados nelas! Jesus proclama bem-
aventurados e felizes aqueles que a sociedade de sua época
- de todas as épocas - considera desgraçados e infelizes: os
pobres, os que têm fome e sede, os que choram, os perseguidos
e caluniados, os afligidos. Os que não contam. Os que não so-
mam nem subtraem senão para as estatísticas. Deles é o Reino
de Deus. Esse é o motivo da sorte e da felicidade. Por isso o
"Evangelho" é "novidade". A chegada do Reino desconcerta
seus próprios destinatários. Jesus confirma, uma vez mais, que
Deus está onde menos se espera, sobretudo onde menos o espera
os establishments religioso-culturais que na história pretenderam
se converter em mediadores exclusivos com o único e verdadeiro
Deus. O padre argentino Brochem, no século XIX, perdido entre
os camponeses das serras cordobesas, entendeu bem: "Deus é
como os piolhos: está com os pobres".
As bem-aventuranças mostram o ponto de vista de Deus. So-
mente a partir daí se pode ver que o Reino está chegando. Deus
não olha para os seres humanos do alto do pináculo do Templo
m
EATEOLOGIA
OSPOBRES
JESUS
m
Oscar
Campana
m
EATEOLOGIA
OSPOBRES
JESUS
nos fala em Gálatas 2,10: "Eles nos pediram só uma coisa: que
lembrássemos dos pobres das igrejas deles, e isso eu sempre
tenho procurado fazer". Muitos cristãos e comunidades da
América Latina têm feito isso: lembrar-se dos pobres, compro-
metendo-se a mudar sua sorte, reconhecendo o Deus verdadeiro
em seus rostos, reescrevendo a teologia a partir de suas vidas,
celebrando a fé no meio de suas alegrias e suas tristezas.
IV. A partir deste "pauperocentrismo" redescoberto, os
crentes na América Latina lêem aquela passagem de Mateus
sob uma nova luz. Jesus disse a seus discípulos: "Quando vier
o Filho do Homem na sua majestade e todos os anjos com ele,
então, se assentará no trono da sua glória; e todas as nações
serão reunidas em sua presença, e ele separará uns dos outros,
como o pastor separa dos cabritos as ovelhas; e porá as ovelhas
à sua direita, mas os cabritos, à esquerda; então, dirá o Rei aos
que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai! Entrai
na posse do Reino que vos está preparado desde a fundação do
mundo. Porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e
me destes de beber; era forasteiro, e me hospedastes; estava nu,
e me vestistes; enfermo, e me visitastes; preso, e fostes ver-me.
Então, perguntarão os justos: Senhor, quando foi que te vimos
com fome e te demos de comer? Ou com sede e te demos de
beber? E quando te vimos forasteiro e te hospedamos? Ou nu
e te vestimos? E quando te vimos enfermo ou preso e te fomos
visitar? O Rei, respondendo, lhes dirá: Em verdade vos afirmo
que, sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos,
a mim o fizestes" (Mateus 25,31-40).
Vêm-me à mente diferentes tentativas hermenêuticas para
domesticar esse texto. Um antigo lecionário, dos que estiveram
vigentes até a década de 1970, traduzia "o mais humilde dos
meus irmãos" como os "mais humildes que crêem em mim",
limitando a misericórdia dentro das margens da própria comu-
m
JESUS
OSPOBRES
EA TEOLOGIA
m
Oscar
Campana
m
JESUS
OSPOBRES
EATEOLOGIA
m
Campana
Oscar
m
Os pobres, a Igreja
e a teologia
VícTOR CoDINA, sj
Santa Cruz, Bolívia
m
VíctorCodina
•
OsPOBRES
AIGREJA
EATEOLOGIA
m
VíctorCodina
m
ÜSPOBRES
AIGREJA
EATEOLOGIA
m
Víctor
Codina
•
OsPOBRES
AIGREJA
EATEOLOGIA
m
Víctor
Codina
•
ÜSPOBRES
AIGREJA
EATEOLOGIA
m
Víctor
Codina
li
Reflexões sobre a Notificação
enviada a Jon Sobrino
JosÉ COMBLIN
João Pessoa, Brasil
m
JoséComblin
m
REFLEXÕES
SOBRE
ANOTIFICAÇÃO
ENVIADA
AJONSOBRINO
m
Comblin
José
m
REFLEXÕES
SOBRE
A NOTIFICAÇÃO
ENVIADA
A JoN50BRINO
quer dizer que Deus se tomou ser humano. Para ele, a carne é
a debilidade dos seres humanos, sujeitos ao pecado, à infideli-
dade, quando não têm a força que o espírito dá. "A palavra se
fez carne" quer dizer que a mesma palavra de Deus se expressou
com toda a debilidade dos homens em sua condição atual tão
limitada. Nos tempos antigos, a palavra de Deus manifestou-se
pela palavra dos profetas. Agora, não somente temos palavras, e
Jesus não é somente profeta, mas a palavra se fez um ser humano
com toda a sua vida e não somente com sua palavra, e nessa vida
está incluída a paixão e a ressurreição. Tudo isso é a palavra e
Deus, que se fez carne, ou seja, fez-se debilidade humana com
a qual Jesus expressa a mensagem de seu Pai. O que se destaca
é a diferença entre o Antigo e o Novo Testamento. Ao traduzir
carne por natureza humana, a leitura do texto será feita a partir
da dogmática ulterior da encarnação.
A exegese bíblica do século XX teve como projeto separar
do texto primitivo e das tradições mais antigas que for possível
alcançar a leitura de dogmáticas ulteriores. Não é por pura cu-
riosidade, mas para restituir a verdadeira figura da humanidade
de Jesus, que é o modelo e o caminho de nossa humanidade.
Nenhum de nossos autores quer negar o Concílio de Calcedô-
nia com a proclamação de duas naturezas em uma só pessoa.
Porém, o que incomoda em Calcedônia não é o que diz,
mas sim o que não diz. Expressa a humanidade de Jesus, toda
sua vida humana pela única palavra "natureza". Porém, o ser
humano não é simplesmente uma natureza. Cada ser humano é
uma história, a história de um projeto, uma história de vitórias e
de fracassos, uma história vivida em um contexto determinado
e que recebe seu significado desse contexto. O significado da
morte de Jesus não é simplesmente que ele morreu, mas inclui
todo o contexto de sua morte e como se situa em sua vida .
•
José
Comblin
m
REFLEXÕES A NOTIFICAÇÃO
SOBRE ENVIADA
A JoN50BRINO
dade civil. Uma longa reflexão, não somente teórica mas também
fundada na convivência com o povo dos pobres, mostrou que
essa aliança não deixa espaço à Igreja dos pobres, pois trata os
pobres como mendigos, e hão lhes permite uma ascensão social
e cultural, apesar de todos os bonitos discursos das autoridades,
isto é, das aristocracias dominantes.
Sentimos a necessidade de uma teologia que possa orientar
e estimular a maturidade dos leigos de tal modo que possam
anunciar em sua vida o Evangelho, e não somente fazer o que
os sacerdotes mandam. Daí o recurso de uma nova cristologia,
que tem sido assimilada por muitos católicos com resultados
muito positivos.
Daí a importância das obras de Jon Sobrino neste continente e
a surpresa de todos os que as leram. Não creio que muitos leitores
perderam a fé por haver lido esses livros. Creio, ao contrário, que
um número maior pode perder a fé devido à Notificação.
Algumas coisas podem ser entendidas como ambíguas pelos
defensores da teologia da encarnação. Outras elaborações da
teologia podem ser entendidas como ambíguas pelos teólogos
que buscam uma renovação. Seria necessário um diálogo pro-
longado e pacífico para esclarecer os pontos mais discutidos.
Há alguns pontos da teologia medieval aos que não se
consegue dar significado, dada a evolução social, cultural e
filosófica. Por exemplo, a questão da consciência da divindade
de Jesus. Muitos teólogos medievais adotaram a teoria da visão
beatífica. Porém, não se explica como a visão beatífica pode
entrar em uma consciência humana.
Sabemos que não há consciência sem palavras. Sem a lingua-
gem, o ser humano não pode pensar nem sequer em si mesmo.
Daí nasce o problema: Quais seriam as palavras através das quais
Jesus tomaria consciência de sua divindade? Diria talvez: "Eu
m
José(omblin
sou Javé"? Além disso, nos evangelhos não há nada que nos
permita dizer que Jesus tinha consciência de ser Deus. Nunca
manifestou nada disso a seus discípulos.
Os textos não dizem nada. De onde vem essa teoria? Para ter
essa consciência, Jesus deveria ter uma consciência não verda-
deiramente humana. Seria, portanto, necessário explicar como
Jesus formava conceitos não a partir da experiência mas sim a
partir da visão beatífica. Isso muda a natureza humana: já não
é a natureza que nós temos. O conhecimento humano depende
da experiência, e o conhecimento de Jesus não depende dela. O
conhecimento de Jesus vem de um contato direto com o Pai, o
que lhe permite conhecer a Deus mesmo e também a totalidade
de tudo o que existe.
Essa teoria tem como efeito aumentar a distância entre a
nossa humanidade e a humanidade de Jesus, que funcionaria
de modo radicalmente diferente. Temos a impressão de que os
medievais quiseram glorificar a Jesus antes de sua ressurreição e
dar-lhe uma forma de conhecimento que somente seria possível
aos seres humanos depois da ressurreição. Pois bem, a natureza
humana de Jesus não seria semelhante à nossa e a humanidade
de Jesus não seria completamente uma humanidade mas sim
uma forma de ser intermediária entre os seres humanos e os
eleitos do céu. Não vemos como conciliar essa concepção com
a semelhança na fraqueza afirmada por São Paulo.
Por isso, essa teoria não suscita muito entusiasmo até que seja
definida pelo Papa ou por um Concílio, de modo irrevogável.
ANotifzcação faz restrições à expressão "Igreja dos pobres".
No entanto, essa expressão foi usada por João XXIII e foi
adotada por muitíssimas conferências episcopais na América
Latina, Era um retomo ao Novo Testamento. O núcleo inicial
da Igreja, que foi o grupo dos apóstolos, era visivelmente uma
•
REFLEXÕES
SOBRE
ANOTIFICAÇÃO
ENVIADA
AJoNSoBRINO
m
Cristologia e espiritualidade
que nos nutrem
CONFER-
CoNFERÊNCIA DOS RELIGIOSOS DA NICARÁGUA
Manágua, Nicarágua
m
CONFER
m
CONFER
m
O Jesus da história,
os cristas da fé e a
esperança de que
outro mundo é possível
LEE CüRMIE
Toronto, Canadá
Introdução
A partir da década de 1960, uma série de "novas" vozes ir-
rompeu em todo o mundo em movimentos de libertação, justiça
social e ecojustiça, revelando os imensos mundos dos povos
pobres e marginalizados, introduzindo suas posturas, suas pers-
pectivas e preocupações, expandindo imensamente os diálogos
e debates em todos os campos. Nesse processo Jon Sobrino
tomou-se amplamente venerado por suas intuições em relação
ao mundo dos pobres, sua dedicação em reler a Bíblia e a vida
e a morte de Jesus a partir dessa perspectiva, sua criatividade
em re-marcar a cristologia, a eclesiologia e a espiritualidade
nesses termos, e sua insistência escandalosa de que a justiça
m
LeeCormie
O Jesus da história
Durante conversas em comunidades cristãs pobres de El
Salvador durante a Semana Santa de 1989, algumas pessoas me
disseram: "Vemos nossas vidas na Bíblia e a Bíblia em nossas
vidas". E nenhum especialista provou mais profundamente que
Sobrino esta fusão de horizontes do povo pobre e a Bíblia e suas
implicações para a esperança e a fé hoje. Cinco contribuições,
em particular, destacam-se.
Em primeiro lugar, a peregrinação de alguém originalmente
não-pobre no mundo do pobre tem significado um movimento
fora dos círculos da cultura da classe média, e da especialização
bíblica e teológica, para encontrar o imenso mundo do pobre.
Ouvindo essas vozes e meditando sobre os seus sofrimentos, mas
m
0 JESUS OSCRISTOS
DAHISTÓRIA, DEQUE
DAFÉEAESPERANÇA ÉPOSSÍVEL
MUNDO
OUTRO
m
LeeCormie
m
Ü JESUS
DAHISTÓRIA, DAFEEAESPERANÇA
OSCRISTOS DEQUE
OUTRO EPOSSÍVEL
MUNDO
m
LeeCormie
•
ÜJESUS
DAHISTÓRIA,
OSCRISTOS
DAFÉEA ESPERANÇA
DEQUE
OUTRO
MUNDO
ÉPOSSÍVEL
•
LeeCormie
Bibliograf,a
DussEL, Enrique. World-system and "trans"-modernity. Trad. Ales-
sandro Fornazzari. Nepantla 3, n. 2 (2002) 221-244.
GENERAL Command of the Zapatista Army of National Liberation
- Clandestine Revolutionary Indigenous Committee. Words of
the EZLN in Puebla". Puebla, México, 2001. Disponível em:
<http ://flag.blàckened.net/revolt/mexico/ezln/2001/ ccri/ ccri_
puebla_feb.html>. Acesso em: 18.9.2006.
McKrnBEN,Bill. Climate change and the unraveling of creation. Chris-
tian Century 116,n. 334 (8.12.1999) 1196-1199. Disponível em:
<http:/ /www.religion-online.org/ showarticle.asp?title= 1518>.
Acesso eni: 13.9.2005.
ÜJESUS
DAHISTÓRIA,
OSCRISTOS
DAFÉEA ESPERANÇA
DEQUE
OUTRO
MUNDO
ÉPOSSÍVEL
Notas
"[ ...] devemos ser históricos no próprio processo de refletir sobre
Cristo e ao analisar o conteúdo da cristologia" (SoBRINO,1978, p.
xxi).
"[ ...] o ato de teologizar é, de fato, em si mesmo, um processo
trinitário ..." (SOBRINO,1978, p. xxiii).
EDUARDO DE LA SERNA
Quilmes, Argentina
•
DANOTIFICAT/0
ANALISE (NOTIFICAÇÃO)
APARTIR
DEUMAPERSPECTIVA
BÍBLICA
E
Eduardo
delaSerna
Posto que ninguém com conhecimentos bíblicos negaria que a
fé é "encarnada" (esse é o sentido do termo hebraico 'aman) e que
Jesus escolhe falar "a partir do lugar do pobre" - ninguém pensaria
que as parábolas ou as bem-aventuranças de Jesus são discursos
acadêmicos, o que levou o biblista alemão J. Jeremias a afirmar
que "o Reino pertence unicamente aos pobres. [...] Deus oferece
a revelação, não para os teólogos eruditos, mas para os incultos"
(Teología dei Nuevo Testamento. Salamanca, 1974. p. 142. [Ed.
bras.: Teologia do Novo Testamento. São Paulo, Paulus, 2004.]).
Só quem lesse a Bíblia exclusivamente a partir de um escritório
poderia negar que "a Boa-Notícia é proclamada aos pobres" (Mt
11,5; Lc 4,18), que a Igreja é Igreja dos pobres (João XXIII, João
Paulo II), e a fé dos pobres e a situação de vida e de morte dos
pobres são o lugar privilegiado a partir de onde essa vida e essa fé
devem tornar-se "palavra sobre Deus" (theo-logía).
Com este ponto de partida, a Notificatio (Notificação) "parece
insinuar", "dá margem à suspeita" de que para alguns teólogos
deve-se fazer exegese e interpretar a Bíblia (e não em todos os
casos, como veremos), mas aceitar "explicitis verbis" (ao pé
da letra) os concílios e os dogmas, como se esses não tivessem
nascido e se expressado em uma linguagem e em um tempo
determinados. Assim dirá aNotificatio (Notificação): a Sobrino
"não importa que o sujeito transtemporal da fé seja a Igreja
crente e que os pronunciamentos dos primeiros concílios tenham
sido aceites e vividos por toda a comunidade eclesial" (n. 3).
A obra de Sobrino - é evidente - tem duas grandes partes,
a primeira (Jesus Cristo libertador) mais centrada no "Jesus
histórico" e a segunda (A fé em Jesus Cristo) mais atenta às
"confissões de fé". A Notificatio (Notificação) não parece ter
levado isso em conta (ou não ter querido levar isso em conta).
Detenhamo-nos por um instante na primeira parte, Jesus, o
libertador.
ANÁLISE
DANortFICAT/0
(NOTIFICAÇÃO)
A PARTIR
DEUMAPERSPECTIVA
BÍBLICA
•
Eduardo
delaSerna
Isso que Sobrino afirma não é diferente do que pensa uma grande
quantidade de estudiosos, católicos ou não, em seus trabalhos sobre
o Jesus histórico; até mesmo grandes teólogos como K. Rahner.
Os eruditos romanos pretendem responder a essa proposição de
Sobrino afirmando que "não se tomam devidamente em conside-
ração as passagens evangélicas onde Jesus atribui à sua morte um
significado em ordem à salvação: De modo especial Me 10,45 [ ...]
e as palavras da instituição da eucaristia: "Este é o meu sangue da
aliança, que será derramado por muitos" (n; 9).
Precisamente, afirmar que "Jesus.atribui" deveria vir acom-
panhado por algum dos muitos métodos ou critérios de acesso
a Jesus, coisa que a Notificatio (Notificação) não faz. Como
dissemos, a grande maioria dos estudiosos afirma que o "prisma
pós-pascal" é o que dá à morte de Jesus tal interpretação; ou
seja, que Jesus, ante a proximidade da morte--:- que com toda
probabilidade via como cada vez mais iminente, como uma
conseqüência de sua plena fidelidade. a Deus revelado como
Pai e aos desprezados revelados como irmãos - , não pa-
rece ter dado um sentido específico a essa morte literalmente
enfrentada. O cristianismo primitivo, que anuncia que esse
Jesus é "Messias", deve enfrentar a dúvida e o debate com
seus irmãos judeus: onde se fala de um "Messias" derrotado?
Certamente, será a Bíblia que lhes deverá dar esse sentido e a
resposta, e os cantos do Servo Sofredor de Javé de Isaías serão
o primeiro texto que permitirá dizer que "morreu ... segundo as
Escrituras". Além disso, afirmar que essa morte é vicária: "por
nossos pecados" (lCor 15,3, que é, provavelmente, o texto de
tradição mais antigo de todo o Novo Testamento). É essa mesma
chave de "morte ... por" que os cristãos refletirão nos evangelhos
quando anunciarem Jesus em suas comunidades, portanto a que
dará sentido à morte, vista como "resgate" (assim Me 10,45)
ou nas palavras da ceia, que certamente foram transmitidas e
a
DANOTIFICAT/0
ANALISE (NOTIFICAÇÃO)
APARTIR
DEUMAPERSPECTIVA
BÍBLICA
D
Eduardo
delaSerna
•
Jesus Cristo como chakana.
Esboço de uma cristologia
andina da libertação
JosÉ ESTERMANN
La Paz, Bolívia
Introdução
A "opção preferencial pelos/as pobres", definida na 2ª Con-
ferência Geral do Episcopado Latino-americano em Medellín, e
confirmada na 3ª Conferência Geral em Puebfa, vem se contex-
tualizando nos últimos vinte anos para grupos humanos de sexo,
raça e pertença cultural diferentes. No contexto andino, fala-se
de uma "opção teológica e eclesial pelos(as) indígenas", uma
"opção pelos povos esquecidos e marginalizados", uma "opção
pelas religiosidades e espiritualidades autóctones".
A fé dos povos andinos, originários e indígenas se apresenta
como sendo um locus theologicus - um "lugar teológico" - pre-
dileto para desenvolver e reelaborar os principais temas teológicos,
em diálogo intercultural crítico com a tradição dominante e clássica
do Ocidente. A condição de pobres e marginalizados, de "esqueci-
dos" e estigmatizados, dá aos povos indígenas do âmbito andino
uma base hermenêutica excepcional.
A figura de Jesus de Nazaré como o Taytayku ("nosso pai")
ocupa no imaginário religioso dos povos andinos (sobretudo quê-
•
JoséEstermann
T'unupaJesus
: disfarçado de mendigo
No Altiplano peruano e boliviano, entre a povoação quéchua
e aimara continua vivo o mito de T'unupa (ou Tonapa), que na
época colonial se sobrepôs à figura de Jesus Cristo. Eis o teste-
munho de umjaqi aimara de Juli (no extremo sul do Peru): "Meu
avô contava o mito de T'unupa. T'unupa era o filho do deus
Wiraqucha. Deus tinha organizado a terra, o céu, o sol, a lua, as
estrelas e todas as coisas. Depois tinha enviado o seu filho para
ensinar à humanidade uma vida harmoniosa com a natureza. En-
quanto percorria os povoados, ensinava aos camponeses a tirar
o maior benefício possível da terra, sem prejudicá-la; pregava
contra a moleza, a bebedeira e ressaltava os fundamentos da
solidariedade e da misericórdia" (Testemunho pessoal).
Pelas diversas expressões que recebeu, o mito de T'unupa se
torna especialmente interessante para uma reflexão cristológica
libertadora. Uma delas é interpretada como "o Cristo andino",
homem sábio, humilde e pregador da misericórdia. Da mesma
COMO
(RISTO
JESUS ESBOÇO
CHAKANA. CRISTOLOGIA
DEUMA DALIBERTAÇÃO
ANDINA
lnkarri:Jesusressuscitadono meio
do povo andino
Logo depois da conquista, a povoação andina criou um mito
que tem elementos apocalípticos (no sentido bíblico) de resistên-
cia e esperança, além de ser também uma leitura dramática da
situação do povo andino. Conforme o relato, o deus supremo
Wiraqucha tinha dois filhos: Inkarri (este nome é adaptação na
língua quéchua das palavras espanholas "inca" e "rei") e Espan-
harri ("rei da Espanha"). Conforme outras versões, eram Inka
e Jesus. Entre os dois irmãos, aconteceu um conflito de vida e
morte [a Conquista]. Inkarri foi esquartejado por Espanharri,
e suas partes espalhadas pelos quatro ventos (o Tawantinsuyu
o "império das quatro partes", mas agora conquistado).
Apesar de, no início, a povoação autóctone ter identificado
Espanharri com o novo "deus Jesus", muito rapidamente o viu
como encarnação de Inkarri, que sofreu a mesma sorte de Jesus
Cristo na cruz, sob outro império igualmente sangüinário e in-
justo [o Império Romano]. Assim, para a população colonizada
e subjugada dos povos indígenas, Inkarri-Jesus foi-se conver-
COMO
(RISTO
JESUS ESBOÇO
CHAKANA. CRISTOLOGIA
DEUMA DALIBERTAÇÃO
ANDINA
afirma que Cristo é Filho de Deus feito homem. Ele veio à terra
para, através de sua morte na cruz, nos redimir. Entretanto, essa
cristologia popular tem elementos muito próprios que têm a
ver com o pano de fundo do pensamento andino e das mitolo-
gias andinas (entre elas os mitos de T'unupa e de Inkarri). Em
primeiro lugar, para os jaqi e runa andinos, Jesus é despojado
quase completamente dos seus aspectos históricos. Os dois
marcos cristológicos são o nascimento (Natal) e a morte na
cruz (Semana Santa), culminando na Páscoa da Ressurreição
e recordada novamente na Festa da Cruz (3 de maio). Nem a
pregação de Jesus, nem seus milagres relatados no Novo Tes-
tamento desempenham um papel importante na religiosidade
andina. A ressurreição é associada com a Sexta-feira Santa ou
com o pachakuti (cataclismo) andino da restituição cósmica
da ordem.
Em segundo lugar, Jesus é venerado sobretudo corno "tay-
tacha (paizinho) milagroso", sob as múltiplas manifestações
sagradas ou cristofanias. Assim, recebe nomes e títulos muito
diversos. No Peru, por exemplo, é conhecido corno "Senhor
dos Milagres", "Senhor dos Tremores", "Senhor de Huanta",
"Senhor de Qoyllur Rit'i", "Senhor deAchajrapi". Cada Cristo
particular (ou cada hierofania de Cristo) rnanif esta um traço ou
aspecto determinado do Cristo universal.
As lendas dessas cristofanias insistem em que taytacha Jesus se
revelou primeiro a um pobre pastor, um lavrador marginalizado.
Freqüentemente, isso produzia um conflito com o poder eclesiásti-
co oficial, que pretendeu, em um primeiro momento, desautorizar
a obra milagrosa do taytacha. Entretanto, apesar das advertências
e proibições do clero colonial, o povo autóctone adotou o Cristo
milagroso e o tornou seu (taytacha Jesus Cristo). As representa-
ções artísticas e lendárias dessas cristofanias mostram Jesus com
traços indígenas, pele escura e revelações em quéchua.
CRISTO
JESUS ESBOÇO
COMOCHAKANA. DALIBERTAÇÃO
ANDINA
DEUMACRISTOLOGIA
•
COMO
(RISTO
JESUS ESBOÇO
CHAKANA. CRISTOLOGIA
OEUMA OALIBERTAÇÃO
ANOINA
E
JoséEstermann
E
JESUS
(RISTO
COMO
CHAKANA.
ESBOÇO
DEUMA
CRISTOLOGIA
ANDINA
DALIBERTAÇÃO
BENEDITO FERRARO
Campinas, Brasil
E
Ferraro
Benedito
•
JESUS
CRISTO
LIBERTADOR:
CRISTOLOGIA
NAAMÉRICA
LATINA
ENO(ARIBE
•
JESUS
CRISTO
LIBERTADOR:
CRISTOLOGIA
NAAMÉRICA
LATINA
ENO(ARIBE
A modo de conclusão
A volta ao Jesus histórico na cristologia latino-americana
e caribenha aponta para algumas aquisições que queremos
realçar.
Com a entrada de cristãos e cristãs na luta política de liberta-
ção dos pobres e excluídos na América Latina, Caribe e, concre-
tamente no Brasil, e com o surgimento das Comunidades Ecle-
siais de Base, das pastorais sociais, da Teologia da Libertação,
houve um processo de reconstrução da imagem despedaçada
de Jesus. A presença dos pobres como centralidade da reflexão
teológica acabou possibilitando a reaproximação com o Jesus
de Nazaré, pobre como os pobres e lutador contra as injustiças,
como muitos daqueles( as) que começaram a participar da ex-
periência eclesial nascida do Vaticano II e de Medellín.
O acesso ao Jesus da história se deu na Igreja sobretudo a
partir das Comunidades Eclesiais de Base. Essa presença dos
pobres e a cristologia da libertação possibilitaram a reconstrução
da imagem histórico-humana de Jesus, com a valorização da
sua prática histórica. A morte de Jesus foi sendo vista não mais
como um destino fatalista mas sim como conseqüência de sua
vida, do anúncio do Reino a partir dos marginalizados de seu
tempo. A condenação à morte de cruz foi compreendida como
resultado do enfrentamento com os poderes religiosos, políti-
cos e econômicos da Palestina do século I, valorizando, dessa
maneira, seu testemunho histórico .
•
JESUS
CRISTO
LIBERTADOR:
CRISTOLOGIA
NAAMÉRICA
LATINA
ENO(ARIBE
Notas
CELAM,PUEBLA,Mensagem aos povos da América Latina, n. 9.
2 CATÃO,B. Salut et rédemption chez S.Thomas d' Aquin. Paris, Aubier,
1965, p. X.
ScHILLEBEECKX, E. História humana, revelação de Deus. São Paulo,
Paulus, 1994, p. 166.
4 "Cristologia e eclesiologia são inseparáveis porque toda confissão cristo-
Benedito
Ferraro
93.
16 Tmu, D. The theology ofliberation inAfrica. ln: APPIAH-KuBI, K. & TOR-
RES,S. (eds.).African Theology onroute. NewYork, OrbisBooks, 1979,
p. 163, citado por GUTIÉRREZ, G. Falar de Deus a partir do sofrimento
do inocente. Petrópolis, Vozes, 1987, p. 15.
17 Embora o conceito de "Terceiro Mundo" seja ambíguo, ele pode "se
Ili
Benedito
Ferraro
E
Eduardo
Frades
Gaspar
•
VISÃO
GLOBAL
DEJESUS NANOTIFICAÇÃO
CRISTO SOBRE
JoNSOBRINO.
REFLEXÕES
SOBRE
OUSO
DABfBLIA
Nota
N.E.: Expressão que alude a uma questão ou contenda famosa.
A fé apostólica
Começaremos seguindo de perto o comentário de Bento XVI
na audiência de 28 de março de 2007, ao apresentar Santo Irin~u
de Lião, um dos grandes teólogos e pastores da cristandade.
Comenta o papa que no centro de seu pensamento está a questão
da "regra dafé" e de sua transmissão. Para Irineu, a "regra da
fé" coincide, na prática, com o "Credo" dos apóstolos, e nos dá
a chave para interpretar o Evangelho, para interpretar o Credo
à luz do Evangelho. O símbolo apostólico, que é uma espécie
de síntese do Evangelho, ajuda-nos a compreender o que quer
dizer, o modo como devemos ler o próprio Evangelho.
LuisArturoGarcía
Dávalos
E
LuisArturoGarcía
Dávalos
Notas
SEGUNDO, Juan Luis. La historiaperdida y recuperada de Jesús de Nazaret.
Sal Terrae, Santander.
2
SOBRINO, Jon. Jesucristo liberador. CRT-UIA, México, 1991.
JoÃo PAULOII. Carta aos bispos brasileiros, reunidos em Itaici; cf.
CHRISTUS, abril 1986, pp. 59-60.
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DAFÉ. Notificação sobre as obras do
Pe. Jon Sobrino s.j.: Jesucristo liberador. Lectura histórico-teológica
de Jesús de Nazaret (Madrid, 1991) e Laje en Jesucristo.
Em seu livro Jesucristo liberador, o Pe. Jon Sobrino afirma: "A cris-
tologia latino-americana[ ... ] determina que seu lugar, como realidade
substancial, são os pobres deste mundo, e esta realidade é a que deve
estar presente e transir qualquer lugar categorial onde é realizada" (p.
47). E acrescenta: "Os pobres questionam a fé cristológica dentro da
comunidade e oferecem-lhe sua direção fundamental" (p. 50); a "Igreja
dos pobres é[ ... ] o lugar eclesial da cristologia, por ser uma realidade
configurada pelos pobres" (p. 51). "O lugar social é, pois, o mais decisivo
para a fé, o mais decisivo para configurar o modo de pensar cristoló-
gico e o que exige e facilita a ruptura epistemológica" (p. 52). Mesmo
reconhecendo o apreço que merece a preocupação pelos pobres e pelos
oprimidos, nas frases citadas, esta "Igreja dos pobres" situa-se no posto
que corresponde ao lugar teológico fundamental, que é apenas a fé da
Igreja; nela qualquer outro lugar teológico encontra a justa colocação
epistemológica. O lugar eclesial da cristologia não pode ser a "Igreja dos
pobres" mas a fé apostólica transmitida pela Igreja a todas as gerações.
O teólogo, por sua vocação particular na Igreja, há de ter constantemente
presente que a teologia é ciência da fé. Outros pontos de partida para
o trabalho teológico correrão o risco da arbitrariedade e acabarão por
desvirtuar os conteúdos da própria fé.
Contra as heresias, 3,24,1.
BENTOXVI. Audiência geral, quarta-feira, 28 de março de 2007.
JoÃo PAULOII. Novo millennio ineunte, n. 49.
JoÃo XXIII. Radiomensagem a propósito da inauguração do Concílio
Vaticano II, 11 de setembro de 1962.
IVONE ÜEBARA
Camaragibe, Brasil
e
IvoneGebara
•
Os evangelhos e as fórmulas
dos concílios antigos:
texto e contexto
EDUARDO HoORNAERT
Salvador, Brasil
Notas
AaosTJNHo.Confissões. São Paulo, Ed. Abril, 1973. Cap. 3: Como aprendi
a falar. Col. Os Pensadores VI.
2
OLIVEIRA,M. A. de. Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia
contemporânea. São Paulo, Loyola, 1997. pp. 119-126,
O termo "jogo com palavras" (Sprachspiele) vem do filósofo austríaco
Wittgenstein, mas a idéia de armações intencionais por meio de palavras
é compartilhada por muitos filósofos lingüistas.
4
No seu Grundlage der Aritmetik. O "holismo semântico" de Frege
será chamado Sprachspiel por Wittgenstein. Veja OLIVEIRA. Op, cit.
pp. 59-69.
SHEILS, W. J. & Wooo, D. (Ed.). Voluntary religion. Oxford, Basil Black-
well, 1986.
Para a distinção entre "dialogal" e "autoritativo", veja: BAKHTIN, M. M.
The dialogic imagination: four essays. Org. M. Holquist. Austin, Uni-
versity of Texas Press, 1981.
Vita Constantini, 3, 15. Cit. CRossAN,J. D. O Jesus histórico: A vida de
um camponês judeu do Mediterrâneo. Rio de Janeiro, Imago, 1994. p.
462.
MEYENDORFF, J. Imperial unity and christian divisions (The Church 450-
680 A.D.). Crestwood, NY, St. Vladimir 's Seminary Press, 1989.
HARNACK, A. von. Lehrbuch der Dogmengeschichte. Tübingen, Mohr,
1886. Re-edições em 1888, 1894, 1909, 1931 e 1990. Entre 1886 e 1909
o autor revisou e atualizou o texto. Usa-se, hoje, a edição de 1990, em
três volumes.
10 SPONG,J. S. Um novo cristianismo para um novo mundo. Campinas,
Verus, 2006.
11 A escravização de imensos contingentes humanos, praticada durante
séculos por nações cristãs, só foi condenada no documento Gaudium et
spes, do Concílio Vaticano II, em 1965, e ainda em termos vagos.
Provocação cristológica
DIEGO lRARRÁZAVAL
Santiago, Chile
•
Diego
lrarrázaval
•
PROVOCAÇÃO
CRISTOLÓGICA
Notas
Cf., por ex., SoBRINO,J. Cómo hacer teología? Sal Terrae (1989), pp.
307-317; Oprincípio misericórdia - descer da cruz os povos crucificados.
Petrópolis, Vozes, 1994; A salvação que vem a partir de baixo. Concilium
314 (2006), pp. 29-40.
2
Cf. SoBRINO, J. Cristologia a partir da América Latina. Petrópolis, Vozes,
1983; Jesus, o libertador: a história de Jesus de Nazaré. Petrópolis, Vo-
zes, 1994; A Fé em Jesus Cristo: ensaio a partir das vítimas. Petrópolis,
Vozes, 2000; e muitas outras obras.
Cf. Revista Latinoamericana de Interpretación Bíblica (a partir de 1988);
TEPEDINO, A. M. Las discípulas de Jesús. Madrid, Narcea, 1994; NAVIA,
C. El Deus que nos revelan las mujeres. Bogotá, Paulinas, 1998; Refle-
xiones para Semana Santa y Pascua. Bogotá, Paulinas, 1999; DA SILVA,
A. A. "Jesus Cristo luz e libertador do povo afro-americano". Existe um
pensar teológico negro? São Paulo, Paulinas, 1998; LOPEZ,E. Cristología
indígena y la evangelización inculturada. Teología Índia. Cochabamba,
Verbo Divino, 2000; VV.AA. Teología con rostro de Mujer. Manágua,
Revista Alternativas, 2000; CERVINO, L. El Resucitado, mediadores/as
andinos/as y Jesucristo. Teología Andina. La Paz, Iseat, 2006. v. 2, pp.
105-134.
4 Cf. duas compilações, SuGIRTHARAJAH, R. S. (ed.). Asian Faces of Jesus.
London, SCM Press, 1993; MuGAMBI, J. N. K. & MAGESA, L. (eds. ). Jesus
in African Christianity. Nairobi, Acton, 2003.
PAUL F. K.NITTER
Nova York, Estados Unidos
•
PaulF.Knitter
•
AREDESCOBERTA NATEOLOGIA
DOREINO
E
JoãoBatistaLibanio
•
AREDESCOBERTA
DOREINO
NATEOLOGIA
Conclusão
A ordem bíblica: Reino, Jesus, Igreja. O Reino ilumina a
pregação de Jesus. Jesus define-se pelo Reino, como exterio-
ridade pregada e como identidade realizada. A Igreja refere-se
aos dois sob o aspecto de deixar-se julgar por eles e de ser-lhes
sacramento em benefício da humanidade.
Notas
ScHNACKENBURG, R. Gottes Herrschaft und Reich: eine biblisch-teolo-
gische Studie. Freiburg, Herder, 1958.
2 CONCÍLIO VATICANO II. Lumen gentium, n. 5.
3 NEUTZLING, Inácio. O Reino de Deus e os pobres. São Paulo, Loyola,
1986.
4 DUPONT, J. Les béatitudes. Paris, J. Gabalda, 1969. v. II: La bonne nou-
velle, p. 15.
5 LoHFINK,N. Option fo.r the poor. The basic principie of liberation the-
ology in the light of the Bible. 2. ed. Berkeley-CA, Bibal Press, 1995.
pp.15ss.
6 AAS 54 (1962) 682.
7 BARREIRO, Álvaro. Os pobres e o Reino. Do evangelho a João Paulo II.
São Paulo, Loyola, 1983. p. 119.
Um tal Jesus
CARLOS MESTERS
São Paulo, Brasil
isso tem a ver com o Reino de Deus. O que será que ele quer
dizer com isso?". E aí se pode imaginar as longas conversas do
povo em tomo das parábolas que Jesus lhe contava. O mesmo
faziam, por exemplo, as mães a partir das parábolas de Jesus
sobre o sal, a comida, as crianças, as velas etc. A parábola leva
a pessoa a refletir sobre sua própria experiência e faz que esta
experiência leve-a a descobrir a presença de Deus nas coisas da
vida: sal, vela, luz, semente, crianças, comércio, desemprego,
corrupção, assalto, passarinho, capim etc. A parábola modifica
a forma de olhar, transformando a pessoa em uma observadora
da realidade. Toma a realidade transparente. Era esse o modo
de Jesus ensinar ao povo as coisas de Deus. Em Jesus, tudo era
revelação daquilo que o animava por dentro! Ele não só falava
sobre o Reino. Ele mesmo era uma amostra, um testemunho
vivo do Reino. Nele transparecia aquilo que acontece quando
um ser humano deixa Deus reinar; deixa Deus tomar conta de
sua vida. Pois o que vale mesmo não são as palavras, mas sim
o testemunho, o gesto concreto.
Notas
Para Jon Sobrino, fiel discípulo de Jesus, com amizade, admiração e
gratidão pelo testemunho recebido.
2 Neste artigo foi utilizado o livro Círculos bíblicos, de Francisco Orofino
e Carlos Mesters, com o objetivo de ajudar o povo a se preparar para a
V Conferência do Celam.
A Notificaçãoa Jon Sobrino
RONALDO MUNOZ
Santiago do Chile, Chile
Notas
Petrópolis, Vozes, 1983.
2 de Teología,San Salvador,set/dez. 2006,pp. 219-261.
RevistaLatinoamericana
3 Jesus na América Latina: seu significado para a fé e a cristologia.
Petrópolis, Vozes, 1985, do prólogo, pp. 10s.
4 Do final de "Extrapauperes nullasalus", cit., p. 257.
RICARDO RENSHAW
Montreal, Canadá
•
0 SENHOR
DOSMILAGRES
Notas
N. T: Muitas explicações podemos encontrar para o "mês morado". Aqui,
refere-se à grande religiosidade ao redor da imagem do Cristo Moreno,
do Senhor dos Milagres, do Cristo de Pachacamilla. Esta devoção tem
os seus inícios no século XVI, quando um negro angolano que vivia num
bairro de Lima (Pachacamilla) pintou uma singela imagem de Cristo no
salão de reuniões da sua confraria. Essas confrarias eram organizações
piedosas, nas quais os escravos africanos, depois da dura jornada de
trabalho, costumavam reunir-se, aprendiam e praticavam preceitos ca-
tólicos, prestavam ajuda aos companheiros em casos de doença e morte
e recordavam e preservavam os seus costumes. Numa das paredes do
galpão é que o escravo angolano pintou a imagem de Cristo na cruz.
E então deu-se início à devoção entre os negros, a qual, depois, foi-se
espalhando pelo país. Também temos de levar em conta que o céu de
Lima, no mês de outubro, toma-se de cor morada, entre o carmim e o
azul. Por isso, no discurso religioso de muitos grupos eclesiais, o mês de
outubro, pela cor do céu, é um convite para a penitência e a devoção.
RENsHAw,Ricardo. La tortura en Chimbote: un caso en el Perú. Chimbote,
IPEP, 1985. p. 68.
JEAN RICHARD
•
AIGREJA
DASNOTIFICAÇÕES
Conclusão
Essas reflexões nos levam às seguintes conclusões. A
teologia empregada pelo Vaticano na Notificação causa cons-
trangimento para os católicos. Não podemos nos alegrar com
o uso do poder espiritual para desacreditar um dos teólogos
mais fiéis e produtivos da Igreja; isso é muito triste. Porém,
o que mais nos intranquiliza é a direção sectária para a qual
alguns de seus dirigentes estão conduzindo a Igreja. Os va-
lores profundos da Igreja das notificações correm o risco de
se distanciarem dos valores do Evangelho.
Referências
FC METZ,Johann Baptist. Followers of Christ: The Religious Life and
the Church (Discípulos de Cristo: A Vida Religiosa e a Igreja). New
Cork, Paulist Press, 1978.
FHS METZ,Johann Baptist. Faith in History and Society (Fé na História e
na Sociedade). London, Burns & Oates, 1980.
PS METZ,Johann Baptist. Poverty of Spirit (Pobreza de Espírito). Mahwah
(N.J.), Paulist, 1968 (1998).
PG METz,Johann Baptist. A Passionfor God (Paixão por Deus). Mahwah
(N.J.), Paulist, 1998.
TW METZ,Johann Baptist. Theology of the World (Teologia do Mundo).
New York, Herder & Herder, 1969.
AIGREJA
DASNOTIFICAÇÕES
p ABLORICHARD
San José, Costa Rica
A grandeheresiahojedominante:
nãocrernaplenahumanidade doJesus
histórico
Desde o Jesus histórico antes de sua morte (anos 30) até a
definição do dogma cristológico nos quatro primeiros Concí-
PabloRichard
Segundo: a fé de Jesus
Continuamos recordando o pensamento de Jon Sobrino, para
reafirmar nossa busca do Jesus no qual cremos. Jon nos lembra
que uma interpretação dos quatro evangelhos que desconheça
a fé de Jesus não só nega sua plena historicidade mas ignora
também o mistério mais profundo de sua pessoa: sua fé. A fé
foi o modo de existir de Jesus. A história de Jesus é a história
da fé de Jesus. Jesus não se relaciona com seu Pai em uma
visão beatífica permanente, mas em uma vida de fé, com toda
a obscuridade e risco que isso implica.
A fé de Jesus diz respeito não somente ao Pai mas também
ao Reino de Deus. Por não ler os evangelhos a partir da ótica
da fé de Jesus, não entendemos a exigência de fé que Jesus faz
a seus discípulos. Fé significa não possessão de Deus e de seu
reinado mas sim busca constante e crente do Reino de Deus.
Essa busca tem a ver com as tentações e a ignorância de Jesus.
EM
QUAL
JESUS
A IGREJA
CR~?
Notas
Jesús de Nazaret, el Hijo de Dios. 2. ed. San Salvador, UCA, 2001.
2 Cristología desde América latina. Esbozo a partir del seguirniento del
Jesús histórico. México, CRT, 1976.
JosÉSÁNCHEZ SÁNCHEZ
Ciudad Guzmán, México
Introdução
Já faz dezesseis séculos que na Igreja tem-se dado mais im-
portância à divindade de Cristo do que à sua humanidade. Em
alguns casos caiu-se na heresia de facto de um "monofisismo",
escondendo e quase prescindindo da humanidade de Jesus e
dando maior ênfase à sua divindade.
Muitos pensam que Jesus foi um super-homem, com poderes
especiais, dos quais tirava proveito em diversas situações de
sua vida. Assim, Jesus não seria um homem como nós, com um
processo pelo qual teve de ir aprendendo, e com tentações e limi-
tações humanas, mas que desde pequeno já manifestava poderes
superiores. Essa tendência deu-se já nos últimos anos do século 1.
Na Primeira Carta de João ( 1, 1-4, 4,2), a primeira em ordem de
numeração e a última em ordem cronológica, convida-nos a cui-
dar dos que pensam que a carne e a morte de Jesus foram apenas
aparentes. "Nisso conhecerão que possuem o Espírito de Deus.
Se reconhecem que Jesus Cristo é verdadeiramente homem,
pertencem a Deus, mas se não o reconhecem, não pertencem a
Deus. Pertencem, antes, ao Anticristo" (lJo 4,2-3).
JoséSánchez
Sánchez
A ressurreiçãode Jesus,princípio
histórico e teológico da fé em Jesus
A fé dos discípulos que nos é transmitida através do Novo
Testamento revela-nos que eles manifestaram a sua fé plena
apenas depois da ressurreição. Isso não quer dizer que tenha
sido uma invenção pós-pascal por parte deles e que não tivesse
nenhuma relação com o Jesus histórico. Os discípulos não pode-
riam ter aceitado a fé cristológica em Jesus como Filho de Deus
se não tivessem tido a experiência do Jesus pré-pascal.
Em Mateus há duas passagens em que o evangelista mostra
que os discípulos, já antes da Páscoa, tinham uma fé claramente
cristológica (Mt 14,33 e 16,16). Respondem mais a motivos
teológicos do evangelista do que a uma precisão histórica. Em
JoséSánchez
Sánchez
li
A fé de Israel é uma fé histórica. Deus entra na história da
humanidade para fazer dela uma história da salvação. Deus salva
através de acontecimentos históricos, que são a expressão e o
meio da realização de sua salvação. Assim, os credos de Israel são
profissões de fé da intervenção salvífica de Deus na história. Isso
se pode ver em Dt 26,5-11. Portanto as profissões de fé israelitas
não são confissões de verdades abstratas, mas de acontecimentos
onde Israel reconhece a força salvadora de Deus.
A fé dos discípulos está baseada em acontecimentos históri-
cos, portanto na experiência que tiveram de Jesus em sua vida na
Galiléia e em Jerusalém antes da Páscoa. Não é possível pensar
que a sua fé pós-pascal não tenha um fundamento histórico. Se
a sua fé fala do processo que culmina na exaltação de Cristo
e na ressurreição é porque foram testemunhas desse processo
desde antes da ressurreição.
Conclusão
Jesus, Verbo encarnado, é semelhante a nós em tudo, menos
no pecado (Hb 4,15 e Prefácio dominical VII), portanto, tam-
bém no histórico, no processo que seguiu em sua vida, em seu
ir-se fazendo Filho de Deus encarnado. Ele conseguiu colocar a
serviço de seu ser Filho de Deus todas as capacidades humanas,
na ressurreição. Nela chegou a ser o Reino de Deus em Pessoa
(autobasileia tou Theou), segundo Orígenes.
Nós, assim como Jesus, temos um processo em nossa fé, pelo
qual vamos crescendo em nosso ser de discípulos e discípulas e
em nosso compromisso que vai-se aprofundando cada vez mais.
O vivê-lo ao estilo de Jesus faz-nos os seus seguidores, faz-nos
ir atrás dele, segui-lo pelo caminho da cruz até a ressurreição.
Com um caminho de seguimento também nós vamos colocando
as nossas capacidades a serviço do projeto de Deus.
STEFAN SILBER
Potosí, Bolívia / Würzburg, Alemanha
Os Cristas ocultos
Para Michel Foucault, existem lugares construídos pela socie-
dade como "outros lugares". 3 São lugares "diferentes" daqueles
StefanSilber
Notas
Devo muitas idéias neste parágrafo, acima de tudo a do desenvolvimento
dogmático, ao estilo triai and errar a Juan Luis Segundo: O dogma que
liberta (São Paulo, Paulinas, 2000).
2
Cf. CONCÍLIO VATICANO II, Gaudium et Spes, n. 22.
Chama-os de "heterotopias", contrastando-os com as "utopias". Cf.
http ://www.foucault.info/ documents/hetero Topia/foucault.heteroTopia.
fr.html.
EZEQUIEL SILVA
Buenos Aires, Argentina
•
ACENTRALIDADE
DOREINO
DEDEUS
NACRISTOLOGIA
DALIBERTAÇÃO
AFONSO M. L. SOARES
São Paulo, Brasil
Atenção às entrelinhas
A recente Notificação emitida pela Congregação para a
Doutrina da Fé acerca de duas obras consagradas de nosso irmão
na fé Jon Sobrino baseia-se, como é natural, em alguns pres-
supostos. Alguns são explícitos; outros, nem tanto. Explícita,
por exemplo, é a convicção de que "somente a partir da fé ecle-
sial, o teólogo pode adquirir, em comunhão com o Magistério,
uma inteligência mais profunda da palavra de Deus contida
na Escritura e transmitida pela Tradição viva da Igreja". "A
verdade revelada pelo próprio Deus em Jesus Cristo", assevera
o documento, "e transmitida pela Igreja, constitui o princípio
normativo último da teologia".
"Quem introduz a Igreja na plenitude da verdade" "é o Es-
pírito Santo", "e somente na docilidade a este 'dom do alto' a
teologia é realmente eclesial e está a serviço da verdade". Só
M.L.Soares
Afonso
A Notificaçãogolpeia a hermenêutica
latino-americana
A Notificação garante haver "imprecisões e erros" nas obras
de Jon Sobrino e demonstra preocupação devido à "ampla
divulgação destes escritos". Embora reconheça que "a preo-
cupação do Autor pela sorte dos pobres é apreciável", e que,
"em alguns pontos, o Autor chegou a matizar parcialmente seu
pensamento", vê "em [outros] pontos, notáveis discrepâncias
com a fé da Igreja", porque "não estão em conformidade com
a doutrina da Igreja" (n. 1).
A julgar pelo elenco de temas, provavelmente não teria resta-
do aos olhos curiais quase nada de ortodoxo em Jon Sobrino.
Segundo a Notificação, Sobrino erra: 1) "nos pressupostos meto-
dológicos enunciados( ... ), nos quais fundamenta sua reflexão
teológica"; 2) ao tratar "da divindade de Jesus Cristo"; 3) "da
encarnação do Filho de Deus"; 4) "da relação entre Jesus Cristo
e o Reino de Deus"; 5) "da autoconsciência de Jesus Cristo";
6) "do valor salvífico de sua morte".
Creio não estar sozinho quando leio nas objeções levantadas
contra alguns excertos de Jon Sobrino algo mais que a mera
admoestação a um autor ou livro isolado. O que parece dar sus-
tentação a todo o raciocínio é o que J. L. Segundo já detectara
na famigerada Instrução sobre alguns aspectos da Teologia da
Libertação: "um verdadeiro princípio hermenêutico" que pres-
supõe uma mente teológica não tocada pelo ardor do Vaticano
II. Nesse sentido, faço minhas as palavras de Segundo naquela
ocasião: "Quero deixar expresso que me sinto profunda e plena-
mente atingido por ela [a Notificação]( ...); entendo que minha
teologia (minha interpretação da fé cristã) é falsa se a teologia
do documento for verdadeira ou for a única verdadeira". 1
NASENTRELINHAS
DANOTIFICAÇÃO.
CONSIDERAÇÕES
PRÉVIAS
A UMARESPOSTA
QUEPRECISA
SER CONSTRUÍDA
Maniqueísmo mitigado:
Teologia versusMagistério
O que, sem dúvida, desequilibra o jogo nessa contenda que,
em si, tudo teria para ser legítima é que, no jargão cotidiano,
acabamos admitindo nas entrelinhas como natural a oposição
entre alguns "teólogos" e os membros do "Magistério", vendo
nos primeiros os partidários de certa teologia e nos segundos os
representantes da fé. Ora, tal linguajar é perigosamente impre-
ciso. Os teólogos somos, por princípio, místicos que se arriscam
ao tateante serviço de tradução da experiência revelada em ca-
tegorias conceituais contemporâneas a nossas comunidades de
fé; e o Magistério só pode cumprir sua missão de explicar a fé e
definir seus limites se for capaz de entendê-la - compreensão
esta cujo sinônimo é, justamente, teologia. 4
Essa oposição artificial entre Teologia e Magistério como
grandezas auto-suficientes só pode ser deletéria ao sadio discerni-
mento espiritual a que todos somos convidados ao longo de nossa
peregrinação cristã rumo ao Reino do Pai. O risco que corremos é,
ironicamente, o de vermos reduzidas a vivacidade e a criatividade
da Igreja a um só viés teológico - mais nocivo porque, justamente,
não se assume como "um" "viés", ainda que autoritativo.
Era o que temia Karl Rahner, em carta escrita poucos dias
antes de sua morte e endereçada ao Cardeal de Lima em defesa
de Gustavo Gutiérrez (que era, naquela ocasião, a "bola da
vez"): "Uma condenação ( ...) teria ( ...) conseqüências muito
negativas para o clima que é a condição em que pode perdurar
uma teologia que está a serviço da evangelização. Existem hoje
diversas escolas e isso sempre foi assim( ...). Seria deplorável
se restringíssemos demasiadamente, através de medidas admi-
nistrativas, este pluralismo legítimo". 5
NASENTRELINHAS
DANOTIFICAÇÃO.
CONSIDERAÇÕES
PRÉVIAS
A UMARESPOSTA
QUE
PRECISA
SERCONSTRUÍDA
Do ortodoxo ao veraz:
se hace caminoai caminar
A cristologia de Sobrino é criticada em vários aspectos. O
documento alega que "diversas afirmações do Autor tendem a
diminuir o alcance das passagens do Novo Testamento que afir-
mam que Jesus é Deus" (11.4).Outro excerto isolado é mostrado
como prova cabal de que "o Autor estabelece uma distinção entre
o Filho e Jesus que sugere ao leitor a presença de dois sujeitos
em Cristo". "Não fica claro", na opinião dos notificadores "que
o Filho é Jesus e que Jesus é o Filho" (III.5).
Também é considerada insuficiente a compreensão de So-
brino da communicatio idiomatum, a saber, que "o humano
limitado se prega de Deus, mas o divino ilimitado não se prega
de Jesus" (Laje, 408; cf. 500). Para os teólogos que redigiram a
Notificação, "na linguagem cristã ( ... ) se diz, por exemplo, que
Jesus é Deus, que é criador e onipotente. Não é, portanto, correto
dizer que não se prega de Jesus o divino ilimitado" (n. 6).
A primeira consideração a fazer com respeito a tais juízos de
valor - e que são as mesmas com relação às demais censuras
que seguem até o final do texto curial - é que, se abstraíssemos
o contexto polêmico que define de antemão o lado que sabe e o
lado que erra, estaríamos diante da mais natural e bem-vinda
contenda teológica, como tantas que nos precederam na história.
Uma Igreja respeitosa do inevitável pluralismo teológico que
decorre do Mistério do qual damos testemunho deveria estimular
mais debates, com réplicas e tréplicas em torno de temas tão
vitais à inteligência da fé.
Em segundo lugar, convém admitir que ambas as posições
em disputa aqui são ortodoxas. Mas ortodoxo não é mero
sinônimo de verdadeiro. Da verdade em si de nossas proposições
M.L.Soares
Afonso
Notas
SEGUNDO, J. L. Teologia da Libertação; uma advertência à Igreja. São
Paulo, Paulinas, 1987, p. 23.
2
Cf. RATZINGER J.,Der christliche Glaube. 1968, p. 225. Apud VoN BAL-
THASAR, H. U. Puntos centrales de laje. Madrid, BAC, 1985, p. 123.
SEGUNDO, Teologia da Libertação, cit., p. 24.
4
IDEM,IBIDEM, p. 25.
IDEM,IBIDEM, p. 26. Cf. tb. V ORGRIMLER H., Karl Rahner; experiência de
Deus em sua vida e em seu pensamento. São Paulo, Paulinas, 2006, pp.
159 e 195.
SEGUNDO, J. L. O dogma que liberta. 2 ed. São Paulo, Paulinas, 2000,
cap. 11. Segundo transcreve o trecho da declaração na íntegra, assim
como veio a público no Osservatore Romano, em 24/06/1973, com a
assinatura do Cardeal Prefeito F. Seper.
Ver a respeito o perspicaz ensaio de Ghislain Lafont, em que o autor
propõe que "a verdade teológica [não cabal] se encontra não quando se
tenta reconciliar Platão e Aristóteles, mas sim quando se tenta aliar, com
tato, Boaventura e Tomás", cuja "polaridade simbólica( ... ) talvez seja
a chave do discernimento teológico" (LAFONT,G. História teológica da
Igreja católica; itinerário e formas da teologia. São Paulo, Paulinas,
2000, pp. 303-304).
NEUFELD,K.-H. Die Brüder Rahner. pp. 338-339. Apud: VoRGRIMLER,
Karl Rahner, cit., p. 159.
Teologia do martírio
JosÉ SoLs
Barcelona, Espanha
Notas
A partir de agora, simplesmente "Notificação".
SoBRINO,J. Jesucristo Liberador. Lectura histórico-teológica de Jesús
de Nazaret. Trotta, Madrid, 1991 [Ed. bras.: Jesus, o Libertador: A his-
tória de Jesus de Nazaré. Petrópolis, Vozes, 1994.]; e SoBRINO,J. Laje
en Jesucristo. Ensayo desde las víctimas. Trotta, Madrid, 1999.
O texto da Notificação afirma que seus autores estão estudando estas
duas obras do pe. Sobrino pelo menos desde 2001, o que dá um total de
seis anos de análise.
4
O seu nome aparece uma única vez, mas é em um texto citado do pe.
Sobrino.
PAULO SUESS
São Paulo, Brasil
Sobrino-hermano
Uma mancha imaginária de sangue nas mãos de lady
Macbeth. Sonâmbula, ela se levanta cada noite e, por mais
que limpe as mãos que ofereceram o punhal ao marido para
conquistar o trono, jamais consegue desfazer-se da sensação
de um sangramento contínuo. Foram o encorajamento dela e a
previsão de três bruxas que despertaram em Macbeth a ambição
destemperada. A força mágica das feiticeiras sobre aqueles que
PauloSuess
Cinco passos
Da supervisão à inculturação
Na lógica do Reino, "os pequenos", os que vivem do lado
sombrio do mundo, são caminhos da verdade e porta da vida.
Para eles, a comunidade missionária reserva sempre o melhor:
o melhor tempo, o melhor vestido, o melhor espaço. As vítimas
do anti-Reino não são apenas os protagonistas e os destinatários
PauloSuess
Notas
TAN, Jonathan Y. Missio inter gentes. Towards a new paradigm in the mis-
sion theology of the Federation of Asian Bishops Conferences (FABC).
ln: Mission Studies 21/1 (2004) 65-95, aqui pp. 82ss.
2 RATZINGER, J. Der Dialog der Religionen und das jüdisch-christliche
Verhfiltnis. ln: IDEM. Die Vieifalt der Religionen und der Eine Bund. 3.
ed. Bad Tõlz, Urfeld, 2003. pp. 93-121 - aqui p. 116.
O que está por trás da
Notificaçãosobre Jon Sobrino?
JUNoMo SUNo
São Paulo, Brasil
FAUSTINO TEIXEIRA
Juiz de Fora, Brasil
Introdução
No primeiro número de 2007 da revista internacional de
teologia, Concilium, o teólogo brasileiro, Luiz Carlos Susin,
menciona o "matrimônio fecundo" que une hoje a Teologia da
Libertação (TdL) à teologia do pluralismo religioso. São duas
teologias que se empenham para responder a dois desafios
fundamentais no tempo atual: a responsabilidade global em
favor da justiça social, de defesa da integridade da criação, e o
respeito à diversidade das religiões.
Os teólogos da libertação foram percebendo nos últimos
anos que a tarefa libertadora deve ser compartilhada não só
no âmbito intercultural, mas também inter-religioso, e essa
consciência disponibilizou seus interlocutores ao exercício es-
sencial de fecundação mútua com outras nuances de reflexão
teológica, que acentuam, em particular, a realidade positiva da
compreensão do pluralismo religioso.
Em segmentos importantes da reflexão teológica contem-
porânea, firma-se a consciência de que o pluralismo emerge
como um novo paradigma, provocando uma mudança substan-
Teixeira
Faustino
•
Teixeira
Faustino
Notas
ScHILLEBEECKX, Edward. Gesu, la storia di un vivente. Brescia, Queri-
niana, 1976, p.
Ibidem, pp. 47-48.
Ibidem, p. 48 e James D.G.DUNN.Gli albori dei cristianesimo. La me-
moria di Gesu. Brescia, Paideia, 2006, p. 146 (Fede e Gesu storico ).
4
ScHILLEBEECKX, Edward. Gesu, la storia di un vivente, p. 264.
DuPurs, Jacques. lntroduzione alia cristologia. 3 ed. Casale Monferrato,
Piemme, 1996, p. 32.
ScHILLEBEECKX, Edward. Gesu, la storia di un vivente, pp. 606-607. Este
autor assinala que outras perspectivas cristológicas permaneceram inex-
ploradas em razão da ênfase dada à cristologia joanina. Busca-se hoje
recuperar traços de cristologias, como a cristologia narrativa de Jesus
Servo de Deus, que permite recuperar outras terminologias como a da
"entronização": de Jesus entronizado como Filho de Deus no sentido do
Primeiro Testamento: cf. GEFFRÉ, Claude. Crer e interpretar. Petrópolis,
Vozes, 2004, pp. 221-222. Como mostrou Hans Küng, as primeiras co-
munidades judaico-cristãs elaboraram cristologias "a partir de baixo",
acentuando traços reais, proféticos e sacerdotais de Jesus, mas logo foram
ignoradas, desprezadas e mesmo consideradas heréticas, na medida em
que não se adequavam aos "desenvolvimentos da sempre mais elevada
e complicada cristologia helenista - dos cristãos de proveniência pagã
e de formação clássica": KDNG,Hans. Cristianesimo. Milano: Rizzoli,
1997, p. 111. Conforme Küng, a cristologia começou modestamente "a
partir de baixo", com base na "perspectiva dos discípulos judeus de Jesus:
não com elevadas especulações metafísicas, mas com o interrogativo:
'Quem é este?'(Mc 4,41)": ibidem, p. 112.
Faustino
Teixeira
Nota
Jesucristo liberador. San Salvador, UCAEditores, 1991. v. I, p. 20, citando
DuQuoc, Mesianismo de Jesús y discreción de Dios. Ensayo sobre los
límites de la cristología. Madrid, 1985. p. 11.
JoN SüBRINO
San Salvador, El Salvador
li
Ainda não pude ler o livro com calma, mas mesmo assim
quero dizer uma palavra sobre o título: Descer da cruz os pobres,
emoldurado na bela ilustração de Maximino Cerezo. Comece-
mos com a reflexão sobre "os pobres".
As pessoas da minha geração lembram de um famoso livro
da década de 1960 com o sugestivo título Às voltas com Deus.
JonSobrino
autem hominis, visio Dei". Pois bem, porque assim fez dom
Romero, e para evitar mal-entendidos, quero lembrar que ele
falou também do que é a glória do pobre. Pelo que me consta,
ele não parafraseou ipsis litteris santo Irineu, como na primeira
parte da sentença, mas o fez objetivamente. Nos mesmos dias de
fevereiro de 1980, no meio da morte e dos destroços, pregando aos
pobres e dirigindo-se também a eles, disse: "Nenhum ser humano
se conhece antes que se tenha encontrado com Deus ... Quem me
dera, queridos irmãos, que o fruto da pregação de hoje fosse cada
um de nós ir encontrar-se com Deus". Nem santo Irineu nem dom
Romero viram os seres humanos sem Deus, nem Deus sem os
seres humanos. Dom Romero, além disso, o concretizou. Andou
"às voltas com Deus" e "às voltas com os pobres".
Um segundo esclarecimento. Santo lrineu e dom Romero
são, ambos, membros preclaros da tradição, pois esta não é
medida por calendários, mas pela qualidade. Ambos foram
bispos. Mártires? Dom Romero o foi certamente. Não sabemos
se o foi santo lrineu, ainda que o tenha sido o bispo de Lyon a
quem sucedeu. Santos? Irineu é santo canonizado. Romero, até
hoje, só é servo de Deus, ainda que, para os pobres e os de bom
coração, seja "são Romero da América".
O que queremos afirmar com isso é que "gloria Dei vivens
pauper" é uma sentença de um cristão, bispo e mártir, tão ex-
celente como as de Irineu ou de Agostinho. E se entrelaça numa
tradição maior que atravessa a Escritura e a história da Igreja:
a tradição da dignidade dos pobres. Os pobres têm a seu favor
Mt 25, pois com eles Cristo quis identificar-se de modo especial.
Na Idade Média, eram chamados "vigários de Cristo". Puebla
afirmou a respeito deles que Deus, independentemente de sua
situação pessoal e moral, os "defende e ama", nessa ordem.
Quando é preciso defender alguém, é porque existem inimi-
gos à espreita. No caso, são os ídolos da riqueza e do poder,
EPfLOGO
Ili
Essa centralidade dos pobres é o que mais me veio à mente
ao ver a capa do livro. E sugeriu-me o que, hoje, pode figurar
como "fórmula breve do cristianismo": "Gloria Dei vivens
pauper". Mas há outros aspectos.
Na ilustração de Maximino Cerezo, os pobres -homens
e mulheres - pendem de uma cruz. Essa não é uma metáfora
de economistas nem de "povos crucificados", é linguagem
politicamente correta. Pender de uma cruz pode ser uma lin-
guagem da arte. E entre nós, em todas as partes, é também
linguagem de teólogos e teólogas. Pobres são os empobrecidos,
e muitos deles morrem, lenta e violentamente, por isso. De
fome morrem cem mil pessoas por dia, e a cada sete segundos
uma criança de menos de dez anos. E como a fome pode ser
superada, "uma criança que morre de fome, hoje, morre as-
sassinada". É o que afirma Jean Ziegler, no relatório da ONU
para a alimentação.
Portanto a cruz é tudo, menos uma metáfora. Significa
morte e crueldade, ao que a cruz de Jesus acrescenta inocên-
cia e indefensibilidade. Para os teólogos cristãos, a cruz
remete-nos a Jesus de Nazaré. Ele é o crucificado. Por isso,
ao chamar os pobres deste mundo de povos crucificados, nós
os tiramos do anonimato e conferimos-lhes a máxima digni-
dade. "Vocês são o divino transpassado", disse dom Romero
aos camponeses aterrorizados, sobreviventes do massacre
de Aguilares. "O povo crucificado" é sempre "o" sinal dos
tempos, escreveu Ellacuría.
JonSobrino
IV
A Teologia da Libertação elabora vários conteúdos impor-
tantes. Vou recordar apenas o que fala de Deus como um mistério
absoluto e insiste em sua realidade escandalosa e salvífica: a
transcendência se faz trans-descendência, nas palavras de Leo-
nardo Boff, para ser, assim, condescendência, acolhida, perdão,
amor, libertação.
Fala de Cristo como o sacramento do Pai. Nele se faz pre-
sente a divindade como filiação. E é libertador. Sobre esta
terra, libertador é seu anúncio utópico do Reino e.sua denúncia
EPÍLOGO
V
A última palavra da capa do livro é "libertação". Pode-se
falar também de "salvação" e "redenção". E cada vez inclino-
me mais a falar de "humanização". Cada uma delas tem matizes
diferentes, porém apontam para algo fundamental: a realidade
em que vivemos necessita de uma solução urgente e nada fácil.
Isto afirmou Ignacio Ellacuría em 6 de novembro de 1989, dez
dias antes de ser assassinado: "O que em outra ocasião chamei
de análise coprohistórica, quer dizer, o estudo das catástrofes
de nossa civilização, parece mostrar que esta civilização está
gravemente enferma e que, para evitar um desenlace fatídico e
fatal, é necessário tentar mudá-la a partir de dentro de si mesma
[...]. Somente utópica e esperançosamente alguém pode crer e ter
ânimo para tentar com todos os pobres e oprimidos do mundo
reverter a história, subvertê-la e lançá-la em outra direção".
EPfLOGO