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VIOLAGAO DE DOMICiLIO | XX V Sumario: 1. Consideragées preliminares, 2, Bem juridico tutelado, 2.1. Definig&o juridico- penal de “domicilio”, 2.2. Definig&o juridico-penal de “casa”. 3. Sujeitos ativo e passivo. 4. Tipo objetivo: adequacdo tipica. 4.1. Formas de entrada out permanéncia: francas, astuciosas ou clandestinas. 5. Tipo subjetivo: adequacdo tipica. 6. Consumagéo e tentativa. 7. Classificagéo doutrinaria. 8. Formas qualificadas: tipos derivados. 9. Formas majoradas: causas de aumento. 10. Invaséo de domicilio e conflito aparente de normas: subsidiariedade. 11. Causas de exclusio da antijuridicidade. 11.1, Excludentes especiais, 11.2. “Novas” excludentes constitucionais. 11.3, Excludentes gerais. 12. Pena e ago penal. Seco IL Dos Crimes contra a Inviolablidade do Domicllo Violagao de domicilio Art, 150. Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tacita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependéncias Pena — detengéio, de 1 (um) a 3 (trés) meses, ou multa. § F? Se o crime é cometido durante a noite, ou em lugar ermo, ou com o emprego de violéncia ow de arma, ou por duas ou mais pessoas: Pena — detengiio, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, além da pena correspondente 4 violéncia, § 2 Aumenta-se a pena de um tergo, se 0 fato & cometido por funciondrio priblico, fora dos casos legais, ou com inobserudncia das formalidades estabelecidas em lei, ou com abuso do poder § 3° Nao constitu crime a entrada ou permanéncia em casa alheia ou em suas dependéncias: I — durante o dia, com observdncia das formalidades legais, para efetuar pristo ou outra diligéncia; II — a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime esté sendo ali praticado ou na iminéncia de os § 4 Acapressio “casa” compreende I = qualquer compartimento habitado; II — aposento ocupado de habitagéo coletiva; III — compartimento néo aberto ao piiblico, onde alguém exerce profissio ou atividade. § 5 Nao se compreendem na expresso “casa”: I — hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitagéo coletiva, enquanto aberta, salvo a restrigio don II do pardgrafo anterior; Il — taveina, casa de jogo e outias do mesmo aénero. Considerarées preliminares © Codigo Criminal do Império (1830) foi dos primeiros diplomas legais a criminalizar a “entrada nz casa alheia” com critério extensivo nos moldes em que, afinal, veio a ser prevista nas legislagées modernas. O Codigo Penal de 1890, em linhas gerais, adotou a orientacdo do diploma anterior, mas, a exemple do Cédigo Zanardelli (de 1889), incluiu-o entre os crimes contra a liberdade individual © atual Codigo néo discrepou do anterior, adotando, porém, formulas mais explicitas e com contetidos mais profundos, além de tecnicamente ser mais preciso, Embora a segunda segio do capitulo dos crimes contra a liberdade individual, ao referir-se a “Dos crimes contra a inviolabilidade do domicilio’, sugira uma pluralidade de infragées, acaba tipificando somente uma infragdo penal sob a rubrica “violagio de domicilio”, com uma forma simples e outra qualificada, nos seguintes termos: “Entrar out permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tacita de quem. de direito, em casa alheia ou em suas dependéncias”. A figura qualificada é a seguinte: “Se o crime & cometido durante a noite, ou em lugar ermo, ou com o emprego de violéncia ou de arma, ou por duas ou mais pessoas”, Bem juridico tutelado © bem juridieo protegido, nesse tipo penal, continua sendo a liberdade individual, ott seja, o status Iibertatis na sua expresso mais elementat, que é a inviolabilidade domuciliar, a invulnerabilidade do lat, que é o lugar mais recondito que todo ser humano deve possuir, para encontrar paz, tranguilidade e seguranga junto aos seus familiares, A intimidade ¢ a privacidade, que sio aspectos da liberdade individual, assumem dimensio superior no recesso do lar e ai, mais que em qualquer outro lugar, necessitam de irrestrita tutela legal, justificando-se, inclusive, a protesdo constitucional (art. 58, %), Em sentido semelhante manifesta-se Cleunice Valentim, afirmando: “Assim, inexistindo na nossa atual legislagio a conduta penal de violago da intimidade, melhor aceitar que, em conjunto com outros preceitos legais, a inviolabilidade da casa, o respeito @ intimidade, a vida privada e a integridade fisica e moral visam a proteger a intintidade pessoal e a vida privada’™*” A variedade terminologica, para definir o bem juridico tutelado —inviolabilidade da casa, da liberdade individual, da tranguilidade domistica —, néo tem 0 condio de alterar a natureza do bem tutelado, que é a protesdo da liberdade, da paz e da seguranca da célula familiar ou, na feliz expressio da Constituiséo Federal, do “asilo inviolavel” A criminalizagio da violagio de domicilio objetiva proteger a moradia, isto é, o lugar que o individuo “escolheu” para a sua morada, para o sett repouso e de sua familia; o bem juridico é a liberdade e a privacidade “individual-familiar” a que todo individuo tem direito, e ¢ dever do Estado garantirlhe essa inviolabilidade, ou seja, o direito de cada um viver livre de qualquer intromissao no set lar, na sua casa, na sua morada, Aliés, nesse sentido, domicilio (casa out suas dependéncias) ¢ a emanacio da propria personalidade do individuo e instrumento necessério para a completa manifestagéo da liberdade individual. Como advertia Hungria, “na violagdo de domicilio, © que ressai comomomento caracteristico é que o agente se pée ilicitamente em contraste com a vontade do sujeito passivo, ofendendo-Ihe a liberdade ou direito de estar imune da perturbagéo de estranho no delimitado ambito (sc) de sua vida privada’™8, Na verdade, 0 Cédigo Penal aqui ndo protege a “posse”, “detencao” ov “propriedade”, mas a priuacidade doméstica, caso contrario teria de criminalizar também a violagio de casa desabitada™®, Isso no significa, contudo, que casa desabitada sejares millius e que néo tenha protecio juridico-penal, ndo a mesma protesdo que se da a cast habitada, enquuanto asilo inviolavel do cidadéo, mas a invasio daquela, dependendo das circunstancias, poder constituir algum crime contra © patriménio, No entanto, se houver invasio de casa habitada, cujos moradores encontrem-se ausites, tipificard o crime de invasio de domicilio, pois, a despeito da ausincia dos “moradores”, 0 lugar permanece como “abitado” e repositério da intimidade e privacidade que caracterizam a vida doméstica daqueles. Na esteira do Cédigo Penal, a Constituigio Federal de 1988 garante essa invulnerabilidade no: seguintes termos: “a casa é 0 asilo inviolivel do individuo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinacéo judicial” (art. 58, XI). Essa previsio constitucional, considerando que é em casa, no lar, onde o individuio procura proteger a sua familia, é reforgada pelo disposto em sett art 226, in verbis: “a familia, base da sociedade, tem especial protecio do Estado” Durante a noite ninguém, nenhuma autoridade, mesmo com ordem judicial, pode entrar ou permanecer no recinto do lar, nos termos do Texto Constitucional; havendo ordem judicial, as autoridades deverdo aguardar o amanhecer para, s6 entio, observando as formalidades legais (arts. 241 a 248 e 293, todos do CPP), poderem adentrar o recinto que, independentemente de sua natureza ou condigéo, constitua o domicilio ou morada de alguém. A ressalva constitucional, constata-se, permite o ingresso na casa, durante a noite, somente “em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro” (art. 58, XI,in fine), Essa ressalva constitucional, no entanto, ampliou a excecdo que o Cédigo Penal de 1940 admitia, que se limitava a existéncia de flagrante delito, nos termos seguintes: “a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime esta sendo ali praticado ou na iminéncia de o set” (art. 150, § 38, II, do CP), 21 Definicio juritico-penal de “domicilio” A expressio “domicilio” ganha distintos significados em um mesmo ordenamento juridico, podendo, eventualmente, levar a algum equivoco; 0 conceito que o legislador do Cédigo Civil concebeu a “domicilio” néo é o mesmo que o legislador penal Ihe atribuiu, deixando claro que este tinha o significado de “casa”, e, para afastar qualquer dtvida, definiu expressamente o sentido de casa como: a) qualquer compartimento habitado; b) aposento ocupad de habitaséio coletiva; c) compartimento iio aberto ao piiblico, onde alguém exerce profissio ou atividade (art. 150, § 48, do CP), Caprichosamente, afastou aqueles locais que no devem ser considerados “casa” para efeitos penais: a) logpedaria, estalagem ou qualquer outra habitagéo coletiva, enquanto aberta, salvo a restrigéo do n. II do pardgrafo anterior; b) taverna, casa de jogo e outras do mesmo género (art. 150, § 5°) Para o Codigo Civil de 2002, por outro lado, “o domicilio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residéncia com animo definitivo” (art. 70). O que caracteriza, fundamentalmente, 0 domtcilio, na otica do diploma privado, é o “lugar de residéncia com animo definitivo”, ao passo que para o Codigo Penal domicilio ¢ acasa de moradia, 0 local reservado a intimidade do individuo ou a sua atividade privada, coincidindo ou nfo com a definigio de domicilio civil. Nesse sentido, é absolistamente improcedente a afirmas4o critica de que “nomen juris do delito — ‘violagéo de domicilio’ — ressente-se de defeito, porque nfo esta em sintonia com o conceito civilistico, que corresponde @ residéncia com animo definitivo, ou ao centro de ocupagées habituais, ou a0 ponto central de negocios (arts. 31 233 do CC)", Na verdade, com a definiséo minuciosa do que é compreendido pela expressio “casa” e excluindo, expressamente, aquilo que nio a integra, constitui, diga-se de passagem, uma preocupasio legitima do legislador penal debar claro que as definigdes do Cédigo Civil, embora nio as ignore, nio sic adotadas pelo estatuto repressivo penal, que tem institutos proprios e estabelece seus proprios conceitos. Assim, violagéo de domicitio, para o Codigo Penal, consiste em “Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, out contra a vontade expressa ot ticita de quem de direito, em casa alheia ot em suas dependéncias”. Com efeito, domicilio significa néo apenas a casa ou comodo de habitagio, mas qualquer lugar reservado ao repouso out a0 exercicio da atividade privada (art. 150, § 4), 22 Definigéo juridico-penal de “casa” Assentado que a expressio “domicilio” é utilizada, para efeitos penais, com sentido equivalente a “casa”, convém, por razées didéticas, examinarmos 0 que deve ser entendido por “casa”. Segundo o texto legal, a expressio “casa” abrange: “I — qualquer compartimento habitado; II — aposente ccupado de habitagéo coletiva; II] — compartimento nfo aberto ao ptiblico, onde alguém exerce profissfo ou atividade” (§ 48), Vejamos em que consiste cada um desses enunciados: a) Qualquer compartimento habitado tem a abrangéncia suficiente para evitar qualquer divida relativamente a moradias eventuais ou transitérias Para configurar “casa”, no sentido de qualquer compartimento habitado, nao é necessario que esteja fo ou afvada em determinado local; pode ser movel, flutuante, “errante”, como, por exemplo, barco, trailer, motor-home, cabina de um trem velho, vagio de met abandonado, abrigo embaixo de ponte ou viaduto etc,, além de abranger, evidentemente, quarto de hotel, de penséo, de pensionato etc b) Aposento ocupado de habitagéo coletiva — para Damasio de Jesus, essa previsdo é redundante, pois, segundo pensa, “é evidente que o aposento ocupado de habitagéo coletiva se inclu na expresso ‘qualquer compartimento habitado””*', No entanto, como o préprio Damasio reconhece, objetiva evitar diividas interpretativas em relacSo a determinados compartimentos, quartos de hotéis, barracas, pensionatos, orfanatos etc. Essa previsio abrange, com efeito, o comodo onde o individuo mora, em local destinado a varias pessoas: esse “comodo” é a sua “casa”, o seu lar protegido pela inviolabilidade constitucional Pela clareza meridiana do texto legal, pode-se afirmar, com seguranga, que hotel, motel, pensio ott similares no sio objeto dessa protecio penal, na sta parte aberta a0 ptiblico, embora nio ocorra o mesmo com as partes “ocupadas”, seja o quarto com héspede, seja a parte interna da administragio ott mesmo de servigos, como cozinha, lavanderia etc ¢) Compartimento no aberto ao piiblico, once alguém exerce profissio ou atividade, refere-se, aqui, néo morada ou “lar”, mas ao local onde o ser humano desenvolve sua profissfo, atividade ou seus negécios, tais como escritério de advogado, engenheiro, economista, contabilista, administrador de empresas ou consultério médico, dentario, psiqutiatrico, psicanalitico etc. Quem ingressar nesses locais sem consentimento de quem de direito pratica o crime de invasiio de domicilio™, Mas aquelas dependéncias desses “compartimentos” que forem abertas ao ptiblico, como salas de recepgées ou de espera, onde as pessoas podem entrar e sair livremente, nio sio abrangidas pela protecéo legal, para fins penais, A contrario sesu, porém, deve-se concluir que compartimento aberto ao ptiblico nao esta abrangido pela definigio “casa”, como, por exemplo, bar, cinema, teatro, restaurante, loja ete As dependéncias de casa, para integrarem o conceito juridico-penal de casa, devem ser cercadas (gradeadas ou muradas) e sio espagos acessorios ou complementares da morada ou habitacéo; entendem-se como tais dependéncias os anexos ou compartimentos conjugados, como jardim, quintal, patio, garagem, pomar, adega ete, Os grandes jardins de grandes residéncias, quando ndo séo cercados, néo caracterizam dependéncia da residéncia, e, ademais, neles ndo se entra, pois sio abertos. O que caracteriza a dependéncia da morada é a sua proximidade e interdependéncia, e as atividades ali desenvolvidas séo intimamente necessarias aos seus moradores. O proprio Cédigo Penal, no entanto, preocupado com aspectos semanticos que poderiam desvirtuar sua definigdo de “casa”, preferiu extremar, também, o que néo é abrangido pela expresso “casa”, nos seguintes termos: “I — hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitagdo coletiva, enquanto aberta, salvo a restrigdo don, II do paragrafo anterior; II — taverna, casa de jogo e outras do mesmo género” (§ 5) A explicativa do inciso I destaca que as propriashospedarias, estalagens ou similares no so ignoradas pela ordem juridica e que olivre acesso, nesses locais, somente esta autorizado aos “lugares de uso comum’” e enquanto estiverem abertos ao priblico, isto é, enquanto ndo vedarem o acesso a estranhos. Nesses termos, o hotel out pensio, enquanto aberto ao ptiblico (e na parte acessivel a), no pode ser objeto material do crime de violagéo de domicilio, Contudo, 0 mesmo no ocorre com o quarto ocupado por alguém, com as dependéncias de servigos, e quando estiver fechado para o pttblico em geral. Nas definigées de Nélson Hungria, “Taverna é a casa de pasto out botequim ordinarios, com livre acesso a promiscua clientela, E o restaurante do bas fond, a bodega, atasca, a ‘vendinha’, 0 ‘buteco”, e 253 “Casa de jogo é aquela onde habitualmente se praticam jogos de azar, com livre acesso ao puiblic Com pequena variagéo conceitual, algumas décadas apés, essas concepgdes mantém-se atualizadas. A “Lei das Contravengées Penais”, para fins de “jogo de azar”, equipara a “lugar acessivel ao ptiblico” os seguintes: “a) a casa particular em que se realizam jogos de azar, quando deles habitualmente participam pessoas que no sejam da familia de quem a ocupa; b) o hotel out casa de habitacdo coletiva, a cujos héspedes e moradores se proporciona jogo de azar; c) a sede out dependéncia de sociedade out associagéo, em que se realiza jogo de azar; d) o estabelecimento destinado a exploracéo de jogo de azar, ainda que se dissimule esse destino” (art. 50, § 4%, LCP); poderiam equiparar-se, atualmente, o¢ “casinos” clandestinos (oficialmente inexistentes no Pais) e os famigerados “bingos”, salvadores do esporte nacional. Com a expressio final “e outras do mesmo género”, refere-se a todo local em que, para os mais variados fins, é permitida livremente a entrada de qualquer um, sem nenhuma seletividade (lias, dificil de fazer hoje, nos termos da Constituigéo Federal, art. 58, caput). Sujeitos ative e passive Qualquer pessoa pode ser sijeito ativo, inclusive o proprietdrio, pois ndo so a posse e a propriedade os objetos da protegdo legal, mas a intindade e a privacidade domésticas, como um corolario do direito de liberdade. A expressio “casa”, pela conotacéo que o Cédigo Penal lhe atribui, vai muito além dasimples propriedade (hoje a prépria Constituigéo exige que se respeite a sua destinago social), para abranger, além do sett aspecto material, especialmente a sua finalidade e contetido ético-social, o status de morador, que integram os direitos naturais da personalidade humana. O cénjuge separado ou divorciado que invade a residéncia do outro pratica, em tese, o crime de invaséo de domicilio, salvo se sua conduta for orientada por alguma outra finalidade especifica, podendo receber, nesse caso, outra definigdo juridica, Nao se tratando de crime préprio ou especial, no se exige nenhuma condigéo especial do sujeito ativo. E irrelevante que se trate de proprietario, locatario, credor hipotecario ou retina qualquer outro titulo semelhante: para entrar ou permanecer em casa habitada, depende de consentimento do morador, O proprietdrio de casa alugada também pode ser sujeito ativo do crime de violagio de domtcilio, se, por exemplo, adentré-lo contra a vontade do locatario. © inquilino, nesse caso o sujeito passivo, ndo sofre violagdo na posse, embora a exerga diretamente, mas na sua tranquilidade doméstica, na inviolabilidade do seu domicilio, que a lei protege, até mesmo contra o proprietario do imével, Sujeito passive é 0 morador, que pode impedir ou anuir 8 entrada ou permanéncia na casa; é, nos termos da lei, quem de direito, Nao é o patriménio — dominio ou posse — 0 objeto da protecéo legal, mas a liberdade doméstica, é omorador, a qualquer titulo, proprietario, inquilino, arrendatario, posseiro, usufrutuario, héspede etc. Hele quem tem o direito de admitir out excluir outrem no interior da sua “morada”. Esse direito pode ser exercido até mesmo contra o proprietirio ott sublocador do imavel em que o sujeito passivo reside Na ausincia do morador, 0 direito de exclustio ou adinissio transfere-se a0 cOnjuge, ascendentes, descendentes, empregados ou quaisquer outras pessoas que com ele convivam. Teoricamente, predomina a vontade do “chefe da familia” ou cabesa do casal (posigées ott status hoje bastante questionados) para permitir ou impedir a entrada de estranhos; havendo divergéncia, normalmente deve prevalecer a vontade daquele, desde que desse consentimento nio fique ofendido ou exposto a perigo o direito de liberdade domestica, correspondente a cada um dos conviventes™, Em se tratando de cénjuges ou, para sermos mais abrangentes, “casais” (casados, amantes, companheiros, parceiros, “namorados” ete.), esse direito é partilhado em igualdade de condigées: havendo dissenso, porém, a harmonia “conjugal” recomenda que prevaleca a negativa, sob pena de haver violagio de domicilio em relacdo ao dissente, ou seja, admitimos, em outras palavras,o direito de veto a qualquer dos “parceiros” Nessa mesma linha, o sujeito passivo que ingressa em um lar autorizado pelo conjuge infiel (0 art. 226, § 58, da CF estabelece igualdade juridica entre os cOnjuiges) néo pratica o crime de violagio de domicilio; na verdade, ha violagéo do dever de fidelidade, mas por parte do cénjuge infiel, e ndo do terceiro estranho a relagéo Quando se trata de habitacdo coletiva (colégio, convento, orfanato ete.), 0 direito de impedir ou admitir normalmente ¢ atribuigéo do chefe ou diretor, cuja auséncia é suprida por um substituto natural, e assim sucessivamente. Por fim, a propria prostituta pode ser sujeito passivo do crime de violagio de domicilio, quando, por exemplo, o seu “comodo”, seja casa, quarto out “aposento”, estiver fechado ao ptiblico, Ela, como qualquer cidadao, goza de um minimo de privacidade, tanto no lugar onde mora como no seu “local de trabalho”, isto é, “compartimento onde exerce profissio ou atividade” (art. 150, §§ 48, Ie III, e 5% 1) Tipo objetivo: adequacéo tipica Os niicleos do tipo estio representados pelos verbos entrar ou permanecer: entrar significa introduzir- se, penetrar, ingressar, ou até mesmo invadir; permanecer significa ficar, continuar, conservar-se dentro. A permanéncia pressupée a entrada licita, incriminando-se a recusa em sair: 0 stjeito ativo entra licitamente, nesse caso, mas insiste em ficar contra a vontade de quem de direito. Nada impede, porém, que 0 sujeito ativo entre astuciosa ou clandestinamente, isto é, de forma ilicita, e, descoberto (0 crime ja consumado na modalidade de entrar), rectse-se a sair, contrariando a vontade e determinagio de quem de direito, Nesse caso, nfo pratica dois crimes, pois se trata de crime de ago muitipla ou, como refere Damasio de Jesus, de “conduta alternativa’”™™, Qualquer das duas figuras — entrar ou permanecer — deve serclandestina (oculta, furtiva, as escondidas), astuciosa (fraude, ardil, artficio) ou contra a vorttade expressa ou técita de quem de direito: © sujeito ativo afronta a vontade do sujeito passivo, opondo-se ao sett querer, tacito ou expresso, Tanto a entrada quanto a permanéncia somente configurario o crime se afrontarem a vontade de quem detém o direito de exclusio ou de permissio, Essa contrariedade pode ser presumida, expressa ou ticita, E irrelevante o motivo do dissenso da entrada ou permanéncia em casa alheia; basta que ele exista. Excluidas asexesdes legais-constitucionais, o direito de admitir ou de excluir qualquer pessoa ou autoridade fica ao inteiro arbitrio de quem de direito, que esteja em condig&o para ser o sujeito passivo, nos termos que examinamos. Entrar ou permanecer em cast desabitada ou abandonada néo tipifica a conduta descrita como invaséo de domicilio, embora, dependendo das circunstancias, possa configurar outra infracdo penal, particularmente contra o patriménio; por isso, nfo é recomendavel afirmar, simplesmente, que a conduta é atipica. Convém, ademais, ter presente que a auséncia eventual de moradores néo caracteriza casa desabitada ou abandonada. 41 Formas de entrada ou permanéncia: francas, astuciosas ou clandestinas Acntrada ou permanéncia, qualquer das duas, pode ser franca, astuciosa ou clandestina; quando for franca, o dissentimento do ofendido pode ser expresso ou tacito; quando a entrada ou permanéncia for astuciosa ou clandestina, 0 dissentimento é presumido. Nas modalidades em que séo utilizadas astricia ou clandestinidade ha a presungéo de que elas néo sio consentidas. Alias, a astiicia e a clandestinidade deixam clara essa presuingio, caso contrario, ndo seria necessario esse ardil; quando a forma de entrada adotada for a franca, ou seja, na auséncia de astiicia ott clandestinidade, a contrariedade da vitima deve ser expressa ou tacita, podendo-se perceber, desde logo, que presimida ndo se confunde com tdcita, Se houver consentimento, expresso ou tacito, a adequacéo tipica sera afastada, logicamente, O dissenso de quem de direito sera presumtido, na astiicia ou clandestinidade, em razéo da natureza ou da forma pela qual a conduta foi realizada — com fraude, ardil, artificio, na primeira hipstese, ou oculta, furtiva, as escondidas, na segunda —, dificultando a percepedo do ofendido, que, sem saber da presenga do invasor, nao pode ser contra a sua entrada out permanéncia: ndo se pode contrariar o que nao se conhece; é impossivel dissentir de algo que se ignora. E, ademais, o agente que se utiliza de expediente como astticia e clandestinidade, além da ma-fé, sabe que sua entrada ou permanéncia néo seria tolerada. Logo, a presungdo é decorréncia logica da propria forma sorrateira da invaséo, Quando a entrada ou permanéncia for franca, a contrariedade tacita out expressa, como elementares do crime, deve ser inequivoca: ha manifestaggo de vontade expressa quando o sujeito passive manifesta sett desejo, de forma inconfundivel, pela retirada imediata do invasor, podendo materializar-se por meio de palavras, gestos, escritos e qualquer ato eloquente; ha o dissenso tacito, por sua vez, quando resultar da pratica de atos incompativeis com a vontade de permitir a entrada ou permanéncia do sujeito ativo no recinto. O dissenso tacito néo se confunde com o presumtido: o primeiro decorre da postura comportamental do sujeito passivo diante da realidade fatica, materializada com a presenga do invasor, enquanto 0 segundo decorre da propria natureza da conduta do sujeito ativo, ardilosa, sorrateira, dissimulada. Naquele ha a exteriorizagéo da vontade de quem de direito, ainda que mediante uma linguagem néo escrita nem falda, mas suficientemente clara para transmitir a contrariedade; neste, a presuncdo decorre da falta de assentimento na conduta do sujeito ativo, representado pelo comportamento astuto e clandestino; esse comportamento somente é adotado porque o agente sabe que ha a contrariedade da vitima, caso contrario no agiria dessa forma. Tipo subjetivo: adequacao tipica O elemento subjetivo desse crime é o dolo, representado pela vontade livre e consciente de entrar ou permanecer em casa alheia, contra a vontade do morador, Faz-se necessirio, convém reforgar, que o agente tenha conhecimento do dissenso de quem de direito e de que se trata de “casa alheia”. O sujeito que imprudente ou negligentemente entra em casa alheia, confundindo-a com a sua, ndo pratica crime algum, por faltar-Ihe os elementos volitivos e cognitivos caracterizadores do dolo, Quando o crime for praticado por fimciondrio priblico — uma espécie de crime proprio —, o dolo deve ser integrado pelo conthecimento de que abusa dos poderes inerentes a fungéo piblica exercida, out que néo observa as formalidades prescritas em let, ou, ainda, que abusa de poder para entrar out permanecer em casa alheia Assim, ndo se configura o crime de inuastio de domicilio se o agente, logo apés a pratica de outra infragéo penal, ingressa, sem consentimento, em casa alheia para homiziar-se de perseguidores. No entanto, tratando-se de agente policial que adentre por equivoco a casa da vitima, em busca do criminoso, ndo sendo a diligéncia domiciliar legitimada por mandado judicial, configura-se, em tese, 0 crime previsto no art. 150, § 28, do CP. erro, independentemente de sua natureza, se de tipo ou de proibigéo, espargira seus efeitos excludentes como em qualquer crime, Assim, se o agente entra em casa alheia, ignorando ou desconhecendo que se trata de casa alheia, néo comete crime, pois se trata de erro de tipo que Ihe exclut o dolo, e, por extensio, a tipicidade (ante a auséncia de previsio da modalidade culposa, desnecessirio questionar-se sobre a evitabilidade ou inevitabilidade do erro); no entanto, se desfeito 0 engano e sendo manifestada a contrariedade do morador, permanece em seu interior ou recusa-se a sair, pratica o crime, nos termos da segunda figura tipica, “permanecer” Nao ha exigéncia de qualquer elemento subjetivo especial do tipo out do injusto. Consumagao e tentativa Consuma-se o crime de invasio de domicilio com a entrada ou permanéncia em casa alheia, contrariadas por quem de direito; na primeira hipdtese, consuma-se tio logo 0 sujeito ativo se tenha introduzido completamente na casa alheia, independentemente do meio empregado; na segunda hipotese, no exato momento em que a conduta do agente demonstra sua efetiva intencéo de permanecer no interior do aposento, a despeito do dissenso de quem de direito, ou, quando o agente

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