Necropolítica
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Necropolítica - Achille Mbembe
NECROPOLÍTICA
Biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte
Achille Mbembe
© n-1 edições, 2018
Publicado pela primeira vez em inglês como Necropolitics
, com tradução do lamba por Libby Meintjes, in Public Culture, vol. 15, n.1, inverno de 2003, pp 11-40. No Brasil, saiu na revista Arte & Ensaios, do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da UFRJ, traduzido por Renata Santini. Agradecemos a autorização da revista e da tradutora para a presente publicação.
Embora adote a maioria dos usos editoriais do âmbito brasileiro, a n-1 edições não segue necessariamente as convenções das instituições normativas, pois considera a edição um trabalho de criação que deve interagir com a pluralidade de linguagens e a especificidade de cada obra publicada.
COORDENAÇÃO EDITORIAL Peter Pál Pelbart e
Ricardo Muniz Fernandes
PROJETO GRÁFICO Érico Peretta
TRADUÇÃO Renata Santini
REVISÃO TÉCNICA Cezar Bartholomeu
PREPARAÇÃO MARIANA Delfini
CONVERSÃO PARA EBOOK Cumbuca Studio
A reprodução parcial sem fins lucrativos deste livro, para uso privado ou coletivo, em qualquer meio, está autorizada, desde que citada a fonte. Se for necessária a reprodução na íntegra, solicita-se entrar em contato com os editores.
Fevereiro, 2020
n-1edicoes.org
Folha de RostoWa syo’lukasa pebwe
Umwime wa pita
[Ele deixou sua pegada na pedra
Ele mesmo seguiu]
Provérbio Lamba, Zâmbia
Este ensaio pressupõe que a expressão máxima da soberania reside, em grande medida, no poder e na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer. Por isso, matar ou deixar viver constituem os limites da soberania, seus atributos fundamentais. Ser soberano é exercer controle sobre a mortalidade e definir a vida como a implantação e manifestação de poder.
Pode-se resumir nos termos acima o que Michel Foucault entende por biopoder: aquele domínio da vida sobre o qual o poder estabeleceu o controle.¹ Mas sob quais condições práticas se exerce o poder de matar, deixar viver ou expor à morte? Quem é o sujeito dessa lei? O que a implementação de tal direito nos diz sobre a pessoa que é, portanto, condenada à morte e sobre a relação que opõe essa pessoa a seu ou sua assassino/ a? Essa noção de biopoder é suficiente para contabilizar as formas contemporâneas em que o político, por meio da guerra, da resistência ou da luta contra o terror, faz do assassinato do inimigo seu objetivo primeiro e absoluto? A guerra, afinal, é tanto um meio de alcançar a soberania como uma forma de exercer o direito de matar. Se consideramos a política uma forma de guerra, devemos perguntar: que lugar é dado à vida, à morte e ao corpo humano (em especial o corpo ferido ou massacrado)? Como eles estão inscritos na ordem do poder?
POLÍTICA, O TRABALHO DA MORTE E O DEVIR SUJEITO
A fim de responder a essas perguntas, este ensaio baseia-se no conceito de biopoder e explora sua relação com as noções de soberania (imperium) e estado de exceção.² Tal análise suscita uma série de perguntas empíricas e filosóficas, que eu gostaria de examinar brevemente. Como se sabe, o conceito de estado de exceção tem sido frequentemente discutido em relação ao nazismo, ao totalitarismo e aos campos de concentração/ extermínio. Os campos da morte em particular têm sido interpretados de diversas maneiras, como a metáfora central para a violência soberana e destrutiva e como o último sinal do poder absoluto do negativo. Como diz Hannah Arendt: Não há paralelos à vida nos campos de concentração. O seu horror não pode ser inteiramente alcançado pela imaginação justamente por situar-se fora da vida e da morte
.³ Em razão de seus ocupantes serem desprovidos de estatuto político e reduzidos a seus corpos biológicos, o campo é, para Giorgio Agamben, "o lugar no qual se realizou a mais absoluta condicio inhumana que já se deu sobre a terra".⁴ Na estrutura político-jurídica do campo, acrescenta, o estado de exceção deixa de ser uma suspensão temporal do estado de direito. De acordo com Agamben, ele adquire um arranjo espacial permanente,