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Regina: esse o seu nome.

“Nome certo para uma princesa, que um dia será rainha”, dizia seu pai.
Nos sonhos dele ela nasceu para ser o centro da vida dele e de sua mamãe, que
esperaram anos a fio; estavam quase desistindo quando ela recebeu o anúncio. E
passaram a existir em função dele.

A mãe dela vivia cercada de mulheres sábias, parentes, amigas e conhecidas, que muito
entendiam de crianças. Ela sempre convidava doze delas para intermináveis conversas. A
décima terceira ficava esquecida: uma fiandeira, hábil em tecer vidas; mas na sala não
havia lugar para treze visitas. Essa fiadeira, de nome Parca, vizinha de domínios próximos,
cansada dos esforços para ser aceita no grupo, os quais resultaram sempre inúteis, decidiu
se vingar. Teceu desejos para a tão esperada, para a rainha dos sonhos dos pais. Desejou
com a força da inveja e da rejeição: ela deveria nascer desajeitada. Magricela. Espinhenta.
Sem graça ou beleza.
Só isso explica o que ela era hoje.
“Espelho, espelho meu, haverá no mundo alguém mais bela do que eu?” ela se fito no
espelho de cabo, posiciono-o de várias maneiras; olho de frente, de esguelha. “Me dá uma
imagem legal, por favor!”
Evitando o espelho grande, do quarto de sua mamãe. Ele é mentiroso. Os reflexos
que apresenta não podem ser seus. Não da princesa meiga e gentil que seu pai embalou,
não da pequena rainha que ele festejou.
Quando ela quer a verdade, a sua verdade – de ver a princesa bela dos sonhos de
seus pais –, recorreu ao espelho redondo, de cabo comprido. Como sempre via nas
ilustrações dos contos de fadas que seu pai lia para ela dormir, nas histórias de outras
rainhas, reginas. Procurou o espelho pela cidade, livro na mão, apertando-o nas
ilustrações.
Difícil encontrar igual. Olhando o desenho, identificavam a bruxa a preparar maldades
contra Branca de Neve, mal viam o espelho.

Acabou encontrando seu tesouro num antiquário, onde só muita coragem ou desespero a
fez entrar. Desdenhou o preço. Menosprezou:
-- Essa velharia cheia de pó? Quem mais vai levar? Tá aí há tempo!
Implorou. Ganhou o direito de trazê-lo para casa. Agora ele fazia parte de seu reino
encantado.
“Espelho, espelho meu...”
Ele deve ser mágico. No espelho do quarto de sua mamãe, sua imagem surge
distorcida, ela é só ossos, espinhas e pelos. Comprida, os olhos escuros embranquecendo
mais o rosto, os cabelos lisos e sem brilho. No seu espelho ela vê aos pedacinhos; cada
detalhe ganha beleza. Não acredita em seu pai: “Tua pele é a de Branca de Neve”.
Confiou em mamãe: “Um dia o patinho feio se tornou um lindo cisne negro”.
“Espelho, espelho meu...”
Só as espinhas ele não esconde; mas, vistas aos bocados, não assustam.
Se queria se encontrar legal, é procurar com jeito os bocados melhores. Seus olhos
acabam descobrindo as promessas das mulheres sábias: “Ela nascerá forte e será bela”.
Mas que droga! Como custa para o espelho de cabo me dar esse reflexo, inteiro, para
sempre!

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