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reira, 2021)
Paulo de Carvalho Chagas Viotti (***)
RESUMO
Este artigo tem como objetivo principal elencar as contribuições da Psicanálise em
tempos de pandemia, tendo por foco o mundo em desconstrução. Através da análise
da origem das pandemias, da desconstrução das crenças, dos aspectos do
negacionismo e da colaboração da ciência, retoma antecedentes literários busca, na
filosofia, respaldo para a mudança de pensamento e comportamento, ante a atual
conjuntura global e, sinaliza vias de intervenção do psicanalista no exercício
vocacional da escuta, conferindo à sociedade e ao indivíduo a dignidade perdida.
Permite, igualmente imersão no universo da semiótica como ferramenta
reorganizadora da estrutura social pré-pandêmica e pós-pandêmica.
ABSTRACT
This article aims to list the contributions of Psychoanalysis in times of pandemic,
focusing on the world in deconstruction. Through the analysis of the origin of
pandemics, the deconstruction of beliefs, the aspects of denialism and the
collaboration of science, it retakes literary antecedents, it seeks, in philosophy,
support for the change in thinking and behavior, in view of the current global situation
and, it signals ways of intervention of the psychoanalyst in the vocational exercise of
listening, giving society and the individual the lost dignity. It also allows immersion in
the universe of semiotics as a reorganizing tool of the pre-pandemic and
post-pandemic social structure.
Introdução
1 Oel Ngati Kameie (Na’vi – Avatar) - Eu vejo você – Viajando na rede do “Ver”
É importante dizer que o saber foi estudado, inicialmente, constituído por uma
dupla face. A face semiológica (relativa ao significante) e a epistemológica (referente
ao significado das palavras). A semiótica tem, assim, a sua origem na mesma época
que a filosofia e disciplinas afeitas. Da Grécia antiga até os nossos dias tem vindo a
desenvolver-se continuamente. Porém, posteriormente, há cerca de dois ou três sécu-
los, é que se começaram a manifestar aqueles que seriam apelidados pais da semió-
tica (ou semiologia).Os problemas concernentes à semiologia e à semiótica, assim,
podem retroceder a pensadores como Platão e Santo Agostinho, por exemplo. Entre-
tanto, somente no início do século XX com os trabalhos paralelos de Ferdinand de
Saussure e Charles Sanders Peirce, o estudo geral dos signos começa a adquirir au-
tonomia e o status de ciência.
No estudo geral dos signos, Charles Sanders Peirce (1839-1914) seria o pio-
neiro daquela ciência que é conhecida como "semiótica", usando já este termo, que
John Locke, no final do século XVII, teria usado para designar uma futura ciência que
estudaria, justamente, os signos em geral.[9] Para Peirce, o Homem significa tudo que
o cerca numa concepção triádica (primeiridade, secundidade e terceiridade), e é nes-
tes pilares que toda a sua teoria se baseia.
(...) era o olhar, sem ver e, o ver, sem olhar. É o olhar supérfluo e
superficial de nossos desejos. (Paulo de Carvalho Chagas Viotti,
2021).
Não nos é possível falar do olhar sem nos remeter a Lacan e a Freud. Antes
este, pais das ideias renovadoras, daquele. Lacan, nos remete ao olho bom e ao olho
mal. Concede-nos a hipótese do teor angustiante do “olhar, ou do não olhar”, quando
estabelece, in totum, a teoria da: “íntima relação da angústia com o olhar,
especialmente o olhar do Outro”. (A agressividade em psicanálise (LACAN, [1948]
1998). Também no Seminário, livro 10: a angústia (Lacan, [1962-1963] 2005)).
“A tradição chega até a dizer que é a partir desse momento [já cego e
exilado] que ele se torna realmente vidente. Em Colono1, Édipo enxerga
tão longe quanto se pode enxergar, e com tanta antecipação que vê o
futuro destino de Atenas” (LACAN, 1962-1963/2005, p. 180).
Em Édipo Rei (SÓFOCLES, [431 a.C.] 1998, p. 31)), Lacan nos alerta que
Tirésias (cego) tenta alertar ao
Para esta compreensão, o ser tem que, em primeiro lugar, reconhecer seu
auto-existir constitutivo em imagem especular e, em segundo lugar, a existência da
agressividade em relação ao seu outro, com o qual e no qual se enxerga como igual e,
como concorrente. Afeto que acompanhará para sempre o adulto, como muito bem se
sabe.
Lacan nos diz claramente que
Dentro de um construto mais dinâmico e objetivo Lacan nos diz que o “visível,
sem o olho, não é visível”. A referência do ver é o olho:
Neste universo, sem necessariamente haver oposição entre olho e olhar, mas
a sinergia sensciente e sígnica de conjugação e soma de efeitos, Lacan trata da
importância do olho e do olhar nas relações entre os seres – animais ou humanos:
Lacan fala de um “empuxo daquele que vê”, fenômeno que parece ser de fácil
constatação no nosso dia a dia. E mais, ainda nos caminhos de Merleau-Ponty: a
preexistência de um olhar – “[...] eu só vejo de um ponto, mas em minha existência
sou olhado de toda parte”. Somos “seres olhados no espetáculo do mundo” (LACAN,
[1964] 1985, p. 73). Mundo que é, em mais um de seus neologismos, omnivoyeur, que
olha (espreita, talvez) tudo.
Dessa forma, constata-se que a posição passiva, de um ponto de vista
cronológico e lógico, é a primeira. Primeiro, somos olhados, o mundo nos olha, ainda
que chame a atenção a precocidade com que os bebês humanos passam a olhar para
o rosto e os olhos dos adultos que os assistem. No sentido ativo, daquele que olha, é
interessante lembrar a expressão de Agostinho. Ele se refere a uma “concupiscência
do olhar”. Lacan marca o desejo, e como tal, a queda que sofre esse desejo, uma vez
que nunca é totalmente atendido.
O olhar é uma relação objetal. Não existe olhar sem a existência do objeto. Se
vou olhar, vou olhar para algo, objeto – objeto a -. O deixar-se ver e o provocar do
olhar são fenômenos frequentes, não atinentes a gêneros, mas quase uma
característica dos histéricos. Tal fato não contradiz nem diminui a relação do olhar com
a angústia. Há forte ligação do olhar, do ser olhado, com a angústia. E com o objeto a.
O que acontece especialmente na dimensão passiva.
O olhar, aquele que atinge o sujeito, seria da ordem do real, da irredutibilidade do real,
explica Lacan, o etwas [alguma coisa] do texto freudiano (LACAN, [1962-1963] 2005, p.
178). No sentido psicanalítico o lugar mais óbvio para entender o olhar patológico é na
psicose, quando há uma falha do olhar. Para os neuróticos, o olhar como um objeto
não tem consistência, não tem substância. Ele não aparece, não pode ser visto. Mas,
para os psicóticos, olhar pode às vezes ser sentido e visto, porque a tela falha, o que é
outro modo de se dizer que o complexo de Édipo falha (QUINET, 1997, p. 161). O
olhar se mantém sempre parcialmente na ignorância:
De uma maneira geral, somos falhos no olhar. Seja pela falta objetal, seja pe-
las nossas excrescências morais e mentais, nosso olho sempre será doentio, temerá-
rio e procrastinador de realizações. De ordinário objetamos algo fantasioso como for-
ma a compensar nossas desditas morais.
O outro deixar de ser alvo e passa a fazer parte de mim. Neste sentido, Oel
Ngati Kameie que traduzido significa “EU VEJO VOCÊ” (Idioma: Na’vi – Filme: Avatar),
se faz presente como solução. Esta frase equivaleria ao sentimento do significarse, no
outro. Ao dizer “Eu vejo Você”, pelo olhar, quero dizer que, me reconheço e reconheço
você em mim, como continuidade de mim mesmo. Você me completa não pelo que
exara exteriormente, mas pelo que você me modifica e me completa. Tal leitura nos
tira da superfície do sentimento. Tira-nos igualmente da paisagem plana e patológica
pré-pandêmica.
Palavra: conjunto de símbolos alfabéticos ou não que nos prende aos signos
descritivos, nos remontando a um significante, a partir dos quais ouvimos e, ao holos
na grande cacofonia anímica que nos cerca. Desta forma, o ser consegue objetivar o
abstrato, trazendo a forma para objeto concreto. Somos palavras formais no cipoal do
tempo, sendo humanos de forma objetiva, dotados de uma subjetividade anímica. De
certa forma, a palavra nos situa na grande matrix ilusória-sinestésica-energética que,
sem seu contexto de verbum descriptor, nada significaríamos ante grande sinfonia do
existir.
Em seus escritos nos diz que as palavras ouvidas retiram os véus da alma, nos
trazendo ante as descargas anímicas com as consequentes associações. Pela palavra
ouvida, mostra-nos nosso “outro-interno” e, por aderência, a existência e materialidade
de um “outro-externo” que pode e deve escutar ao falante. Um o maestro da
renovação anímica do outro que sofre pela “angústia de viver” e este artífice de sua
própria desconstrução sincera e reconstrução em bases hígidas do existir.
Isto ficou claro para FREUD quando, ao tentar hipnotizar Emmy Von N., ouviu
dela que apenas queria ser escutada. Este fato foi um divisor de águas para FREUD:
a palavra se impunha como mecanismo de cura, mas:
FREUD desloca a fala até um outro lugar, além da intenção consciente do falar.
Ao acessar o inconsciente, este fala e, muito mais do que aquilo que se fala. O
inconsciente tenta ser escutado e ter seus desejos satisfeitos, via sonhos, sintomas,
lapsos, chistes, atos-falhos que constituem fenômenos “desconhecidos” que habitam o
sujeito. E assim abre-se na palavra a dimensão do que escapa ao próprio enunciante,
ou seja, o enunciante fala do que quer, mas expõe a alma, além do que quer.
que não passam desapercebidas à escuta sutil da atenção flutuante. Ao mesmo tempo, ao
ser escutado pelo analista, o próprio sujeito que fala se escuta (Alonso, 1988, p. 2).
O nosso analisando ou cliente deve ter sua história exposta por nós. Neste
sentido, muitas vezes seremos arqueólogos de mentais, em buscas de significantes
remotos, quiçá milenares. E não há como ser arqueólogo sem que se-nos
apresentem os ossos. Estamos, analistas e analisandos ou clientes, em uma peça
teatral onde nossas funções de protagonistas muitas vezes se misturam ou se
perpassam. Donde surge o grande questionamento anímico: Quem transfere o que
para quem? Até que ponto a dor, do outro é só dele?
Escuta que mantém a transferência, mas não se confunde com ela, não cede à convocatória
constante do paciente.
3. Considerações Finais
Na realidade pandêmica o ouvir torna-se algo mais “close”, mais intimista. Mais:
mais holístico. Agregando-se as dores a angústias existentes nas várias camadas da
topologia da psiquê, neste momento o analista é chamado a analisar a dor da
sociedade. O inconsciente doentio, que antes era individual e singular, agora é
substituído por um inconsciente coletivo dolorido, sofrido, em luto. Um inconsciente
coletivo que põe-se como somatório de todas as dores do mundo.
Não falamos aqui em mudar condutas sacramentadas e tidas como ótimas. Entretanto
é justo pensar que fatos novos e desconhecidos nos cobram condutas novas. Estamos
em momento de quebra de paradigmas.
A guisa de exemplo, até certo tempo atrás considerávamos máscaras no rosto algo
estranho; hoje é-nos parceira. Que podemos pensar. Não pensamos aqui em releitura
dos grandes mestres da psicanálise. Nossa pequenez nos convida à esta assertiva,
mas talvez pudéssemos reler nossos corações.
Ser psicanalista em tempos de pandemia é ser um ser em luto, curando outro ser em
luto, em um meio social em luto. Quem está doente é nossa sociedade. A técnica
encontra-se em nossas mãos. Assim como vários paradigmas talvez devêssemos
sermos mais humanos do que tecnicamente correto. Curando a sociedade estaremos
nos curando.
Para concluir gostaria de citar aqui uma fala do DR Spock. No filme Star Trek, o Filme,
quando diz:
No futuro procure fazer o moralmente
correto a fazer o moralmente lógico.
REFERENCIAS
BBC NEWS Brasil. Como o Brasil foi afetado pela pandemia de H1N1, a 1ª do
século 21? Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil- 52042879>
Acesso em 24 de agosto de 2021, 15:02.
BISNETO, José Augusto. Serviço Social e Saúde Mental – Uma análise institucional
na prática. Cortez Editora, S.P. 2ª edição. P. 177
https://mystudybay.com.br/blog/uma-comparacao-entre-judaismo-e-cristianismo/?ref=1
d10f08780852c55. acesso em 24/08/2021 19:48 h.
https://henriquelima.com.br/breve-historia-das-religioes-monoteistas-e-a-salvacao-da-a
lma. acesso em 29/08/2021 19:48 h.
https://www.scielo.br/j/agora/a/jDRbTN46rPwk5tdmwf37pyq/?lang=pt
acesso em 24/08/2021 19:48 h.