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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

CAMPUS AVANÇADO DO NATAL – CAN


CURSO DE DIREITO

CRISTIANA PEREIRA DE OLIVEIRA


DJALMA FERNANDES DE SOUZA FILHO
FELIPE CESAR DA SILVA LOPES
FRANCISCO FIRMINO DA SILVA JÚNIOR

PARECER JURÍDICO:
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

DIREITO EMPRESARIAL II

NATAL / RN
2021.1

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CURSO DE DIREITO
PARECER JURÍDICO

PROCESSO Nº. 001/2021.

Agravante: João

Agravado: Banco X

EMENTA: INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO


DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DECISÃO QUE
MANTEVE ARRESTO DE IMÓVEIS
PERTENCENTES AO AGRAVANTE E
CONSIGNOU. JUÍZO DA RECUPERAÇÃO
JUDICIAL. COMPETENCIA PARA JULGAR AS
DEMANDAS ENVOLVENDO BENS. PRETENSÃO
DE LIBERAÇÃO DAS CONSTRIÇÕES. SOB O
ARGUMENTO DE QUE SÃO BENS DE CAPITAL
ESSENCIAIS. BASE ART. 49-A. DA LEI Nº. LEI
FEDERAL 13.874/2019. LEI DA LIBERDADE
ECONÔMICA. E ART. 50 LEI FEDERAL
10.406/2002.

I – DO RELATÓRIO

O presente agravo de instrumento foi interposto contra a r. decisão que, em


incidente de desconsideração da personalidade jurídica, ajuizada pelo agravado,
manteve o arresto dos bens de propriedade do agravante, por entender que o juízo
recuperacional é o “competente para julgar demandas envolvendo bens de
propriedade da recuperanda”.

Insurge-se o agravante, alegando que os bens constritos na origem


caracterizam-se como bens de capital, essenciais à João, e por isso devem estar à
disposição do Agravante para satisfação de seus credores na recuperação judicial.

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Caso contrário, haverá uma avaliação incompleta de seu patrimônio, em
prejuízo ao sucesso de seu processo de recuperação judicial. Sustenta, ainda, que
não é executada, mas apenas requerida no incidente de desconsideração, cujo mérito
ainda não foi julgado.

Portanto, como João não figura no polo passivo da execução, não responde
pela dívida em favor do Agravado e seus bens não podem servir para satisfação
dessa obrigação. Postula o levantamento das constrições que recaem sobre seus
bens.

É o que nos cumpre relatar, passemos à análise.

II – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A Lei nº 13.874/19, conhecida como Lei da Liberdade Econômica, introduziu


alterações legislativas nos dispositivos do Código Civil que tratam da
desconsideração da personalidade jurídica e da consequente responsabilização dos
sócios pelas dívidas da sociedade, ao introduzir o art. 49-A e alterar a redação do
art. 50 do referido diploma legal, os quais passaram a vigorar com a seguinte
redação:
“Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios,
associados, instituidores ou administradores.

Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um


instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei
com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos,
tributo, renda e inovação em benefício de todos.

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo


desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento
da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo,
desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de
obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de
sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

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 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da
pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos
ilícitos de qualquer natureza.
 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre
os patrimônios, caracterizada por:

I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio


ou do administrador ou vice-versa;

II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas


contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente
insignificante; e

III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à


extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.
 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de
que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade
da pessoa jurídica.
 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da
finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.”

A leitura dos dispositivos transcritos revela que a Lei 13.874/19 introduziu no


Código Civil previsão expressa da autonomia patrimonial entre a sociedade e os
sócios, frisou que essa autonomia é instrumento que serve à livre iniciativa e ao
desenvolvimento econômico e estabeleceu critérios mais rígidos para a
desconsideração da personalidade jurídica, mantendo a sua excepcionalidade para os
casos de abuso da personalidade.

A natureza jurídica da pessoa jurídica é de realidade técnica em que a vontade


cria um ente, constituído de personalidade, sujeito de direitos e obrigações

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reconhecidos pelo Direito. Ensina VENOSA (2009, p. 231) que a pessoa
jurídica “funciona como conceito unificador das relações jurídicas entre os indivíduos e
as organizações. A realidade jurídica a que se refere é meramente abstrata, ideal,
como sucede a todos os institutos jurídicos, porque a pessoa jurídica diferentemente
dos seres humanos não se vê e não se toca”.

O novo Código Civil, de 10 de janeiro 2002, passou a preconizar em seu art. 50


que "Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de
finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte,
ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de
certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens
particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica".

Com o objetivo de coibir práticas fraudulentas e abusos de direito – por parte


dos membros ou sócios – utilizando-se da pessoa jurídica, e de proteger os direitos e
interesses de terceiros, o legislador no Código Civil (Lei Federal 10.406/2002), inseriu
em seu art. 50, a previsão da desconsideração da personalidade jurídica, que
consiste no afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, tornando ineficaz a
limitação da responsabilidade dos sócios, para que seja(m) identificado(s) o(s)
responsável(eis) pelo desvio de finalidade, infrações a lei e ao contrato ou estatuto
social e este(s) responda(m) pelas dívidas e obrigações com seu patrimônio pessoal.

Portanto, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica objetiva


alcançar o patrimônio pessoal dos sócios ou administradores que se valeram do
princípio da autonomia da pessoa jurídica para finalidades escusas em prejuízo
de terceiros ou dos credores da empresa constituída.

O Código Civil, em seu art. 50, elencou as hipóteses na qual a autonomia


patrimonial da pessoa jurídica poderá ser afastada. Recepcionou, portanto, a teoria
maior com o objetivo de exigir que a desconsideração da personalidade da pessoa
jurídica seja aplicada quando cumuladas a comprovação da insolvência da pessoa
jurídica e o desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
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Assim, a possibilidade de aplicação deste instituto deve ser observada a
situação caso-a-caso, tendo por fundamento o princípio da boa-fé objetiva inerente a
todos os negócios jurídicos, segundo Silvio de Salvo Venosa. “E na hipótese de
desconsideração, para cumprimento de obrigações, deverá ser considerado tanto o
patrimônio pessoal dos sócios como outras pessoas jurídicas na qual detenha o
controle acionário”.

A imutabilidade da sentença somente vincula as partes que participaram da


relação jurídica processual. Todavia, terceiros podem vir a suportar os efeitos reflexos
da decisão, tendo o direito de impugná-la quando esta lhe causar prejuízo. Esta é
exatamente a hipótese em que os sócios são responsabilizados pelas obrigações
sociais por uso indevido da pessoa jurídica. Trata-se, portanto, da responsabilidade
patrimonial secundária estabelecida nos arts. 790, inciso VII e 795, § 4.º do Código de
Processo Civil 2015.

“Não se está desconstituindo provimento de mérito, mas construindo-se a


relação processual executiva, mediante a apreciação dos critérios de sujeição
patrimonial ao cumprimento da obrigação oriunda da ação de indenização. Segundo,
porque a responsabilidade patrimonial pode recair sobre terceiro, desde que haja
previsão legal, independentemente desse terceiro haver participado do processo de
conhecimento”.

Por fim, esclarece THEODORO JR. (1997, p. 198) que “a obrigação, como
dívida, é objeto do direito material. A responsabilidade, como sujeição dos bens do
devedor à sanção, que atua pela submissão à expropriação executiva, é uma noção
absolutamente processual”.

Cabe ressaltar que a desconsideração da personalidade jurídica não


desconstitui, dissolve ou liquida a sociedade. Ao revés, o instituto ora analisado incide
de forma momentânea, episódica, tornando ineficaz a separação até então existente
entre o patrimônio da empresa e do sócio ou administrador.

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III – CONCLUSÃO

O art. 1º, § 1º, da Lei nº 13.874/19 estabeleceu que a incidência das normas
dela decorrentes incide sobre “relações jurídicas que se encontram em seu âmbito de
aplicação”, do que se conclui que a Lei deixa margem para que o intérprete continue a
definir quais as disposições da Lei que incidem sobre cada tipo de relação jurídica em
cada ramo do direito.

Nesse contexto, a norma interpretativa, dita autêntica, não pode alterar o


conteúdo ou o elemento da norma interpretada; limita-se a especificar, delinear,
traduzir o seu significado. De outro lado, a norma que altera o sentido ou alcance
daquela que se interpreta a está modificando, inovando no ordenamento jurídico.

O entendimento baliza-se em premissas de razoabilidade e proporcionalidade.


Afinal, não há mesmo como se apontar a responsabilização àqueles que, muitas
vezes, não participam das decisões ou da efetiva administração da pessoa jurídica.

O posicionamento doutrinário, agora reverberado na forma da lei Federal


13.784/2019, deve ser preponderantemente levado em consideração na análise do
caso concreto, máxime para se evitar situações de notória e flagrante injustiça.

É o PARECER, salvo melhor juízo.

NATAL – RN, 20 de outubro de 2021.

Cristiana Pereira de Olivera


Djalma Fernandes de Souza Filho
Felipe Cesar da Silva Lopes
Francisco Firmino da Silva Júnior
Discentes de Direito
UERN – CAN

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IV – REFERÊNCIAS:

ASSIS, Araken. Comentários ao Código de Processo Civil, v. VI, Rio de Janeiro:


Forense, 2000.

THEODORO Júnior, Humberto. Processo de Execução, 18.ª ed., São Paulo: Leud,
1997.

VENOSA, Silvo de Salvo. Direito Civil – Direito Empresarial. Vol. 8. 2.ª edição. São
Paulo: Atlas, 2010.

VIEIRA, Aline Mirna Barros. Desconsideração da personalidade jurídica: instrumento


de coerção para o cumprimento das obrigações empresariais? In: Âmbito Jurídico, Rio
Grande, XXI, n. 168, jan 2018. – reprodução autorizada com indicação da fonte.

BRASIL. Lei nº 13.874. 20 de setembro de 2019. Republica Federativa do Brasil.


Brasília, DF.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF.

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