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O Olhar de Lacan e Freud no “Ver” e “Ouvir” na Dor-pandemia – Uma releitura (Fer-

reira, 2021)
Paulo de Carvalho Chagas Viotti (***)

RESUMO
Este artigo tem como objetivo principal elencar as contribuições da Psicanálise em
tempos de pandemia, tendo por foco o mundo em desconstrução. Através da análise
da origem das pandemias, da desconstrução das crenças, dos aspectos do
negacionismo e da colaboração da ciência, retoma antecedentes literários busca, na
filosofia, respaldo para a mudança de pensamento e comportamento, ante a atual
conjuntura global e, sinaliza vias de intervenção do psicanalista no exercício
vocacional da escuta, conferindo à sociedade e ao indivíduo a dignidade perdida.
Permite, igualmente imersão no universo da semiótica como ferramenta
reorganizadora da estrutura social pré-pandêmica e pós-pandêmica.

Palavras-chave: Pandemia, covid-19; Psicanálise; Desconstrução; Escuta


psicanalítica; semiótica, Primeiridade, Secundidade, Terceiridade.

ABSTRACT
This article aims to list the contributions of Psychoanalysis in times of pandemic,
focusing on the world in deconstruction. Through the analysis of the origin of
pandemics, the deconstruction of beliefs, the aspects of denialism and the
collaboration of science, it retakes literary antecedents, it seeks, in philosophy,
support for the change in thinking and behavior, in view of the current global situation
and, it signals ways of intervention of the psychoanalyst in the vocational exercise of
listening, giving society and the individual the lost dignity. It also allows immersion in
the universe of semiotics as a reorganizing tool of the pre-pandemic and
post-pandemic social structure.

Keywords: Pandemic, covid-19; Psychoanalysis; Deconstruction; Psychoanalytic


listening; Semiotics; firstness; secondness; thirdness.

Introdução

1 Oel Ngati Kameie (Na’vi – Avatar) - Eu vejo você – Viajando na rede do “Ver”

1.1 Um Olhar Semiótico – As mesmas várias formas do olhar os olhares diversos

A semiótica é o estudo da construção de significado, o estudo do processo dos signos


e dos significados de comunicação. A semiótica inclui o estudo de sinais e processos
de signos, indicação, designação, semelhança, analogia, alegoria, metonímia, metá-
fora, simbolismo, significação e comunicação.

(***) Graduado em Tecnologia de Processamento de Dados, Pós-graduado em Novas Tecnologias de Comu-


nicação Social, Pós-graduando, Mestrando e Doutorando em Psicanálise Modalidade Livre pela SAPDH – So-
ciedade de Análises Psicanalíticas e Desenvolvimento Humano e, graduando em Farmácia pela Unicesumar.
A semiótica estuda signos e símbolos como parte significativa das comunicações. Di-
ferentemente da linguística, entretanto, a semiótica também estuda sistemas de signos
não linguísticos. A semiótica é frequentemente vista como essencial nos âmbitos an-
tropológicos, filosóficos e sociológicos. Umberto Eco a vê como uma comunicação.
Outros, priorizam as dimensões lógicas da ciência. Em geral, as teorias semióticas
levam como objeto de estudo os signos ou sistemas de signos.

É importante dizer que o saber foi estudado, inicialmente, constituído por uma
dupla face. A face semiológica (relativa ao significante) e a epistemológica (referente
ao significado das palavras). A semiótica tem, assim, a sua origem na mesma época
que a filosofia e disciplinas afeitas. Da Grécia antiga até os nossos dias tem vindo a
desenvolver-se continuamente. Porém, posteriormente, há cerca de dois ou três sécu-
los, é que se começaram a manifestar aqueles que seriam apelidados pais da semió-
tica (ou semiologia).Os problemas concernentes à semiologia e à semiótica, assim,
podem retroceder a pensadores como Platão e Santo Agostinho, por exemplo. Entre-
tanto, somente no início do século XX com os trabalhos paralelos de Ferdinand de
Saussure e Charles Sanders Peirce, o estudo geral dos signos começa a adquirir au-
tonomia e o status de ciência.

No estudo geral dos signos, Charles Sanders Peirce (1839-1914) seria o pio-
neiro daquela ciência que é conhecida como "semiótica", usando já este termo, que
John Locke, no final do século XVII, teria usado para designar uma futura ciência que
estudaria, justamente, os signos em geral.[9] Para Peirce, o Homem significa tudo que
o cerca numa concepção triádica (primeiridade, secundidade e terceiridade), e é nes-
tes pilares que toda a sua teoria se baseia.

Primeiridade - a qualidade da consciência imediata é uma impressão


(qualidade de sentimento) in totum, invisível, não analisável, frágil. Tudo que está
imediatamente presente à consciência de alguém é tudo aquilo que está na sua mente
no instante presente. O sentimento como qualidade é, portanto, aquilo que dá sabor,
tom, matiz à nossa consciência imediata, aquilo que se oculta ao nosso pensamento.
A qualidade da consciência, na sua imediaticidade, é tão tenra que mal podemos
tocá-la sem estragá-la. Nessa medida, o primeiro (primeiridade) é presente e imediato,
ele é inicialmente, original, espontâneo e livre, ele precede toda síntese e toda
diferenciação. Primeiridade é a compreensão superficial de um texto, sem as
“sujidades” existenciais de outras leituras.

"A primeiridade diz respeito a todas as qualidades puras que,


naturalmente, não estabelecem entre si qualquer tipo de relação.
Estas qualidades puras traduzem-se por um conjunto de
possibilidades de vir a acontecer(…)" (Luís Carmelo, Semótica
um Introdução).

Assim, no nosso mundo há a possibilidade "chuva", mas é apenas isso, apenas


possibilidade existencial incorrupta, ou seja, a Primeiridade seria o EU, sujeito passivo,
observado antes de observar, em primeva pureza, na tríade relacional em
desenvolvimento.

Secundidade - a arena da existência cotidiana, estamos continuamente


esbarrando em fatos que nos são "externos", tropeçando em obstáculos, coisas reais,
factivas que não cedem ao sabor de nossas fantasias. O simples fato de estarmos
vivos, existindo, significa, a todo momento, que estamos reagindo em relação ao
mundo. Existir é sentir a acão de fatos externos resistindo à nossa vontade. Existir é
estar numa relação, tomar um lugar na infinita miríade das determinações do universo,
resistir e reagir, ocupar um tempo e espaço particulares. Onde quer que haja um
fenômeno, há uma qualidade, isto é, sua primeiridade. Mas a qualidade é apenas uma
parte do fenômeno, visto que, para existir, a qualidade tem que estar encarnada numa
matéria. O fato de existir (secundidade) está nessa corporificação material. Assim
sendo, Secundidade é quando o sujeito lê com compreensão e profundidade de seu
conteúdo. Como exemplo: "o homem comeu banana", e na cabeça do sujeito, ele
compreende que o homem comeu a banana e possivelmente visualiza os dois
elementos e a ação da frase.

De fato, a Secundidade seria o TU, sujeito ativo, que observa profundamente o


conteúdo altero – EU – com sua experienciação plena de fatos agregados com
anterioridade, em seu relacionamentos primevos, ativo, com pureza relativa ao seu
conteúdo agregado intrínseco. A palavra chave deste conceito é ocorrência, o conceito
em ação (observar a instância desejada, objeto a). É desta forma, também, uma
atualização das qualidades da primeiridade.

Terceiridade - Primeiridade é a categoria que dá à experiência sua qualidade


"distintiva", seu frescor, originalidade irrepetível e liberdade. Secundidade é aquilo que
dá à experiência seu caráter "factual", de luta e confronto. Finalmente, Terceiridade
corresponde à camada de "inteligibilidade", ou pensamento em signos, através da qual
representamos e interpretamos o mundo. Sucintamente, podemos dizer que
Terceiridade está ligada a nossa capacidade de previsão de futuras ocorrências da
secundidade, já que não só conhecemos o acontecimento na medida de possibilidade
natural, como já o vimos em ação, e como tal, já nos é intrínseco. Desta forma já
podemos antecipar o que virá a acontecer. Seria o NÓS na relação através do qual
múltiplas redes significam ou são significadas. Assim, a Primeiridade seria a
passividade, a secundidade a ação de observar e a Terceiridade a relação intelectiva
que leva a significação da relação.

As demais ilações semióticas tanto de Pierce como dos demais semióticos


fogem do escopo deste artigo.

1.2 Um olhar psicanalítico. Um viés milenar de nosso olhar.

(...) era o olhar, sem ver e, o ver, sem olhar. É o olhar supérfluo e
superficial de nossos desejos. (Paulo de Carvalho Chagas Viotti,
2021).

Não nos é possível falar do olhar sem nos remeter a Lacan e a Freud. Antes
este, pais das ideias renovadoras, daquele. Lacan, nos remete ao olho bom e ao olho
mal. Concede-nos a hipótese do teor angustiante do “olhar, ou do não olhar”, quando
estabelece, in totum, a teoria da: “íntima relação da angústia com o olhar,
especialmente o olhar do Outro”. (A agressividade em psicanálise (LACAN, [1948]
1998). Também no Seminário, livro 10: a angústia (Lacan, [1962-1963] 2005)).

Neste sentido há sempre a expectativa subjetiva da presença do objeto a, o


“ser desejado”, “o outro, expectativa de nosso gozo em completude”. Traze-nos de
maneira concreta a nítida filiação do olhar deturpado, “em todos nós”, à castração e à
angústia, que nos leva à tentativa de preencher a carência no olhar altero, igualmente
carente. Invoca de forma clara o poder do olho ou ato de olhar, significantes da vida e
da morte. Em Édipo Rei (Sófocles, [431 a.C]) remonta-nos, a alertar, os conceitos da
angústia, da castração, do objeto, etc..., trazendo à análise a figura de Tirésias, cego,
que ao nos mostrar a nossa (in)capacidade de “ver e não ver, ou, do não ver e ver”,
nos lembra que:

“A tradição chega até a dizer que é a partir desse momento [já cego e
exilado] que ele se torna realmente vidente. Em Colono1, Édipo enxerga
tão longe quanto se pode enxergar, e com tanta antecipação que vê o
futuro destino de Atenas” (LACAN, 1962-1963/2005, p. 180).

Em Édipo Rei (SÓFOCLES, [431 a.C.] 1998, p. 31)), Lacan nos alerta que
Tirésias (cego) tenta alertar ao

“povo tebano e ao próprio Édipo, para o fato de ele, o rei, ser o


responsável pelas desgraças que se abatem sobre o povo, por
causa de seus pecados inomináveis”.

Ou seja, é a alegoria suprema do que, não vendo objetivamente, subjetiva a


visão do Hólos, a partir da não visualização especular do individual. Com relação à
visualização especular do individual, temos que tanto em Lacan quanto em Freud
encontra-se uma verdadeira teoria psicanalítica a respeito do olhar. Lacan usa dos
avanços conseguidos pelo Mestre e consegue aprofundar e ir além em alguns pontos.
É bem o caso da pulsão escópica, que seria, in totum:

(...) uma manifestação espontânea na infância. Dessa natureza


são as pulsões do prazer de olhar e de exibir que podem
perpetuar-se na vida adulta como, por exemplo, o prazer
estético de olhar uma pintura ou até se tornar o elemento
formador de sintomas mórbidos.

Para esta compreensão, o ser tem que, em primeiro lugar, reconhecer seu
auto-existir constitutivo em imagem especular e, em segundo lugar, a existência da
agressividade em relação ao seu outro, com o qual e no qual se enxerga como igual e,
como concorrente. Afeto que acompanhará para sempre o adulto, como muito bem se
sabe.
Lacan nos diz claramente que

o olho não se confunde com o olhar, cada um tem sua função.

Dentro de um construto mais dinâmico e objetivo Lacan nos diz que o “visível,
sem o olho, não é visível”. A referência do ver é o olho:

“[...] a dependência do visível em relação àquilo que nos põe


sob o olho de quem vê” (LACAN, [1964] 1985, p. 73).

O belo, o feio, o desprazeroso ou o prazeroso faz parte da estética do olhar.


Enquanto delineador da forma e da estética sígnica:

“(...) distinguindo o olho do olhar, não poderia ser esquecida a


patente importância do olho para qualquer processo de
percepção e para a fenomenologia da percepção, com sua
função “reguladora da forma”.

Neste universo, sem necessariamente haver oposição entre olho e olhar, mas
a sinergia sensciente e sígnica de conjugação e soma de efeitos, Lacan trata da
importância do olho e do olhar nas relações entre os seres – animais ou humanos:

A grande distinção apontada por ele é que os humanos não se


limitam ao terreno do imaginário, pois sabem controlar a
máscara, o que não se dá com os demais animais.

Os animais usam o olhar, apropriando dele, em suas relações de confronto de


poder, de acasalamento, de luta, entre diferentes espécies ou no interior da mesma
espécie. Os humanos usam, ou não, as máscaras da conveniência. Não precisam –
ainda que isso também aconteça – se submeter a ela. O simbólico entra em jogo, o
que pode alterar todo o processo. O humano vive no mundo da subjetividade simbólica,
os animais no da objetividade vivencial. É a luta entre o instinto e a inteligência. Com
respeito ao olhar é preciso enfatizar a distinção entre olhar e ser olhado. E ainda
fazer-se olhar ou dar-se a ver. Apesar de fazerem parte da mesma pulsão, como
Freud marcou, e de terem relação um com outro campo, convém distingui-las.

As posições ativa e passiva do olhar, mesmo quando não chegam às posições


extremas do voyeur ou do exibicionista, apresentam distinções claras. A terceira
posição é a reflexiva, na qual cabe destacar a diferença entre o sujeito se pôr na
posição de ser olhado, como ato consciente ou não, daquela outra situação em que, à
sua revelia, se assim podemos nos expressar, ser ou passar a ser visto, a ser olhado.
Nesse ponto, é impossível esquecer a relação com o narcisismo, questão tão
importante na realidade psíquica, objeto de muitos estudos da psicanálise, desde seus
primórdios. Narcisismo que nasce do mito do jovem a se olhar e se admirar no espelho
de um lago.

Lacan fala de um “empuxo daquele que vê”, fenômeno que parece ser de fácil
constatação no nosso dia a dia. E mais, ainda nos caminhos de Merleau-Ponty: a
preexistência de um olhar – “[...] eu só vejo de um ponto, mas em minha existência
sou olhado de toda parte”. Somos “seres olhados no espetáculo do mundo” (LACAN,
[1964] 1985, p. 73). Mundo que é, em mais um de seus neologismos, omnivoyeur, que
olha (espreita, talvez) tudo.
Dessa forma, constata-se que a posição passiva, de um ponto de vista
cronológico e lógico, é a primeira. Primeiro, somos olhados, o mundo nos olha, ainda
que chame a atenção a precocidade com que os bebês humanos passam a olhar para
o rosto e os olhos dos adultos que os assistem. No sentido ativo, daquele que olha, é
interessante lembrar a expressão de Agostinho. Ele se refere a uma “concupiscência
do olhar”. Lacan marca o desejo, e como tal, a queda que sofre esse desejo, uma vez
que nunca é totalmente atendido.

o olhar opera numa certa queda, queda de desejo, sem dúvida,


mas, como dizer? O sujeito não está aí de modo algum, ele é
teleguiado (LACAN, [1964] 1985, p. 111).

O olhar é uma relação objetal. Não existe olhar sem a existência do objeto. Se
vou olhar, vou olhar para algo, objeto – objeto a -. O deixar-se ver e o provocar do
olhar são fenômenos frequentes, não atinentes a gêneros, mas quase uma
característica dos histéricos. Tal fato não contradiz nem diminui a relação do olhar com
a angústia. Há forte ligação do olhar, do ser olhado, com a angústia. E com o objeto a.
O que acontece especialmente na dimensão passiva.

O olhar está sempre presente nas manifestações da angústia. Sem o objeto a,


diz ele, não há angústia:

O auge da angústia é o momento em que Édipo arranca seus


olhos das órbitas (LACAN, [1962-1963] 2005, p. 180) (...), mas
não deixa de vê-los, de vê-los como tais, como o objeto-causa
enfim desvelado da concupiscência derradeira, suprema, não
culpada, mas fora dos limites – as de ter querido saber (LACAN,
[1962-1963] 2005, p. 180).

O olhar, aquele que atinge o sujeito, seria da ordem do real, da irredutibilidade do real,
explica Lacan, o etwas [alguma coisa] do texto freudiano (LACAN, [1962-1963] 2005, p.
178). No sentido psicanalítico o lugar mais óbvio para entender o olhar patológico é na
psicose, quando há uma falha do olhar. Para os neuróticos, o olhar como um objeto
não tem consistência, não tem substância. Ele não aparece, não pode ser visto. Mas,
para os psicóticos, olhar pode às vezes ser sentido e visto, porque a tela falha, o que é
outro modo de se dizer que o complexo de Édipo falha (QUINET, 1997, p. 161). O
olhar se mantém sempre parcialmente na ignorância:

Na medida em que o olhar, enquanto objeto a, pode vir a


simbolizar a falta central expressa no fenômeno da castração, e
que ele é objeto a reduzido, por sua natureza, a uma função
punticforme, evanescente – ele deixa o sujeito na ignorância do
que há para além da aparência – [...] (LACAN, [1964] 1985, p.
77).

No olhar, manifesta-se o logro, ao que Lacan classifica como ‘dialética do olho


e do olhar’, ou seja, de modo algum há coincidência, mas fundamentalmente logro.
Daí temos uma insatisfação orgástica perene que poderá ser resumida da seguinte
maneira:

Quando, no amor, peço um olhar, o que há de fundamentalmente


insatisfatório e sempre falhado, é que – Jamais me olhas lá de onde
te vejo. [...] Inversamente, o que eu olho não é jamais o que quero
ver (LACAN, [1964] 1985, p. 100, grifos do autor).

De uma maneira geral, somos falhos no olhar. Seja pela falta objetal, seja pe-
las nossas excrescências morais e mentais, nosso olho sempre será doentio, temerá-
rio e procrastinador de realizações. De ordinário objetamos algo fantasioso como for-
ma a compensar nossas desditas morais.

1.3 Um Olhar Pré-pandêmico

Em nossa realidade de momento, vivemos em um momento de quebra de


paradigmas. Somos seres que fomos habituados a ver, para reter, para sentir, para
amar. Até alguns meses atrás, vivíamos a linearidade do olhar. Ao ver, víamos,
olhávamos, entendíamos, apreendíamos e compreendíamos o corpo, sem as amarras
da necessidade de nossa ascese íntima.

Antes vivíamos a sensação do ter ou não conforme a platitude de nosso olhar.


Olhar era lugar comum, as máscaras de nossa existência estavam escancaradas e,
nos afastávamos pelo ilusório por um rosto (espelho do ter, no ser) ou nos
apaixonávamos, igualmente pelo ilusório, na busca da completude do olhar do outro;
antes olhar significava a conquista ou a derrota. Um rosto (índice dos vícios ou das
virtudes) em nossa leitura, poderia definir nossa ascese à realização (auto-realização
como ser, no outro, no empíreo divinal(02)) ou nossa queda ao (reino de hades(03),
nas valas infernais). Um olhar antes media o verdadeiro, o falso, o belo, a fealdade, a
sincronia, a assincronia, a temporalidade, a atemporalidade...; antes vivíamos as
máscaras subservientes das ilusões do corpo. Sorrisos, calmas, atitudes e valores
aparentes eram repassados por rostos impassivelmente programados por nossos
arquétipos relacionais humanos. A falsidade era vendida com o rosto apaziguador da
verdade. Almas eram negociadas por sorrisos, oratórias e sorrisos fáceis, mas
desprovidas dos valores mais caros de nossa humanidade.

Nossos sentimentos e emoções eram vendidos ou mostrados ao outro como se,


significante e o significado, agente e paciente, fossem ambos objetos sendo vendidos
no grande mercado persa da existência anímica... O olhar tinha a perspectiva apenas
do corpo à guisa de alimentar nosso Id putrescível, filho das nossas falenas da
inconsciência, pois nosso corpo tinha que chegar à plenitude orgástica, relegando a
nossa realização, enquanto ser-ETHOS, à planos secundários. Não tínhamos as
máscaras de pano. Mas tínhamos as máscaras cancerígenas de nossas almas
doentias. Vendíamos o ouro podre de nosso íntimo com o brilho fascinante do ouro de
Orfir (04). A máscara, filha desta pandemia saneadora de corpos e almas, veio nos
trazer e, quiçá, apresentar-nos, nós a nós mesmos. Antes o amor ou “pseudo-amor”
era nos ofertado sob os apupos das guirlandas das ilusões. Vivíamos como se
enfarados exangues em vomitórios, exarando vômitos e, querendo mais e mais o
sentido do prazer a da ilusão da “menos” dor, do “mais” prazer. Éramos filhos do
hedônico, egressos conscientes, em nossa inconsciência da vida, das Sodomas e
Gomorras, cidadelas íntimas de nosso “psique”.

Adequando Charles Sanders Peirce (1839-1914),

o outro, pelo olhar, nesta visão limitada e incompleta é objetal e narcísico.


Eu não me completo e o outro é um alvo e meta de conquista
hedônico-patológico. É a vitória pelo “TER”. O “SER inexiste. O belo e
narcísico passa a ter um papel protagonista. A realização anímica é uma
onirização secundária. A “PRIMEIRIDADE REAL”, “EU” não vejo, mas
desejo “TU”, “SECUNDIDADE REAL”, que me deseja igualmente, em
descarte posterior mútuo em uma “TERCEIRIDADE REAL”,
psicótico-egóica. (01). O outro é algo a ser descartado. Criaturas
tornam-se angústias doloridas. O “TER” é o algo orgástico. Tudo é meu,
nada é nosso. Temos a incompletude plena.

1.4 Um Olhar Pós-pandêmico: possível ou não?

A máscara veio nos demover de nossa postura de Caçador e veio remover de


nossa visão do outro como troféu. A estético externa é, por agora, trocada pela análise
via olhar. O olhar deixa de ser um mecanismo subsidiário do outro e, em nós, para se
tornar ferramenta significante de se ver o outro e a nós mesmos, como realmente
somos. Faz-nos um convite um convite para deixarmos de olhar o belo superficial e
aprender a ver no outro a realidade anímica nele que me completará. Nesta leitura do
ver, não cabem metáforas ou hipérboles, pois essa foge ao escopo do exterior, pois
para ver o outro, não bastará ver: teremos que ver, entender, apreender e, mormente,
compreender, que, pela etimologia deste verbo, que seria, In totum, “apreender com”.

O outro deixar de ser alvo e passa a fazer parte de mim. Neste sentido, Oel
Ngati Kameie que traduzido significa “EU VEJO VOCÊ” (Idioma: Na’vi – Filme: Avatar),
se faz presente como solução. Esta frase equivaleria ao sentimento do significarse, no
outro. Ao dizer “Eu vejo Você”, pelo olhar, quero dizer que, me reconheço e reconheço
você em mim, como continuidade de mim mesmo. Você me completa não pelo que
exara exteriormente, mas pelo que você me modifica e me completa. Tal leitura nos
tira da superfície do sentimento. Tira-nos igualmente da paisagem plana e patológica
pré-pandêmica.

Adequando Charles Sanders Peirce (1839-1914),

o outro, pelo olhar, nesta visão ampla e mútua da completude,


deixa de ser algo a ser conquistado, mas alguém a ser
compreendido e aceito como parte faltante em mim mesmo, não
em um processo vitória pelo “TER”, mas pelo processo de “SER
no outro” contribuindo para a evolução mútua e, igualmente, do
social à volta. O belo passa a Ter um papel de secundário e a
realização de almas prioritária, ou seja a “PRIMEIRIDADE REAL”,
“EU” vejo “TU”, “SECUNDIDADE REAL” criando uma
“TERCEIRIDADE REAL”, “NÓS CONSCIÊNCIA” (01). O outro
deixa de ser um alvo objetal e passa a fazer parte de mim.
Criador e criatura do significante numa única via de
mútua-realização. O “TER” não existe mais. O “SIGNIFICAR,
SENDO” vige na nova ordem de relações. Nada é meu, tudo é
nosso em completude mútua.

2. Mi aŭdas vin (Esperanto) - Eu ouço você O Ouvir Psicanalítico: de


Freud à eterna-idade

Palavra: conjunto de símbolos alfabéticos ou não que nos prende aos signos
descritivos, nos remontando a um significante, a partir dos quais ouvimos e, ao holos
na grande cacofonia anímica que nos cerca. Desta forma, o ser consegue objetivar o
abstrato, trazendo a forma para objeto concreto. Somos palavras formais no cipoal do
tempo, sendo humanos de forma objetiva, dotados de uma subjetividade anímica. De
certa forma, a palavra nos situa na grande matrix ilusória-sinestésica-energética que,
sem seu contexto de verbum descriptor, nada significaríamos ante grande sinfonia do
existir.

Dentre o grande sistematizador da palavra significante da alma encontramos


SIGMUND FREUD que inaugura novos tempos:

o tempo da palavra como forma de acesso por parte


do homem ao desconhecido em si mesmo e o tempo
da escuta que ressalta a singularidade de sentidos da
palavra enunciada.

Em seus escritos nos diz que as palavras ouvidas retiram os véus da alma, nos
trazendo ante as descargas anímicas com as consequentes associações. Pela palavra
ouvida, mostra-nos nosso “outro-interno” e, por aderência, a existência e materialidade
de um “outro-externo” que pode e deve escutar ao falante. Um o maestro da
renovação anímica do outro que sofre pela “angústia de viver” e este artífice de sua
própria desconstrução sincera e reconstrução em bases hígidas do existir.

Um chega com palavras de angústia - verba morem parturientium


contremescant – com desejo de ser compreendido em sua dor – pois é quem tem e
fala da dor -; o outro escuta as palavras por ver nestas, as vias de acesso ao
desconhecido que habita o paciente, ou seja, não vê apenas o significado, a dor em si,
mas igualmente o significante, a causa e, faz ver e tenta ajudar, na medida do possível,
na erradicação, pelo falador, deste significante não por um processo fácil – entre o
falador e o ouvidor há sempre uma dor a ser compreendida por valores a serem
compartilhados – pois nas palavras circulam demandas nem sempre lógicas ou de
fácil deciframento, mas certamente que comunicam o desejo e a necessidade de
serem escutadas.

No mar do inconsciente, defenestrando o tabu da sexualidade, do falador,


busca mensagens simbólicas e cifradas para, via tradução a dois em conluio em almas
dicotômicas, buscar o real sentido para a dor. Não busca apenas tergiversações de
ordem semântica causas abstratas:

Ouve na dor de quem sofre a dor do corpo que sofre a


grande agonia de existir a realidade da vida. Viver dói.
Viver, vendo-se em dor e, impotente, dói mais ainda.
(Paulo de Carvalho Chagas Viotti, 2021)

Ao ouvir um sonho, vê atores da vida íntima, em junção e deslocamento


constante, criando realidades alternativas, a serem analisadas e expurgados dos
escaninhos do existir. Através de atos falhos e Lapsos sem controle, via a desestrutura
psíquica para executar as grandes melodias da vida de forma harmoniosa e lógica.
Para ouvir e sistematizar a dores das almas, FREUD teve que construir um novo ramo
do saber, indo contra todo um status quo científico – à época e, ainda hoje -bem como
uma forma alternativa de curar feridas da alma.

Antes, não havia ausculta do paciente. Este era observado e, apenas


classificavam-lhe a patologia, sem oferecer conduta terapêutica. FREUD incomodado
com tal postura, desde o início de sua experiência clínica no Hospital Salpêtrière com
Charcot propunha que:

o paciente fosse escutado. Embora ainda distante de fundar a


psicanálise, já começa a demarcar o importante papel que
atribuiria à palavra.

Não apenas ouvir. FREUD propunha-se a:

o de escutar a palavra do outro e o de produzir palavras que


viessem ao encontro dessa demanda de ajuda

estando aberto à existência ímpar do outro que fala – singularidade psicanalítica –


tanto no seu sofrimento e ao efeito de sua ação terapêutica sobre ele, em um primeiro
momento usando a hipnose – cliente descreve cenas, conectando-se com o material
traumático, sendo que o terapeuta deve lhe comunicar o que havia sido dito e descrito,
pois depois do transe nada fica retido consciencialmente. FREUD acreditava que seria
interessante não só a remissão da dor, mas que o cliente se apropriasse da própria
história. Assim, aos poucos abandona a Hipnose e, adota a associação livre.

Isto ficou claro para FREUD quando, ao tentar hipnotizar Emmy Von N., ouviu
dela que apenas queria ser escutada. Este fato foi um divisor de águas para FREUD:
a palavra se impunha como mecanismo de cura, mas:

não mais a palavra de um sujeito ausente, que


delegava ao terapeuta uma função de memória de seus
conteúdos traumáticos e que colocava em ação um
recurso que priorizava a sugestão. Agora, é por meio
das narrativas ativas de um sujeito acordado , de seu
discurso cheio de lacunas, da presença e ausência da
palavra que o paciente passa a ser escutado.

Ou seja, entregando para o cliente o palavra como mecanismo de cura, falando


de si mesmo, surge então a Psicanálise, na qual:

marcada pelo convite a que o analisando, em uma


posição ativa diante de seu processo de cura,
comunique-se e associe livremente.

FREUD desloca a fala até um outro lugar, além da intenção consciente do falar.
Ao acessar o inconsciente, este fala e, muito mais do que aquilo que se fala. O
inconsciente tenta ser escutado e ter seus desejos satisfeitos, via sonhos, sintomas,
lapsos, chistes, atos-falhos que constituem fenômenos “desconhecidos” que habitam o
sujeito. E assim abre-se na palavra a dimensão do que escapa ao próprio enunciante,
ou seja, o enunciante fala do que quer, mas expõe a alma, além do que quer.

E assim a associação livre ganha destaque fundamental. Entretanto, exige do


analista uma capacidade de escuta que não reduza os espaços simbólicos que a
associação livre viabiliza:

O paciente fala tudo que vem à mente. O analista


escuta sem saber o que o cliente irá falar. Tal fato cria
a situação analítica, retirando o véu das palavras.
(Paulo de Carvalho Chagas Viotti, 2021)

E no grande cipoal, as falas são acrescidas, em seu ritmo, cadência, tonalidade,


clareza, sentidos duvidosos:

que não passam desapercebidas à escuta sutil da atenção flutuante. Ao mesmo tempo, ao
ser escutado pelo analista, o próprio sujeito que fala se escuta (Alonso, 1988, p. 2).

A princípio, para FREUD, a função do psicanalista é de reles intérprete, ou seja,


ele catalogar e compilar o material inconsciente do paciente e, combater as
resistências imbuídas a esse processo. Com o tempo FREUD percebeu que o
conteúdo total do inconsciente não poderia ser tornado consciente, ou seja, o cliente
não pode acessar tudo que está recalcado e, o que não é recordado poderia ser o
cerne o problema.

Neste sentido a problemática psicanalítica se expande: era necessário alcançar


o que era interdito pelo recalque e, o que estaria desligado, sem representação. Desta
forma, além de escutar, o psicanalista deveria prover simbolizações estruturantes.

Neste contexto complexo ocorre o complexo encontro a que FREUD chamou


de TRANSFERÊNCIA na qual a palavra deve evidenciar a uma história dotado de
singularidade ímpar, particularizando o encontro complexo entre analista e paciente,
no qual o analista encontrará um psiquismo aberto, que produz e reproduz
continuamente efeitos de uma história.

Em Análise terminável e interminável, Freud (1937) aponta o efeito da escuta


no campo analítico:

a análise é um processo terminável enquanto se refere


ao uso da capacidade de escuta do analista, mas
interminável enquanto se refere à capacidade
adquirida pelo paciente de escutar-se. O processo
analítico, a partir da escuta do psicanalista, envolve a
instrumentalização da escuta do paciente em relação a
si mesmo.

Considerando o psiquismo humano como um sistema aberto, podemos inferir


que ele pode ser atualizado. Não existe psiquismo estanque em uma vida mental
plena. Somos nós o que fazemos de nós e, a soma do todo, em nós. Somos
pensamentos interconectados e intercambiantes. Somos a causa de muitos
somatórios de efeitos doentios. Somos a um tempo uma brisa refrescante ou um tufão
destruidor. Vergastar nosso inconsciente é uma opção nossa. Ninguém o fará por nós.

“Pensar o sujeito como um sistema aberto à


intersubjetividade, não somente no passado, senão na
atualidade, exige refletir sobre as tramas relacionais e
seus efeitos constitutivos da subjetividade” (Hornstein,
2003, p. 97).

O nosso analisando ou cliente deve ter sua história exposta por nós. Neste
sentido, muitas vezes seremos arqueólogos de mentais, em buscas de significantes
remotos, quiçá milenares. E não há como ser arqueólogo sem que se-nos
apresentem os ossos. Estamos, analistas e analisandos ou clientes, em uma peça
teatral onde nossas funções de protagonistas muitas vezes se misturam ou se
perpassam. Donde surge o grande questionamento anímico: Quem transfere o que
para quem? Até que ponto a dor, do outro é só dele?

Neste sentido impõe-se como justa a real e atual necessidade da constante


atualização técnica do analista. Em um sistema aberto ideal, a escuta por certo estará
no campo da transferência. O palco do teatro é o mesmo para analista e analisando,
mas em relações de simetria diversas, cabendo ao analista a garantia a assimetria
necessária ao processo, optando pela pulsão que insiste no alicerce de cada palavra,
pela pulsão de evocação da palavra. Vivência pulsional reatualizada, repetida,
insistente na busca por satisfação, ou seja, a

Escuta que mantém a transferência, mas não se confunde com ela, não cede à convocatória
constante do paciente.

Devemos manter em mente sempre o tripé concreto da práxis psicanalítica:


formação teórica, atividade de supervisionar-se e análise pessoal. Qualifica-nos a
ouvir o outro. Analisar é complexo: escutar com atenção flutuante, representar,
fantasiar, experimentar afetos, identificar-se, recordar, auto-analisar-se, conter,
assinalar, interpretar e construir (Hornstein. 2003, p. 105). Sem foco, perdemo-nos em
nossos próprios fantasmas, colocando-nos com inaptos a acolher quem sofre.

Ao ouvir o analisando o analista verifica o fundamental papel da escuta do


analista em relação a si próprio, em sua análise pessoal. Neste sentido o analista deve
reconhecer o valor e a necessidade de ser ele próprio escutado, promovendo em si
uma capacidade que está fora do domínio da rigidez ou da padronização, e que por
isto abre vias de acesso à escuta do outro.

3. Considerações Finais

Ao se propor um distanciamento, em cuidado com a transferência, o ouvir pode


ser tornar algo complexo. Na psicanálise até agora analisada, temos um padrão
conceitual em que o inconsciente do outro põe-se como individual.

Na realidade pandêmica o ouvir torna-se algo mais “close”, mais intimista. Mais:
mais holístico. Agregando-se as dores a angústias existentes nas várias camadas da
topologia da psiquê, neste momento o analista é chamado a analisar a dor da
sociedade. O inconsciente doentio, que antes era individual e singular, agora é
substituído por um inconsciente coletivo dolorido, sofrido, em luto. Um inconsciente
coletivo que põe-se como somatório de todas as dores do mundo.

Não que o processo da morte não se situasse em nossas conjecturas de dor e,


em alguns casos, causa de angústias prévias. Víamos a morte com algo inexorável,
em seu tempo certo que, em que pese a exceções de praxe, sempre se confirmavam
neste mesmo tempo. De ordinário, salvas as exceções, pessoas doentes ou idosas
morriam, por causas naturais e, o processo de luto transcorria dentro de uma
“normalidade” social previsível.

Na pandemia, temos o social como se tivesse perdido o conceito de afeto.


Nossos afetos morreram ou morrem como os outros casos esperados, mas digamos,
“fora de hora”. Tínhamos o conforto do existir certo do outro próximo a nós
conspurcado pela inefável foice da morte. Esta se tornou algo constante, não exceção
em nossa escala de relações.

A pandemia veio nos retirar da posição de conforto e, nos mostra o quão


pequenos somos perante as instâncias – deem-se quaisquer denominações - que
governam nossa vidas.

A morte antes aguardava-nos, no geral, um preparo para nos estruturarmos –


os que ficam – para ocorrer. Na pandemia, a morte diz: “não você é meu (minha), mas
vocês são meus (minhas) e, não preciso de autorização”. Antes a morte era previsível,
mas o veio social era mantido. Na pandemia, a morte é imprevisível e, por que não
dizer, democrática e, desestrutura, machuca, magoa e, mata psiquismos.

Em nossa clínica, enfrentamos novos desafios: O quão podemos servir em prol


do bem? O quão podemos amar oblativamente esta sociedade tão doentia e
marchetada de dor? Nosso afastamento em relação ao analisando, neste caso pode
ser mantido? Além da reconstrução, posso amar, acolhendo?

São perguntas difíceis, mas vejamos. Poderíamos até alegar a transferência.


Nomes são nomes. Transferências fazemos todos os dias em nossas relações
comezinhas vinculadas às nossas inabilidades de convivência social. A todo momento
fazemos da dor do outro nossa dor e, vice-versa, na grande teia social de convivência.
A palavra é a luz na relação do Analista e do analisando. Em tempos normais,
constroem a relação, dentro dos limites nos quais não podemos amar nosso
analisando oblativamente (amor oblativo: amor doação). Entretanto, nossa sociedade
está angustiada, em dor, magoada, atônita e traumatizada.

Mais uma vez remontariam a questão da transferência para justificar o não


acolhimento na dor social do momento. Queremos lembrar algumas palavras do Dr.
Patch Hunter Adams (Filme: Patch Adams: O amor é contagioso), quando diz:

Qual o problema da transferência. Podemos respeitar


mais a doença do que amar ao paciente?

Não é a proposta aqui eliminar os controles seguros no atendimento, mas tornar o


todo analisado mais suave e leve. Se é verdade que a dor do outro, poderá
eventualmente ser analisada e, vista como a nossa e, se é verdade que
eventualmente navegaremos em mares não nossos, dada a inexorabilidade da
transferência como palco das relações, ouvir o paciente com amor diferencial é uma
atitude humana esperada por nós, no mínimo acolhendo.

Não falamos aqui em mudar condutas sacramentadas e tidas como ótimas. Entretanto
é justo pensar que fatos novos e desconhecidos nos cobram condutas novas. Estamos
em momento de quebra de paradigmas.

A guisa de exemplo, até certo tempo atrás considerávamos máscaras no rosto algo
estranho; hoje é-nos parceira. Que podemos pensar. Não pensamos aqui em releitura
dos grandes mestres da psicanálise. Nossa pequenez nos convida à esta assertiva,
mas talvez pudéssemos reler nossos corações.

Ser psicanalista em tempos de pandemia é ser um ser em luto, curando outro ser em
luto, em um meio social em luto. Quem está doente é nossa sociedade. A técnica
encontra-se em nossas mãos. Assim como vários paradigmas talvez devêssemos
sermos mais humanos do que tecnicamente correto. Curando a sociedade estaremos
nos curando.

Para concluir gostaria de citar aqui uma fala do DR Spock. No filme Star Trek, o Filme,
quando diz:
No futuro procure fazer o moralmente
correto a fazer o moralmente lógico.
REFERENCIAS

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90% até 2030. Disponível em:
<https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2017-10/plano-global-
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agosto de 2021, 09:40.

BBC NEWS Brasil. Como o Brasil foi afetado pela pandemia de H1N1, a 1ª do
século 21? Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil- 52042879>
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