Você está na página 1de 4

Leonardo Silva

“O Conto do Cozinheiro” no livro “Os contos da Cantuária” de Geoffrey Chaucer e na


adaptação cinematográfica de Pier Paolo Pasolini

Resenha apresentada na disciplina Panorama das


Literaturas de Língua Inglesa do curso de Letras Inglês
da Universidade Federal de São João del-Rei
Professor: Luiz Claudio Manoel

São João del-Rei


2021
CHAUCER, Geoffrey. Os contos de Cantuária. [S. l.]: T. A. Queiroz, 1988. 216 p.
Disponível em: https://docplayer.com.br/2334247-Os-contos-de-cantuaria-the-canterbury-
tales-geoffrey-chaucer.html. Acesso em: 15 jul. 2021.

OS CONTOS DE CANTERBURY. Direção: Pier Paolo Pasolini. Gravação de 1972.


YouTube: [s. n.], 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6S2OneZod38.
Acesso em: 15 jul. 2021.

O livro “The Canterbury Tales” foi escrito no século XIV pelo inglês Geoffrey
Chaucer. Misturando o sagrado e o profano, relata a peregrinação de figuras diversas da idade
média: cavaleiro; moleiro; feitor; cozinheiro; magistrado; médico; escudeiro, clérigos etc. A
fiéis e pecadores é proposto que contem estórias durante a viagem. O autor parte dessa
premissa para construir uma coletânea de contos que ele mesmo pôde, ao longo de sua vida
movimentada como diplomata da coroa, coletar ao longo de suas viagens. Criou assim sua
obra mais lembrada e escreveu-a no fim de sua vida, deixando-a incompleta após sua morte
A adaptação cinematográfica de 1972, pelo italiano Pier Paolo Pasolini, intensifica o
teor profano da obra de Chaucer. O cineasta escolhe representar, dentre os vinte e quatro
contos da obra de Chaucer, sete histórias que passam pelo tema do pecado e do profano de
forma bem mais acentuada que os outros. Explorando os contos de forma mais livre, o
cineasta não pretende criar uma linearidade, tão pouco associar os contos aos peregrinos que
os relatam e nem as intrigas e pequenas dinâmicas que surgem ao longo da narrativa, apesar
de usar a mesma premissa na cena inicial do filme. Curiosamente escolhe também um dos
dois contos inacabados (“O Conto do Cozinheiro” e “O Conto do Escudeiro”) do qual
trataremos aqui.
O terceiro a contar sua história na obra de Chaucer é o cozinheiro, que nos apresenta a
um jovem aprendiz que trabalha em uma mercearia, Perkin-o-Farrista. Causando prejuízos
devido a sua tendência a boemia, prefere a festa ao trabalho. É mencionado que já foi preso
algumas vezes por motivos que ficam a cargo da imaginação do leitor. Seu patrão decide
demiti-lo para que não comprometa seus outros funcionários. Ele, então, vai até a casa de um
amigo e é apresentado a sua esposa que é prostituta. E isso é tudo que temos sobre esse conto
nos textos de Chaucer.
É a partir daí que o gênio criativo de Pasolini, concluindo o conto a seu modo, é capaz
de acrescentar profanidades livremente (não que não o tivesse feito antes). No filme temos
como prelúdio d’O Conto do Cozinheiro a personagem de Chaucer que começa a escrever o
referido conto. O escritor é interpretado pelo próprio Pasolini (assim como Chaucer, que é
personagem e narrador em seu próprio livro, recria à sua maneira os contos dos peregrinos,
Pasolini encarnando-se nesse personagem, por sua vez, reinventa no filme os contos de
Chaucer. Assumindo essa posição literal e simbolicamente). Essa é a última cena do filme em
que é retratada a peregrinação, Chaucer em um recinto com os outros viajantes, enquanto eles
dormem ele escreve, e é a penúltima que mostra a personagem Chauser.
Segue para o início do conto com Perkins sendo demitido de forma veemente do que
parece ser uma taberna. Já no primeiro take do nosso protagonista identificamos em seu modo
clownesco uma figura chapliniana, tanto no figurino (chapéu coco e bengala), no andar e até
na ação acelerada, típica de filmes do Chaplin (gravados com 18 fotogramas por segundo e
reproduzidos a 24 por segundo). Representando assim o tom cômico desse conto, que no
livro, assim como nos dos personagens mais mundanos como o moleiro, feitor e do homem
do mar, são “fabliaux” (p. 9), caracterizados por passagens obscenas e pela comicidade. Segue
para uma sequência de cenas com bastante comédia física, a fuga dos guardas que o
surpreendem roubando comida de uma criança e acabam caindo tolamente no rio, enganados
pelo desvio de Perkins. O pobre fanfarrão usa sua astúcia para matar sua fome insaciável. A
gula, sagacidade e sorte são características que vemos em diversos personagens cômicos
desde os espertos e famintos serviçais da comedia dell’arte, teatro popular que nasce na Itália
do século XV.
O cineasta também lança mão do exagero cênico como outro recurso clássico da
comicidade. Como quando nosso palhaço aparece na fila da sopa trapaceando com uma
cumbuca absurdamente grande, ou quando a “torta na cara”, sempre presente na comédia
pastelão, aparece na cena do casamento invadido por Perkin que acaba por provocar a ira do
sogro da noiva e toda a trapalhada termina com o bolo enorme desabando no noivo. Ou ainda
quando sua mãe leva um frango assado inteiro para que ele se refestele.
As façanhas desse tipo de personagem cômico incluí uma sorte quase sobrenatural,
que sempre o coloca em vantagem ao patrão. Como quando, na próxima cena em seu novo
emprego, derruba desastradamente ovos no chão sem quebra-los e quando seu patrão,
impressionado por tal façanha, testa a resistência dos ovos jogando-os deliberadamente no
chão tem um resultado, para seu desgosto, menos fortuno que o anterior. Nessa mesma
sequência, aproveitando a ausência do patrão, junta-se a três homens que jogam no
estabelecimento, Perkins flerta com um deles com uma piscada (é interessante observar como
o cineasta traz em alguns momentos interações homossexuais, como no conto do Frade onde
ele substitui os atos condenáveis de frades delatados pelo beleguim que, no conto, são
praticados com prostitutas, e no filme com homens).
O fanfarrão é então demitido e segue para a casa de seu novo amigo que o apresenta a
sua mulher, a prostituta. E é a partir desse ponto que o que se segue é inteiramente criado por
Pasolini. Perkins começa a cantar “The Old Piper · The McPeake Family”, depois aparece na
cama do casal onde dormem. Sonha com uma festa só com mulheres nuas, no que parece ser
uma recriação idealizada do casamento anterior do qual foi expulso. É acordado pelos mesmo
dois guardas que caíram no rio, em resposta canta a mesma música. Em praça pública, cabeça
e braços presos no tronco, segue cantando estranhamente triunfante enquanto uma plateia o
assiste alegremente.
Uma próxima cena mostra Chaucer se divertindo com a leitura de Deccameron, talvez
insinuando que esse conto e o que se segue foram inspirados em Boccaccio, o que Vizioli
nega afirmando que Chaucer não teve contato com essa obra em particular (p.6).

Você também pode gostar