Você está na página 1de 126

Educação ESTUDOS LINGUÍSTICOS E VARIAÇÃO Denise Gassenferth

Denise Gassenferth
E VARIAÇÃO
ESTUDOS LINGUÍSTICOS
Estudos
Linguísticos
~
e Variacao
Denise Gassenferth

Curitiba
2015
Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Cassiana Souza CRB9/1501

G251e Gassenferth, Denise


Estudos linguísticos e variação / Denise Gassenferth. –
Curitiba: Fael, 2015.
124 p.: il.
ISBN 978-85-60531-15-8

1. Linguística 2. Variação linguística I. Título


CDD 410

Direitos desta edição reservados à Fael.


É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael.

FAEL
Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo
Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz
Revisão Luzia Almeida
Projeto Gráfico Sandro Niemicz
Capa Vitor Bernardo Backes Lopes
Imagem da capa Shutterstock.com/Franck Boston
Arte-Final Evelyn Caroline dos Santos Betim
Apresentação

(...) Se a linguagem se contentasse em refletir


a realidade, por que cada língua engendraria
palavras que não deveriam ser pronunciadas?
(...)
HUSTON, Nancy. A Espécie Fabuladora-
um breve estudo da humanidade.

O Falar, escrever, ler... usar uma língua para expressar sen-


timentos, compartilhar experiências, trocar conhecimentos, emitir
juízo, inserir-se em uma comunidade, enfim, usar uma língua para
partilhar de uma identidade cultural.
Estudos Linguísticos e Variação

Todos os dias fazemos isso, mas nem nos damos conta de todos os ele-
mentos e implicações que entram em questão, na hora de nos comunicarmos.
Mas, alguns estudiosos, conhecidos por linguistas, se deram conta disso
e fizeram da linguagem humana, escrita e falada, seu objeto de estudo.
O estudioso, considerado o “pai” da Linguística, foi o suíço Ferdinand
de Saussure (1857-1913). Saussure é conhecido no mundo todo por suas pes-
quisas sobre a linguagem humana. Ele analisou diversas línguas, comparou-as
entre si. Analisou também o modo como elas se transformam com o passar
do tempo, as interferências dos falantes e das situações sociais.
Seu livro Curso de linguística geral (CLG), publicado postumamente, em
1916, é resultado de uma compilação dos três cursos que ministrou durante
cinco anos, feita por Charles Bally (1865-1947) e Albert Sechehaye (1870-
1946), a partir das anotações dos seus alunos, principalmente Albert Riedlin-
ger (1883-1978).
Apesar de seus estudos e da publicação de sua obra fazerem de Saussure,
o “pai” da Linguística, o próprio Saussure atribuiu a fundação da Linguística
à primeira obra do alemão Franz Bopp (1791-1867), Gramática comparada
das línguas indo-europeias: O sistema de conjugação do sânscrito comparado
aos das línguas grega, latina, persa e germânica (1816).
Todavia, é Ferdinand Saussure que traz a ideia da linguagem humana
como produto de uma coletividade e que se modifica como se modificam os
seres humanos.
Em sua obra, Saussure parte das definições de signo, significante e sig-
nificado. Ele define que a linguagem é um sistema de signos linguísticos, um
sistema de convenções. Porém, o signo é arbitrário, é a união de uma forma
significante (imagem acústica) e uma forma significada (conceito, a parte
inteligível do signo). Não há relação lógica entre uma determinada palavra e
o que ela representa.
Para Saussure, “Língua e escrita são dois sistemas distintos de signos; a
única razão de ser do segundo é representar o primeiro. ” (CLG, 2005, p. 34).
Dessa forma, Saussure fundamenta a Linguística como um estudo
imprescindível da formação e evolução da linguagem humana, é preciso

–  4  –
Apresentação

partir, então de suas conclusões para depois conhecer outros linguistas que
também contribuíram para que essa disciplina seja tão importante nos nos-
sos dias.
Contudo, nosso livro de Estudos Linguísticos e Variação não tratará
apenas de Saussure.
No primeiro capítulo, faremos uma introdução aos assuntos a serem
estudados nesse livro, com apresentação do que é a Ciência Linguística, com
exposição de um breve histórico e qual seu objeto de estudo.
Já no segundo capítulo, veremos os processos que são envolvidos na
Comunicação: linguagem, língua e fala.
No terceiro capítulo, trataremos da Teoria do Signo Linguístico e estu-
daremos também algumas das dicotomias apresentadas por Saussure, como
Sincronia e Diacronia, e Paradigma versus Sintagma.
No quarto capítulo, veremos o Discurso e estudaremos um preâmbulo
da Análise do Discurso.
Em seguida, no quinto capítulo, focaremos em algumas das Divisões da
Linguística, como Fonética e Fonologia, Morfologia e Sintaxe, Semântica e
Pragmática.
A Sociolinguística e a Variação Linguística serão vistas nos capítulos seis
e sete, pois os tipos de variação, além do conceito de “norma” e “erro linguís-
tico” merecem um estudo um pouco mais detalhado.
Durante o percorrer de seus estudos acadêmicos, vários dos temas apre-
sentados nesse livro serão observados com mais afinco.
O estudo da Linguística e da Variação Linguística busca instrumenta-
lizá-los para uma maior compreensão da complexidade do estudo da língua.
Cabe ainda outra constatação ou reflexão: sem nos darmos conta, somos
todos, pelo menos, bilíngues. E por que podemos fazer tal afirmação?
Temos uma língua própria, a que usamos para nos comunicar com nossos
familiares, em nosso ambiente de trabalho, em nossos momentos de socializa-
ção. E, em nosso percurso escolar, chegamos ao nível superior com uma segunda
língua: a que a escola nos apresentou - a norma padrão, ou norma culta.

–  5  –
Estudos Linguísticos e Variação

Como educadores, ou futuros educadores, precisaremos ter bem clara


essa realidade: somos bilíngues! E como tal, devemos, obrigatoriamente, res-
peitar os falares de compõem a língua brasileira.
A Linguística nos proporciona o entendimento do que é a linguagem,
como conhecê-la, como decifrá-la, pois, sem conhecer a linguagem, podemos
conhecer o ser humano?
Para finalizar a apresentação desse livro, cito as palavras de Eni Puccinelli
Orlandi:
O homem procura dominar o mundo em que vive.
Uma forma de ele ter esse domínio é o conhecimento. Esse é
um dos motivos pelos quais ele procura explicar tudo o que
existe.
A linguagem é uma dessas coisas. Ao procurar explicar a lin-
guagem, o homem está procurando explicar algo que lhe é
próprio e que é parte necessária de seu mundo e da sua con-
vivência com os outros seres humanos.
Por que falamos? Para que falamos? Como falamos? Por que
as línguas são diferentes? O que são as palavras? O que elas
produzem? Essas questões tocam diretamente o homem, e ele
tem procurado dar-lhes uma resposta.
De posse desse saber sobre a linguagem, o homem tenta
domesticar seus poderes e trazê-los para si. Será que conse-
gue?” (...)
(ORLANDI, Eni Pucinelli. O que é Linguística. São Paulo:
Brasiliense, 2009, 2° ed.)

Bom estudo!

–  6  –
Sumário

1 Estudos Linguísticos e Variações  |  9

2 Comunicação | 27

3 O Signo | 41

4 O Discurso | 57

5 Divisões da Linguística  |  71

6 Sociolinguística | 91

7 A Norma Linguística  |  105

Referências | 119
1
Estudos Linguísticos
e Variações

Na língua só existem diferenças.


Ferdinand Saussure
A liberdade consiste na possibilidade de
optar.
Ferdinand Saussure

Iniciaremos este capítulo apresentando vários conceitos em


relação à linguística, qual é seu objeto de estudo e um breve histó-
rico da ciência linguística.
Buscamos, com isso, apresentar-lhes conceitos e princípios que
regem os Estudos Linguísticos.
Estudos Linguísticos e Variação

Apesar de neste capítulo e, principalmente, nos primeiros capítulos,


não nos atermos, ainda, às questões relacionadas à variação linguística, ini-
ciaremos nossos estudos com um texto bastante interessante do Professor
Antonio Escandiel de Souza, intitulado A Diversidade Linguística no
­Contexto Escolar:

A Diversidade Linguística no Contexto Escolar


A língua de um povo constitui-se como um dos seus bens mais preciosos.
É na língua que se apresentam refletidas as representações e construções
de uma sociedade.
É pela língua que se dão as relações de Figura 1: balões diálogo
poder e dominação, os consensos, as discórdias,

Shutterstock.com/ Pushkin
as transmissões culturais. Assim como é pela
língua que o sujeito constrói seu lugar na socie-
dade, também é através dela que é excluído.
Considerando que nossas cidades são
formadas pela união de diversas raças e povos,
é impossível ignorar que a diversidade étnica
caracteriza nosso país.
A língua, em suas diversas formas
e variantes, é uma entidade viva, dinâmica e é o código utilizado pelo ser
humano para se comunicar com seus semelhantes, trocar informações, difun-
dir ideias e conceitos.
O uso da escrita desenvolveu a comunicação entre os homens permi-
tindo-lhes remontar as barreiras do tempo na recepção de mensagens, além
de ajudar muito no desenvolvimento intelectual do ser humano. Ademais, seu
domínio passou a figurar, socialmente, como prestígio social e instrumento de
ascensão profissional.
Devido a constantes inovações, a escola está deixando de ser apenas o
local onde se acumulam conhecimentos, que tem no professor o depositário
da sabedoria e no estudo, um fim em si mesmo.
A escola passou a ser um ambiente voltado à reflexão e o educador pas-
sou a atuar como mediador da aprendizagem, sabendo respeitar e interagir

–  10  –
Estudos Linguísticos e Variações

com as diferenças étnicas, culturais, sociais e econômicas do educando. A


sociedade está cada vez mais exigente, então não basta seguir rigidamente as
normas linguísticas, sem deixar espaço para o desenvolvimento do educando
como ser crítico, capaz de expressar suas ideias e lutar pelos seus ideais.
A língua se relaciona com a sociedade porque é a expressão das necessida-
des humanas de se congregar socialmente, de construir e desenvolver o mundo.
“A língua não é somente a expressão da alma, ou do íntimo, ou do que
quer que seja, do indivíduo; é acima de tudo, a maneira pela qual a sociedade
se expressa como se fosse a sua boca”. (SIGNORINI, 2002. p. 76-77).
É importante ter um discurso condizente com a realidade social, mas a
consideração da modalidade linguística que o educando traz de casa, é essen-
cial, já que a democracia e a liberdade de expressão devem acontecer desde
o espaço escolar e, porque, por meio dessa linguagem, é possível estabelecer
a comunicação.
Com respeito pela linguagem do aluno, é possível levá-lo a aprimorar-se
da variedade linguística valorizada socialmente, o que possibilitará a ele a
adequação de uso da linguagem às diversas situações sociais em que precise
se manifestar.
Ao contrário do ensino tradicional, que silencia, e contribui, desse
modo, para a manutenção da ordem social vigente, com as mudanças no
ensino poderão ser conseguidas mudanças sociais ao se garantir que a possi-
bilidade de expressão deixe de ser sonegada à grande parcela da população.
Não é preciso substituir a modalidade do aluno, mas é possível for-
necer-lhe outra adicional, a de maior prestígio, para que, com isso, ao
mesmo tempo em que ele possa conseguir sua ascensão social, também
continue participando de seu grupo de origem, não sofrendo, assim, um
processo de despersonalização.
Faz-se necessário o ensino da forma para enriquecer e contribuir com o
desenvolvimento cognitivo do educando, bem como ampliar o seu léxico, porém
não se deve impor bruscamente o padrão sob pena de continuar promovendo, na
sociedade, o complexo de incompetência linguística, que gera alienação.
Seria necessário ao professor falante da forma culta se familiarizar com
a nova realidade escolar, conduzindo o aluno a alternar fala familiar com a
norma culta, em função das situações de interação verbal (...)

–  11  –
Estudos Linguísticos e Variação

Com a leitura desse texto, iniciamos um caminho bastante interessante:


não estudaremos somente o que a é linguística, o que é a linguagem. Buscare-
mos, também, um percurso que nos permita refletir sobre ela e sobre seu uso.
Nessa perspectiva, é importante não sermos apenas meros repetidores
dos conhecimentos adquiridos, mas usuários sabedores de uma língua que
tem várias funções nos contextos sociais constituídos.
Refletir nos diferencia. Somos educadores. E como tal, devemos também
ter consciência do nosso papel na análise da nossa língua, a língua brasileira.

1.1 O que é Linguística


Costuma-se estabelecer que a Linguística é a ciência que estuda os
fenômenos relacionados à linguagem verbal humana, buscando entender
quais são as características e princípios que regem as estruturas das línguas
do mundo.
Cabe aos linguistas, portanto, a responsabilidade do estudo e formula-
ção de explicações a respeito das estruturas e dos mecanismos da linguagem
em geral.
Assim, para que nossos estudos apresentem o embasamento necessário,
faz-se mandatório apresentar algumas das definições, conceitos ou estudos de
especialistas na área em relação O que é linguística.
Iniciaremos com Rodrigues (2008), asseverando que, para se estabelecer
como ciência, a linguística necessitava definir seu objeto e obter um método
que atendesse ao estudo desse objeto.
De acordo com Fiorin (2009), a linguística definiu-se, com bastante
sucesso, entre as ciências humanas, como “o estudo científico que visa descre-
ver ou explicar a linguagem verbal humana”.
Para compreender a concepção da Linguística, Juchem (2008) afirma
que se deve recorrer a uma visão geral de sua história.
De acordo com essa autora, citando Saussure, a língua, como tal, preci-
puamente era limitada à Gramática, onde servia, unicamente, aos paradigmas
de certo e errado.

–  12  –
Estudos Linguísticos e Variações

No início do século XVIII, a Linguística começa a ter seu campo de


estudo redimensionado pela Gramática Comparada, que apresenta, então, a
possibilidade de as línguas serem comparadas entre si, assevera Saussure.
A língua passa a ser pensada e estudada como tal somente meio século
depois. Com os estudos entre as línguas românicas e germânicas, nasce a
escola de neogramáticos, que passa a entender a língua como processo resul-
tante da coletividade, não mais individual.
Figura 2: Ferdinand de Sassure
É nessa visão pioneira que Saussure
se apoiará para conceber a língua em sua
dimensão social.
Considerando como matéria “todas as
manifestações da linguagem humana”, Saussure
instaura três tarefas básicas para a Linguística:
a) “fazer a descrição e a história de
todas as línguas que puder abranger;

“F. Jullien Genève”


b) procurar as forças que estão em jogo,
de modo permanente e universal;
c) delimitar e definir-se a si própria”
(ibid., p. 13).
Com isso, Saussure reivindica para a Linguística um lugar dentro da
ciência, ou seja, enfatizando, a partir de seus estudos, buscou-se a considera-
ção da Linguística como ciência.
Saussure também admite que a Linguística possui estreitas relações com
outras ciências, mas, ao intuir que “tudo é psicológico na língua”, ou seja,
social, está delimitando seu ponto de vista a respeito da língua e, para Saus-
sure, “o ponto de vista cria o objeto” (ibid., p.15). Tem-se a partir daí o objeto
da Linguística: a língua – essência de sua existência.
Mas, Saussure admite que uma língua não existe sem os falantes, ele
ainda apresenta a linguagem como um “fenômeno – o exercício de uma
faculdade que existe no homem e a língua é o conjunto de formas concordan-
tes que esse fenômeno assume numa coletividade de indivíduos e numa época
determinada” (SAUSSURE, 2004, p. 115)

–  13  –
Estudos Linguísticos e Variação

Contudo, enfatiza: “a língua não está naquilo que nos interessa no indi-
víduo, naquilo que nos interessa antropologicamente nem no que nos parece
indispensável para produzi-la, jogo de órgãos vocais ou convenção de espécie
voluntária” (ibid., p. 247-248).
Sua inquietação está em tomar a língua em si e por si, como “norma
de todas as outras manifestações da linguagem” (id., 2006, p. 16-17), porque
somente ela é passível de definição e classificação.
Saussure afirma também, em seu livro Curso de Linguística Geral,
(2005, p.13), que:
A matéria da Linguística é constituída inicialmente por todas
as manifestações da linguagem humana, quer se trate de povos
selvagens ou de nações civilizadas, de épocas arcaicas, clássicas
ou de decadências, considerando-se em cada período não só a
linguagem correta e a ‘bela linguagem’, mas todas as formas de
expressão. Isso não é tudo: como a linguagem escapa as mais
das vezes à observação , o linguista deverá ter em conta os tex-
tos escritos, pois somente eles lhe farão conhecer os idiomas
passados ou distantes.

Petter (apud Fiorin, 2005, p.17-18) afirma que o termo linguagem tem
variadas acepções e pode se referir desde a linguagem dos animais até outras
linguagens - música, dança, pintura, entre outras.
Figura 3: Linguagem.
Shutterstock.com/ Sashatigar

–  14  –
Estudos Linguísticos e Variações

Contudo, convém enfatizar que “a Linguística detém-se somente na


investigação científica da linguagem verbal humana. No entanto, é de se notar
que todas as linguagens (verbais ou não verbal) compartilham uma caracterís-
tica importante – são sistemas de signos usados para a comunicação”.
A Linguística, assume Petter, estuda a principal modalidade dos sistemas
sígnicos, as línguas naturais, que são a forma de comunicação mais altamente
desenvolvida e de maior uso.
Dascal & Borges Neto (1991) tentaram mostrar que a “linguagem
humana”, mesmo que a considerassem um único objeto complexo, não per-
maneceria o mesmo objeto, citando:
[...]a linguagem, tal como manipulada ou enfocada pela filo-
sofia, pela magia, pela atividade estética (literatura, por exem-
plo) pelo jornalismo e pela linguística é invariante, autoidên-
tica, independentemente do enfoque?
A resposta é, certamente, não! Ou seja, a escolha de um
objetivo relativamente à abordagem de um objeto deter-
mina, na verdade, uma visão, um modo de construir esse
objeto. Ao escolher o objetivo fazer ciência, a linguística
propõe de fato um modo de construir ou conceber seu
objeto, a linguagem”.

Entende-se por linguagem a capacidade que os seres possuem de se


expressar, de se comunicar. Há inúmeros tipos de linguagens como os sinais,
os símbolos, os sons, os gestos, as cores, os signos da linguagem verbal. Todo
elemento que estabelece o ato comunicativo entre indivíduos pode ser reco-
nhecido como linguagem.
A Linguística é, segundo todos as definições apresentadas, uma ciência
que estuda todo e qualquer sistema de signos. Estuda a principal modalidade
dos sistemas de signos, as línguas naturais, consideradas a forma de comuni-
cação mais desenvolvida e de maior uso.
Mas, o que sabemos acerca do que são as línguas naturais?

Chamam-se Línguas Naturais as línguas faladas por


qualquer comunidade humana para interação social. A
expressão se opõe a línguas artificiais como as gera-
das por computadores. BORBA (2007, p.75)

–  15  –
Estudos Linguísticos e Variação

Petter ainda firma que:


Os estudos linguísticos não se confundem com o aprendi-
zado de muitas línguas: o linguista deve estar apto a falar
“sobre” uma ou mais línguas, conhecer seus princípios de
funcionamento, suas semelhanças e diferenças. A Linguística
não se compara ao estudo tradicional da gramática; ao obser-
var a língua em uso, o linguista procura descrever e explicar
os fatos: os padrões sonoros, gramaticais e lexicais que estão
sendo usados, sem avaliar aquele uso em termos de um outro
padrão: moral, estético ou crítico.
(In: FIORIN, 2005)

Podemos, assim, afirmar que a linguística é o estudo científico da lin-


guagem humana, pois, para ser considerado científico, deve ter por base a
observação dos fatos e a abstenção de propor qualquer escolha entre tais fatos.
Martinet (1978) afirma que
[...] importa especialmente insistir no caráter científico e não
prescritivo do estudo: como o objeto desta ciência constitui
uma atividade humana, é grande a tentação de abandonar o
domínio da observação imparcial para recomendar determi-
nado comportamento, de deixar de notar o que realmente se
diz para passar a recomendar o que deve dizer-se.

1.2 Pequeno histórico da Linguística


A partir do momento em que o homem se viu como tal, passou a se
interessar pela linguagem.
Povos primitivos, que não tinham a escrita para resguardar sua cultura,
criaram por meio de pinturas nas paredes de cavernas, uma linguagem.
Nossos ancestrais paleolíticos, que viveram entre 30000 e 8000 a.C. dei-
xaram registrados para a eternidade a necessidade que tinham de representar,
por meio de figuras, o que pensavam, o que viam e o que sentiam. Sua capaci-
dade de descrever os bichos com os quais entravam em contato com tamanha
precisão de detalhes atesta a vontade de comunicar algo. É uma espécie de
recado que nos deixaram, no tempo ainda em que não tinham a menor noção
de que estavam criando meios de transmitir mensagens.

–  16  –
Estudos Linguísticos e Variações

Figura 4: Pintura Rupestre.

Shutterstock.com/ Asit Jain


Imagem de pinturas rupestres do Complexo de Cavernas de Lascaux – França
(uma das mais conhecidas do mundo e Patrimônio Mundial da UNESCO).
Tempos depois, ainda que os povos primitivos não constituíssem uma
linguagem escrita, ainda assim contavam, por meio de gestos, sons e simu-
lações, suas ideias e pensamentos. Essa vocação comunicativa é inconteste e
faz parte da natureza humana. E a invenção de uma língua primitiva, que se
registrou no barro, na pedra, na parede não se deu de maneira intencional,
mas foi obra de uma construção processual em que eram usados símbolos e
associações.
Com a frequência e disseminação dos símbolos e associações germinou
aquilo que podemos entender como invenção da linguagem escrita, muitos
registros foram objeto de estudo de arqueólogos e antropólogos no sentido
de se descobrir como os seres humanos criaram os códigos que compõem
suas línguas.
Estudiosos passaram, então, a analisar a língua com o intuito de conhe-
cer essa capacidade inata e exclusivamente humana de interação linguística

–  17  –
Estudos Linguísticos e Variação

com o meio. As línguas, então, tornaram-se, não uma forma de desvenda-


mento da história dos seres humanos, mas começaram a ser analisadas em
si mesmas.
E assim, o estudo científico das línguas e da linguagem veio após o
século XVIII.
Conforme Gonçalves e Santos, costuma-se dividir a ciência, que hoje
chamamos linguística, em duas grandes fases ou períodos: a linguística até
o século XIX – a pré-saussuriana – e a linguística a partir do século XIX – a
saussuriana. Na verdade, é bom que se saliente que só no século XIX a lin-
guística começou a adquirir status de ciência.
Antes dessa época já havia estudos que se preocuparam com a origem e
a estruturação da língua. Mas não havia ainda pesquisas com embasamento
científico suficiente, e esses estudos se concentravam no caráter meramente
descritivo da língua.
E, conforme ainda esses autores, no período considerado como pré-
saussuriano, destacam-se três fases: a filológica, a filosófica e a histórico-
comparativista.
Pode-se afirmar que a fase filosófica dos estudos linguísticos principiou
com os gregos. Gonçalves e Santos afirmam que “a ideia grega sobre a lingua-
gem foi, de início, eminentemente prática. Para os gregos, o importante na
análise da língua era observar de plano a práxis, a ação, o “fazer”.
Os gregos também foram os precursores dos estudos em torno da ori-
gem da língua materna. Por meio de suas reflexões filosóficas a respeito da
língua, embrenharam-se na área da Morfologia, da Etimologia, da Retórica,
da Semântica, da Fonologia, da Filologia e da Sintaxe.
Com os gregos, os estudos da linguagem começaram como uma espécie
de descrição da língua, porém limitada à coletânea de regras (gramática), às
quais “ensinavam” a arte de ler e de escrever.
Começou-se por fazer o que se chamava de “Gramática”.
Esse estudo , inaugurado pelos gregos, e continuado princi-
palmente pelos franceses, é baseado na lógica e está despro-
vido de qualquer visão científica e desinteressada da própria

–  18  –
Estudos Linguísticos e Variações

língua; visa unicamente a formular regras para distinguir as


formas corretas das incorretas. (CLG, p.7)

Figura 5: AEscola de Atenas. 1509.

Fresco, width at the base 770 cm. Stanza della Segnatura, Palazzi Pontifici, Vatican

Contudo, pelos princípios filosóficos da época, esses estudos estavam


desprovidos de uma visão científica e objetiva da língua em si mesma, embora
buscassem descrevê-la por meio de uma normatização.
Os estudos realizados pelos gregos influenciaram os estudos vindouros e
suas hipóteses acerca da língua perduraram por vários séculos. A chamada fase
filosófica dos estudos da linguagem humana se estendeu até a Idade Média.

–  19  –
Estudos Linguísticos e Variação

Figura 6: Biblioteca de Alexandria

A Biblioteca de Alexandria passou a ser efetivamente uma biblioteca aberta ao


público em 283 a.C.. Com manuscritos de valor inestimável, foi queimada. Ficava em
Alexandria, cidade helênica fundada no Egito por Alexandre, o Grande.
O imperador seguinte a ele, Sotero Ptolomeu II, quis construir um
museu de estilo grego que atraísse estudiosos do mundo todo. Daí surgiu a
PtolemaicMouseionAcademy,nome oficial da Antiga Biblioteca de Alexandria.
(...) Depois de tantas invasões e falta de recursos pra manter a biblioteca, ela
não abrigava mais uma grande coleção e nem era referência para acadêmicos. O acervo
restante foi literalmente queimado - os pergaminhos foram usados como combustível
nos fornos que mantinham quentes os banhos termais da cidade, de acordo com
Canfora. Demorou seis meses para que todo o material fosse queimado e só os livros
de Aristóteles foram poupados.
Disponível em:<http://revistagalileu.globo.com.>Acesso em 21 maio 2015.

–  20  –
Estudos Linguísticos e Variações

A declarada segunda fase dos estudos pré-saussurianos, a que tem por


base a Filologia, surgiu em Alexandria, em torno do século II a.C..
Os estudos alexandrinos de então, propagavam uma descrição mais filo-
lógica e menos filosófica da língua. À época, os filólogos procuraram focar seus
estudos na morfologia, na sintaxe, na fonética e, por consequência, na elucida-
ção dos textos em geral. Esses estudos filológicos acabaram influenciando toda
a Idade Média. A fase filológica da descrição da língua teve no filólogo alemão
Friedrich August Wolf (1759-1824) seu principal divulgador.
Mas, o que é Filologia?

A palavra filologia em sentido lato emprega-se muito frequente-


mente para designar dois domínios que, todavia, importa distinguir:
a filologia em sentido restrito e a linguística; duas disciplinas rela-
cionadas com a linguagem humana, mas cujos pontos de vista são
diferentes. [...] o papel da filologia é determinar o conteúdo de um
documento que utiliza uma língua humana. (MALMBERG, 1971).

A Filologia, que tem como princípio “a determinação do conteúdo de


um documento que utiliza a língua humana”, a partir de meados do século
XVIII aumentou de forma considerável seu campo e sua abrangência, graças
a escola alemã de WOLF, pregando a importância do conhecimento dos cos-
tumes, das instituições e da história literária dos povos.
[...] A língua não é o único objeto da Filologia, que quer,
antes de tudo, fixar, interpretar, comentar os textos; [...] se
aborda questões linguísticas, fá-lo sobretudo para comparar
textos de diferentes épocas, determinar a língua peculiar de
cada autor, decifrar e explicar inscrições redigidas numa lín-
gua arcaica ou obscura. (CLG, p.7)

Todo o arcabouço teórico de então contribuiu para o surgimento e a


consolidação da linguística histórico-comparativista.
Por volta do final do século XVIII, início do século XIX, os estudos his-
tórico-comparativistas têm início, na busca da identificação das relações entre
o latim, o grego e as línguas germânicas, entre outras, a partir da descoberta
do sânscrito.

–  21  –
Estudos Linguísticos e Variação

O período histórico-comparativista estabelece para a linguística sua ter-


ceira fase, chamada de fase histórica, notadamente marcada pela preocupação
dos teóricos em saberem como as línguas evoluem, e não tão somente como
funcionam, conforme tinha sido o enfoque até então.
A fase histórico-comparativista teve devida importância, pois colaborou
para o lançamento das bases científicas para a linguística do século XX, inclu-
sive para os ensinamentos de Saussure e de Bloomfield.

1.3 Objeto de estudo da linguística


Apresentamos na introdução desse capítulo que linguística é o estudo da
linguagem humana.
Podemos, então, conforme Botelho (2008, p. 53), afirmar que a
Linguística é:
[...] uma ciência que procura observar e descrever os fenôme-
nos linguísticos ou de uma dada língua ou de línguas afins ou
nas línguas em geral, na busca de princípios fundamentais,
que regem a organização e o funcionamento da linguagem
humana, como elemento de comunicação entre os membros
de uma dada comunidade linguística e de exteriorização psí-
quica desses mesmos membros.

Já vimos que, com Saussure, a Linguística ganha um objeto específico: a


língua. O estudioso a conceituou como um “sistema de signos”, ou seja, um
conjunto de unidades que estão organizadas formando um todo.
Segundo Orlandi ( 1995), Saussure define esse “signo” como a associa-
ção entre significante (imagem acústica) e significado (conceito). Ele afirma
que é fundamental observar que a imagem acústica não se confunde com o
som, pois ela é, como o conceito, psíquica e não física. Ela é a imagem que
fazemos do som em nosso cérebro.
Oliveira (2013) explica que, para Saussure, a capacidade da linguagem
não pode ser o objeto de estudo de uma única ciência como a linguística, na
medida em que ela tem características de naturezas diversas: física, fisiológica,
antropológica, entre outras. Enfatiza que o objeto da linguística deve ser a lín-
gua, que é um produto social da faculdade da linguagem, e que é uma unidade.

–  22  –
Estudos Linguísticos e Variações

Saussure apresenta ainda a distinção entre fala e língua: para ele,


a fala é a realização concreta da língua pelo sujeito falante, sendo cir-
cunstancial e variável; já a língua é um sistema abstrato, um fato social,
geral, virtual.
Consoante Petter (apud Fiorin, 2005, p.14), a língua é para Saussure
“um sistema de signos” – um conjunto de unidades que se relacionam orga-
nizadamente dentro de um todo. É “a parte social da linguagem”, exterior ao
indivíduo; não pode ser modificada pelo falante e obedece às leis do contrato
social estabelecido pelos membros da comunidade. Ela também afirma que
o conjunto linguagem-língua contém ainda um outro elemento, conforme
Saussure, a fala.
Já vimos que a fala é um ato individual, resultado das combinações feitas
pelo sujeito falante ao utilizar o código da língua e se expressa pelos mecanis-
mos psicofísicos (atos de fonação) necessários à produção dessas combinações.
A distinção linguagem/língua/fala, segundo Fiorin (2005), situa o objeto
da Linguística para Saussure. Dela decorre a divisão do estudo da linguagem
em duas partes: uma que investiga a língua e outra que analisa a fala. Afirma
ainda que as duas partes são inseparáveis, visto que são interdependentes: a
língua é condição para se produzir a fala, mas não há língua sem o exercício
da fala. Há necessidade, portanto, de duas Linguísticas: a Linguística da lín-
gua e a Linguística da fala.
Para o linguista americano William Labov, o objeto da linguística é
a gramática da comunidade de fala, o sistema de comunicação usado nas
interações sociais. Esse objeto é essencialmente heterogêneo em duas dire-
ções: ele comporta um grande número de variantes, estilos, dialetos e lín-
guas usadas pelos falantes e não pode ser arbitrariamente retirado do nicho
social em que é usado.
Saussure focalizou em seu trabalho a Linguística da língua, “produto
social depositado no cérebro de cada um”, sistema supraindividual que a
sociedade impõe ao falante.
Destacamos, portanto, nesse capítulo, que, para Saussure, a língua é
um objeto fundamentalmente social. De acordo com Borges Neto (2004),
Chomski escolhe a competência como objeto da linguística, excluindo do
domínio da disciplina, consequentemente, todos os fatos do desempenho.

–  23  –
Estudos Linguísticos e Variação

Aqui Chomski age do mesmo modo de Saussure, e a distinção compe-


tência/desempenho tem o mesmo papel homogeneizante que a distinção saus-
suriana lange/parole. Para Chomski, a língua é um objeto mental, um sistema
de princípios radicados na mente humana.
Mas, sobre isso, estudaremos mais adiante.
Compete-nos destacar, agora, o que nos dizem em relação ao objeto da
Linguística, Borges e Dascal (apud Borges, 2004):
[...] assim, para toda definição do objeto linguística
apresentada, outras definições possíveis seriam excluídas. Por
exemplo, para quem assume que o objeto da linguística é a
competência linguística do falante/ouvinte ideal, todos os
fatos linguísticos ligados à variação ou ao discurso ficam, de
certa forma, fora do domínio da linguística. E vice-versa. Se
alguém assumir que o objeto da linguística são os textos reais
produzidos pelos falantes, a própria noção de competência
linguística pode perder todo o significado. A alternativa seria
o apelo a “definições” suficientemente vagas para conter
todas as possibilidades, tais como “o objeto da linguística é
a linguagem humana”, ou algo semelhante, que na realidade
não definem nada, ou definem tão pouco que perdem
completamente o interesse. Não é difícil perceber por que
isso acontece.
A linguagem é um objeto de tal complexidade que todas as
possibilidades de abordagem serão sempre parciais. A lin-
guagem está presente e se liga a tudo o que o homem faz.
Pode-se dizer, por exemplo, que a linguagem é o suporte do
pensamento; que a linguagem é instrumento de comuni-
cação e ação sobre os outros; que a linguagem é matéria de
arte; que a linguagem é usada como índice de posição social,
entre outros. [...].

Para finalizarmos esse capítulo, acreditamos ser importante apresentar


um trecho de um artigo intitulado A importância da Linguística na produção
e interpretação de textos, de Lídia Carmem Santana Queiroz.
Nele, estão presentes alguns pontos de vista relativos à gramática formal,
que normalmente é estudada e cobrada nas salas de aula na disciplina de Lín-
gua Portuguesa, e algumas considerações acerca do estudo da linguística. Que
esse excerto sirva para continuarmos nossas reflexões:

–  24  –
Estudos Linguísticos e Variações

A IMPORTÂNCIA DA LINGUÍSTICA NA PRODUÇÃO E


INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS
(...)
Gramática Normativa
Esta área das muitas outras pertencentes aos estudos de Linguagens e Códigos está
relacionada às normas de concordância, às regras e preocupa-se com o entrelace das pala-
vras na pronúncia e escrita corretas, visando à estética, em não
encontrar erros de ortografia, de regência, de pontuação, etc.

Shutterstock.com/
De acordo com Possenti (2000) “[...] a noção de gramá-

Cienpies Design
tica é controvertida: nem todos os que se dedicam ao estudo
desse aspecto das línguas a definem da mesma maneira.”
Gramática nada mais é, num sentido mais simples, um con-
junto de regras que de acordo com os estudiosos da área,
devem ser seguidas e dominadas pelos falantes da língua.
Estas regras são encontradas na Gramática Normativa que tem por intuito contri-
buir para o desenvolvimento do estudo de processos lexicais. Esta área atenta para que
seja ensinada e aprendida a norma-padrão da escrita, ou seja, os indivíduos em contato
com a gramática normativa aprenderão escrever de acordo com as regras impostas pela
mesma, o chamado português “correto”, a norma culta. (...)
A complexidade da língua culta faz com que os próprios estudiosos contradigam-se,
causando assim, incertezas aos novos aprendizes da língua.
(...)
Parafraseando Perini (2002), a gramática deveria ser consistente e livre de contra-
dições para ganhar mais credibilidade diante de seus usuários, fazendo assim, com que
seja mais fácil e agradável estudá-la. Para os gramáticos, a língua é tida como um sis-
tema, ou um conjunto de sistemas em que a preocupação em defini-la não é uma cons-
tante, uma vez que, muitas gramáticas não fazem sequer menção a uma conceituação de
língua, sendo que, os gramáticos a conceituam para distingui-la da linguagem, fazendo
destes conceitos o foco de seus estudos teóricos.
“Com a instrumentalização da Gramática Normativa em mecanismo ideológico
de poder e de controle de uma camada social sobre as demais, formou-se essa “falsa
consciência” coletiva de que os usuários de uma língua necessitam da Gramática Nor-
mativa como se ela fosse uma espécie de fonte mística da qual emana a língua “pura”.
Foi assim que a língua subordinou-se à gramática.” (BAGNO, 2000:87).
Segundo Bagno (2000) “A gramática deve conter uma boa quantidade de ativi-
dades de pesquisa, que possibilitem ao aluno a produção de seu próprio conhecimento
linguístico, como uma arma eficaz contra a produção irrefletida e acrítica da gramá-
tica normativa”.

–  25  –
Estudos Linguísticos e Variação

(...) A importância do estudo da gramática normativa está, então, inserida em


um conjunto de regras que vai nos fornecer o que é certo e errado na hora de elaborar
textos e em toda a forma escrita. Além disso, é comum vermos que muitos gramáticos
buscam embasar a língua falada de acordo com o estabelecido pela norma padrão.
Uma sinopse sobre Linguística
Distinguindo-se totalmente da Gramática, a Linguística está totalmente ligada
à fala dos indivíduos e se preocupa em entender as diferenças entre os dialetos que
variam de região para região em nosso país devido à miscigenação cultural e social
encontradas no mesmo.
Para os linguistas, não há necessidade de o indivíduo saber todas as regras gra-
maticais para se comunicar no ato da fala. A linguagem é inata a qualquer ser humano
e é o meio de comunicação entre falantes de um mesmo país ou grupo. Porém, as
escolas tradicionais se preocupam em ensinar para os alunos, todas as regras gramati-
cais, esquecendo de aprimorar a fala, sendo ela, o que o corpo docente domina melhor.
“Eis um óbvio que frequentemente esquecem os que transformam o estudo da
língua em estudo de Gramática. Uma crítica indireta à escola tradicional onde é tão
raro que se estude a língua como meio de comunicação.” (LUFT, 1995:16).
A possibilidade humana de se comunicar, de interagir no nível de ideias, só é
possível com a aquisição de uma língua. Mesmo havendo dúvidas quanto à maneira
de usá-la, o importante - acima de tudo - é conseguir transmitir a mensagem de forma
que os interlocutores a compreendam. As diferentes abordagens quanto ao uso da
língua implica inúmeras incógnitas, pois, pensar a língua significa também, pensar no
processo de fala e de escrita, ou seja, pensar a língua em seu uso.
“Segundo a Linguística, não existe uma forma melhor (mais certa) ou pior (mais
errada) de empregar uma língua. A norma culta é apenas uma entre as muitas formas
de usar a língua. A escolha da norma culta como “modelo” é arbitrária e convencional;
baseia-se em critérios ideológicos (sociais, culturais, políticos e econômicos).” (AMARAL
[et al.], 2005:141).
Esta teoria apresenta ainda uma tendência maior à universalização e aspira à
construção de uma teoria geral da estrutura da linguagem que abarque todos os seus
aspectos. O desenvolvimento, ao longo dos séculos, de várias hipóteses sobre a forma-
ção, evolução e funcionamento da linguagem criou a base para as pesquisas linguísticas
atuais. Antes do século XIX, quando a linguística ainda não havia adquirido caráter
científico, os estudos nessa área eram dominados por considerações empíricas sobre
a própria condição da linguagem, que proliferaram em vários glossários e gramáticas
cujo objetivo era explicar e conservar as formas linguísticas conhecidas.
( ...)
In: http://www.webartigos.com/artigos/a-importancia-da-linguistica-na-producao-e-
-interpretacao-de-textos/74778/#ixzz3boemVJb9Acesso em 21/05/2015

–  26  –
2

Comunicação

Comunicação não é o que você fala, mas o


que o outro compreende do que é dito.
Claudia Belucci

Em nosso primeiro capítulo, vimos que a linguagem humana


é o objeto do estudo da linguística.
Neste capítulo, nos ateremo-nos ao estudo do que é lingua-
gem, visto que a linguística é a ciência que investiga os fenômenos
relacionados à linguagem e que busca determinar os princípios e as
características que regulam as estruturas das línguas.
Não podemos nos abster, portanto, primeiramente, de apresen-
tar o que advém ao estudo da linguagem e da língua: a comunicação.
Estudos Linguísticos e Variação

2.1 Comunicação
A palavra comunicação deriva do latim communis, que remete à ideia de
comunidade. A atividade de comunicação é uma constante em qualquer escala
da vida animal: todos os animais se comunicam de alguma forma e em algum
período de sua vida seja por necessidade de sobrevivência, seja por imperati-
vos biológicos, como reprodução, alimentação, atividades que impõem um
mínimo de interação.
A constância e a amplitude da atividade comunicativa talvez estejam
ligadas aos meios de que a espécie dispõe para tal fim. Algumas espécies pos-
suem códigos nitidamente pontuais e limitados, porém, na espécie humana o
ato comunicativo atinge o mais alto grau de complexidade e eficiência.
A comunicação, por meio das diversas linguagens, está ligada à capa-
cidade humana, formada por leis combinatórias e signos linguísticos que
se tornam concretizados na mensagem. E há variadas linguagens, a lin-
guagem dos gestos, do olhar, dos sons, do movimento do corpo, das cores,
das linhas, das formas, dos símbolos e signos. Quando nos referimos aos
signos da linguagem escrita, remetemo-nos à ideia da linguagem verbal,
constituída pelos sinais gráficos, cuja interpretação requer do interlocu-
tor, conhecimentos linguísticos e conhecimentos adquiridos ao longo de
sua existência.
Cabe-nos destacar agora os elementos que compõem a comunicação:
que são:
a) Emissor: aquele que emite a mensagem;
b) Receptor: aquele que recebe a mensagem;
c) Mensagem: conjunto das informações transmitidas;
d) Código: conjunto de signos e regras de combinação desses signos; a
comunicação só será efetivada se o receptor puder codificar a men-
sagem transmitida pelo emissor;
e) Canal de comunicação ou contato: é o meio pelo qual a mensagem
é transmitida;
f ) Contexto ou referente: a situação a que a mensagem se refere.

–  28  –
Comunicação

Emissor Receptor
(o que emite a mensagem) (a quem se destina a mensagem)

Canal de comunicação
(através de que a mensagem
é passada, no caso, a voz)

Mensagem
(objeto da comunicação)

Código
(como a mensagem
está orgaizada)

Ao observarmos o exemplo acima, podemos organizar os elementos da


comunicação da seguinte forma:
1. Emissor: uma mulher.
2. Receptor: um homem.
3. Mensagem: efetivamente o que a mulher está dizendo.
4. Código: linguagem oral no idioma que ela está utilizando.
5. Canal de comunicação ou contato: voz.
6. Contexto ou referente: pela expressão facial dos interlocutores, ves-
tuário, o contexto é informal.

Contudo é preciso lembrar que só há a comunicação
entre os interlocutores – autor e receptor - se o recep-
tor compreender a mensagem transmitida pelo autor e,
invariavelmente, der continuidade à interlocução. Por
exemplo, se o rapaz não for falante da mesma língua
(não decodificar o código linguístico) acontece o que
chamamos de ruído. A comunicação não se efetiva.

–  29  –
Estudos Linguísticos e Variação

2.2 Linguagem
O homem procura dominar o mundo em que vive.
Uma forma de ele ter esse domínio é o conhecimento.
Esse é um dos motivos pelos quais ele procura explicar
tudo o que existe.
A linguagem é uma dessas coisas. Ao procurar explicar a
linguagem, o homem está procurando explicar algo que
lhe é próprio e que é parte necessária de seu mundo e da
sua convivência com os outros seres humanos.
(Orlandi,2009)

Considerada em si mesma, a linguagem humana é apenas uma habili-


dade ou competência que se revela por meio de conjuntos organizados a que
se chama língua e de que as comunidades se servem para a interação social.
Ao se falar determinada língua, pressupõe-se um conhecimento que cer-
tamente transcende a um intento puramente linguístico.
Para exemplificar, vamos contextualizar com um encontro entre
duas pessoas, duas pessoas falantes de uma mesma língua. Elas, quando
passam a interagir linguisticamente, promovem um intercâmbio amplo
em que cada uma delas passa a elaborar uma imagem da outra, (se está
bonito (a); cansado (a); triste; feliz; realizado (a); decepcionado (a), entre
outras elaborações. Muito além da mensagem que trocam, há muitas
outras ­informações.
São esses processos anteriores que culminam com a comunicação que
passaremos a estudar agora, pois, segundo Borba (2007) “a linguagem aparece
como o mais difundido e o mais eficaz instrumento natural de comunicação
à disposição do homem”.
Na medida em que se desenvolveram os estudos linguísticos, muitas
definições de linguagem foram sendo propostas. Muitas delas são próximas
em alguns pontos e distintas em outros.
A linguagem humana tem sido idealizada de maneiras bastante diversas
e que, conforme Koch (2008), podem ser abreviadas em três principais:Como
reprodução (“espelho”) do mundo e do pensamento;

–  30  –
Comunicação

Shutterstock.com/ Ingka D. Jiw


Figura 7: “Espelho do mundo”

VII. Como instrumento (ferramenta) de comunicação;

Shutterstock.com/Monkey
Business Images

Figura 8: Comunicação

VIII. Como forma (“lugar”) de ação ou interação.


Shutterstock.com/Rawpixel

Figura 9: Interação

–  31  –
Estudos Linguísticos e Variação

A mais antiga dessas percepções é, sem dúvida, a primeira. Segundo ela,


“o homem representa para si o mundo por meio da linguagem e, assim sendo,
a função da língua é representar (= refletir) seu pensamento e seu conheci-
mento de mundo”.
A segunda percepção considera a língua como um código por meio do
qual um emissor comunica a um receptor determinadas mensagens. A princi-
pal função da linguagem é, neste caso, a transmissão de informações.
A terceira percepção é aquela que apresenta a linguagem como atividade,
como forma de ação, individual orientada, como lugar de intercâmbio que
possibilita aos membros de uma sociedade a prática dos mais diversos tipos
de atos, que vão exigir dos semelhantes reações e/ou comportamentos, que
tendem a consignar vínculos e compromissos anteriormente inexistentes.
Continuando o raciocínio apresentado por Koch, veremos o que Petter
apresenta entre a dicotomia Saussure e Chomsky.
Petter (2005) apresenta que Saussure considerou a linguagem “hete-
róclita e multifacetada”, pois compreende vários domínios; é ao mesmo
tempo física, fisiológica e psíquica; pertence ao domínio individual e social;
«não se deixa classificar em nenhuma categoria de fatos humanos, pois não se
sabe como inferir sua unidade».
Ainda segundo a autora, Saussure abstrai uma parte do todo linguagem,
a língua - um componente unificado e suscetível de categorização.
A autora assevera ainda que Saussure considera a língua uma parte indis-
pensável da linguagem; “é um produto social da faculdade da linguagem e um
conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir
o exercício dessa faculdade nos indivíduos” (CLG, p.17).
Na segunda metade do século XX, Noam Chomsky, linguista estaduni-
dense, apresentou para o meio científico um frescor necessário para os estu-
dos da língua e da linguagem. Em seu livro Syntactic Structures (1957), asse-
vera: “Doravante considerarei uma linguagem como um conjunto (finito ou
infinito) de sentenças, cada uma finita em comprimento e construída a partir
de um conjunto finito de elementos”.
Essa acepção envolve não só as línguas naturais, mas, conforme ele,
todas as línguas naturais, orais ou escritas, são linguagens, no sentido de sua

–  32  –
Comunicação

definição, pois : a) toda língua natural possui um número finito de sons (e um


número finito de sinais gráficos que os representam, se for escrita); b) mesmo
que as sentenças distintas da língua sejam em número infinito, cada sentença
só pode ser representada como uma sequência finita desses sons (ou letras).
Chomsky afirma ainda que a linguagem é uma capacidade inata e espe-
cífica, ou seja, transmitida geneticamente e própria da espécie humana; dessa
forma, existem propriedades universais da linguagem.
Chomsky centrou seus estudos na sintaxe, na capacidade que os falantes
têm de compor, recompor, compreender as frases dessa língua. Chomsky criou a
Gramática ou linguística Gerativa, inicialmente formulada como uma espécie de
resposta e rejeição ao modelo behaviorista de descrição dos fatos da linguagem,
modelo esse que foi dominante na linguística e nas ciências de uma maneira geral
durante toda a primeira metade do século XX. Para os behavioristas, dentre os
quais se destacava o linguista norte-americano Leonard Bloomfield, a linguagem
humana era interpretada como um condicionamento social, uma resposta que
o organismo humano produzia mediante os estímulos que recebia da interação
social. Essa resposta, a partir da repetição constante e mecânica, seria convertida
em hábitos, que caracterizariam o comportamento linguístico de um falante.
Uma das razões para estudar a linguagem (exatamente a razão
gerativista) – e para mim, pessoalmente, a mais premente delas
– é a possibilidade instigante de ver a linguagem como um “espe-
lho do espírito”, como diz a expressão tradicional. Com isto não
quero apenas dizer que os conceitos expressados e as distinções
desenvolvidas no uso normal da linguagem nos revelam os
modelos do pensamento e o universo do “senso comum” cons-
truídos pela mente humana. Mais instigante ainda, pelo menos
para mim, é a possibilidade de descobrir, através do estudo da
linguagem, princípios abstratos que governam sua estrutura e
uso, princípios que são universais por necessidade biológica e
não por simples acidente histórico, e que decorrem de caracte-
rísticas mentais da espécie humana. (CHOMSKY, 1980, p. 9)

Mas não limitaremos nossos estudos a esses dois cientistas. Precisamos


também verificar o que outros estudiosos nos dizem a respeito da linguagem.
(Re)Iniciaremos com a visão dos comportamentalistas: segundo Mas-
carello (2009), ao citar a visão de linguagem para os comportamentalistas, a
linguagem é uma manifestação comportamental com, pelo menos, duas pro-
priedades. A primeira tem relação com a criação arbitrária de conexões entre
–  33  –
Estudos Linguísticos e Variação

a possibilidade de enviar ou receber sinais convencionais de fatos internos ou


externos ao sujeito; a segunda relaciona-se com a possibilidade de combinar
esses sinais com outras convenções, permitindo generalizações e aplicação de
regras, do ponto de vista cultural.
Antes da formalização da Psicolinguística tal qual a conhecemos hoje, os
estudiosos da psicologia buscavam, conforme Castro (2007), compreender o
funcionamento da linguagem como um meio para se chegar a uma melhor
compreensão da mente humana, pois acreditavam que esta se organizava de
forma análoga à linguagem e por meio dela. Vislumbravam-se, então, duas
correntes: a mentalista, que explorava o pensamento por meio da linguagem,
e a comportamentalista, que buscava entender o comportamento linguístico,
reduzindo-o a uma série de mecanismos de estímulo-resposta.
Já a corrente sociocognitiva observa a linguagem como algo de natureza
social, que é produto das relações humanas. A linguagem como instrumento
de comunicação é internalizada pelo indivíduo: e o homem por meio de suas
transformações que faz, inclusive da linguagem, faz com que a natureza sirva
a seus propósitos. Essa interação homem/linguagem/sociedade, constrói sig-
nificações, utilizando signos, em especial, a linguagem verbal, elaborada pela
sociedade ao longo da história, portanto uma construção sócio-histórica, cuja
principal amplitude é ampliar seu repertório cultural.
Do ponto de vista dos estudiosos da corrente sociocognitiva, o papel da
linguagem é a comunicação. A linguagem é, antes de tudo, um meio de inte-
ração, de inserção em uma comunidade cultural, de enunciação e compreen-
são de mundo. Na linguagem estão integradas as funções da comunicação e
do pensamento.
Para Vygotsky (2001,p.11) “o significado da palavra é uma unidade des-
sas duas funções da linguagem, comunicação e pensamento.”
Para finalizarmos essa abordagem genérica da linguagem, destaco ainda
o que nos apresenta Mascarello (2009) sobre linguagem e o funcionamento
da mesma no cérebro humano:
[...] podemos considerar que nosso cérebro se adapta ao ambiente
cultural, e não absorve cegamente tudo o que lhe é apresen-
tado, ou o que nossos olhos conseguem captar. O cérebro não
é constituído de circuitos virgens hipotéticos, e nem se trata de
uma tábula rasa onde se acumulam construções culturais: é um

–  34  –
Comunicação

órgão estruturado que dá significado ao novo na interface com


o velho. [...] E nesse processo a linguagem vai se constituindo
pela entrada e saída de informações, mas, para isso acontecer,
há um refinado processamento interno em que as redes neu-
rais estão constantemente ativadas através das trocas sinápticas.

2.3 Língua
Uma língua é fator resultante da organização de signos, segundo regras espe-
cíficas e utilizadas na articulação da comunicação entre indivíduos de uma mesma
comunidade cultural. A língua é um tipo de linguagem, é a linguagem verbal.
Há na superfície do globo entre 4.000 e 5.000 línguas dife-
rentes e cerca de 150 países. Um cálculo simples nos mos-
tra que haveria teoricamente cerca de 30 línguas por país.
Como a realidade não é sistemática a esse ponto (alguns
países têm menos línguas, outras, muito mais), torna-se
evidente que o mundo é plurilíngue em cada um de seus
pontos e que as comunidades linguísticas se costeiam, se
superpõem continuamente. O plurilinguismo faz com que
as línguas estejam constantemente em contato. O lugar des-
ses contatos pode ser o indivíduo (bilíngue, ou em situação
de aquisição) ou a comunidade. (CALVET, 2002, p. 35)
O estabelecimento da língua como objeto da linguística advém dos estu-
dos de Saussure. Para ele, língua é um sistema de signos, um conjunto de
unidades que estão organizadas formando um todo.
O estudo da linguagem comporta, portanto, duas partes:
uma, essencial, tem por objeto a língua, que é social em sua
essência e independente do indivíduo; [...] outra secundária,
tem por objeto a parte individual da linguagem, vale dizer, a
fala, inclusive a fonação e é psicofísica. (CLG, p. 27)
Orlandi (2009) afirma ainda que, para Saussure, o signo é a associação
entre significante (imagem acústica) e significado (conceito). Ele diz que é
fundamental observar que a imagem acústica não se confunde com o som,
pois ela é, como o conceito, psíquica e não física. Ela é a imagem que fazemos
do som em nosso cérebro.
Perini (2010, p. 14), expõe:
Chamamos “língua” um sistema programado em nosso cére-
bro que, essencialmente, estabelece uma relação entre os esque-
mas mentais que formam nossa compreensão do mundo e um

–  35  –
Estudos Linguísticos e Variação

código que os representa de maneira perceptível aos sentidos.


Os seres humanos utilizam um grande número de tais sistemas
(“línguas”), que diferem em muitos aspectos e também se asse-
melham em muitos outros aspectos. Tanto as diferenças quanto
as semelhanças são altamente interessantes para o linguista.
Voltemo-nos novamente para Saussure. Para ele, a linguagem é composta
de duas partes: a Língua, essencialmente social, porque é convencionada por
determinada comunidade linguística; e a Fala, que é secundária e individual,
ou seja, é veículo de transmissão da Língua, usada pelos falantes por meio da
fonação e da articulação vocal. A língua é, então, percebida como forma de
concretização da linguagem; como sistema linguístico imperativo ao exercício
da linguagem na interlocução ou como instrumento do qual a linguagem se
utiliza na comunicação.
Koch (2002) assevera que “à concepção de língua como representação do
pensamento corresponde a de sujeito psicológico, individual, dono de sua von-
tade e de suas ações (...) “o texto é visto como um produto – lógico – do pen-
samento (...) do autor, nada mais cabendo ao leitor/ouvinte senão “captar” essa
representação mental, juntamente com as intenções (psicológicas) do produtor,
exercendo, pois, um papel essencialmente passivo”.
De acordo com a Teoria da Comunicação, a língua é um sistema organi-
zado de sinais (signos) usado como meio de comunicação entre os indivíduos.
Assim, a língua é um código, um conjunto de signos, combinados por meio de
regras, que possibilitam ao emissor transmitir uma certa mensagem ao receptor.
Bakhtin (1997) apresenta que “[...]o sistema linguístico [...] é completa-
mente independente de todo ato de criação individual, de toda intenção ou
desígnio. [...] A língua opõe-se ao indivíduo enquanto norma indestrutível,
peremptória, que o indivíduo só pode aceitar como tal.”
Vimos, então, que a língua pode ser conceituada como um sistema de
signos específicos aos membros de uma mesma comunidade (usuários nativos
da língua portuguesa, por exemplo).
Vale ressaltar que dentro dessa mesma comunidade haverá várias moda-
lidades: língua familiar; língua popular, língua técnica, língua erudita, língua
própria a certas classes sociais, entre outras.
Bornemann (2008) apresenta o seguinte em relação em relação ao objeto
da linguística e a língua:

–  36  –
Comunicação

Alguns comentários sobre esse objeto


A Linguística, depois de submetida a superficiais formulações, renasce pelo olhar
de Ferdinand de Saussure, sendo chamado “Pai da Linguística” por dar a ela o lugar de
ciência ao conceber a língua como objeto por si e em si mesmo.
A formulação que faz da língua como um sistema de elementos relacionados entre
si sintetiza sua visão estruturalista que descarta o meio pelo qual foi constituída, conside-
rando, apenas, o estado de língua em si. Pode-se dizer que esse foco se ajusta a uma das
tarefas básicas que Saussure propôs à Linguística: “procurar as forças que estão em jogo
de modo permanente e universal” (SAUSSURE, 2006, p. 13), o que implica a língua em
um ponto de vista comum e sincrônico, considerada por ela mesma e em suas relações de
permanência, dada sua organização sistêmica e sua natureza homogênea.
Sabendo que a língua e a fala são próprias da linguagem, Saussure trata logo de
distinguir o que de fato cada uma retrata: o social e o individual, respectivamente. Vê
nessa separação a necessidade de “delimitar e definir” seu objeto de estudo, como atribuiu
à outra tarefa da Linguística, porque somente a primeira atende a esse objetivo, uma vez
que é classificável e se constitui como instituição social.
Essa redução vai de encontro à máxima saussuriana de que “o ponto de vista cria o
objeto”, pois se a língua é social, então ela é compreendida a partir do todo e desta parte
para a compreensão da unidade. O que importa é a descrição da rede de relações que a
língua estabelece; o individual (a fala) está fora de questão.
E mesmo que descreva a língua como um fenômeno de linguagem interdependente
da fala, concentra-se na língua pelo que é exterior ao indivíduo e pela forma como os
elementos linguísticos se organizam e se relacionam, permitindo seu funcionamento e
conferindo à língua sua permanência como estado de língua.
Para a Linguística da época, Saussure deu a resposta à questão da natureza de seu
objeto de estudo. Para a Linguística moderna, foi o precursor estruturalista que deixou
seu legado para o nascimento – ou continuidade – de muitas outras teorias.”
BORNEMANN, Neila Barbosa de Oliveira. Ferdinand de Saussure e o objeto da Lin-
guística. Cadernos do IL, Porto Alegre, n.º 36, junho de 2008.
Disponível em:<http://www.seer.ufrgs.br/cadernosdoil/>. Acesso em: 28 maio 2015.

2.4 Fala
Como vimos, a língua é um sistema de símbolos pelo qual a linguagem se
realiza. Mas a linguagem se encontra relacionada a outros sistemas simbólicos
(sinais marítimos, Código Morse...) e torna-se, assim, objeto da semiologia ou

–  37  –
Estudos Linguísticos e Variação

semiótica, que deve estudar “a vida dos signos no seio da vida social”. Nota-se,
portanto, que o termo linguagem tem uma conotação bem mais abrangente
do que língua.
Podemos afirmar que a fala é um fenômeno físico e concreto que pode
ser analisado seja diretamente, com ajuda dos órgãos sensoriais, seja graças a
métodos e instrumentos análogos aos utilizados pelas ciências físicas.
O conjunto linguagem-língua contém ainda outro elemento, a fala, con-
forme Saussure. A fala é um ato individual; resulta das combinações feitas pelo
sujeito falante utilizando o código da língua; expressa-se pelos mecanismos
psicofísicos (atos de fonação) necessários à produção dessas combinações.
A distinção linguagem/língua/fala situa o objeto da Linguística para
Saussure. Dela decorre a divisão do estudo da linguagem em duas partes:
uma que investiga a língua e outra que analisa a fala. As duas partes são inse-
paráveis, visto que são interdependentes: a língua é condição para se produzir
a fala, mas não há língua sem o exercício da fala.
O interessante é que os estudos realizados por Saussure foram criticados
por alguns de seus sucessores (dentre eles Jakobson, 1985), pelo fato de Saus-
sure ter priorizado a língua (por ser social) e prescindido a fala (considera-
da individual).
Segundo Jakobson (1985), entre a língua e a fala existe uma interde-
pendência mútua, não dicotômica, como acreditava Saussure. A língua existe
para a constituição de instâncias da fala; os mecanismos necessários para a
concretização da fala dependem da língua.
Fuzer (2004) assevera que Benveniste, por sua vez, dirige seu olhar não
apenas para a forma linguística, mas principalmente para a sua função. Afirma
ainda, continuando o raciocínio do autor, que a realidade é definida por inter-
médio da linguagem. O falante faz renascer pelo seu discurso o acontecimento
e a sua experiência do acontecimento; o ouvinte apreende primeiro o discurso
e, por meio desse discurso, o acontecimento reproduzido.
Conforme Fuzer (2004), “ a situação da troca e do diálogo confere ao
ato de discurso dupla função: para o locutor representa a realidade; para o
ouvinte recria a realidade. A linguagem é, portanto, o instrumento da comu-
nicação intersubjetiva. A inserção do sujeito na constituição da linguagem
marca uma nova etapa no desenvolvimento do conhecimento linguístico,
mas sem perder de vista os fundamentes que a antecederam”.

–  38  –
Comunicação

Vimos, nesse capítulo, os princípios que regem a comunicação, bem


como elementos fundamentais para os estudos linguísticos, a saber, a lingua-
gem, a língua e a fala.
Podemos ainda apresentar, esquematicamente, os traços básicos da lín-
gua e da fala:
LÍNGUA FALA
sistemático → regularidade assistemático → variedade
subjacente concreto
potencial real
supraindividual, coletivo individual
Embora a distinção entre língua e fala sejam evidentes, não podemos
concluir que esquema e uso existam separadamente.
Língua supõe fala. E vice-versa.
Uma não existe sem a outra. Segundo Borba (2007), “seria melhor dizer
que não são duas coisas diferentes, mas dois aspectos diferentes de uma coisa.
A relação entre ambas se percebe por ser a língua indispensável para que a
fala produza seus efeitos, e a fala é necessária para que a língua se estabeleça”.
JUCHEM,(2008) apresenta ainda o que é língua para Saussure em parte
do seu artigo Saussure, Benveniste e o objeto da linguística:

(...) Na instauração da linguagem, depreende-se Figura 10: Olá


a importância da fala, que, segundo a teoria saussuriana,
Shutterstock.com/ Hermin

é “o embrião da linguagem”, porque, afinal, é por onde


esta começa. Esse processo iniciado e articulado pelo cir-
cuito da fala, num movimento de associação e coordena-
ção, é o responsável pela organização da língua enquanto
sistema. Esse sistema – a língua – é fato social possível
pelo fato individual – a fala –,ainda que não exista sem a
massa de falantes.
O indivíduo, “senhor” da fala, promove a língua,
mas ela só é completa na massa; é “um tesouro depositado pela prática da fala em todos
os indivíduos pertencentes à mesma comunidade, um sistema gramatical que existe
virtualmente em cada cérebro ou, mais exatamente, nos cérebros de um conjunto de

–  39  –
Estudos Linguísticos e Variação

indivíduos”(SAUSSURE, 2006, p. 21). Tomando por base essa definição, conclui-se,


ainda, que a língua é, para Saussure, virtual e comum, isto é, algo que existe poten-
cialmente pelosocial.
Em continuidade, a língua é delimitada e distinta da fala. Enquanto a língua
é“exterior ao indivíduo”, como produto somente que esse recebe, a fala é acessória,
“um ato individual de vontade e inteligência”, que permite a pessoa refletir seu pen-
samento.
Ambas são para Saussure de natureza concreta, porque cada imagem acústi-
caestá limitada a determinados conceitos. Para ele, não existe nenhuma entidade
linguística que exista fora da ideia de que lhe pode ser vinculada” (id., 2004, p. 23);
por isso a possibilidade da sua apreensão.
Por essa compreensão, tem-se a relação saussuriana da Linguística com a Semio-
logia, justificando, assim, o lugar que lhe deu à ciência, uma vez que considera a língua
um “sistema de signos que exprimem ideias”, sendo ela “social por natureza”(ibid., p.
25). O que ou quem a modifica não lhe atém a atenção; cabe-lhe o interesse pelo que
é comum e tangível, pelas relações (ou regras) estabelecidas pelos signos linguísticos
dentro do próprio sistema sob um ponto de vista sincrônico da língua.
Desse ponto de vista decorre a distinção marcante que faz entre língua e fala,
atribuída pelas denominações Linguística da Língua e Linguística da Fala; e mesmo
que reconheça a interdependência entre elas, assinala à língua o centro da Linguística,
enquanto a fala está subordinada a ela. O corte saussuriano entre os dois fatos de
linguagem explica a omissão da fala na permanência da língua, porque é relativa a
uma convenção social, que existe por si mesma; por isso não depende da fala, que, ao
contrário, é heterogênea e inconstante (...)
JUCHEM, Aline. Saussure, Benveniste e o objeto da linguística.
Cadernos do IL, Porto Alegre, n.º 36, junho de 2008.

Concluímos esse capítulo citando Friedrich Nietzsche :



“Na minha vida ainda preciso de discípulos, e se
os meus livros não serviram de anzol, falharam
a sua intenção. O melhor e essencial só se pode
comunicar de homem para homem”.

–  40  –
3

O Signo

O signo é uma coisa que, além da espécie


ingerida pelos sentidos, faz vir ao pensa-
mento, por si mesma, qualquer outra coisa.”
(Santo Agostinho)
“Bem longe de dizer que o objeto precede
o ponto de vista, diríamos que é o ponto de
vista que cria o objeto (...) seja qual for que se
adote, o fenômeno linguístico apresenta per-
petuamente duas faces que se correspondem
e das quais uma não vale senão pela outra.
(CLG, 2005, p. 15)

É inegável que as contribuições deixadas por Saussure, às


quais norteiam os estudos linguísticos, ainda na atualidade, são de
uma qualidade inquestionável.
Estudos Linguísticos e Variação

Por isso, entre as principais dicotomias abordadas em seus estudos, como:


semiologia/linguística, signo:significante/significado, arbitrariedade/lineari-
dade, linguagem: língua/fala, sincronia/diacronia, sintagma/paradigma, algu-
mas que ainda não estudamos, temos por finalidade nortear nosso estudo
partindo dos conceitos envolvendo essas dicotomias deixadas por ele, que se
trata, nesse caso, de abordar a relação entre língua (lange) e fala (parole) para
iniciar nossas reflexões.

3.1 A teoria do signo


Vimos, no capítulo anterior que, para que a comunicação se concre-
tize, precisamos de dois elementos fundamentais: a linguagem- que representa
todo o sistema de sinais convencionais, sejam estes de natureza verbal ou não
verbal- e a língua, que é “a parte social da linguagem”, exterior ao indivíduo,
não pode ser modificada pelo falante e obedece às leis do contrato social esta-
belecido pelos membros da comunidade.
A língua representa um sistema de signos convencionados de uma deter-
minada comunidade linguística. Falta-nos incluir ainda a fala, que é um
fenômeno físico e concreto e individual.
Diante dessa retomada de conceitos, podemos referendar o signo lin-
guístico, elemento representativo, que se constitui de dois aspectos básicos: o
significante e o significado.
Observem a imagem a seguir:
Figura 11: “PÁSSARO”
Shutterstock.com/ Bipsun

–  42  –
O Signo

Ao ouvirmos a palavra pássaro, ou passarinho, imediatamente nos vem à


mente a imagem de um pássaro qualquer, uma imagem que represente o que
essa palavra significa em nosso inconsciente, ou seja, algo que a represente de
forma gráfica, por meio dos fonemas que formam as sílabas.
Conforme Silva (2003), “o conceito relacionado à imagem acústica é
também uma entidade psíquica, pois não é uma coisa observada no mundo,
mas sim a representação mental dessa coisa, uma ideia. Assim, o signo lin-
guístico é uma entidade psíquica de duas faces: a imagem acústica, a qual
Saussure chama de significante (que está no plano da expressão) e o conceito,
chamado por ele de significado (que está no plano de conteúdo)”.
Assim, no exemplo apresentado pela imagem de pássaros, podemos
depurar que a forma gráfica + som pássaro é o significante e o conceito,
é o significado.
O signo linguístico pode ser definido, então, pela união de um con-
ceito e uma imagem gráfica/acústica. Da união entre significante e significado
temos o signo linguístico. Desta feita, qualquer palavra, em qualquer língua,
que possua um sentido, é um signo linguístico.

Signo

Imágem acústica Conceito

Significante Significado

PÁSSARO

Saussure determina signo como a união do sentido e da imagem acús-


tica. O que ele chama de “sentido” é a mesma coisa que conceito ou ideia,
isto é, a reprodução mental de um objeto ou da realidade social em que nos
situamos, reprodução essa condicionada pela formação sociocultural que nos
cerca, desde nosso nascimento.

–  43  –
Estudos Linguísticos e Variação

Segundo Carvalho (2004), simplificando, para Saussure, conceito é sinô-


nimo de significado (plano das ideias), algo como o lado espiritual da palavra,
sua contraparte inteligível, em oposição ao significante (plano da expressão),
que é sua parte sensível.
Por outro lado, assevera ainda Carvalho, a imagem acústica “não é o
som material, coisa puramente física, mas a impressão psíquica desse som”
(CLG, p. 80). Melhor dizendo, a imagem acústica é o significante. Com isso,
temos que o signo linguístico é “uma entidade psíquica de duas faces” (p. 80),
semelhante a uma moeda.
O mais importante dos sistemas de signos, para Saussure, é a língua.
Considerada por ele como um dos mais complexos e mais utilizados siste-
mas de representações sígnicas; para ele, a língua é apenas uma parte do uni-
verso semiológico.

Saiba mais
Semiologia: s.f. Ciência que se dedica ao estudo dos signos,
dos modos que representam algo diferente de si mesmo, e de
qualquer sistema de comunicação presentes numa sociedade.

Podemos afirmar, então, que o signo é o resultado de um conjunto de


relações mentais.
Existe em cada signo uma acepção, ou várias acepções, ideias, de acordo
com o contexto, com a leitura ou com o leitor e seu estado emocional.
Silva assevera ainda que:
o signo, para Saussure, “é um elemento binomial, a sua
natureza é dicotômica. O significado e o significante traduzem
as pontas da bifurcação do signo, agem dialeticamente,
embora sua relação de reciprocidade seja considerada pelo
próprio Saussure como arbitrária. Não é possível admitir a
existência do significante sem o significado e vice-versa, assim
como não é possível estabelecer ou definir um elemento de
relação objetiva entre o conceito e sua imagem acústica.

Saussure observa ainda que o signo linguístico “une não uma coisa e
uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica”(CLG, p.80)

–  44  –
O Signo

Decian e Méa (2005) asseveram que, sob o ponto de vista de Saussure,


pode-se verificar “ que o signo é uma entidade psíquica de duas faces: o con-
ceito e a imagem acústica. A primeira refere-se à imagem mental, ao referente
que temos para designar o signo e a segunda refere-se à sequência fônica que
utilizamos para designar o signo. O conceito e a imagem acústica são também
chamados de significado e significante, respectivamente”.
O signo linguístico apresenta ainda, segundo Saussure, uma caracterís-
tica, a arbitrariedade:
A palavra arbitrário requer também uma observação. Não
deve dar a ideia de que o significado dependa da livre esco-
lha do que fala (ver-se-á, mais adiante, que não está ao
alcance do indivíduo trocar coisa alguma num signo, uma
vez esteja ele estabelecido num grupo linguístico); quere-
mos dizer que o significante é imotivado, isto é, arbitrário
em relação ao seu significado, com o qual não tem nenhum
laço natural na realidade (CLG, 2005, p. 83)

Portanto, não existe um motivo para que um significante esteja asso-


ciado a um significado. Elucida-se, então, a ocorrência de que cada língua usa
significantes diferentes para um mesmo significado.
Outra característica do signo linguístico é a linearidade. Ou seja, os
componentes que integram um determinado signo se apresentam um após o
outro, tanto na fala como na escrita.
O princípio da arbitrariedade, nos termos saussurianos, não pode deno-
tar que o sistema estaria à mercê da livre escolha do falante. Ao contrário, a
demarcação e firmação de um signo linguístico perpassam por forte pressão
de uso por determinado grupo linguístico. Por um lado, o princípio de orde-
nação do sistema seria imutável, implicando uma impossibilidade estrutural
de se fazer qualquer operação com a língua. Por outro, no curso do tempo,
os signos linguísticos podem sofrer alteração em termos da relação entre con-
ceito e imagem acústica, sem necessariamente pôr em xeque o alcance e a
eficácia do princípio de ordenação.
Observaremos agora a visão de Benveniste em relação ao estudo do signo
linguístico, visto que ele foi um dos primeiros linguistas a propor uma teoria
que trata, especificamente, da enunciação.

–  45  –
Estudos Linguísticos e Variação

Para ele, caracteriza-se o signo da seguinte forma:


Dizer que a língua é feita de signos é dizer antes de tudo
que o signo é a unidade semiótica. Essa proposição,
sublinhamo-lo, não está em Saussure, talvez porque ele
a consideraria como uma evidente decorrência, e nós a
formulamos aqui no início do exame que estamos fazendo;
ela contém uma dupla relação que é necessário explicitar: a
noção de signo enquanto unidade e a noção de signo como
dependente da ordem semiótica. (CLG, 1989, p.224)

Para ele, então, o signo é uma unidade dotada de sentido, posto que
considera a significação como elemento precedente ao signo. Para se estabe-
lecer, o signo precisa representar uma unidade, mas não uma unidade qual-
quer e, sim, uma unidade dotada de significado.
Decian e Méa asseveram que Benveniste destaca a ideia de língua “como
um fenômeno dinâmico e de uso contínuo, por meio do qual podem ser
formulados e proferidos vários discursos”.
Esse estudioso também apresenta concepções diferentes das de Saussure
em relação à arbitrariedade do signo linguístico.
Para ele, ainda segundo Decian e Méa (2005),
a questão da arbitrariedade tem suscitado discussões vãs,
ou seja, não relevantes, pois, (...) a questão da arbitra-
riedade está relacionada à diferenciação entre sentido e
referência. A referência está diretamente ligada à situação
de uso, independentemente do sentido, e relacionada ao
momento em que o signo é utilizado. Esse fato faz com
que possa ser conhecido o sentido original das palavras e,
mesmo assim, não o reconhecer numa junção de palavras,
formando as frases.

Ao se referir a sentido, Benveniste se refere a algo particular, como se


dá a transmissão de uma ideia e em que contexto ela se realiza. Em relação
à noção de signo, ele afirma que o signo só pode existir enquanto a língua
estiver em uso.
Mas, como se daria essa referência em se tratando de línguas mortas,
por exemplo?

–  46  –
O Signo


Línguas mortas são aquelas que não possuem mais falan-
tes nativos ou que simplesmente não são mais utilizadas na
vida cotidiana. Ainda assim, todas essas línguas possuem
gramáticas e vocabulários conhecidos, fato que possibi-
lita seu estudo e utilização entre grupos de especialistas.

Cabe aqui uma interferência: para Saussure, sendo a língua distinta da
fala, aquela pode ser estudada separadamente desta. A prova é que não falamos
mais as línguas mortas, mas podemos assimilar-lhes o organismo linguístico.
Para finalizar essa dicotomia entre Saussure e Benveniste em relação ao
signo linguístico, passemos a apresentar um apanhado das ideias de cada um
deles, contrapondo-as.
Benveniste apresenta que a primeira condição imperiosa para a consti-
tuição do signo é a significação. E especifica que os signos somente possuem
sentido em relações de oposições, ou seja, um signo somente possuirá sentido
quando está em relação com outro signo. Ou seja, um signo, para ser con-
siderado como tal, necessariamente deve estar em situação de uso. Assim, se
não estiver em uso por um falante qualquer, não estará sofrendo oposições e,
sem essas relações, o signo não pode ser concebido como dotado de sentido.
Continua ainda asseverando que a noção de signo semiótico não tem como
incumbência e objetivo a comunicação, mas somente a significação. A sig-
nificação para o autor está distanciada da situação de uso e ligada apenas ao
próprio signo, por isso, podemos dizer que o signo semiótico não tem caráter
dinâmico, mas sim, estático.
Já para Saussure, a língua é concebida como um sistema de signos que
nos permite comunicar algo a alguém e receber informações de outros indi-
víduos. Dessa forma, é via língua e seus signos constituintes que se mantém
a comunicação.
Cada uma das noções de signos linguísticos se aproxima muito uma da
outra, pois, para Benveniste, a palavra é a menor unidade da língua, enquanto
Saussure afirma que a menor unidade linguística é o signo.
No artigo As teorias do Signo e suas significações linguísticas, Antonio Car-
los da Silva apresenta algumas considerações bastante interessantes. Desse

–  47  –
Estudos Linguísticos e Variação

artigo apresentamos um trecho que julgamos de grande valia para o aprendi-


zado sobre o signo linguístico:

O signo não pode ser considerado um elemento de natureza vazia, ou seja, um


signo frívolo, sem significação. Os signos, quando analisados fora de um contexto, são
apenas signos que nada ou quase nada significam, tendo em vista que sua máxima rea-
lização dá-se pela relação que mantêm com outros signos dentro de um dado contexto.
Uma palavra pode ser considerada o contexto de um signo menor que ela, mas que,
por sua natureza significativa e pela organização e relação que estabelece com outros
signos menores, pode significar tanto quanto, ou muito mais que uma palavra quando
empregada como elemento menor de um contexto maior que a sua natureza. Veja o que
diz Hjelmslev:
As palavras não são os signos últimos, irredutíveis, da lingua-
gem, tal como podia deixá-lo supor o imenso interesse que a
linguística tradicional dedica à palavra. As palavras deixam-se
analisar em partes que são igualmente portadoras de signifi-
cações: radicais sufixos de derivação e desinências flexionais.
(HJELMSLEV, 1975, p. 49)

Com base no exposto, podemos fazer a seguinte análise: a forma verbal “estudás-
semos” é um signo menor em relação ao contexto a que pode pertencer, ou seja, quando
empregada na frase, a exemplo: “Se estudássemos mais, passaríamos nos exames”. A frase,
nesse caso, é um signo maior em relação à palavra “estudássemos”, que pode ser enten-
dida como o contexto de signos menores contidos nela. Veja: em (estud-á-sse-mos), da
esquerda para a direita, podemos classificar os elementos significativos da palavra e apre-
sentar a significação contida em cada um deles.
O primeiro elemento significativo classifica-se como radical e contém a significação
lexical do ato de aplicar a inteligência; o segundo é a vogal temática e tem como função
indicar a que conjugação pertence o verbo; a terceira é a desinência verbal modo-temporal
e tem como função a indicação do tempo pretérito e do modo subjuntivo, expressando,
portanto, uma ação hipotética que poderia ocorrer no passado; finalmente, o quarta ele-
mento significativo é também uma desinência verbal, cuja função é expressar o número
e a pessoa do discurso.
A ideia da significação fica mais clara quando analisamos um dado signo fora e
dentro do seu contexto.
Tomando a palavra manga como corpus, podemos ver que nem sempre é possível
relacionar o signo a sua significação, tendo em vista o seu esvaziamento de sentido, em
virtude do emprego solitário. Manga, em língua portuguesa, é uma palavra que pode ter,
dentro de um dado contexto, significação diferente daquela que teria quando aplicada em
outros contextos. A manga, peça do vestuário é diferente de manga, o fruto que também

–  48  –
O Signo

é diferente de manga, a terceira pessoa do presente do indicativo do verbo mangar. (...)


Sobre o assunto, Hjelmslev diz que:
Considerado isoladamente, signo algum tem significação.
Toda significação de signo nasce de um contexto, quer
entendamos por isso um contexto de situação ou um
contexto explícito, [...]. É necessário, assim abster-se
de acreditar que um substantivo está mais carregado de
sentido do que uma preposição, ou que uma palavra
está mais carregada de significação do que um sufixo de
derivação ou uma terminação flexional. (HJELMSLEV,
1975, p. 50)

3.2 Sincronia e Diacronia


O começo e o fim de uma época são geralmente marca-
dos por alguma revolução mais ou menos brusca, que
tende a modificar o estado de coisas estabelecido.
(Saussure)

Passaremos a estudar agora a questão da sincronia e diacronia nos estu-


dos linguísticos.
O termo “linguística histórica” gera concepções como a de que, “ao des-
crever estados sucessivos da língua, se estivesse estudando a língua conforme o
eixo do tempo” (Saussure, 2004). Isso poderia tornar possível estudar, de modo
separado, os fenômenos que fazem com que as línguas passem de um estado
para outro, em outras palavras, como se estudaria as causas dessas modificações.
O termo linguística evolutiva tem sido empregado comumente, assim
como linguística estática, significando linguística diacrônica e linguística sin-
crônica, respectivamente.
Cabe agora uma pequena conceituação dos dois termos em questão:
considera-se diacrônico o que diz respeito às evoluções de determinada lín-
gua e sincrônico o que está relacionado com o aspecto estático da língua.
Para Saussure, ao analisarmos uma língua sincronicamente, não nos será
objeto de estudo os estágios de evolução pelo qual essa língua passou. Ou seja,
o foco sempre será a língua em seu estado atual. Em oposição, se estudarmos

–  49  –
Estudos Linguísticos e Variação

essa língua diacronicamente, buscaremos entender o que a­ conteceu com essa


língua ao longo de sua história, para determinar essas marcas em determinada
época, por exemplo.
Em seus estudos, pode-se afirmar que a linguística é um estado de ciên-
cia que deve se construir sobre dois eixos:
a) eixo sincrônico → a língua é estudada como ela se apresenta em
um determinado momento de sua história. Toda intervenção do
tempo é excluída.
b) eixo diacrônico → a língua é analisada como um produto de uma
série de transformações que ocorrem ao longo do tempo.
Dessa forma, fica claro do porquê de ser consensual no meio científico
afirmar que a intervenção do tempo cria, na Linguística, dificuldades parti-
culares e situa esta ciência perante dois caminhos absolutamente diferentes,
novamente, a sincronia e a diacronia.
Para formalizarmos e, efetivamente, gravarmos esses dois conceitos,
podemos, novamente, afirmar que é diacrônico tudo o que tem duração de
tempo, é dinâmico e designa uma fase de evolução. E, em contrapartida,
é sincrônico tudo que é momentâneo, é estático, constitui um conjunto
fechado e homogêneo de regularidades e designa um estado de língua.
Saussure desconsiderou em seus estudos, frisando que não era domínio
da línguística, a diacronia, pois ele considerava incompatível a noção de sis-
tema e de evolução.
A modificação sincrônica prevê sempre dois termos simultâneos,
enquanto o fato diacrônico não precisa de mais que um termo, porque a
forma nova toma o lugar da forma antiga, que desaparece. Resumindo: os
fatos sincrônicos apresentam certa regularidade, mas não têm nenhum caráter
imperativo; os fatos diacrônicos, ao contrário, se impõem à língua, apesar de
não ter um caráter geral.
Segundo Bechara (2006),
Convém distinguir entre estado de língua real e sincronia,
considerada de modo absoluto. No estado de língua também
está implícita uma dimensão diacrônica, já que os falantes,

–  50  –
O Signo

principalmente de comunidades com larga tradição de lín-


gua escrita, têm consciência de que certas formas são mais
antigas que outras; que algumas já não se usam e que outras
são recentes. Todavia essa “diacronia dos falantes” - que pode
ser bem diferente da diacronia do historiador – não importa
em relação ao funcionamento da língua, porque todo fato de
“diacronia” subjetiva tem que ser descrito no seu funciona-
mento, isto é na sua própria sincronia.

Finalizando esse subcapítulo, apresentamos um quadro em que se pro-


põe a comparação entre língua e uma partida de xadrez.

Língua e Partida de Xadrez - Comparação


1. Cada estado do jogo corresponde precisamente a um estado da língua;
2. O sistema é sempre momentâneo;
3. Os valores dependem de uma convenção imutável;
4. Para passar para um equilíbrio, basta a deslocação de uma peça: não há alteração
geral;
5. Cada jogada do xadrez faz movimentar uma peça; também na língua as alterações
só incidem sobre elementos isolados;
6. As ressonâncias podem ser nulas, muito graves ou de importância média;
7. A deslocação de uma peça é um facto absolutamente distinto do equilíbrio prece-
dente e do subsequente: só os estados importam.
Ponto divergente:
22 O jogador de xadrez provoca as deslocações e exerce intencionalmente uma acção
sobre o sistema. A língua não premedita nada: é espontânea e é fortuitamente que
as suas peças se deslocam.
BELIM, Celia. In: <https://semiologiaiscsp.wordpress.com/semiologia/>. Acesso em: 28
maio 2015.

3.3 Paradigma versus sintagma


Veremos agora mais um dos paradigmas apresentados por Saussure.
Segundo ele, a linguagem se constrói por meio de dois eixos: paradigma
e sintagma.

–  51  –
Estudos Linguísticos e Variação

O paradigma é o eixo vertical das escolhas (o eixo por meio do qual esco-
lhemos sempre a próxima palavra que constituirá o nosso discurso).
O sintagma é o eixo horizontal do discurso (fala), as múltiplas possibili-
dades de combinação das palavras em frases.
Observem:

C
SINCRONIA
(etapa precisa)
Paradigmático
DIACRONIA
(acontecimento histórico)

A B
Sintagmático

Foco do
Estudo

O eixo do sintagma corresponde à “materialização” do nosso pensa-


mento, ou seja, nós escolhemos as palavras no eixo do paradigma para, então,
construir a nossa fala (sintagma).
De acordo com Carvalho (2004 ) , as relações sintagmáticas repousam
no caráter linear do signo linguístico, caráter que exclui qualquer probabi-
lidade de se pronunciar dois elementos ao mesmo tempo, pois a língua é
formada de elementos que se sucedem um após outro linearmente, conforme
Saussure, “na cadeia da fala” . A relação entre esses elementos Saussure chama
de sintagma, afirmando que o sintagma se compõe sempre de duas ou mais
unidades consecutivas.
Colocado na cadeia sintagmática, assevera ainda Carvalho, “um termo
passa a ter valor em virtude do contraste que estabelece com aquele que o
precede ou lhe sucede, “ou a ambos”, visto que um termo não pode aparecer
ao mesmo tempo que outro, em virtude do seu caráter linear”. No exemplo

–  52  –
O Signo

apresentado por ele “Hoje fez frio”, salienta que não podemos pronunciar a
sílaba je antes da sílaba ho, nem ho ao mesmo tempo que je; o antes de fri, ou
o simultaneamente com fri é impossível.
É essa cadeia fônica que faz com que se estabeleçam relações sintagmáticas
entre os elementos que a compõem. Como a relação sintagmática se estabelece
em função da presença dos termos precedente e subsequente no discurso,
Saussure a chama também de relação in præsentia.
Por outro lado, fora do discurso, isto é, fora do plano sintagmático, se,
em “Hoje fez frio”, podemos imaginar que dizemos hoje idealizando que ele
poderá estar em oposição a ontem, por exemplo, ou fez em oposição a faz,
e frio a calor , estabelecemos uma relação paradigmática associativa ou in
absentia, porque os termos ontem, faz e calor não estão presentes no discurso.
São elementos que se encontram na nossa memória de falante “numa série
mnemônica virtual”, conforme esclarece Saussure.
O paradigma se apresenta, assim, como uma espécie de opções de nosso
repertório linguístico, uma gama de unidades capazes de aparecer num
mesmo contexto.
Desse modo, as unidades do paradigma se opõem, pois uma exclui a
outra: se uma está presente, as outras estão ausentes.
É a chamada oposição distintiva que determina a diferença entre signos
como dente e pente ou entre formas verbais como cantava e cantara, formados
respectivamente a partir da oposição sonoridade / não-sonoridade e pretérito
imperfeito / mais-que-perfeito. A noção de paradigma promove, dessa forma,
a ideia de relação entre unidades alternativas. É uma espécie de reserva virtual
da língua.
Define-se o sintagma como “a combinação de formas mínimas numa
unidade linguística superior”. Tratam-se, portanto, de relações (relação =
dependência, função) onde o que existe, em essência, é a reciprocidade, a
coexistência ou solidariedade entre os elementos presentes na cadeia da fala.
Existem, em todos os planos da língua, nos parece adequado asseverar,
sejam esses planos fônico, mórfico e sintático, essas relações sintagmáticas ou de
reciprocidade, ao contrário do que deixa entrever a definição do próprio Saus-
sure, que nos induz a conceber o sintagma apenas nos planos mórfico e sintático.

–  53  –
Estudos Linguísticos e Variação

Podemos, concluir, portanto, que o sintagma, em sentido primeiro, é


toda e qualquer combinação de unidades linguísticas na sequência de sons da
fala, a serviço da rede de relações da língua.
O texto a seguir faz parte do artigo de Arnaldo Cortina e Renata Coelho
Marchezan, intitulado Princípios Gerais em Linguística:

Princípios básicos: sincronia e diacronia


Inicialmente, discutiremos a oposição por ele (Saussure) apresentada entre a
perspectiva diacrônica e a perspectiva sincrônica, com relação aos fatos que a ciên-
cia estuda. O leitor deve observar que, até o século XIX, predominavam os trabalhos
linguísticos que visavam à comparação entre diferentes línguas, ao longo da história.
Assim, as tentativas de agrupamentos de línguas em famílias objetivavam a descoberta
de relações entre elas e, além disso, a reconstituição da língua primitiva. A maior parte
dessas tentativas frustrava-se, porque, devido à influência religiosa no mundo ociden-
tal, estava baseada na hipótese de que, uma vez que o hebraico era a língua do Novo
Testamento, deveria ser a fonte a partir da qual derivavam todas as demais línguas.
Assim, estudar uma língua era descobrir de que ramo ela se originava e que tipo de
influências ela recebia de suas parentes próximas.
Para Saussure, todo fato científico deve ser Figura 12: Diacronia
observado segundo a perspectiva da simultaneida (representação)
de e da sucessividade. Assim, estudar uma língua
não significava apenas perceber sua evolução no
tempo, mas sim as relações internas que estabelece
num dado momento do tempo. A diacronia está
Shutterstock.com/ Elnur

situada no eixo da sucessividade, uma vez que cor-


responde, segundo ele, ao método de investigação
de um fenômeno linguístico que, localizado em
uma determinada linha evolutiva no tempo, man-
tém relação com os fenômenos que o precedem
ou seguem. A sincronia, por sua vez, está situada
no eixo da simultaneidade, pois compreenderia a
observação dos fatos linguísticos coexistentes num
mesmo sistema, tal como eles se apresentam num dado momento, sem levar em conside-
ração sua evolução no tempo.
Na realidade, a novidade está na sua proposta da perspectiva sincrônica, uma
vez que, para os estudos da língua, o que se fazia até então eram trabalhos com base
na ­diacronia. Saussure chama a atenção para o fato de que o tempo não é um fator
exclusivo de interesse das descrições linguísticas. Para ele, o tempo permite que fatores
externos ajam uns sobre os outros e isso desencadeia transformações na língua. Em

–  54  –
O Signo

verdade, ao se observar o fenômeno linguístico segundo a perspectiva diacrônica,


leva-se em consideração fatores externos ao sistema da língua que acabam agindo
sobre ela.
O fato, por exemplo, de o português apresentar morfemas e lexemas de origem
árabe não é um fenômeno de transformação interna do sistema, mas sim devido à
invasão dos povos árabes na Península Ibérica, o que é um fator histórico externo ao
funcionamento do sistema.
Já na perspectiva sincrônica, pode-se tratar de um determinado fato linguístico
em relação ao conjunto de regras tais como elas funcionam num dado momento,
na língua que se está analisando. Esse seria o caso, por exemplo, de analisarmos
o fenômeno da concordância nominal no português contemporâneo, que tende à
eliminação da redundância. Em vez de se dizer “os meninos escolhidos”, há uma
tendência em determinadas camadas da sociedade brasileira de, na situação de fala,
produzir “os menino escolhido”, em que a marca de plural aparece apenas no artigo
e é omitida nas outras classes de palavras. Examinar um fato como esse, descrevendo
seu grau de ocorrência e as circunstâncias em que ele se realiza em relação ao sistema,
é fazer um estudo sincrônico e não diacrônico.
Disponível em: <http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/40352/1/
01d17t01.pdf> Acesso em 07 jun. 2105.

–  55  –
4

O Discurso

[...] gostaria de mostrar que o discurso não


é uma estreita superfície de contato, ou de
confronto, entre uma realidade e uma lín-
gua, o intrincamento entre um léxico e uma
experiência; gostaria de mostrar, por meio de
exemplos precisos, que, analisando os pró-
prios discursos, vemos se desfazerem os laços
aparentemente tão fortes entre as palavras e
as coisas, e destacar-se um conjunto de regras,
próprias da prática discursiva. (...) não mais
tratar os discursos como conjunto de signos
(elementos significantes que remetem a con-
teúdos ou a representações), mas como práti-
cas que formam sistematicamente os objetos
de que falam. Certamente os discursos são
feitos de signos; mas o que fazem é mais que
utilizar esses signos para designar coisas. É
esse mais que os torna irredutíveis à língua e
ao ato da fala. É esse mais que é preciso fazer
aparecer e que é preciso descrever. (Foucault,
1986, p.56. apud FISCHER 2001)
Estudos Linguísticos e Variação

Em nossos Estudos Linguísticos e Variação não poderíamos deixar de


destacar a questão da Teoria do Discurso.
Tomando como princípio que o discurso em si é a construção lin-
guística junto ao contexto social onde o texto se desenvolve, partimos do
pressuposto de que as ideologias, implícitas ou explícitas, são diretamente
construídas e influenciadas pelo contexto político-social em que o emissor
está inserido.
Iniciaremos estudando o discurso e passaremos, depois, ao estudo da
Análise do Discurso.

4.1 O discurso além do texto


O discurso propriamente dito é uma construção linguística vinculada ao
contexto social no qual o texto é desenvolvido. Isso porque todo texto escrito
ou oral é permeado por questões que vão além do próprio texto. Mais que
uma análise textual, a análise do discurso é uma análise contextual da estru-
tura discursiva em questão.
Na linguagem coloquial, o discurso pode ser entendido como a mensa-
gem que um autor transmite ao seu interlocutor, seja de forma verbal escrita
ou oral. Já, para a Linguística, discurso é toda situação que envolve a comu-
nicação dentro de um determinado contexto social, politico, cultural, tem-
poral, portanto, diz respeito ao autor, ao interlocutor e às circunstâncias de
produção textual. O discurso representa o pensamento ou as ideias de seu
autor. Em outras palavras, dis-
curso é o que se fala ou escreve
Shutterstock.com/lassedesignen

considerando como se fala/


escreve, que seleção vocabular o
autor faz, que intenção tem, que
nível de linguagem utiliza, qual
sua entonação ou recursos gráfi-
cos utiliza para destacar expres-
sões ou outras marcas de orali-
dade e em qual contexto ocorre
Faz parte do discurso elementos textuais e
a comunicação. contextuais.

–  58  –
O Discurso

A partir das suas estruturas sequenciais, o discurso tem vários níveis que
precisam ser analisados: estruturas da gramática da língua(fonologia, sintaxe,
semântica), estruturas da retórica (figuras de linguagem e outros recursos esti-
lísticos ) e estruturas esquemáticas de escolha das tipologias textuais utiliza-
dos, como a narração, a argumentação, a injunção, a descrição, a exposição.
Conforme Veríssimo, Veríssimo e Oliveira (2014):
Em um contexto de avanços tecnológicos e como consequ-
ência a comunicação mais rápida entre as pessoas, o estudo
sobre o funcionamento da língua como prática social, é rele-
vante àqueles que se dedicam às pesquisas que envolvem lín-
gua e sociedade. A língua mantém as relações entre sujeitos
que interagem e compartilham de um mesmo contexto sócio-
histórico-político. A interação entre os indivíduos é funda-
mentada pela atividade discursiva, mediada pela linguagem,
ou seja, da língua em funcionamento. A perspectiva funda-
menta-se na filosofia da linguagem de origem bakhtiniana.

Mendes e Silva (2005) afirma que, “para Foucault (1969), o discurso é


uma dispersão, visto que, não estão ligados por nenhum princípio de unidade”.
Continua asseverando que exclusivamente por meio das regras de formação
seria possível determinar os elementos que compõem o discurso, a saber:
a) os objetos que aparecem, coexistem e se transformam
num “espaço comum” discursivo;
b) os diferentes tipos de enunciação que podem permear o
discurso;
c) os conceitos em suas formas de aparecimento e transfor-
mação em um campo discursivo, relacionados em um
sistema comum;
d) os temas e teorias.

Dessa forma, essas regras que motivam uma formação discursiva são
notadas como um sistema de relações entre objetos, tipos enunciativos, con-
ceitos e estratégias. São elas que atribuem singularidade às formações dis-
cursivas e que permitem a passagem da dispersão para a regularidade, que é
entendida pela análise e descrição dos enunciados de tais formações.
O discurso é o terreno elementar no qual a realidade se institui. Ele
toma como hipótese a ideia de que a linguagem é constituidora da realidade
e, portanto, ela só existe dentro de um discurso que a torna possível. Fora do
discurso, há existência, porém não existe significação (OLIVEIRA, 2009).

–  59  –
Estudos Linguísticos e Variação

Não podemos nos limitar a pensar que discurso é apenas uma categoria
que faz o ajuntamento de palavras com ações e que tem caráter material não
mental e/ou ideal.
Conforme Mendonça (2009, p. 153),
Discurso é prática – daí a ideia de prática discursiva – uma
vez que quaisquer ações empreendidas por sujeitos, identida-
des, grupos sociais são ações significativas. O social, portanto,
é um social significativo, hermenêutico. Não aparece como
algo a ser simplesmente desvendado, desvelado, mas compre-
endido, a partir de sua miríade de formas, das várias possi-
bilidades de se alcançar múltiplas verdades, note-se, sempre
contingentes e precárias.

Ele ainda assevera que o real, como probabilidade a ser estudado, conhe-
cido verdadeiramente, como uma positividade transparente, é uma impossi-
bilidade, tendo em vista que este é significado de diversas maneiras, a partir
das lentes contextuais dos sujeitos.
Veremos agora um pouco mais profundamente o que nos apresenta Fou-
cault em relação ao discurso.
Para ele, os discursos, evidentemente, são feitos de signos; contudo, o
discurso não se limita apenas a usar esses signos para designar coisas ou situa-
ções. “É esse mais que os torna irredutíveis à língua e ao ato da fala”. Con-
sidera que tudo é prática. Ou seja, é no uso, na exteriorização das ideias que
o discurso se realiza. E é nessa realização que acontecem as relações de poder
e saber.
Assim, de certa forma, o discurso não se limita `a referência das coisas,
existe para além da mera utilização de letras, palavras e frases. Não pode ser
percebido como um fenômeno de simples expressão de algo: apresenta regu-
laridades intrínsecas a si mesmo, por meio das quais é possível definir uma
rede conceitual que lhe é própria.
Laclau, filósofo e teórico, especifica de forma muito clara o conceito
de discurso, pelo qual os atos de linguagem compõem uma organização que
excede o meramente linguístico.
Para ele, “o discurso seria uma instância limítrofe com o social. Porque
cada ato social tem um significado, e é constituído na forma de sequências dis-

–  60  –
O Discurso

cursivas que articulam elementos linguísticos e extralinguísticos” (LACLAU,


1991, p.137).
Conforme Pinto (1986), “ A toria do discurso está intimamente ligada
à questão da contituição do sujeito social. Se o social é significado, os indi-
víduos envolvidos no processo de significação também são e isto resulta em
uma consideração fundamental: os sijeitos sociais não são causas, não são
origem do discurso, mas são efeitos discursivos”.
Já Foucault assevera que delinear uma formulação como um enunciado
não incide em analisar as relações entre o autor e o que ele disse (ou ansiou
dizer, ou mencionou sem querer); mas em definir qual é a posição que pode
e deve ocupar todo indivíduo para ser seu sujeito.
Para finalizarmos esse preâmbulo do estudo do discurso, pois se trata de
material para a realização de muitos outros estudos, referimo-nos novamente
a Fischer, em que relata a questão do sujeito do discurso, em seu artigo Fou-
cault e a análise do discurso em educação:

Foucault e a análise do discurso em educação

Shutterstock.com/lirf

Conceito estilizado do conhecimento humano

(...) Ao analisar um discurso – mesmo que o documento considerado seja a repro-


dução de um simples ato de fala individual –, não estamos diante da manifestação de
um sujeito, mas sim nos defrontamos com um lugar de sua dispersão e de sua desconti-

–  61  –
Estudos Linguísticos e Variação

nuidade, já que o sujeito da linguagem não é um sujeito em si, idealizado, essencial,


origem inarredável do sentido: ele é ao mesmo tempo falante e falado, porque através
dele outros ditos se dizem. Esse caráter contraditório do sujeito rompe com uma tra-
dição, cara não somente ao idealismo de algumas teorias da linguagem, como a desen-
volvida por Benveniste, mas ainda àquelas concepções segundo as quais o eu seria
absolutamente determinado de fora, dominado por um Outro que o constitui. Essa
bipolaridade, como sabemos, dominou durante muito tempo as Ciências Humanas
e dela se encontram vestígios até hoje em alguns discursos, como o da pedagogia, da
sociologia e especialmente da militância política. O homem “sujeito da própria his-
tória”, capaz de transformar o mundo a partir da tomada de consciência, reúne essas
duas concepções: tudo se passaria como se, percebendo a dominação, a força do outro,
o sujeito pudesse lutar e chegar, talvez um dia, à condição paradisíaca (e originária) de
sujeito uno, pleno de poder.
Bem distinta dessa formulação, e fundada principalmente na ideia do conflito,
da pluralidade de vozes que se enfrentam nos textos, é a concepção pela qual se intro-
duz a presença do Outro no discurso. Mesmo que inicialmente ela tenha privilegiado
certo determinismo, de fora para dentro, na verdade postula algo que, depois de Marx,
não nos atrevemos a questionar: o homem é inconcebível fora das relações sociais que
o constituem.
Quando a filosofia da linguagem, de inspiração marxista, fez a tradução desse
postulado, de modo especial com Bakhtin, que outros conceitos trouxe? Basicamente,
uma teoria da polifonia, do diálogo, na qual fica entendido que há inúmeras vozes
falando num mesmo discurso, seja porque o destinatário está ali também presente, seja
porque aquele discurso está referido a muitos outros. Esse duplo cruzamento consti-
tuiria, nesse caso, a polifonia discursiva.
Certamente essa descentração do sujeito, implícita na teoria marxista, pertence
à mesma epistème, dentro da qual se desenvolveu a psicanálise: o discurso do sujeito,
para Freud, estaria sempre marcado pelo seu avesso, no caso, o inconsciente. Dividido,
quebrado, descentrado, o sujeito se definiria por um inevitável embate com o outro
que o habita. E, permanentemente, viveria a busca ilusória de tornar-se um. A lin-
guagem seria a manifestação dessa busca, lugar em que o homem imagina constituir e
expor sua própria unidade.(...)
FISCHER, Rosa Maria Bueno. Cadernos de Pesquisa no.114 São Paulo Nov. 2001.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi
d=S0100-15742001000300009> Acessoem: 22 maio2015.

4.2 A Análise do Discurso


A Análise do Discurso se define pela sua proposta das
novas maneiras de ler, colocando o dito em relação ao

–  62  –
O Discurso

não dito, ao dito em outro lugar, problematizando as lei-


turas de arquivo, expondo o olhar leitor à opacidade do
texto. (ORLANDI, 1987)

No final dos anos 60, surgiu a proposta de análise sobre as condições do


discurso e dos processos discursivos, realizada por Michel Pêcheux. Ele foi um
dos primeiros estudiosos da área da Análise do Discurso, avaliando a oposição
entre base linguística e processo discursivo, e considerando a base linguística
um sistema comum a todos os falantes (no que diz respeito ao conjunto de
estruturas fonológicas, morfológicas e sintáticas), enquanto os processos dis-
cursivos, segundo ele, são diferenciados de acordo com processos ideológicos
que os determinam.
A Análise do Discurso surge, então, como uma especialidade que esco-
lhe “problematizar” as maneiras de ler, analisando a opacidade como caracte-
rística constitutiva da linguagem. Ao mediar a relação com o texto, essa “espe-
cialidade” possibilita que se avistem formas de significação que dificilmente
seriam vistas a “olho nu”, ou seja, que seriam invisíveis sem os dispositivos
teóricos de análise fornecidos por essa disciplina.

Shutterstock.com/lassedesignen

No discurso, revelamo-nos.
A Análise do Discurso se pauta na teoria de que há mais sentidos além
do que está explicitado na superfície linguística; portanto, não estabelece ao

–  63  –
Estudos Linguísticos e Variação

discurso um sentido único e fechado. Cabe ao analista explicitar o caminho


pelo qual se chegou ao sentido evidente (e se calaram outros possíveis).
Orlandi (2003) comenta que a língua “ possui uma ordem própria e
introduz a noção de sujeito; o sujeito é descentrado, afetado pela língua e
pelo real da história, não possuindo controle sobre como o afetam, e, ainda,
a história é afetada pelo sentido simbólico.”
Assevera ainda, que, “se a Análise do Discurso é herdeira das três regiões
de conhecimento – Psicanálise, Linguística, Marxismo – não o é de modo
servil e trabalha uma noção – a de discurso – que não se reduz ao objeto da
Linguística, nem se deixa absorver pela Teoria Marxista e tampouco corres-
ponde ao que teoriza a Psicanálise” (ORLANDI, 2003).
Acompanhando as áreas de conhecimento Psicanálise, Linguística e
Marxismo, a análise do discurso suplanta seus alcances e institui um novo
objeto que afeta essas formas de conhecimento em sua totalidade e seu con-
junto: o discurso.
Gregolin (2007) afirma que os estudos e as propostas de Pêcheux apro-
ximaram-se dos primeiros estudiosos dos discursos, como, por exemplo, um
de seus expoentes, Michel Foucault, o círculo bakhtiniano.
A ideia de discurso como um conjunto de enunciados com a mesma
formação discursiva procede de Foucault.
Bakhtin pode ser considerado o precursor nos estudos do discurso, além
de considerar a linguagem em uma concepção dialógica, e também acredita
que o ser humano e a vida, na sua forma social, são determinados pelo prin-
cípio dialógico.
Verissimo, Verissimo e Oliveira, (2014, p. 64) afirmam que
A concepção de dialogismo, para Bakhtin, leva em conta: os
aspectos da interação entre os interlocutores, que é o princí-
pio formador da linguagem; a acepção do texto e o sentido das
palavras, que dependem da inter-relação de sujeitos; a intersub-
jetividade, que é precedente à subjetividade, pois a relação dos
interlocutores se fundamenta na linguagem, dando sentido ao
texto e construindo os próprios sujeitos e contextos formadores
do texto, e as relações entre os sujeitos e destes com a sociedade.

–  64  –
O Discurso

Depois de estudarmos o discurso e alguma teoria a respeito da Análise


do Discurso, podemos afirmar que discernir sobre o diálogo entre Linguís-
tica Textual e Análise do Discurso pressupõe ponderar, por um lado, que
estas duas áreas da Linguística têm particularidades que as diferenciam e,
por outro, que têm afinidades que podem aproximá-las no que se refere aos
estudos de fenômenos da linguagem.
Como afinidade, podemos apontar que ambas, na composição de seus
estudos, apreciam fatores como língua (e linguagem), sujeito, texto, contexto
e sentido.
As particularidades estariam na concepção teórica adotada para definir
tais fatores. A Linguística Textual, como sabemos, é a área da Linguística res-
ponsável pela produção, recepção e interpretação dos textos.
Assim, como mostra Koch (2002),
o contexto, da forma como hoje é entendido no interior da
Linguística Textual abrange (...) não só o co-texto, como a
situação de interação imediata, a situação mediata (entorno
sócio-político-cultural) e também o contexto sociocogni-
tivo dos interlocutores que, na verdade, subsume os demais.
Ele engloba todos os tipos de conhecimentos arquivados na
memória dos actantes sociais, que necessitam ser mobiliza-
dos por ocasião do intercâmbio verbal (...): o conhecimento
linguístico propriamente dito, o conhecimento enciclopé-
dico (...), o conhecimento da situação comunicativa e de suas
“regras” (situacionalidade), o conhecimento superestrutural
(tipos textuais), o conhecimento estilístico (...), o conheci-
mento sobre os variados gêneros adequados às diversas práti-
cas sociais, bem como o conhecimento de outros textos que
permeiam nossa cultura (intertextualidade).

Kronka (2003) assevera que analisar os elementos de linguagem a partir


desse ponto de vista seria buscar sentidos perpetrados na interação de uma
atividade sociocomunicativa a partir de um contexto essencialmente socio-
cognitivo, o que leva a concluir que o sentido de um texto é, portanto, cons-
truído na interação texto-sujeitos (ou texto –co-enunciadores) e não algo que
preexista a essa interação.
Em outras palavras, o sentido se move entre texto e leitor, nos conhe-
cimentos divididos entre produtor e receptor e acionados na atividade inter-

–  65  –
Estudos Linguísticos e Variação

pretativa. A Análise do Discurso, por outro lado, situa-se na relação da lin-


guagem com sua exterioridade. A língua diferencia-se pela indeterminação
dos sentidos, o que resulta numa concepção de linguagem não transparente.
Contudo, podemos afirmar também que para a Análise do Discurso não
interessa o sujeito que ora está centrado no eu e ora está centrado no tu, mas
sim o sujeito que considera a relação que há entre tais pessoas.
Segundo Brandão (2004), “para a análise do discurso é essa concepção de
sujeito [...] que vai ocupar o centro de suas preocupações atuais; para ela, o cen-
tro da relação não está nem no eu nem no tu, mas no espaço discursivo criado
entre ambos. O sujeito só constrói sua identidade na interação com o outro”.
Ao apresentar a noção de sujeito para a Análise do Discurso, já pode-
mos afirmar que é um fator de diferenciação das demais áreas da Linguística.
Assim como também o é a noção de contexto. Ao discutirmos contexto no
âmbito da Análise do Discurso, pressupomos a prerrogativa de apresentarmos
as condições de produção do discurso, no entorno, no momento em que esse
discurso é produzido, recepcionado e interpretado.
Para a Análise do Discurso o contexto é tão importante quanto o texto.
Como afirma Maingueneau (1996),
“a análise do discurso (...) não
estuda de maneira imanente os
enunciados para, em seguida, os
relacionar com diversos parâmetros
“exteriores”, situacionais: a análise
esforça-se, pelo contrário, por con-
siderar o discurso como uma ativi-
dade inseparável desse “contexto”.
Shutterstock.com/VLADGRIN

O sentido constrói-se, então,


nas relações interdiscursivas, a par-
tir de cadeias intertextuais, o que
pressupõe o diálogo com textos que
antecedem o momento da interação
enunciativa. A esse respeito, Kronka
(2003) afirma que
Sentido do discurso
–  66  –
O Discurso

[...]dizer que o sentido não pré-existe (à interação sociocomu-


nicativa e/ou à prática interdiscursiva) é dizer que as palavras/
expressões da língua podem ter diversos significados e todos
ao mesmo tempo. O discurso seria um instrumental para
atribuir um sentido específico. Não é o discurso que abre
sentidos, como se pensa correntemente. É, na verdade, a lín-
gua que abre sentidos. O trabalho discursivo é um trabalho
de fechamento dos sentidos; consiste em tomar algo que é
relativamente indeterminado e torná-lo determinado a partir
de uma certa sequência sintagmática e de um certo contexto
sócio histórico. A Análise do Discurso, por sua vez, seria um
trabalho de atenção a sentidos possíveis, com o objetivo de
mobilizar sentidos não aparentes, não explícitos, silenciados.

Finalizaremos nossa discussão a respeito da Teoria do Discurso e da Aná-


lise do Discurso apresentando dois trechos de textos ­muitíssimo interessantes
e que deverão ser lidos na íntegra. Ambos tratam da relação do ser humano
com a palavra, ou seja, simplistamente falando, com o discurso. O primeiro
deles é Texto e Discurso, de Eni Puccinelli Orlandi. O segundo é parte do
texto A filosofia da linguística e a crise no paradigma científico: contri-
buições Saussurianas e Bakhtianas, de Fabrício César de Oliveira.

Texto e Discurso
Eu começaria por dizer que o texto é uma peça de linguagem, uma peça que repre-
senta uma unidade significativa.
Não hesitaria, como aliás tenho feito há anos nos meus cursos de Introdução à
Análise de Discurso, em começar a reflexão partindo de M. A. K. Halliday na enfatização
de ser o texto a unidade primeira. Para ser texto, diz ele (1976), é preciso ter textualidade.
E a textualidade é função da relação do texto consigo mesmo e com a exterioridade. Mas,
embora as inversões que ele propõe (texto>sentenças; sentido>dizer, etc.) sejam muito a
meu gosto, a exterioridade não tem em Halliday nem a mesma natureza, nem o mesmo
estatuto que tem na análise de discurso (E. ORLANDI, 1992).
Passando, pois, para a minha filiação teórica específica, eu diria que as palavras não
significam em si. É o texto que significa.
Quando uma palavra significa é porque ela tem textualidade, ou seja, porque a sua
interpretação deriva de um discurso que a sustenta, que a provê de realidade significativa.
É assim que, na compreensão do que é texto, podemos entender a relação com o
interdiscurso, a relação com os sentidos (os mesmos e os outros).

–  67  –
Estudos Linguísticos e Variação

Mas posso chegar mais perto daquilo que é minha proposta na análise da
linguagem: o texto é um objeto histórico. Histórico aí não tem o sentido de ser o
texto um documento, mas discurso. Assim, melhor seria dizer: o texto é um objeto
linguístico-histórico. É a partir dessa definição que tenho procurado entender o que é
o texto para a análise de discurso francesa.
Acho interessante aproveitar esta oportunidade para explicitar melhor o que é o
(linguístico) histórico para o analista de discurso.
Afirmando que seria um erro considerar a análise de discurso, tal como ele a
concebe, simplesmente como o exercício de uma nova linguística livre dos precon-
ceitos da linguística tradicional, M. Pêcheux (1975) dirá que o discurso introduz um
descentramento na própria linguística. Esta mudança, portanto, não reside, como ele
diz (id.), num outro modo de abordar seu objeto, dentro de novas necessidades impos-
tas pela pesquisa, etc. A especificidade da análise de discurso está em que o objeto a
propósito do qual ela produz seu resultado não é um objeto linguístico, mas um objeto
socio-histórico onde o linguístico intervém como pressuposto. Há, pois, diz ainda
ele (ibid.), um efeito de separação-clivagem entre a prática linguística e a análise de
discurso. Segundo Pêcheux é, pois, abuso de linguagem o uso do termo linguísticado
discurso para designar, de fato, uma linguística dos textos quando ela ultrapassa o
domínio da análise da frase, muitas vezes recoberta, por outro lado, pela expressão lin-
guística da fala. A análise concreta de uma situação concreta pressupõe que a materiali-
dade discursiva em uma formação ideológica seja concebida como uma articulação de
processos (PÊCHEUX, ibid.). A este respeito, Pêcheux remete à observação de P. Fiala
e C. Ridoux (1973, p.45): o texto — diríamos o discurso — não é um conjunto de
enunciados portadores de uma, e até mesmo várias significações. É antes um processo
que se desenvolve de múltiplas formas, em determinadas situações sociais.
Se estas considerações nos colocam já em situação de compreender a natureza do
social, que é levado em conta na análise de discurso, outras observações se impõem a
fim de tornar mais preciso esse campo de distinções. Essas observações dizem respeito
ao fato de que, na AD (análise de discurso da escola francesa), tenho preferido falar
não em história mas em historicidade do texto.
Ao longo de meu trabalho tenho colocado já repetidas vezes que um texto, do
ponto de vista de sua apresentação empírica, é um objeto com começo, meio e fim,
mas que se o considerarmos como discurso, reinstala-se imediatamente sua incom-
pletude. Dito de outra forma, o texto, visto na perspectiva do discurso, não é uma
unidade fechada — embora, como unidade de análise, ele possa ser considerado uma
unidade inteira — pois ele tem relação com outros textos (existentes, possíveis ou ima-
ginários), com suas condições de produção (os sujeitos e a situação), com o que cha-
mamos sua exterioridade constitutiva (o interdiscurso: 113 a memória do dizer). (...)
ORLANDI, Eni Puccinelli. Texto e Discurso. Disponível em: <http://www.seer.
ufrgs.br/organon/article/download/29365/18055> . Acesso em: 28 maio 2015.

–  68  –
O Discurso

A filosofia da linguística e a crise no paradigma científico: contribuições Saus-


surianas e Bakhtianas
(...)
Contudo, em meio à história e à língua, o único ser que vive em diálogo com ambas
é o ser humano. Aristóteles foi mais além, dizendo: “Único entre todos os animais, o homem
possui a palavra” (Aristóteles, Livro I da Política).
Mesmo que a invenção do alfabeto tenha sido e continue sendo uma das maio-
res criações da humanidade, não é o alfabeto que simplesmente coloca o homem como
único; mas sim a posse da palavra (interativa, ideológica, valorativa e sígnica), pois antes
da normatização do registro o homem já se manifestava de maneira ímpar no mundo (já
havia, antes do alfabeto ou mesmo da escrita, variadas manifestações de língua, distintivos
grupos sociais e disputas ideológicas pelo valor dos signos).
Entretanto, não se nega que a invenção da escrita surgiu para afirmar a posição
de destaque do Homo sapiens na escala evolutiva dentre os seres vivos. Podendo o ser
humano, então, ver-se capaz de produzir história, registrar memórias, construir heranças,
erguer sociedades heterogêneas em regiões (a)diversas com apenas uma centelha tribo
luminescente: o signo. No topo da escala evolutiva e com os textos em mãos, o homem
segue criando as duas irmãs gêmeas - história e língua - muitas vezes confundidas, porém
sempre distintas e complementares.
O que o homem faz com a língua e com a história é o que o diferencia. É o que
o torna animal sócio-político-histórico, ou seja, ideológico. O homem encarado como
biofísico concretiza o existir, porém o que o faz dessemelhante é o cogito cartesiano (o
duvidar), é a dialogia do psicossocial.
OLIVEIRA, Fabrício César. A filosofia da linguística e a crise no paradigma cientí-
fico: contribuições Saussurianas e Bakhtianas. Disponível em: <http://www.letras.ufscar.
br/linguasagem/saussure/004.php>. Acesso em 21 maio 2015

–  69  –
5

Divisões da Linguística

a coisa não está nem na partida e nem na che-


gada, mas na travessia.
(Guimarães Rosa)

Como nos propusemos a apresentar um livro com os conteúdos


relativos aos Estudos Linguísticos e Variação, não podemos nos
abster de apresentar, neste livro, as áreas mais comuns do estudo
da linguagem.
Veremos algumas delas, a saber: fonética; fonologia; morfologia;
sintaxe; semântica e pragmática.
Queremos salientar que tais estudos aqui apresentados serão
apenas recortes dessas “divisões” da linguística, uma vez que muitos
deles serão estudadas com profundidade em outros períodos do seu
percurso acadêmico.
Estudos Linguísticos e Variação

5.1 Fonética e Fonologia


Se existe alguma coisa com o qual todos os linguistas
concordam, é que há uma diferença entre a represen-
tação fonológica e a representação fonética de um mes-
mo enunciado.
(JOSÉ BORGES NETO, 2004)

Conforme Silva ( 2011 ), “No início do século XX, Trubetzkoy (1949)


propôs a instituição de duas ciências dos sons da linguagem, sendo uma

Shutterstock.com/ jesadaphorn
voltada ao ato de fala (Fonética) e outra, à
língua (Fonologia), cada qual com objetivos
diferentes de trabalho”.
Distinguindo-a de forma genérica,
Fonética é uma especialidade descritiva, pois
faz a descrição do som real proferido pelo
falante (som da fala), em especial as particu-
laridades de pronúncia.
Já a Fonologia interpreta os resultados proporcionados pela transcrição
Fonética, ocupando-se do som ideal, abstrato, acima das diferenças indivi-
duais de pronúncia. Enfim, a Fonologia estuda o som que tem determinada
função na língua. Sendo interpretativa, essa ciência sempre pressupõe o tra-
balho do foneticista.
Silva (2011) ainda afirma que a Fonética relaciona-se com a fala por
descrever as particularidades dela e a Fonologia relaciona-se com a língua
por descrever um sistema compartilhado por todos (a organização sistemática
global dos sons da língua).
Conclui asseverando que Fonética e Fonologia correspondem, respecti-
vamente, à dicotomia fala e língua. Nos termos de Hjelmslev (1975), Foné-
tica equivaleria à substância do plano de expressão; Fonologia, à forma do
plano de expressão.
A Fonética ocupa-se da parte significativa do signo e, portanto, estuda
todos os sons possíveis de serem produzidos pelo aparelho fonador humano.
Os estudos fonéticos fornecem o material indispensável para a descri-
ção fonológica.

–  72  –
Divisões da Linguística

Sendo a fala um circuito que supõe sempre um falante e um ouvinte, a


fonética pode ser encarada do ponto e vista da produção ou articulação dos
sons ( fonética articulatória) e do ponto de vista da percepção dos sons (foné-
tica acústica). Tanto uma como a outra pode ser geral ou especial. A primeira
ocupa-se das possibilidades articulatórias do aparelho fonador humano e/ou
da possibilidade física e da percepção dos sons; a segunda preocupa-se com a
descrição fonética de línguas particulares.
De acordo (Silva, 1999, p. 17) a Fonética se divide em três áreas:
a) Fonética articulatória: a maneira como os sons são pro-
duzidos, ou seja, os movimentos do aparelho fonador na
produção dos sons;
b) Fonética acústica: a maneira como o som é transmitido,
isto é, as propriedades físicas (acústicas) dos sons que se
propagam através do ar;
c) Fonética auditiva: como eles são percebidos pelo ouvido.

A Fonética, então, tem como foco de interesse a produção, a transmissão


e a percepção dos sons. A fala é produzida durante a expiração do ar, embora
existam também sons produzidos durante a inspiração.
Cagliari (1981, p. 12) nos apresenta processos envolvidos na produção
do som:
a) aerodinâmico: sistema respiratório, com os sons ejecti-
vos, quando a corrente de ar é egressiva, e os implosivos,
quando há inspiração do ar;

b) neurolinguístico: codificação da língua ainda na mente,


como preparação ao que será pronunciado;
c) fonatório: modo como o ar é “excitado acusticamente” ao
passar pela cavidade glotal;
d) articulatório: o movimento da língua na cavidade oral;
e) acústico: estuda a propagação do som;
f ) auditivo: como se dá a percepção no ouvido.

Todos esses processos, interdependentes, são indispensáveis à fala. Des-


taca-se, contudo o processo aerodinâmico, pois a corrente de ar é o principal
elemento formador da fala humana.

–  73  –
Estudos Linguísticos e Variação

Deve-se deixar claro que o que conhecemos, ou o que ouvimos falar


sobre “aparelho fonador”, responsável pela produção da fala, é na verdade um
conjunto anatômico que combinados têm a finalidade de produzir o som. E
a fala é, normalmente, o resultado dessa produção.
De acordo com Cagliari (1981, p. 9), esse conjunto anatômico é for-
mado por:
a) parte respiratória: estrutura do processo de respiração,
como pulmões, brônquios, traqueia, etc.;
b) parte fonatória: a laringe e cordas vocais;
c) parte articulatória: cavidades supraglotais (elementos
situados acima da glote, como língua, cavidades bucais e
nasofaringal, lábios, velo, etc.).

Saiba mais
Transcrição fonética

Pronúncia é a maneira como um som é falado. A


tarefa da transcrição fonética é registrar de forma exata
as particularidades de uma determinada pronúncia. Na
transcrição fonética, os segmentos aparecem dentro de
colchetes, fazendo uso do apóstrofo para mostrar o
acento tônico da pronúncia. Ex.: eslavo [iz’lavu].

–  74  –
Divisões da Linguística

A única forma de representar a pronúncia sui generis


de cada falante foi dada pelos símbolos do IPA (Inter-
nationalPhoneticsAssociation). Com as iniciativas de
Paul Passy, professor de inglês na França, e seu discípulo
inglês Daniel Jones, o IPA foi criado, no final do século
XIX, com base no princípio acrofônico. Nele, o som
(S1) é representado por um símbolo (S2), e o símbolo é
representado por um som:
S¹ (possibilidades articulatórias do homem) ↔ S2 (mar-
cas e diacríticos)
Com a instituição do IPA, foi possível representar com
exatidão a pronúncia de qualquer língua, com todas as
possibilidades articulatórias do homem.
A Fonética, por tratar de fenômenos físicos, tem como
unidade o fone ou segmento de fala (realização concreta
do fonema). Mas, embora se fale em fone, ele não é
a unidade mínima da Fonética (...) sua unidade mínima
são os traços distintivos (sonoridade, modo e ponto de
articulação).
SILVA, Fernando Moreno da. PROCESSOS FONO-
LÓGICOS SEGMENTAIS NA LÍNGUA PORTU-
GUESA.
In: Littera On-Line, Número 04 - 2011 Departamento de
Letras, UFM.

5.2 Morfologia e Sintaxe


Tradicionalmente Morfologia e a Sintaxe são respectivamente os domí-
nios da palavra e da frase.
Antes de iniciarmos o estudo de cada uma dessas áreas propriamente
ditas, cabe-nos destacar o que entendemos por frase e palavra.

–  75  –
Estudos Linguísticos e Variação

Consideramos frase todo enunciado linguístico em que se transmite uma


ideia. Ela pode ser composta de uma palavra ou várias, mas essas precisam
constituir um enunciado de sentido completo.

Shutterstock.com/Rawpixel
Comunicação

A frase se define pelo propósito de comunicação, e não pela sua exten-


são. O conceito de frase, portanto, abrange desde estruturas linguísticas
muito simples até enunciados bastante complexos.
Em relação à palavra, Margarida Basílio (2009) apresenta que a palavra,
entendida como uma unidade lexical, é uma sequência fônica e se associa de
modo relativamente estável a:
a) um significado ou conjunto de significados;
b) um conjunto de propriedades sintáticas;
c) um conjunto de propriedades morfológicas; e
d) um conjunto de determinações de uso.
Complementa afirmando que na Gramática Tradicional o conceito de
palavra não é colocado em questão, o que é natural, pois no modelo clássico
de descrição gramatical, posteriormente denominado Palavra e Paradigma, a
palavra é a unidade mínima de análise linguística.

–  76  –
Divisões da Linguística

Shutterstock.com/ SuriyaPhoto
O uso das palavras

A definição de palavra, segundo Bloomfield (1970, é a de que palavra é


a forma livre mínima: uma forma que pode ocorrer isoladamente, por si só
constituindo um enunciado, e não podendo ser totalmente subdividida em
formas livres.

5.2.1 Morfologia
Afirmamos no início desse subcapítulo que a palavra está sob o domínio
da Morfologia.
Etimologicamente, a palavra morfologia vem do grego, morfhê, ‘forma’;
e logos, ‘estudo’, ‘tratado’. Ou seja, na origem, morfologia é o estudo da forma
e, no caso da linguística, a forma das palavras.
E por tratar de formas, ocupa-se das condições de estruturação da parte
significativa dos signos e das regras que determinam variações de significan-
tes. Segundo Borba (2007), esse enfoque parece muito genérico, mas é uma
maneira de enfatizar o caráter fônico da morfologia. Assim, da combinatória
fônica é que resultam os padrões morfológicos: os fonemas se combinam em
sílabas para formar os morfemas, que são unidades de primeiro nível.
Se se admite que as unidades básicas da morfologia –os morfemas- são
aquelas formas significativas mínimas que só têm estatuto linguístico quando
combinadas com outras, então se pode afirmar que o campo de ação da mor-

–  77  –
Estudos Linguísticos e Variação

fologia é o estudo das formas presas procurando determinar como elas estru-
turam unidades maiores e como aí atuam.
Nesse sentido, a importância dos estudos morfológicos varia conforme o
tipo de estrutura linguística que está descrevendo.
Compete-nos destacar que, em linguística, Morfologia é o estudo da
estrutura, da formação e da classificação das palavras. A particularidade
da morfologia é estudar as palavras olhando para elas isoladamente e não
dentro da sua participação na frase ou período. A morfologia está agrupada
em dez classes, denominadas classes de palavras ou classes gramaticais. São
elas: Substantivo, Artigo, Adjetivo, Numeral, Pronome, Verbo, Advérbio,
Preposição, Conjunção e Interjeição.
A seguir apresentamos um pequeno trecho de uma entrevista que Mar-
garida Basilio, professora e doutora em Linguística, realizou no ano de 2009,
em que formalizou algumas de suas concepções sobre a morfologia:

(...) Tradicionalmente se define a Morfologia como a parte da gramática que estuda


a palavra do ponto de vista da forma. Entretanto, é necessário especificar os termos centrais
palavra e forma, ambos altamente indeterminados, além de comuns à linguagem técnica e
à linguagem cotidiana e cambiantes, em diferentes visões do fenômeno linguístico.
Se considerarmos, por exemplo, a gramática clássica, a morfologia se concentra na
flexão; o objeto de estudo seria o paradigma ou esquema de variações de forma da palavra
na expressão de categorias gramaticais.
No século XIX, a palavra deixa de ser a unidade mínima de análise linguística; a
comparação de elementos gramaticais como suporte a hipóteses de relação genética entre
línguas favorece a adoção de um modelo de descrição que reconhece formativos como
raiz e desinência.
O estruturalismo herda esta situação de desmembramento da palavra, sendo, por-
tanto, natural o estabelecimento do morfema como unidade básica da morfologia. O
objeto de estudo da morfologia no estruturalismo é, portanto, o morfema, e seus padrões
de combinação, no modelo IA.
Em consequência, a palavra passa a ser menos relevante, ou mesmo questionável
como unidade estrutural, ainda que Bloomfield proponha uma definição de palavra de
crucial relevância na metodologia de análise descritiva.
Saussure problematiza o escopo da Morfologia de um outro ângulo, ao condenar
a não inclusão da lexicologia no âmbito da gramática, juntamente com a morfologia

–  78  –
Divisões da Linguística

flexional; por outro lado, considerando como do âmbito da morfologia a determinação


de classes de palavras e formas de flexão, duvida que esta possa constituir uma disciplina
distinta da sintaxe. Saussure explicita, ainda, os aspectos concretos e abstratos da pala-
vra, e ressalta as dificuldades de delimitação.
Uma maior reviravolta no tema surge no gerativismo: nada mais radical do que a
total eliminação da morfologia e, portanto, do seu objeto de estudo enquanto tal, nos
primeiros momentos do gerativismo.
Mas, mesmo quando instaurada a possibilidade de um componente morfológico na
versão original da Hipótese Lexicalista, ainda assim o objeto de estudo da morfologia na
Teoria Gerativa apresentará uma diferença fundamental em relação a abordagens anteriores,
na medida em que este objeto se desloca da forma externa para o conhecimento interno,
correspondente à capacidade de identificação de formas lexicais estruturalmente legítimas.
O objeto de estudo da Morfologia no gerativismo não é a forma concreta das pala-
vras, mas a representação do conhecimento lexical, através de regras que, numa primeira
fase, representam relações lexicais e, posteriormente, determinam objetos morfológicos.
Mais recentemente, no enfoque da Morfologia Distribuída, a morfologia volta
a ser dominada pela sintaxe. O morfema pode ser considerado novamente a unidade
básica, mas a relevância maior é atribuída ao feixe de traços formais nos quais a inserção
de traços fonológicos pode ser tardia.
Assim, temos um retorno à situação do estruturalismo e das primeiras fases do
gerativismo, em que a palavra se torna questionável como unidade básica da morfo-
logia.Talvez possamos dizer, então, que o objeto de estudo da morfologia oscila entre
duas possibilidades:
1. a palavra: na gramática clássica, e, portanto, na tradição gramatical, a mor-
fologia estuda a palavra e seu paradigma de variações de forma, na expressão
de categorias flexionais; no gerativismo lexicalista, o objeto da morfologia é a
palavra enquanto item lexical estruturado por padrões ou produto de regras
de formação de objetos morfológicos.
2. os elementos constituintes da palavra: no método comparativo, estes consti-
tuintes (raízes, desinências) são concretos; no estruturalismo, estes elementos
(os morfemas) são sobretudo concretos, mas também abstratos, como meios
de expressão de propriedades gramaticais; na Morfologia Distribuída, os mor-
femas são fundamentalmente abstratos, consistindo sobretudo em feixes de
traços formais.(...)
BASÍLIO, Margarida M. P. Morfologia: uma entrevista com Margarida Basílio.
ReVEL. Vol. 7, n. 12, março de 2009. ISSN 1678-8931 [www.revel.inf.br].

–  79  –
Estudos Linguísticos e Variação

5.2.2 Sintaxe
Enquanto a palavra está sob o domínio da Morfologia, compete à Sin-
taxe o domínio da frase.
A Sintaxe trata das relações que as unidades contraem no interior do
enunciado. Seu ponto de partida é, então, a combinatória de formas livres,
que segue dois princípios fundamentais: a sucessão e a linearidade, ou seja, as
unidades se sucedem umas após as outras numa linha temporal.
Podemos então, afirmar agora que a sintaxe constitui a teoria geral da
frase: é parte da gramática que trata da disposição das palavras na frase e
constitui tópico crucial nos processos da alfabetização e do letramento, desde
que respeitados os objetivos de suas diversas perspectivas.
Apresentaremos agora algumas ponderações em relação à sintaxe, todas
relacionadas com o modelo teórico em que ela é estudada.
Comecemos com a Sintaxe Tradicional. Segundo Nicola (2010) esta for-
nece a amostra do uso adequado da “norma culta” (daí seu caráter normativo)
e idealiza a frase como uma sequência de palavras, autônoma de sentido.
Com foco na frase, identifica as relações entre as palavras e as funções exerci-
das por elas.
Já a Sintaxe Gerativa apresenta-se como autônoma, e sua denomina-
ção se confunde com a do modelo ( Teoria Gerativa, Gramática Gerativa),
posto que concebe a língua como conhecimento erigido a partir da faculdade
da linguagem (propriedade da mente humana) e, portanto, uma atividade
mental; nesse modelo, a sintaxe, componente central, agrupa os mecanismos
gramaticais subjacentes ao mencionado conhecimento (competência linguís-
tica), que o falante ativa ao reconhecer, construir e interpretar as frases da lín-
gua (desempenho linguístico); explicitar tais mecanismos é a preocupação da
Sintaxe, que adota como objeto a competência e, também, trata da frase sob
um abordagem que se priva da preocupação com a contextualização social da
produção das estruturas linguísticas.
A Sintaxe Funcional é disciplina independente, que idealiza a língua como
instrumento de interação social, tendo como componentes centrais o discurso
e a semântica; essa sintaxe analisa as estruturas linguísticas e suas co-relações,
mas focando de que forma a língua representa as categorias sociais e cognitivas

–  80  –
Divisões da Linguística

em sua estrutura gramatical; a Sintaxe Funcional procura também identificar os


processos subjacentes às estruturas gramaticais assumindo como objeto a com-
petência comunicativa, ou seja, enfocando os usos linguísticos, compreendidos
como produção, socialmente contextualizada, das estruturas linguísticas.
Por último, mas não menos importante, Nicolau (2010) apresenta ainda
a Sintaxe Estrutural, que se originou com os estudos de Saussure, e tem como
princípio a concepção de língua como “uma estrutura composta de diferentes
hierarquias”, focalizando a frase na busca de suas unidades (sintagmas), que
se relacionam entre si (relações sintagmáticas) e hierarquicamente organiza-
das. Os adeptos da Sintaxe Estrutural assumem que seu modelo de sintaxe
trata da língua sem se preocupar com a situação social em que as estruturas
linguísticas são produzidas.
A seguir apresentamos um trecho do artigo Tópicos Linguísticos: Sintaxe
em Libras, de Magno Pinheiro de Almeida e Miguél Eugenio Almeida, escrito
em 2013. Recomendamos que vocês o leiam inteiro, principalmente quem
deseja conhecer um pouco mais em relação à sintaxe de Libras:

Tópicos Linguísticos: sintaxe na Libras Shutterstock.com/


Vladimir Mucibabic

Pessoas surdas conversando por meio da linguagem de sinais

Sintaxe: conceito geral


Conforme com o Dicionário Michaelis (1998), a palavra sintaxe (x soa com ss), do
grego syntaxis(prefixo grego syn(que corresponde ao nosso prefixo com e indica simul-
taneidade, junção) + o substantivo táxys(ordem, ordenação)), é a parte da gramática que

–  81  –
Estudos Linguísticos e Variação

ensina a dispor as palavras para formar as orações, as orações para formar os períodos
e parágrafos, e estes para formar o discurso.
A sintaxe é a parte da gramática que se preocupa com os
padrões estruturais, com as relações recíprocas dos termos
nas frases e das frases entre si, enfim, de todas as relações
que ocorrerem entre as unidades linguísticas no eixo sin-
tagmático (aquela linha horizontal imaginária). (SATU-
TCHUK, 2004, p. 35).
Então, as frases não são apenas um amontoado de palavras sem nexo, e sim, um
conjunto articulado de frases que se relacionam e se organizam numa sequência lógica
para se tornarem coesas e compreensíveis. Mas na libras, como funcionam? Pensando
nisso, focaremos a estrutura da frase e o uso de marcadores não manuais (expressões
faciais, movimentos dos olhos, corpo) que são a chave importante para a construção
de sentido nas frases em libras.
Quadros e Karnopp (2004) pontuam que a comunicação humana pode ocorrer
de diversas maneiras, sem que recorramos à linguagem verbal (falada ou sinalizada).
Entretanto, são as leis sintáticas que elegem certas construções em uma determinada
língua a serem aceitas ou não.
As leis sintáticas de uma língua funcionam como uma espécie de guardião da
inteligibilidade da superfície linguística de um texto, pois são o elemento gerador e
disciplinador das unidades linguísticas que compõem as frases desse texto. É a sintaxe,
sem dúvida, o princípio construtivo e mantenedor da identidade da língua e, como
tal, tem sua importância alçada a de assegurar a própria capacidade comunicativa dos
textos. (SAUTCHUK, p. 36)
(...)
Revista Philologus, Ano 19, N° 55. Rio de Janeiro: CiFEFiL,
jan./abr. 2013 – Suplemento.

5.3 Semântica e Pragmática


Borba (2007) assevera que, ao entender, de um modo bem amplo, a
significação ou sentido como possibilidade de interpretação, facilmente se
perceberá que toda atividade social é produtora de significações uma vez que
a todo momento estamos sendo chamados a interpretar (entender, avaliar,
reagir) as mais diversas situações da vida comunitária.
A significação é veiculada por signos e, portanto, a vida social está
impregnada deles. Sabendo-se que os signos só são significativos porque

–  82  –
Divisões da Linguística

fazem parte de conjuntos organizados, então a atividade social produz siste-


mas de signos para veicular os sistemas de significações em geral, e bem assim,
os sistemas de signos.
Vimos, no capítulo 3 deste livro, que o signo linguístico pode ser defi-
nido pela união de um conceito e uma imagem gráfica/acústica. E da união
entre significante e significado temos o signo linguístico. Desta feita, qualquer
palavra, em qualquer língua, que possua um sentido, é um signo linguístico.
Araujo (2007) assevera que:
Semântica e Pragmática são diferentes domínios da linguística,
o que não implica defender que uma ou outra basta para dar
conta da linguagem. Elas podem e devem ser analisadas em
seus próprios termos, suas funções são distintas. Significação,
sinonímia, inteligibilidade de uma frase de um lado, e contexto
de uso, recursos do discurso de outro, são particularidades, res-
pectivamente, de cada um dos níveis. Porém no uso linguís-
tico, esses níveis caminham juntos, por vezes se imbricam;
a compreensão do dito (semântica) e a leitura do que é dito
(pragmática) a alguém, através de um ato de fala, são duas faces
da mesma moeda, são complementares e imprescindíveis para
a significação e para a comunicação linguística.

Em relação a essas duas áreas da Linguística, a Semântica e Pragmática,


que são próximas, mas ao mesmo tempo apresentam-se tão diferenciadas,
cabe-nos destacar que a linguagem é instituída por aspectos semânticos e prag-
máticos, os quais se imbricam e dependem um do outro.

Saiba mais
As dimensões de estudo da linguagem são três: sintática,
semântica e pragmática. A sintática diz respeito às
relações formais entre os signos, independentemente de
seus significados. Dizer “um círculo rendonda” é cometer
um erro sintático, porque, independentemente de que
“redondo” seja ou não um qualificativo apropriado para
“círculo”, o fato de este vir no masculino deveria implicar
que aquele também viesse. A semântica diz respeito às
relações entre os signos e seus significados. Dizer “um

–  83  –
Estudos Linguísticos e Variação

círculo quadrado” é cometer um erro semântico, porque,


embora, sintaticamente, o qualificativo esteja agora
no gênero correto, semanticamente “quadrado” não é
apropriado para “círculo”. A pragmática diz respeito
às relações entre os signos e seus usuários, os falantes.
Responder “É verdade” para quem disse “A porta ficou
aberta” é cometer um erro pragmático, porque, naquele
contexto, a frase não era uma declaração do que havia
acontecido à porta, e sim um pedido para fechá-la, cuja
resposta apropriada seria a ação correspondente. Assim,
pragmática é a dimensão do estudo da linguagem que se
ocupa das relações entre os signos e seus usuários em
contexto concretos de uso.
André Coelho (2010) Disponível em http://aquitemfilosofia
sim.blogspot.com.br/2010/01/o-que-e-pragmatica-
linguistica.html. Acesso em: 21 maio2015.

5.3.1 Semântica
Podemos conceituar Semântica como a ciência que estuda o significado
de uma língua a partir de seu uso, em outras palavras, o modo como podemos
relacionar significante e significado.
Segundo Pires (2011), “a Semântica estuda o que é que sabemos que nos
permite interpretar qualquer sentença (ou discurso) da nossa língua.”
De uma forma bem simplificada, asseveramos que a Semântica procura
descrever o significado das palavras e das sentenças; estuda e esmiúça o sen-
tido no e do linguístico.
Borges, Pires e Muller (2012) certificam, em relação à semântica:
A semântica das línguas naturais é um empreendimento cien-
tífico, um projeto coletivo que visa entender o fato de que
nós, humanos, temos a capacidade de interpretar qualquer
sentença da nossa língua, que adota uma metalinguagem
lógico-matemática. Se as línguas humanas são efetivamente

–  84  –
Divisões da Linguística

semelhantes às linguagens lógicas é um ponto de divergentes


opiniões. Noam Chomsky (1955, 1980, 1982, 1990), por
exemplo, já manifestou seu ceticismo várias vezes.

Exibiremos a seguir parte de um artigo que se propõe a apresentar Teo-


rias Semânticas. Foi escrito por Nauria Inês Fontana em 2004.
A autora principia seu artigo explicando que pretende apresentar uma
visão de teorias semânticas a partir da exclusão de Saussure da noção de refe-
rente, do mundo do sujeito e da história. Segundo Fontana, Saussure trata
a linguagem como um percurso só interno, para ele a linguagem expressa o
pensamento e por isso a linguística devia limitar-se ao estudo da língua em si
mesma e por si mesma e excluir os outros componentes da comunicação que
não o próprio código. Ela se propõe, então, expor outras teorias semânticas
que buscam repor tudo o que Saussure excluiu no estudo da linguagem.
É mais um artigo que valerá ler na íntegra:

Lógica Formal
Frege
O sentido de uma frase é algo que se modifica, quando partes dela são substituídas
por outras com outro sentido, mas com a mesma referência, em que a referência é consi-
derada como sendo a circunstânciada frase ser verdadeira ou falsa.
O valor de verdade de uma frase é que é sua referência, pois passamos do plano do
sentido para o plano do que é objetivo.O significado de uma sentença pode ser estabele-
cido através da análise de seus elementos constituintes, da contribuição do sentido e da
referência das partes ao todo da sentença.
Analisa-se a estrutura e seus elementos constitutivos, isto é, o nome e o predicado,
o sentido e a referência.O sentido de um enunciado linguístico é o que ele representa do
mundo, dos objetos, de um estado de coisas
Análise Conversacional
Grice
Grice pensou os sentidos diferente do que os lógicos e usou as máximas conver-
sacionais – relevância, quantidade, qualidade e modo- , para colocar o sentido como
intenção do sujeito.Segundo o autor, o bom funcionamento da comunicação exige que
seja respeitado um princípio de cooperação, assim, em regra geral, os participantes de
uma troca verbal reconhecem um objetivo comum, ou um conjunto de objetivos, ou pelo

–  85  –
Estudos Linguísticos e Variação

menos uma direção aceita por todos. Uma formulação qualquer constrói a simulação de
um raciocínio do ouvinte a partir do enunciado dito pelo locutor. Em Grice reaparece o
mundo das coisas como existente que dá à linguagem o que ela significa e procura repor
a questão do sujeito.
Atos de Fala
Austin
O ponto central da concepção de Austin e sua principal contribuição é a ideia
de que a linguagem deve ser tratada essencialmente como uma forma de ação e não de
representação da realidade. O significado de uma sentença deve ser estabelecido pelas
condições de uso da sentença que determinam seu significado, em uma teoria da ação.
Analisam-se as condições sob as quais o uso de determinadas expressões linguísticas pro-
duzem certos efeitos e consequências em uma dada situação. Divide a enunciação em três
atividades:
a) locucional – dividida em três atos – produzir sons – vocábulos empregá-los
num sentido determinado;
b) perlocucional – a fala implica a produção de algum efeito;
c) ilocucional – fazer algo quando se diz algo.
Deste modo, Austin revê a oposição constativo/performativo, em que a relação dos
performativos com os fatos não é tão objetiva quanto a relação dos constativos com os
mesmos, diluindo essa dicotomia na teoria dos atos de fala, em que usar a língua é sempre
um ato, é sempre fazer algo com palavras.
Searle
Vê como equivalentes a realização dos atos de linguagem e a significação das frases
usadas para realizar tais atos. Segundo ele, há três tipos de atos de linguagem:
a) enunciar palavras – ato de dizer ou ato de enunciação;
b) referir e predicar – atos de referência e de predicação ou atos proposicionais;
c) afirmar, perguntar, prometer, etc. – atos ilocucionais que engajam o locutor com
relação ao que diz na frase.
Searle considera a linguagem como uma forma de comportamento regida por
regras. Falar é comportar-se de um certo modo.
Teoria da Enunciação
Busca romper a barreira do fechamento do sistema pelo estudo da significação,
de modo geral, e mais particularmente, pelo estudo da subjetividade na língua. Con-
ceitua a enunciação como uma relação do locutor com a língua, que se apropria dela
colocando-a em funcionamento. Trata-sede um sujeito capaz de apropriar-se dela e

–  86  –
Divisões da Linguística

fazê-la significar. Para Benveniste, enunciado é o segmento linguístico realizado,


o produto do ato de fala e enunciação é o processo, a atividade que propiciou a
realização do enunciado.
Ducrot
Nele um argumento não é uma prova para algo, mas uma razão que é dada ao
interlocutor para aceitar uma conclusão. A linguagem nos remete a uma construção
que a linguagem faz das coisas do mundo. (...)
Nauria Inês Fontana. Soletras, Ano IV, N° 07.
São Gonçalo: 142 UERJ, jan./jun.2004.

Saiba mais
John Langshaw Austin (1911-1960) britânico, filósofo da
linguagem que desenvolveu grande parte da atual teoria
dos atos de discurso.
Herbert Paul Grice (1913- 1988) filósofo britânico
esttudioso da linguagem.
Friedrich Ludwig Gottlob Frege (1848 - 1925) foi um
matemático e filósofo alemão. Frege contribuiu para a
criação de um sistema de representação simbólica para
representar formalmente a estrutura dos enunciados
lógicos e suas relações.
John Rogers Searle (1932) é um filósofo americano,
estudioso da filosofia da linguagem, filosofia da mente e
filosofia social.
Oswald Ducrot (1930) é um linguista francês, autor de
diversos estudos sobre enunciação e desenvolveu uma
teoria da argumentação na linguagem com Jean-Claude
Anscombre.

–  87  –
Estudos Linguísticos e Variação

5.3.2 Pragmática
A Pragmática é um dos ramos da linguística que busca a análise do uso
concreto da linguagem, em um contexto, pelos falantes de uma língua qualquer.
Dessa forma, não se limita à significação dada às palavras aos moldes
da sintaxe e da semântica, pois observa o contexto linguístico em que essas
palavras estão inseridas, porquanto parte da observação dos atos de fala e suas
implicações culturais e sociais.
Ao se estudar a Pragmática, deve-se levar em conta que essa ciência
tem por base que o sentido de tudo está na utilidade, no efeito prático
que os atos de fala podem originar. Assim, o que realmente implica é a
comunicação e o funcionamento da linguagem entre os usuários da língua,
concentrando-se nas ações de interferência pelos quais compreendemos o
que está implícito.
Finalizamos esse capítulo com um trecho do artigo Desfazendo Mitos
Sobre a Pragmática, de Danilo Marcondes.

Dentre as principais correntes do pensamento contemporâneo, a pragmática, ou


o pragmatismo tem sido por um lado uma das mais influentes, por outro um alvo de
ataque privilegiado por diversos opositores,o que certamente também é um índice de sua
importância e de seu interesse.
Com frequência os termos “pragmática” e “pragmatismo” têm sido usados de forma
equivalente, tal como acima, o que não corresponde contudo nem à sua origem, nem
às correntes de pensamento que caracterizam. É preciso distinguir portanto, ao menos
preliminarmente e em linhas gerais, a pragmática enquanto um campo de estudos da
linguagem e o pragmatismo enquanto corrente filosófica, ainda que uma filosofia da lin-
guagem na linha da pragmática e o pragmatismo se aproximem em muitos aspectos sem
contudo se confundirem. Em um sentido amplo, “pragmatismo” ou “filosofia pragmá-
tica” referem-se a concepções de filosofia que defendem não só uma distinção entre teoria
e prática, mas sobretudo o primado da razão prática em relação à razão teórica, incluindo
desde Kant, cuja última obra de 1804 intitulou-se precisamente Antropologia de um
ponto de vista pragmático, até algumas correntes da filosofia contemporânea.
O termo “pragmática” é derivado do grego pragma, significando coisa, objeto, prin-
cipalmente no sentido de algo feito ou produzido, sendo que o verbo pracein, significa
precisamente agir, fazer. Os romanos traduziram pragma pelo latim res, o termo genérico
para coisa, perdendo talvez com isso a conotação do fazer ou agir presente no grego.

–  88  –
Divisões da Linguística

Enquanto corrente filosófica o pragmatismo originou-se no final do século


XIX e desenvolveu-se sobretudo ao longo do século XX, principalmente nos Esta-
dos Unidos.

(...) Peirce destacou-se por sua obra, de grande originalidade e complexidade,


nos campos da semiótica, da teoria do conhecimento e da filosofia da ciência. Seu
pragmatismo caracteriza-se pela concepção de signo que desenvolve em sua semi-
ótica, valorizando as várias funções do signo e as várias formas de constituição do
significado, mas também pela definição de verdade que defende em sua concepção
de ciência, segundo a qual as teorias científicas são conjuntos de hipóteses cuja
validade só pode ser determinada levando-se em conta sua eficácia e seu sucesso,
ou seja, seus resultados, efeitos e consequências, portanto, a prática científica pro-
priamente dita.

(...) Na linguística, a pragmática se caracteriza pelo estudo da linguagem


em uso, ou, segundo a definição de Charles Morris (1938), o primeiro a usar esse
termo contemporaneamente, o estudo da “relação dos signos com seus intérpretes”.
Rudolf Carnap (1938), o lógico e filósofo da ciência de origem alemã com quem
Morris trabalhou em Chicago, por sua vez definiu a pragmática como o estudo da
linguagem em relação aos seus falantes, ou usuários. Tanto a definição de Morris,
quanto a de Carnap, fazem parte da já consagrada distinção geral do campo de
estudos da linguagem entre pragmática, que considera a linguagem em seu uso
concreto, semântica, que examina os signos linguísticos em sua relação com os
objetos que designam ou a que se referem, e sintaxe, que analisa a relação dos signos
entre si. Mais recentemente, o termo “pragmática” passou a englobar todos os
estudos da linguagem relacionadosa seu uso na comunicação. Uma outra concepção
de pragmática se desenvolveu com base em correntes na filosofia da linguagem e
na linguística que valorizam a linguagem comum e o uso concreto da linguagem
como a principal instância de investigação da linguagem, tratando a semântica e
a sintaxe apenas como construções teóricas. A filosofia da linguagem ordinária de
Gilbert Ryle, a teoria dos atos de fala de Austin, a concepção de jogos de linguagem
de Wittgenstein, e mesmo a semiótica de Umberto Eco, dentre outras, podem
ser incluídas nessa vertente. Trata-se basicamente de uma visão filosófica segundo
a qual o estudo da linguagem deve ser realizado em uma perspectiva pragmática,
ou seja, enquanto prática social concreta, examinando portanto a constituição do
significado linguístico a partir da interação entre falante e ouvinte, do contexto de
uso, dos elementos sócio-culturais pressupostos pelo uso, e dos objetivos, efeitos e
consequências desses usos. A pragmática não seria assim apenas um segmento dos
estudos da linguagem, -mas o seu campo privilegiado. (...)

ALCEU - v.1 - n.1 -pg 38 a 46 - jul/dez 2000. Disponível em: <http://revista


alceu.com.puc-rio.br/media/alceu_n1_Danilo.pdf>. Acesso em: 21 maio 2015.

–  89  –
6

Sociolinguística

A linguística moderna nasceu da vontade de


Saussure de elaborar um modelo abstrato, a
língua, a partir dos atos de fala. Seu ensina-
mento, que foi compilado por seus alunos e
publicado após a sua morte, constitui o ponto
de partida do estruturalismo linguístico e, não
obstante certas passagens nas quais se encontra
a afirmação de que a língua “é parte social da
linguagem”, ou que “a língua é uma institui-
ção social”, (...) “ a língua é um sistema que
conhece apenas sua ordem própria” ou que,
como afirma a última frase do texto, “a linguís-
tica tem por único e verdadeiro objeto a língua
considerada em si mesma e por si mesma (...)
Louis-Jean Calvet. Sociolinguística: uma
introdução crítica. São Paulo: Parábola, 2002

Nos capítulos anteriores, estudamos a ciência linguística,


seu objeto de estudo, a língua, linguagem, a comunicação, sincronia
diacronia...todo o conhecimento que apresentamos objetivava tam-
bém a preparação para os estudos relativos à Sociolinguística.
Estudos Linguísticos e Variação

A sociolinguística, ou sociologia da linguagem, é uma disciplina da lin-


guística que estuda os aspectos resultantes da relação entre a língua e a sociedade.
Votre e Cezario (2009) afirmam que a sociolinguística é uma área que
estuda a língua em seu uso real, levando em consideração as relações entre
a estrutura linguística e os aspectos sociais e culturais da produção linguís-
tica. Para essa corrente, a língua é uma instituição social e, portanto, não
pode ser estudada como uma estrutura autônoma, independente de contexto
situacional, da cultura e da história das pessoas que a utilizam como meio
de comunicação.

6.1 Visão panorâmica da Sociolinguística


“Somos todos iguais e, ao mesmo tempo, todos diferentes!”

AMARAL, Tarsila do. Operários. 1933. Óleo sobre tela, 150 x


205 cm. Palácio da Boa Vista, SP.
A partir do momento em que se iniciaram os estudos relacionados à lin-
guagem, procurou-se descobrir não só respostas, mas também modelos para
compreender a relação linguagem e sociedade, uma vez que esses elementos
estão intimamente ligados, pois é indiscutível que o processo de comunica-
ção é inerente ao ser humano. Foi assim no princípio, inicialmente na forma
gestual e oral, e mais tarde na forma escrita.

–  92  –
Sociolinguística

Essas duas modalidades, oral e escrita, compõem normalmente um sis-


tema linguístico de uma comunidade linguística, que propicia a interação, a
troca de informações.
Barbosa (2008) afirma que Saussure reconhecia a importância de natu-
reza etnológica, histórica e política, porém seus estudos voltaram-se essen-
cialmente para o organismo linguístico interno, uma vez que ele concebia a
língua como um produto homogêneo e sua análise partia da observação do
comportamento linguístico de um indivíduo.
As primeiras inquirições acerca de estudos sociolinguísticos nasceram a
partir de William Bright (1966) e Fishman (1972), os quais passaram a con-
gregar os aspectos sociais nas descrições linguísticas.
Dando seguimento aos estudos de Bright, Labov preocupa-se em des-
crever a heterogeneidade linguística, pois para ele, todo fato linguístico rela-
ciona-se a um fato social, e que a língua sofre efeitos de ordem fisiológica e
psicológica. Labov tornou-se representante da teoria da variação linguística.
Dessa feita, a Sociolinguística é uma área da linguística que analisará a língua
por meio de fatores externos, os quais distinguirão a diversidade e a hetero-
geneidade linguística.
Destacamos, então, que a Sociolinguística é uma das subáreas da linguís-
tica e estuda a língua em uso no interior das comunidades de fala, voltando a
atenção para um tipo de investigação que correlaciona aspectos linguísticos e
sociais. Esta ciência se faz presente num espaço multidisciplinar, na fronteira
entre língua e sociedade, focalizando precipuamente os empregos linguísticos
concretos, em especial os de caráter heterogêneo.
De acordo com Mollica (2003), todas as línguas apresentam um dina-
mismo inerente, o que significa dizer que elas são heterogêneas. Encontram-
se, assim, formas distintas que, em princípio, se equivalem semanticamente
no nível do vocabulário e no domínio pragmático-discursivo.
A Sociolinguística é a parte da Linguística que tem como foco de seus
estudos a Língua, a Cultura e a Sociedade, imbricadas.
Língua e Sociedade se inter-relacionam e se torna praticamente impossível se
idealizar a existência de uma sem a outra. A interação ocorre no grupo de fala, que
está inserido em uma sociedade qualquer, com suas peculiaridades e afinidades.

–  93  –
Estudos Linguísticos e Variação

Conforme Pessoa (2002), a Sociolinguística possibilita a investigação das


Atitudes Linguísticas, do Percurso Linguístico de uma determinada comuni-
dade e o estudo dos Dialetos Sociais em qualquer comunidade linguística.
Nessas perspectivas, a Sociolinguística pesquisa seguimentos sociais que cons-
troem e caracterizam a realidade e/ou o futuro linguístico de um povo, ao
mesmo tempo em que busca compreender os fatores de variação e mudança
linguística, analisando e divulgando as características da Linguagem, da Cul-
tura e da Sociedade pesquisada.
Já dissemos que Labov resgatou os elementos externos da língua e os
inter-relacionou com a sociedade, dando origem ao que se entende por socio-
linguística. Para isso, escolheu a variedade linguística como seu objeto de
estudo, a partir de dois pontos de vista: diacrônico e sincrônico.
Do ponto de vista diacrônico, o pesquisador estabelece ao menos dois
momentos decisivos de uma determinada língua, descrevendo-os e distin-
guindo as variantes em desuso. Do ponto de vista sincrônico, o pesquisa-
dor pode abordar seu objeto a partir de três perspectivas: geográfica, social
e estilística.
Sobre a sociolinguística e sua importância no campo de estudos da
variação linguística, destacamos uma parte do artigo A Dimensão Socio-
linguística do Atlas Linguístico do Brasil, de Luciana Genevan da Silva.
Trata-se de um artigo bastante interessante no que concerne às questões dos
falares do Brasil.

A Dimensão Sociolinguística do Atlas Linguístico do Brasil


(...) Toda discussão sobre a variação e a mudança fonética se baseia na existência
de variáveis na comunidade linguística. Nem toda variação significa mudança, mas toda
e qualquer mudança só pode vir de uma variação ocorrida ou num determinado espaço
ou numa determinada comunidade ou num determinado tempo. A contribuição funda-
mental de Janson (1983) para o estudo desse problema está no fato de haver distinguido
entre o que é produção e percepção dos sons. Uma vez começado um câmbio fonético
qualquer, por exemplo, os falantes que não usam a nova pronúncia têm, não obstante,
que conversar com os que a usam. Nesse aspecto, esses falantes vão desenvolver uma regra,
segundo a qual o som de X que eles ouvem é igual, isto é, do mesmo valor do seu som Y.
Isto posto, significa, que o mineiro sabe que o som palatalizado do “S” pós vocálico, final
de sílaba, do carioca é igual ao seu som sibilante na mesma distribuição.

–  94  –
Sociolinguística

Havendo uma pronúncia inovadora, uma variação, portanto, e esta consiga


algum prestígio, qualquer que seja a razão, pode ser que o falante comece a usá-la,
adotando – a em certas circunstâncias fonéticas ou em muitos itens lexicais. Provavel-
mente um adulto não seja capaz de reestruturar completamente seu próprio sistema
básico e a nova pronúncia se produzirá erraticamente, como assinalou Labov. Por
outro lado, os falantes jovens não disporão de critérios para saber que som é o “básico”
e poderão apresentar ao pronunciar o som novo com plena regularidade. Nesta etapa,
os falantes que somente pronunciem o som novo terão uma regra de percepção que
considera a antiga pronúncia como equivalente à nova. Por último, desaparecem os
velhos falantes e, com eles, a pronúncia arcaizante.
O Atlas Linguístico do Brasil tem esta dimensão: ao inquirir nas capitais oito
informantes de duas faixas etárias diferentes e grau de escolaridade que, de um lado
argui a pessoa de nível primário fundamental e, de outro, o individuo de nível supe-
rior, o projeto vai permitir que se observe ou possa estudar o câmbio da que esteja
a ocorrer.
Claro que para tal observação não basta um simples informe: requer-se a obser-
vação de duas etapas e que significa observar o estado de uma língua. Se supusermos
uma língua idealmente homogênea, basta, então, observar qualquer falante e isso
entraria em contradição com a própria investigação. Ao investigarmos a mudança, o
Projeto ALiB está questionando a homogeneidade do projeto.
Se se quer estudar as mudanças linguísticas que estão acontecendo e como estão
se espalhando, sejam de baixo para cima ou de cima para baixo, então, o método mais
satisfatório será investigar uma comunidade e retornar a ela, digamos, vinte anos depois,
levando a cabo uma investigação posterior. É o estudo linguístico em tempo real.
Lógico que não é prático esperar vinte anos para averiguar o que está sucedendo
neste momento. Um método alternativo e mais imediato é investigar o câmbio no
tempo aparente: simplesmente, investigar uma comunidade concreta, comparando a
fala da gente velha com a da gente jovem e assumindo, diante dos dados recolhidos
que qualquer diferença será o resultado de uma mudança em curso.
A maioria das teorias linguísticas partiu do pressuposto de que a variação linguís-
tica é imanejável. Como consequência houve a tendência de se abandonar o estudo da
variação. Só nos últimos trinta anos é que surgiu um movimento importante favorável
à análise da variabilidade, graças ao impulso que lhe foi dado por Willian Labov. (...)
A Dimensão Sociolinguística do Atlas Linguístico do Brasil, de Luciana
­Genevan da Silva. Disponível em: <www.ichs.ufop.br/semanadeletras/viii/arquivos/
trab/j8.doc>.Acesso em: 19 maio 2015.

–  95  –
Estudos Linguísticos e Variação

6.2 A sociolinguística: estudando a


variação linguística e suas relações
O real estado da língua é o das águas de um rio, que
nunca param de correr e de se agitar, que sobem e descem
conforme o regime das chuvas, sujeitas a se precipitar por
cachoeiras, a se estreitar entre as montanhas e a se alargar
entre as planícies.
(Marcos Bagno)

A sociolinguística é uma ciência que estuda a linguagem em seu con-


texto social. Conforme Alkmin (2004), o termo sociolinguística surgiu nos
Estados Unidos e estabeleceu-se em 1964 com a tradição de estudos direcio-
nados para a questão da relação entre a linguagem e a sociedade. Os primeiros
trabalhos, sob o nome de sociolinguistics, foram publicados em 1966 e trata-
vam dos fatores que têm relação com a diversidade linguística. Dessa forma,
a sociolinguística nasce, de certa forma, assinalada pela interdisciplinaridade
e apresenta como objeto de estudo a língua falada, observada e descrita em
seu contexto social, isto é, em situações reais de uso. Desse modo, segundo a
autora (Alkmin, 2004), “esta ciência linguística focaliza não apenas pessoas
que falam a mesma língua, mas que se relacionam e que orientam seu com-
portamento verbal por um conjunto de regras pré-definidas”.
A variação linguística estabelece-se como fenômeno universal e implica
na existência de formas linguísticas alternativas denominadas variantes. Com-
preendemos, então, por variantes, as distintas formas alternativas que con-
figuram um fenômeno variável, tecnicamente chamado de variável depen-
dente. Mollica (2003) assevera que a concordância entre o verbo e o sujeito,
por exemplo, é uma variável linguística (ou fenômeno variável), pois se rea-
liza por meio de duas variantes, duas alternativas possíveis e semanticamente
equivalentes: a marca de concordância no verbo ou a ausência da marca de
concordância.
Mas temos perfeitamente demarcadas as variações linguísticas para fins
de estudo sistematizados.
As variações sincrônicas, em que o pesquisador pode abordar seu objeto
a partir de três perspectivas, geográfica, social e estilística, se apresentam da
seguinte forma: as variações que se dão em contextos comunicativos, ou seja,
dependendo da ocasião, local ou interlocutor, são chamadas de ­DIAFÁSICAS;

–  96  –
Sociolinguística

as variações que ocorrem em decorrência das diferenças regionais, ou seja,


variações decorrentes das localizações geográficas, por vezes até mesmo diale-
tos, são chamadas de DIATÓPICAS; por último e não menos importantes,
temos as variações ocorridas em razão da convivência em grupos sociais, que
são conhecidas como DIASTRÁTICAS.
As variações DIACRÔNICAS são observadas em sucessivas fases ao
longo do tempo.

6.2.1 Variações Diatópicas e Variações Diastráticas


A variação diatópica também é conhecida como variação regional ou
geolinguística. É a variação que ocorre, principalmente, nas diferentes regiões
em que determinada língua é falada. Essas diferenças podem ser encontradas
tanto em relação a países ou mesmo dentro de um mesmo país.
Segundo Freitas (2012), essas diferenças podem ser:
a) em uma mesma língua falada em países diferentes (por exem-
plo inglês britânico ou norte-americano, português do Brasil
ou de Portugal, espanhol ibérico ou latino-americano). Essas
variações se notam no plano fonético (pronúncia do ll, por
exemplo, no caso do espanhol; de vogais como e e u entre
falantes de português brasileiros ou portugueses; o chamado
sotaque); no plano lexical (chapa, em português angolano, e
perua ou van, em português do Brasil); e no plano sintático
(estou a falar consigo, estou falando com você – Portugal / Brasil).
Shutterstock.com/ DNF Style

Família multicultural.

–  97  –
Estudos Linguísticos e Variação

b) nas diferentes regiões de um país que fala uma única língua.


São os casos de regionalismo. O paulista reconhece o r aspi-
rado do carioca, os falantes da região nordeste são reconheci-
dos pela pronúncia aberta da vogal o, por exemplo (variações
fonéticas). No plano lexical, a variação diatópica se dá no
emprego de diferentes palavras para nomear o mesmo ser:
menino e guri. E no plano sintático, no uso de estruturas
como “não quero” e “quero não”, como se diz na Bahia e
parte do nordeste brasileiro.

Entendemos, então, que a região do falante, o grupo com que divide a


língua determina suas escolhas lexicais e sua pronúncia; a variação linguística
individual é balizada pelo grupo em que o falante está inserido.
Ao segundo grupo de variações linguísticas, segundo Freitas (2012), per-
tencem as variações diastráticas, ligadas à posição social ou status do falante.
São também chamadas variações socioculturais, e estão associadas ao falante
por influências de idade, sexo, profissão, posição social, grau de escolaridade.
A predominância do fator grau de escolaridade baixo evidencia-se, por exem-
plo, no uso de estruturas sintáticas simples, de formas linguísticas estigmati-
zadas e na falta de concordância.
As variações socioculturais normalmente correspondem à camada social
da qual o indivíduo faz parte. Seu falar, individual e característico, é subordi-
nado ao seu nível cultural e socioeconômico.
Etimologicamente, a palavra diastrática é assim formada: dia-, prefixo
grego que significa através de, por meio de, por causa de; estrato, radical latino
que significa camada; -ico, sufixo grego, que forma adjetivos.
Eis que nos surge uma grande questão:

Como analisarmos a variação diatópica, na esfera da dialeto-
logia e da variação diastrática, no
domínio da sociolinguística, sem que defi-
namos seus campos de atuação?

Precisamos, antes de tudo, apresentar algumas considerações. A defini-
ção de Wardhaugh (1992, p.46) nos pareceu promissora:

–  98  –
Sociolinguística

Enquanto os dialetos regionais são geograficamente baseados,


os dialetos sociais, originados entre os grupos sociais depen-
dem de uma série de fatores, sendo os principais deles aparen-
temente pertencentes à classe social, a religião e à etinicidade.

Contudo, ao se proceder a análise da variação regional em relação à


variação social, problemas e dúvidas aparecem quanto aos limites de cada
tipo de variação. As primeiras dessas questões se referem a onde termina uma
e onde começa a outra e qual prevalece sobre a outra.
Hudson (1980, p.43) assevera que os dialetólogos falam de dialeto social
ou socioleto para se referir às diferenças que não sejam regionais, acrescen-
tando que:
Por causa desses fatores, um falante pode mostrar mais simi-
laridades na sua linguagem com pessoas do mesmo grupo
social, numa diferente área, do que com pessoas de diferentes
grupos sociais na mesma área.

Já Chambers e Trudgill (1980) afirmam que não pode haver dialeto social
sem o regional, pois todos os falantes carregam consigo uma grande carga do
meio social em que estão/foram inseridos, mas têm, também, uma localização
regional. Em suas palavras: “Todos os dialetos são ao mesmo tempo regional
e social, uma vez que todos os falantes têm uma experiência social bem como
uma localização regional”.

Falo fluentemente Eo
Inglês, Espanhol, Francês e Português?
Alemão!

Aí varêia...

–  99  –
Estudos Linguísticos e Variação

Em alguns casos, a língua possui duas ou mais formas variantes que


podem ser usadas pelo falante sem grandes alterações na mensagem trans-
mitida. Isto fica evidente na fonologia, onde coexistem variantes como
peixe/pexe (com ou sem ditongo), homem/home (com ou sem nasalização),
menino/minino ( com vogal alta ou média na primeira sílaba).

6.2.2 Variações Diafásicas


As variações diafásicas são aquelas ligadas às situações de uso da fala.
Estão relacionadas à situação por influência de ambiente, tema, estado emo-
cional, grau de intimidade entre os falantes. Neste caso, o falante harmoniza
seu desempenho linguístico ao ambiente, à situação ou ao interlocutor.
Também fazem parte da variação diafásica as escolhas lexicais, pois
uma ocasião formal exige do falante uma linguagem mais específica, e as
escolhas realizadas em determinado momento podem ser responsáveis pela
impressão que o falante causa em seu interlocutor.
De acordo com Freitas (2012):
No uso do registro informal, por exemplo, pode ocorrer
uma variação diafásica de caráter morfológico em que o
falante deixa de pronunciar o r final de infinitivos como
em beber, sair, acarretando um prolongamento da vogal
final dessas formas verbais. A variação é morfológica porque
ocorre alteração na estrutura da palavra.

Adequar sua língua, ou linguagem, ao contexto é uma das característi-


cas das habilidades linguísticas do falante. Dessa forma, um mesmo falante
fará uso de um registro mais formal ao dirigir-se ao seu superior hierárquico
em seu local de trabalho ou a alguém com quem não tem intimidade em
qualquer situação, e usará registro informal ao conversar com amigos e fami-
liares, em um ambiente descontraído.
Assim, estudos indicam que os falantes possuem um repertório lin-
guístico que pode variar dependendo de onde se encontram e com quem
falam, em espaços mais descontraídos, entre pessoas com quem tem maior
intimidade ou quando não informais. Esses mesmos falantes, em ambientes
de maior formalidade, entre pessoas que não conhecem, entre pessoas de

–  100  –
Sociolinguística

posição hierárquica diferente, ou em situações em que estão autoconscientes


quanto à linguagem, provavelmente irão adaptar sua fala e usarão, conscien-
temente as variantes de prestígio, segundo as normas.
A variação diafásica ou contexto é para Bagno “[...] o uso diferenciado
que cada indivíduo faz da língua de acordo com o grau de monitoramento
que ele confere em seu comportamento verbal” (BAGNO, 2007, p. 47).
Isso significa, conforme vimos, que o falante adequa sua fala de acordo
com o seu ouvinte e o local onde se encontra; se o receptor da mensagem for
uma pessoa culta, conhecedora da norma padrão da língua, o falante usará
um dialeto mais formal; se a situação exige um grau de maior formalidade a
fala vai seguir esse mesmo nível.
Mas, as pessoas não utilizam a linguagem formal a todo o instante.
Em determinadas circunstâncias que não exigem cerimônia em relação ao
interlocutor, a linguagem vai acontecer de forma natural, aquela em que o
falante e o ouvinte utilizam em situações de descontração, no seu dia a dia,
em uma roda com amigos, não significando, contudo, que esse falante deixe
de usar a norma culta padrão.

6.2.3 Variações Diacrônicas


As variações diacrônicas estão relacionadas à evolução da língua.
Referem-se às diferentes etapas relacionadas à evolução da língua.
Essas diferentes etapas estão presentes desde os textos escritos, reflexo
do falar de variadas épocas, desde registros de língua oral.
É inquestionável que as línguas são dinâmicas e mudam o tempo todo.
Se quisermos ser um pouco mais “dramáticos”, podemos comparar a língua
portuguesa de hoje com a sua língua original, o latim. Ou mesmo o portu-
guês medieval com o português atual.
Não precisamos ir tão longe. É só nos atentarmos com algumas expres-
sões, ou maneiras de falar de pessoas mais velhas. Há apenas 40 anos, por
exemplo, uma série de palavras que eram do vocabulário corrente, hoje nos
causa no mínimo estranheza.

–  101  –
Estudos Linguísticos e Variação

Shutterstock.com/Twin Design
Em tempos atuais, as mudanças mais perceptíveis na língua são as que
ocorrem dentro de gerações relativamente próximas.

Bagno (2013) afirma que toda língua, além de variar geograficamente,


no espaço, também muda com o tempo. A língua que falamos hoje no Brasil
é diferente da que era falada aqui mesmo no início da colonização, e também
é diferente da língua que será falada aqui mesmo dentro de trezentos ou
quatrocentos anos!
A título de ilustração, podemos apontar um exemplo bastante
significativo e conhecido da maioria dos estudantes da língua portuguesa.
No período escravocrata do Brasil, fazia-se uso da língua portuguesa,
porém, muitas palavras novas foram incorporadas ao léxico, outras caíram em
desuso e outras ainda, se modificaram com o tempo, apesar de, com altera-
ções, serem usadas até hoje, mas se mantendo o significado.
A palavra você é um dos exemplos mais contundentes: do pronome de
tratamento usado para se referir a pessoas da aristocracia à nomeação de pes-
soas com quem convivemos.

–  102  –
Sociolinguística

Observe, a seguir, uma sequência com as alterações que essa palavra foi
incorporando. Escritas e também orais.

Vossa Mercê > vossemecê > vosmecê >
vosm’cê > voscê > você > ocê > cê

A evolução das línguas é inevitável, mas nunca é de maneira brusca,
como já dissemos. Sempre haverá um período de transição entre um estado
de língua para outro estado.
As mudanças diacrônicas podem ocorrer, segundo Lima(2013):
→ no som/pronúncia;
→ na flexão e na derivação;
→ nos padrões de estruturação da frase;
→ ao nível dos significados;
→ pela introdução de novas palavras (neologismos e estrangeirismos).
E apresenta ainda os fatores de variação:
Internos à língua (pelo desaparecimento de oposições que
não se revelem funcionais; pela prevalência do princípio da
economia, que tende a eliminar redundâncias; pela introdu-
ção de novos elementos com a função de tornarem a comuni-
cação clara/não ambígua);
Externos à língua (relativos a mudanças políticas e sociais,
por exemplo, a criação de fronteiras políticas que é cumula-
tiva à criação de fronteiras linguísticas).

A língua não é algo estático. É um sistema em aberto e sempre em elabo-


ração, e vai se “adaptando” conforme seus falantes. A língua não é um inven-
ção nem um ferramenta: é uso. É falada por indivíduos de regiões, profissões
e posições sociais diferentes, situações diferentes — e épocas diferentes.
E é esse seu dinamismo que torna seu estudo tão peculiar e interessante.
Para finalizarmos este capítulo, apresentamos um trecho do artigo A
gíria como um fenômeno social, geográfico e histórico, de Ana Lúcia Paiva
Ferreira de Mesquita e Heliomar de Oliveira Clarindo.

–  103  –
Estudos Linguísticos e Variação

A gíria como um fenômeno social, geográfico e histórico


(...) Sabe-se que o componente que mais facilmente retrata a nossa língua é o léxico,
isso porque tem a função de nomear e designar fatos, objetos, processos, pessoas, entre
outros. O léxico reflete numa transformação social, portanto pode-se dizer que o mesmo
pode ser considerado como uma classe de palavras aberta, onde está sempre incorporando
novas formas, novos itens lexicais, novas formas de expressão. Com isto é justo afirmar que
o léxico comporta unidades de todos os registros linguísticos, ou seja, de todos os ambien-
tes, inclusive a gíria, objeto de grande importância e de análise deste artigo.
Segundo o dicionário Houaiss (2004), gíria é uma expressão que significa lingua-
gem informal caracterizada por um vocabulário rico, passageiro e temporário. É um dia-
leto usado por determinado grupo de pessoas que busca se destacar através de caracterís-
ticas particulares e marcas linguísticas, funcionando como um mecanismo de integração
dos membros do grupo e como exclusão dos que não pertencem a esse grupo.
A partir deste contexto, pode-se perceber que as gírias não podem ser consideradas
como um tipo de linguagem de malandros, de marginais ou de uma população mais
simples, pelo contrário tornou-se um recurso disponível para que as pessoas pudessem
se comunicar de uma maneira mais direta, mais simples, mais ousada e mais permissiva.
Segundo Calvet (2002), as práticas linguísticas enquanto variações linguísticas são
diastráticas, diatópicas e diacrônicas, ou seja, a primeira diz respeito às variações linguís-
ticas distribuída numa escala social; a segunda está ligada às variações linguísticas geográ-
ficas e a última, está envolvida na evolução histórica dos fatos de uma língua.
A partir desta ideia pode-se ver que esses três parâmetros estão muito bem associa-
dos às gírias. Pois as mesmas são constantes nos mais diversos ambientes de uma socie-
dade, de uma região e de toda uma história. Talvez se pode até dizer que a gíria possa ser
considerada uma língua de chefes, como bem afirma Calvet (2002), ou seja, pois seria
como se os usuários de determinadas gírias fossem donos do meio social, pelo fato deles
se sentirem íntimos dessas práticas linguísticas.
Segundo Naro (2003), o processo de aquisição da linguagem se completa aproxima-
damente no início da puberdade, época em que o uso das gírias é característico das turmas
de jovens e, ao mesmo tempo, requisito para a aceitação de um adolescente nesse novo
ambiente. A linguagem típica de uma geração estará presente em toda a vida do indivíduo,
pois segundo Anthony Julius Naro (2003), após a puberdade “a gramática do indivíduo
não pode sofrer mudanças significativas porque o acesso aos dispositivos cognitivos que
possibilitam a sua manipulação (a chamada faculdade da linguagem) fica bloqueado”. (...)
Ana Lúcia Paiva Ferreira de Mesquitae Heliomar de Oliveira Clarindo. A gíria
como um fenômeno social, geográfico e histórico. Disponível em:<http://www.recanto
dasletras.com.br/artigos/3789857>. Acesso em:21 maio 2015.

–  104  –
7

A Norma Linguística

O preconceito linguístico está ligado, em boa


medida, à confusão que foi criada, no curso
da história, entre a língua e gramática nor-
mativa.
Marcos Bagno

A ideia de que a norma linguística é um preceito único,


homogêneo e fechado em sua lógica interna, sustenta-se na concep-
ção de que a língua se impõe decisivamente ao indivíduo. Se assim o
fosse, a norma linguística não sofreria nenhum tipo de intervenções
sociais. O ponto de superação do rígido uso da língua aporta na
discussão entre o social e o individual.
Essa dicotomia entre o plano social da língua na sua homo-
geneidade e o plano do indivíduo falante firmou-se ao longo do
estruturalismo linguístico e, então, somente por meados dos anos
Estudos Linguísticos e Variação

sessenta, a ciência Sociolinguística passou a investigar a atuação do indivíduo


nesta composição, conforme sua introdução no contexto social.
A esse respeito, apresenta-nos Marr, apud Baktin ( 1997):
O fato é que não existe nenhuma língua onomatopaica pri-
mitiva, comum a todos os povos e, como veremos, tal lín-
gua jamais existiu nem poderia ter existido. A língua é uma
criação da sociedade, oriunda da intercomunicação entre
os povos provocada por imperativos econômicos; constitui
um subproduto da comunicação social, que implica sempre
populações numerosas.

A vista dessas reflexões, veremos também considerações a respeito de


que forma norma linguística e a gramática tradicional cooperam para o enri-
quecimento de abordagens a respeito do preconceito linguístico, favorecendo
a identificação de alguns mitos que no decorrer dos tempos impedem um
avanço considerável dos estudos linguísticos.
A compreensão da norma linguística, como preconceito ou mal neces-
sário, depende do aspecto como é vista a função principal da língua, ou seja,
instrumento de interação verbal ou de valorização social. Para tanto, segundo
Garcia e Barbosa (2006), é necessário aceitar que a língua, como todos nós,
quer crescer, tornar-se flexível e expandir, enfim, viver.

7.1 A Norma e a Norma Culta


Bagno (2001) assevera que, sob o rótulo de norma ou, mais comumente,
de norma culta, é possível detectar, na sociedade brasileira contemporânea, pelo
menos duas noções bastante distintas no que diz respeito à língua. Uma poderia
ser chamada de tradicional, do senso comum ou ideológica, construindo, portanto,
menos um conceito do que um preconceito, uma grade de critérios avaliativos
para o estabelecimento de juízos de valor dicotômicos (certo vs. errado, bonito vs.
feio, português vs. não-português, etc). Trata-se da ilusão de que existe:
Uma língua ideal e que resulta da prática de determinados
gramáticos, presa à tradição escrita. [Ela] atua ideologica-
mente sobre as representações que as pessoas têm do que seja
língua e gramática, por força de determinantes históricos
e político-sociais, estipulando um padrão de correção [...]
(BRITO, 1997, p. 56)

–  106  –
A Norma Linguística

Há na denominação norma culta um emaranhado de pressupostos nem


sempre claramente compreensíveis. A palavra “culta”, por exemplo, tomada
em sentido absoluto, pode sugerir que esta norma se opõe a normas “incul-
tas”, que seriam faladas por grupos desprovidos de cultura. Segundo Bagno
(2002) , tal perspectiva está, muitas vezes, presente no universo conceitual e
axiológico dos falantes que costumam fazer dos falantes de outras normas,
dizendo que estes “não sabem falar”, “fala mal”, “falam errado”, “são incul-
tos”, “são ignorantes” etc.
Para Neves ( 2001), o temo norma tem duas significações básicas,
quando o campo é o da linguagem. Na primeira, compreende-se norma
como a modalidade linguística “normal”, “comum”. Entender-se-ia, então,
que essa modalidade seria constituída pela frequência de uso, e, se contem-
pla, de fato, o uso linguístico, essa visão, sem fazer valoração, reparte a noção
de norma por estratos sociais (variação de uso diastrática), por períodos de
tempo (variação de uso diacrônica) por regiões (variação de uso diatópica).
Na segunda significação, o termo norma é entendido como o uso mode-
rado, como a modalidade “conhecida” por alguns, mas não por outros. Tam-
bém neste caso, observa-se a real inclusão de tal modalidade “padrão” no uso
linguístico, a noção de norma se reparte diastrática, diacrônica e diatopica-
mente, entretanto com juízo de valor sobre as modalidades, em cada zona de
variação: umas são mais prestigiadas que outras.
Entretanto, se por ventura houver uma- e apenas uma- modalidade esta-
belecida como feição de um padrão desejável, a concepção é ainda mais arbi-
trária, e sempre balizada pela autoridade.
De uma forma ou de outra, as duas significações básicas de norma, as
quais nos referimos, vão se inserir na sociedade. Na primeira significação,
o que se destaca é o uso, e daí a relação com a sociedade leva à agluti­
nação social.
Em segunda instância, trata-se do bom uso, mas a relação com a socie-
dade leva à discriminação, originando exclusões, estigmas, diferenças.
Os estudos e discussões a respeito da norma linguística têm crescido
bastante no âmbito dos estudos da linguagem. Saber-se especificamente o que
significa e tudo que advém do termo norma é fundamental para que se possa

–  107  –
Estudos Linguísticos e Variação

compreender alguns fenômenos linguísticos que se realizam nas comunidades


de fala.
Se entendermos como norma os padrões habituais e coletivos de um
grupo de falantes em determinada comunidade linguística, já sabemos que
podemos estabelecer que não haja apenas uma norma, mas várias, e essas
caracterizam a diversidade de grupos que existe na sociedade brasileira.
O celeuma em torno da norma apresenta para a sociedade o debate
sobre quem tem a competência, ou o direito, de determinar o que é
certo ou errado na língua nacional e quem tem a responsabilidade de
definir o que deve ser ensinado nas escolas.
Conforme Rodrigues (2007), o que devemos considerar como sendo
a língua portuguesa do Brasil? Ou, para evitar o estranhamento que tal per-
gunta possa oferecer, qual é a língua brasileira? O que parece estar em jogo no
discurso sobre a norma no Brasil é a legitimidade de quem tem a competência
para definir o que é o português brasileiro.
Ao defender seu ponto de vista, afirma:
De um lado estão os gramáticos, ligados a uma tradição for-
temente estabelecida na cultura do país, e que é a base da
constituição da língua portuguesa no Brasil. De outro, estão
os linguistas, fundamentados pela ciência, que veem a língua
através de pesquisas e reflexões baseadas na realidade linguís-
tica social atual. Ambos defendem a normatização da língua.
Os primeiros associam a norma a uma cultura do “certo” e
“errado”, da “arte que é escrever corretamente”, sempre tendo
como referência os clássicos literários da língua. Essa maneira
de encarar os fatos linguísticos, organizá-los e determinar o
padrão da língua a ser usado é a base das críticas realizadas
pelos linguistas para a determinação de uma norma linguís-
tica.

Na comunidade humana, existem algumas metodologias apreciadas


como ideais para se comunicar e se transmitir informações essenciais à vida
comunitária. Estes são, segundo Preti (1984), os hábitos linguísticos, ou o
que se convenciona chamar de uso. E o uso, por meio de sucessivas gerações,
acaba por se transformar em norma linguística, ou seja, o uso se incorpora na
linguagem corrente e tradicional de uma comunidade.

–  108  –
A Norma Linguística

O falante utiliza, para expressão de suas intuições inéditas,


modelos, formas ideais, que encontra no que chamamos “lín-
gua anterior” (sistema precedente de atos linguísticos). Ou
seja, o indivíduo cria sua expressão numa língua, fala uma
língua, realiza concretamente em seu falar moldes, estruturas
da língua de sua comunidade. (COSERIU, 1979, p. 73)

Câmara Jr. (2001) define norma como um conjunto de hábitos linguís-


ticos vigentes no lugar ou na classe social mais prestigiosa no país. Já Coseriu
(apud Preti, 1984) definiu sinteticamente que a norma linguística é o que se
disse e tradicionalmente se diz em uma comunidade.
É inevitável, no entanto, que apareçam conflitos na relação entre a
norma linguística atribuída pela ampla massa e os hábitos linguísticos da
comunidade. Recusando e até reagindo a essas ocorrências, determinados
grupos isolam-se dessa grande massa e abraçam uma linguagem especial
no campo léxico, opondo-se ao uso comum, o que pode servir a diferen-
tes finalidades, como desejo de originalidade, linguagem de uso restrito de
certos grupos ou para ser entendida apenas por pessoas do mesmo grupo
(caráter hermético).
Podemos agora, portanto, afirmar que em uma mesma época, duas pes-
soas não falam da mesma maneira a língua; em uma mesma época, uma única
pessoa não fala, em todos os momentos, da mesma maneira. E mesmo assim,
com esse comportamento variante explícito, é possível afirmar que exista, no
seio de uma comunidade linguística, um comportamento de manutenção de
unidade, conforme afirma Preti (1974):
[...] sabemos que, a partir do instante em que a comunidade
aceita uma língua como meio primordial de comunicação,
toda e qualquer variação lhe será prejudicial, motivo pelo
qual a tendência é manter sua unidade, colaborando todos,
consciente e inconscientemente, no sentido de sua nivela-
ção, pois dessa maneira a compreensão será mais fácil, e a
própria integração do indivíduo na cultura comum se dará
com mais facilidade.

A questão da discussão em torno da norma é extensa e não finaliza em


apenas um capítulo.
Para que possamos refletir um pouco mais em relação à língua portu-
guesa e o papel de cada um de nós, educadores ou não, apresentamos um tre-

–  109  –
Estudos Linguísticos e Variação

cho do artigo Gramática e escola: considerações sobre variação linguística


e ensino de língua portuguesa, de Flávio Biasutti :

Gramática e escola: considerações sobre variação linguística


e ensino de língua portuguesa
(...) A gramática denominada culta, normativa, prescritiva ou tradicional é con-
cebida como um manual com regras de bom uso da língua a serem seguidas por aque-
les que querem se expressar adequadamente. Franchi (1991) a considera um conjunto
sistemático de normas para bem falar e escrever, estabelecidas pelos especialistas, com
base no uso da língua consagrado pelos bons escritores. Podemos entendê-la também
como um conjunto de normas que nos orientam no uso padrão culto quando este nos
for exigido.
É relevante considerar que a gramática precisa ser ensinada nas escolas, todavia
não pode ser o único elemento de estudo. Além disso, em nossas gramáticas e compên-
dios gramaticais, normalmente, só se encontram exemplos de um uso filtrado de auto-
res do passado, parecendo que aqueles autores são os únicos modelos a serem seguidos.
Perini (1991) sugere que a melhor maneira de se trabalhar com os itens gramati-
cais é dando um panorama geral do que seja a língua, sua estrutura e funcionamento,
descrevendo-a em linhas gerais e, em seguida, apresentar um estudo mais detalhado de
alguns aspectos.
Outro aspecto importante de se considerar refere-se ao conceito de norma que,
conforme Lucchesi (2006), divide-se em padrão, reunindo as formas contidas e pres-
critas pela gramática normativa; em culta, contendo as formas efetivamente depreen-
didas da fala dos segmentos plenamente escolarizados; e em vernácula, considerados os
padrões linguísticos das classes mais baixas, não escolarizadas.
A partir dessas considerações, cumpre mencionar que, com a democratização do
ensino, de acordo com Soares (1986), a escola recebeu as camadas mais populares, che-
gando com elas a heterogeneidade linguística, provocando a necessidade de uma nova
postura por parte dos professores de língua portuguesa, principalmente.
Entende-se que a heterogeneidade linguística em um país continental e diver-
sificado como o Brasil é um fato natural e inevitável, isto é, a variação faz parte da
natureza da linguagem e é resultado da diversidade de grupos sociais e da relação que
estes grupos mantêm com as normas linguísticas. Bortoni-Ricardo (2005) afirma que
a escola não pode ignorar as diferenças sociolinguísticas, sendo que os professores —
e, por meio deles, os alunos — têm de estar bem conscientes de que existem duas ou
mais maneiras de dizer a mesma coisa. E mais, que essas formas alternativas servem

–  110  –
A Norma Linguística

a propósitos comunicativos distintos e são recebidas de maneira diferenciada pela


sociedade.

Travaglia (2003) ressalta que os objetivos do ensino de língua portuguesa devem


ser ensinar a língua e ensinar sobre a língua. No primeiro objetivo, o que se busca
é a formação de usuários competentes da língua, isto é, que tenham competência
comunicativa; no segundo, a finalidade é a de ensinar teoria gramatical ou linguística,
formando analistas da língua.

É digno de nota que muitas práticas de ensino de língua portuguesa passaram a


ser questionadas, devido ao resultado ruim que apresentavam. Nesse aspecto, a discus-
são de novas práticas no âmbito escolar desencadeou uma reforma da visão de ensino
da língua portuguesa, amparada nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), em
que o ensino passou a ser voltado para as práticas sociais, contemplando oralidade e
escrita, por exemplo, sob a ótica das variedades que a língua possui, não atrelando o
ensino tão somente à língua culta.

Essa nova abordagem de ensino caminha em direção ao respeito às diferen-


ças no ambiente escolar, proporcionando a todos os alunos também a possibili-
dade de garantia ao acesso dos saberes linguísticos necessários para o exercício
da cidadania, sem com isso desprezar sua origem e hábitos sociolinguísticos e
culturais. Há de se considerar que os PCNs tendem a provocar uma mudança
positiva na qualidade do ensino de língua portuguesa na escola; no entanto, ainda
não se observa uma amplitude tal que, na prática, tenha surtido o efeito desejado:
a escola ainda não vem alcançando a eficiência esperada a partir dos objetivos
preconizados nos PCNs.

Além disso, deve ser destacado que a formação dos professores de língua portu-
guesa, muitas vezes, atrelada à gramática normativa, e a própria estrutura de anos de
ensino de gramática normativa levam ainda a equívocos na aplicação de práticas que
contemplem uma formação discente mais próxima do desenvolvimento de habilidades
linguísticas que possam efetivamente proporcionar a esse aluno conhecimento sufi-
ciente para exercer seus papéis sociais de modo adequado.

(...)

Gramática e escola: considerações sobre variação linguística e ensino de língua


portuguesa Flávio Biasutti Valadares

DOMÍNIOS DE LINGU@GEM Revista Eletrônica de Linguística, Volume


4, - n° 2 – 2° Semestre 2010. Disponível em: <http://www.seer.ufu.br/index.php/
dominiosdelinguagem/article/viewFile/11536/6819>. Acessoem: 28 maio2015.

–  111  –
Estudos Linguísticos e Variação

7.2 O “Erro”
A língua varia com o tempo e varia de acordo com os interesses e cultu-
ras locais de cada comunidade. Segundo Cagliari (1999), todas as variedades,
do ponto de vista estrutural linguístico, são perfeitas e completas entre si. O
que as diferencia são os valores sociais que seus membros têm na sociedade.
Continua ainda afirmando que, para ele, há três variedades linguísticas: uma
norma padrão, que está na gramática, mas não é falada; um conjunto de
variedades desprestigiadas e um segundo grupo de variedades prestigiadas.
Concordando ou não, nós, enquanto sujeitos sociais, usamos esses con-
ceitos para distinguir os indivíduos e classes sociais pelos modos de falar e para
revelar em que consideração os temos. Já revelamos aí, portanto, nossos precon-
ceitos, pois assinalamos nessa análise as marcas linguísticas de prestígio ou não.
Bagno (2005) lembra que “todo falante nativo de uma língua é um
falante plenamente competente dessa língua, capaz de discernir intuitiva-
mente a gramaticalidade ou agramaticalidade de um enunciado, isto é, se
um enunciado obedece ou não às leis de funcionamento da língua. Nin-
guém comete erros ao falar sua própria língua materna, assim como ninguém
comete erros ao andar ou respirar”.
Não é a “variação linguística” que sofre o preconceito, visto que a varia-
ção é abstrata. Quem sofre preconceito, sempre, é o usuário de uma variante
que não seja a adotada pelo grupo social em que esse falante se insere.
Assim, aquilo que para o sociolinguista representa apenas
“diferença” no uso da língua, para as pessoas em geral vai
representar, de fato, um “erro”, um “defeito”, um sinal
de “ignorância”. Por isso, venho repetindo que onde
tem variação sempre tem também avaliação. (BAGNO,
2007, p. 13)

Ponderando-se com seriedade qual o peso do preconceito linguístico em


nossa sociedade, em nosso dia a dia, compete ao professor de língua apre-
sentar aos alunos os valores sociais atribuídos a cada variedade linguística,
evitando-se, assim que sejam penalizados inconscientemente.
As línguas mudam. Todas as línguas vivas mudam, seja em relação ao
tempo, ao espaço, à classe social dos usuários ou ao contexto ou situação em

–  112  –
A Norma Linguística

que forem usadas. Só não muda, naturalmente, uma língua morta. Mas essa
modificação não é para melhor nem para pior, é para o diferente, que não
manifesta nem progresso nem decadência.
Em seu livro Língua Materna, Marcos Bagno ensina que, em relação
a língua,
...tudo aquilo que é classificado tradicionalmente de “erro”
tem uma explicação científica perfeitamente demonstrá-
vel. A noção de erro em língua é inaceitável dentro de uma
abordagem científica dos fenômenos da linguagem. Afinal,
nenhuma ciência pode considerar a existência de erros em seu
objeto de estudo... (BAGNO, 2002, p. 13)

Apesar de a maioria dos usuários ter em mente, que é o preconceito


linguístico que traz atraso para uma sociedade, tendo em vista que não existe
uma variedade linguística melhor, ou pior do que a outra, é preciso sempre
lembrar que, do ponto de vista sociológico, o “erro” existe e sua maior ou
menor “gravidade” depende precisamente da distribuição dos falantes den-
tro da pirâmide das classes sociais, que é também uma pirâmide de varieda-
des linguísticas.
Infelizmente, estatísticas e pesquisas apontam que quanto mais baixo
estiver um falante na escala social, maior número de “erros” as camadas mais
elevadas atribuirão à sua variedade linguística (e a diversas outras caracterís-
ticas sociais dele).
O “erro” linguístico, segundo Silva, em seu artigo O Conceito do Erro em
Sociolinguística, “do ponto de vista sociológico, é antropológico, e tem por
base, numa avaliação negativa que nada tem de linguística: é uma avaliação
estritamente com base no valor social atribuído ao falante, em seu grau de
escolarização, em sua renda mensal, em sua origem geográfica, nos postos de
comando que lhe são permitidos ou proibidos, na cor de sua pele, em seu sexo
e outros critérios e preconceitos estritamente socioeconômicos e culturais”.
Por isso é que, muitas vezes, um mesmo suposto erro é consi-
derado como uma “licença poética” quando surge num texto
assinado por um autor de renome ou na fala de um membro
das classes privilegiadas, e um “vício de linguagem” ou um
“atentado contra a língua” quando se materializa na fala ou
na escrita de uma pessoa estigmatizada socialmente – “uma

–  113  –
Estudos Linguísticos e Variação

língua ou variedade de língua vale o que valem seus falantes”


(BAGNO, 2002).

O importante é termos consciência, como dissemos no começo desse


livro, que somos todos bilíngues: adotamos a variante padrão que é a nossa
língua materna e normalmente a da comunidade em que estamos inseridos;
e temos conhecimento da segunda variedade linguística que nos é propi-
ciada pela escolarização: o domínio da norma padrão ou culta (e que tem sua
nomeação tão duramente criticada pelos linguistas).
Silva ainda adverte, muito sensatamente, que devemos, sim, ensinar a
norma-padrão, pois a sua omissão impediria que os alunos a utilizassem. Mas
é importante estarmos conscientes também de que, citando Bagno (2005):
Uma das tarefas do ensino de língua na escola seria, então,
discutir os valores sociais atribuídos a cada variante lin-
guística, enfatizando a carga de discriminação que pesa
sobre determinados usos da língua, de modo a conscien-
tizar o aluno de que sua produção linguística, oral ou
escrita, estará sempre sujeita a uma avaliação social, posi-
tiva ou negativa.

Cabe-nos uma reflexão: se a escola efetivamente cumprisse o papel que


lhe é atribuído, de educar formalmente cada um de nossos cidadãos, estaría-
mos discutindo preconceitos linguísticos ou norma padrão?
Se todos tivéssemos acesso e fizéssemos uso de uma variedade de língua
disseminada e de conhecimento de todos, e se tivéssemos apenas a distinguir
questões semânticas, como, por exemplo, a nomeação de palavras como man-
dioca ( macaxeira, aipim, entre outras) e a questão do acento, ou da entoação
das palavras, tão diferenciadas regionalmente, haveria ainda assim preconcei-
tos linguísticos?
Compete-nos refletir, como educadores, ou futuros educadores, se esta-
mos efetivamente realizando o papel que optamos e que é tão esperado pela
sociedade brasileira, pela nossa sociedade.
Quanto a esse tema, que nos sirva, também, de reflexão, um trecho do
artigo A língua culta na escola: uma interpretação sociolinguística, de
Lucia F. Mendonça Cyranka e Dea Lucia Campos Pernambuco:

–  114  –
A Norma Linguística

O papel da escola no ensino da variedade culta

(...) Do que ficou exposto e a partir do pressuposto adotado pela Sociolinguís-


tica de que todas as línguas são heterogêneas e que, portanto, todas as variedades são
igualmente suficientes para o falante se expressar dentro de seu contexto sociocultural,
igualmente legítimas como meio de interação entre os membros da mesma comuni-
dade, a existência de uma variedade considerada melhor – a culta – demonstra que,
de fato, como entreviu Gnerre, por trás da questão linguística, existe outra de caráter
ideológico. Numa sociedade em que o acesso aos bens culturais exige o domínio de
uma só variedade linguística, a da classe dominante, a língua deixa de ser apenas ins-
trumento de interação e ação sobre a realidade para ser também um instrumento de
exclusão social.
Ora, para preparar os indivíduos para a vida em sociedade, elegeu-se a escola como
instituição oficial. Cabe a ela, no que se refere ao trabalho com a língua materna, desen-
volver no aluno habilidades e competências para utilizar adequadamente esse patrimônio
comum de sua comunidade. O que se esperaria é que a escola, adotando uma orientação
de base científica, fizesse o trabalho de desenvolver, em seus alunos, competências mais
refinadas, sem se preocupar em substituir a variedade linguística que já tivessem adqui-
rido, qual seja a de seu grupo social.
Se se tratasse de alunos advindos de classes sociais favorecidas nas quais o uso
da norma culta é comum e com a qual, portanto, estão mais familiarizados, caberia
à escola apenas desenvolver essa competência, ampliando a no domínio da leitura, da
utilização dos gêneros textuais que circulam na sociedade, numa palavra, tornando os
indivíduos letrados. Esse trabalho é, claro, estaria associado às práticas de oralidade,
tratando-se essa questão, como se viu atrás, dentro da perspectiva de um contínuo,
sem cair no que Marcuschi (2000, p. 27) denominou a armadilha que ameaça os que
estudam a relação oralidade/escrita. Introduzindo, em sua obra, um dos itens que trata
dessa questão, ele anuncia:
Será feita uma tentativa de evitar cair na armadilha prepa-
rada para todos os que tentam entrar na análise das relações
entre oralidade e escrita. Segundo Street (1995), é difícil não
sucumbir a algum dos mitos presentes nessa armadilha, mesmo
quando se postula, como nós, a teoria de que a relação se funda
num continuum e não numa dicotomia polarizada.

Se, ao contrário, essa variedade fosse a das classes desfavorecidas sócioeconomi-


camente, seria necessário, obviamente, que a essa competência fosse acrescentada a do
domínio da norma culta para que o acesso aos bens culturais e sociais não lhes fosse
vedado. Juntamente com isso, o mesmo trabalho de promover-lhes o letramento, pro-
piciar-lhes as práticas de escrita e oralidade, tornando esses alunos familiarizados com os
gêneros textuais necessários a seu intercâmbio social.

–  115  –
Estudos Linguísticos e Variação

Veja-se o que sobre isso orienta Mattos e Silva (2004a, p. 114-115):


Se o professor tiver uma formação sociolinguística
adequada, o que acontecerá com uma minoria, terá
de trabalhar com a variação da sintaxe nas suas aulas e
saber, na maioria das vezes de maneira intuitiva e ten-
tativa, já que não há materiais prontos para isso, definir
o que será o uso lingüístico socialmente aceitável para
que seus alunos não fracassem no curso de sua futura
vida profissional em nossa sociedade. Assim, entre as
variantes sintáticas em convívio nas falas brasileiras, o
professor terá de distinguir, pelo menos, as estrutural-
mente mais salientes e socialmente mais estigmatizadas,
para, sem desprestigiar as segundas, selecionar ambas, a
fim de treinar o uso formal falado e os usos escritos de
seus alunos. Aí está a grande contribuição que a socio-
linguística sobre o português brasileiro poderá dar para
uma efetiva virada no ensino da língua portuguesa no
Brasil. Seria este talvez, um dever patriótico: o conheci-
mento e o reconhecimento, na escola, da realidade do
português brasileiro.
Labov (1987) aponta a dificuldade da escola em desenvolver nos alunos competên-
cias de uso da escrita e da leitura e chama a atenção, em contrapartida, para o sucesso do
“trabalho” assistemático que acontece fora da escola, na comunidade em geral, no ensino
de outras competências linguísticas. Aqui ele atribui papel importante não apenas à famí-
lia, mas em grande parte, à patota (peergroups).
Apoiando-se em suas pesquisas sobre o Ebonics (na época, BEV), ele (1987) con-
clui sobre a dificuldade de se ensinar padrões fonéticos a alunos falantes de outras varieda-
des linguísticas e aconselha que os professores se limitem àqueles que sejam gerais para a
população como um todo. Reconhece (op. cit, p. 139) a força da patota e sua resistência
em aceitar o padrão linguístico da escola:
A evidência aponta para o fato de que o adolescente da
“patota”, nas cidades do interior, institucionaliza resis-
tência às normas, à ideologia e às práticas do sistema
escolar. Essa resistência parece ser o resultado de um
conflito político e cultural entre os falantes do vernáculo
e as autoridades escolares (Labov, 1982). O comporta-
mento linguístico dos membros da “patota” é um reflexo
e um símbolo desse conflito.
Se, no caso examinado por Labov, as raízes das diferenças ideológicas estão na ques-
tão racial, no Brasil, tudo indica ser ela de ordem econômico-social historicamente cons-
tituída. Bortoni-Ricardo (2005, p. 131) esclarece:

–  116  –
A Norma Linguística

No Brasil, a variação está ligada à estratificação social


e à dicotomia rural-urbano. Pode-se dizer que o prin-
cipal fator de variação linguística no Brasil é a secular
má distribuição de bens materiais e o consequente
acesso restrito da população pobre aos bens da cul-
tura dominante. Diferentemente de outros países,
como os Estados Unidos, por exemplo, a variação
linguística não é um índice sociossimbólico de etni-
cidade, exceto nas comunidades bilíngues, sejam as
de colonização europeia ou asiática, sejam as das
nações indígenas.
De qualquer modo, os dialetos dos negros americanos e dos alunos brasileiros
das classes sociais baixas são estigmatizados. O único caminho acertado para superar
essas diferenças, enfatiza Labov, é a exposição das crianças, o mais cedo possível, às
outras variedades linguísticas. (...)
A língua culta na escola: uma interpretação sociolinguística. Lucia F. Men-
donça Cyranka eDea Lucia Campos Pernambuco. Revista Est. Pesq. Educ. Juiz de
Fora, v. 10, p. 17-28, jan./dez. 2008. Disponível em: <:http://www.ufjf.br/fale/
files/2010/06/A-l%C3%ADngua-culta-na-escola-uma-interpreta%C3%A7%C3%
A3o-sociolingu%C3%ADstica.pdf>. Acesso em:23 maio 2015.

–  117  –
Referências

AGUSTINI, C.; LEITE, J.D. Benveniste e a teoria saussuriana


do signo linguístico: o binômio contingência-necessidade. Dis-
ponível em http://www.revistalinguas.com/edicao30/artigo7.pdf
2012. Acesso em 05 de maio de 2015.
ARAGÃO, Maria do Socorro Silva de. Variantes diatópicas e dias-
tráticas na língua portuguesa do Brasil. Revista Graphos. João
Pessoa, Vol 12, N. 2, Dez./2010
ARAÚJO, Inês Lacerda. Por uma concepção semântico-prag-
mática da linguagem. Revista Virtual de Estudos da Linguagem
– ReVEL. V. 5, n. 8, março de 2007.
AVEZEDO, S.D.R.A. Formação discursiva e discurso em Michel
Foucault . Revista Filogenese, Vol. 6, nº 2, 2013.
Estudos Linguísticos e Variação

BAGNO, Marcos. A inevitável travessia: da prescrição gramatical à educação


linguística. In: ___; STUBBS, Michael; GAGNÉ, Gilles. Língua materna:
letramento, variação & ensino. São Paulo: Parábola, 2002, p. 13-84.
______. Nada na língua é por acaso. São Paulo: Parábola, 2007.
______. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 38. ed. São Paulo:
Loyola, 2005. [52. ed., 2009]
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 8. ed. Hucitec: São
Paulo, 1997.
BASILIO, Margarida. Em torno da palavra como unidade lexical: Palavras e
composições. Juiz de Fora: Veredas, revista de estudos lingüísticos v. 4, n. 2, 2009
BENVENISTE, Émile. A natureza dos pronomes. In: ______. Problemas
de Linguística Geral I. Campinas, SP: Pontes, 2005.
______. Da subjetividade na linguagem. In: _____. Problemas de Linguís-
tica Geral I.
Campinas, SP: Pontes, 2005
______. O aparelho formal da enunciação. In: _____. Problemas de Lin-
guística Geral II. Campinas, SP: Pontes, 2006
BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Brasileira. Rio de Janeiro:
Lucerna, 2006.
BLOOMFIELD, L. A set of postulates for the science of language. Lan-
guage, n. 2, p. 153-164. Reprinted in Hockett, 1970. ,
BORBA, F. da S. Introdução aos estudos linguísticos. 12. ed. Campinas:
Pontes, 1998.
BORGES, PIRES e MULLER. http://webcache.googleusercontent.com/
search?q=cache:NcYqOavtC4gJ:www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/
relin/article/download/2576/2528+&cd=9&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br.
Acesso em 02 de maio 2015.
BOTELHO, José Mario. Conceitos fundamentais acerca de fatores de
evolução linguística. Revista Philologus, Ano 14, N° 42. Rio de Janeiro:
CiFEFiL, set./dez.2008

–  120  –
Referências

CABRAL, L. S. Introdução à linguística. 7. ed. Rio de Janeiro: Globo, 1988.


CAGLIARI, Luiz Carlos. Elementos de fonética do português brasileiro.
Tese (livredocência) - Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Esta-
dual de Campinas. 1981.
______. Análise fonológica: introdução à teoria e à prática. Campinas: Mer-
cado de Letras, 2002. 208 p.
CEIA, Carlos. E-Dicionário de Termos Literários. http://www.edtl.com.pt
Acesso em 22 de maio de 2015
CHOMSKY, N. Reflexões sobre a linguagem. São Paulo: Cultrix, 1980
______. Novos horizontes nos estudos da linguagem. In: Noam Chosmky
na UFRJ. Coord. de Luiz Pinguelli Rosa e Miriam Lemle. Rio de Janeiro:
UFRJ, 1998.
COSERIU, Eugenio. Teoria da Linguagem e Linguística Geral: Cinco Estu-
dos. Rio de Janeiro: Presença, 1979, p.73
DECIAN, M. M.; MEA, C.H.P.D. O signo linguístico: de Saussure a Ben-
veniste. In.: Disciplinarum Scientia, Série: Artes, Letras e Comunicação, Santa
Maria, v. 6, n. 1, p. 93-109, 2005.
FIORIN, José Luiz(org.).INTRODUÇÃO À LINGÜÍSTICA- objetos teó-
ricos. São Paulo: Contexto, 2009, vol. 1
______, José Luiz(org.).INTRODUÇÃO À LINGÜÍSTICA- Princípios de
Análise. São Paulo: Contexto, 2009, vol. 2
FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense, 1986
FUZER, Cristiane. A linguística no tempo: pontos de vista sobre a lingua-
gem. http://jararaca.ufsm.br/websites/l&c/download/artigo08_2/cristiane.
pdf Acesso em 15 de abril de 2015
FRANCHI, C. Mas o que é mesmo ´Gramática?. In: LOPES, H. V. et al
(Org.).Língua Portuguesa: o currículo e a compreensão da realidade. São Paulo,
Secretaria da Educação/Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas, 1991.
FREITAS, Renata A.. Variações Linguísticas e estigmatização da Fala:
algumas considerações para o professor de Língua Materna. ECCOM, v. 3,
n. 6, jul./dez. 2012

–  121  –
Estudos Linguísticos e Variação

GARCIA, Jaqueline Justo; BARBOSA, Miriam Bastos. Norma linguística


preconceito ou mal necessário? http://www.filologia.org.br/xcnlf/17/14.
htm. Acesso em 30 de abril de 2015.
GERALDI, J. W. Portos de passagem. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes,
1995.
______. Da redação à produção de textos. In: GERALDI, J. W. & CITE-
LLI, B. Aprender e ensinar com textos de alunos. São Paulo: Cortez, v. 1,
1997.
HUSTON, Nancy. A Espécie Fabuladora- um breve estudo da humani-
dade. Porto Alegre: L&PM, 2010.
JUCHEM, Aline. Saussure, Benveniste e o objeto da linguística. Cadernos
do IL, Porto Alegre, n.º 36, junho de 2008.
KATO, M. A. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. 5.
ed. São Paulo: Ática, 1995.
KOCH, I. G. V. A inter-ação pela linguagem. São Paulo: Contexto, 1992.
______. Linguagem e ensino: exercícios de militância e divulgação . Cam-
pinas: Mercado de Letras-ALB, 1996.
______. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002
KRONKA, Graziela Zanin. Análise do discurso e linguística textual: inte-
ração e interdiscursividade. Anais do 5º Encontro do Celsul, Curitiba-PR,
2003 (589-594)
______. Novas tendências em análise do discurso. Campinas, SP: Editora
da UNICAMP, 1989
LEITE, L. C. M. Gramática e literatura: desencontros e esperanças. In:
GERALDI, J. W. O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 1997.
LIMA, L. VARIAÇÃO DIACRÔNICA. https://linguisticaemfoco.word-
press.com/2013/10/27/variacao-diacronica/. Acesso em 20 de maio de2015
LOPES, E. Fundamentos da linguística contemporânea. São Paulo: Cul-
trix, 1979.
______. (Org.) O texto na sala de aula . São Paulo: Ática, 1997.

–  122  –
Referências

MAINGUENEAU, Dominique (1984) Genése du discours. Pierre Mar-


daga, Editeur (tradução: Sírio Possenti - mimeo). _____ (1987) Novas ten-
dências em análise do discurso. Campinas, SP: Editora da UNICAMP,
1989.
MALMGERG, B. As novas tendências da linguística. São Paulo: Cia Ed.
Nacional, 1971.
MARTINET, André. Elementos de linguística geral. 8 ed. Lisboa: Martins
Fontes, 1978.
MARTINS, M. H. (Org.) Questões de linguagem. 4. ed. São Paulo:
Contexto, 1994.
______. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002.
MATLIN,W. M. Psicologia Cognitiva. Rio de Janeiro:LTC. 5ª ed. 2004.
MENDONÇA, Daniel de. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 1. Brasí-
lia, janeiro-junho de 2009, pp. 153-169.
MOLLICA, Cecília (2003). Fundamentação teórica: conceituação e deli-
mitação. In.:
MOLLICA, Cecília; BRAGA, Maria Luiza (orgs.).Introdução à Sociolin-
guística: o tratamento da variação. São Paulo: Contexto, p. 9-14.
NEVES, Maria Helena de Moura. http://www.comciencia.br/reportagens/
linguagem/ling12.htm. Acesso em 05 de maio de 2015.
NICOLA, José de. Língua, Literatura & Redação ( vol. 3). São Paulo:
­Scipione, 2010.
OLIVEIRA, Roberta Pires de. Semântica Formal - Ideias Sobre Linguagem
. Editora Mercado das Letras, 2009
ORLANDI, Eni Pucinelli. O que é Linguística. São Paulo: Brasiliense,
2009, 2° ed.
OSAKABE, H. Linguagem e educação. In: MARTINS, M. H. (Org.) Ques-
tões de Linguagem. 4. ed. São Paulo: Contexto, 1994.
PERINI, Mário A. Sobre língua, linguagem e Linguística: uma entrevista
com Mário A. Perini. ReVEL. Vol. 8, n. 14, 2010.

–  123  –
Estudos Linguísticos e Variação

PETTER, Margarida. Linguagem, língua, linguística. In: Introdução à lin-


guística: objetos teóricos. In: FIORIN, José Luiz (org). São Paulo: Contexto,
2002. p. 12-24.
RODRIGUES, Aryon Dall’Igna. Problemas relativos à descrição do por-
tuguês contemporâneo como língua padrão no Brasil. In: BAGNO, Mar-
cos. Linguística da norma. São Paulo: Ed. Loyola, 2002, p. 11-25.
ROULET, E. Teorias linguísticas, gramáticas e ensino de línguas. São
Paulo: Pioneira, 1972
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. Organização de
Charles Bally e Albert Sechehaye com a colaboração de Albert Riedlinger.
Trad. de Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein. 24ª ed. São
Paulo: Pensamento-Cultrix, 2004.
______. Sobre a essência dupla da linguagem: natureza do objeto da lin-
guística. In: BOUQUET, Simon; ENGLER, Rudolf (Orgs.). Escritos de Lin-
guística Geral. São Paulo: Cultrix, 2004, p. 23-24.
SILVA, Antônio Carlos da Silva, As teorias do signo e as significações lin-
guísticas. 2001
SILVA, Fernando Moreno da. Processos fonológicos segmentais na Língua
Portuguesa. In: Littera On-Line, Número 04 – 2011, UFM.
TRAVAGLIA, L. C. Gramática e Interação: uma proposta para o ensino
de gramática no 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez, 1997.
VERÍSSIMO, L.P.; VERÍSSIMO, V.P. ; OLIVEIRA, S. F.P.. MEUS AMIGOS E
MINHAS AMIGAS, BRASILEIROS E BRASILEIRAS,TRABALHADORES
E TRABALHADORAS: discursos presidenciais e marcas linguísticas de ora-
lidade: a aproximação com o povo brasileiro. Revista Eletrônica de Letras
(Online), v.7 , n.7, edição 7, jan-dez 2014
VYGOTSKY, LS. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo:
Martins Fontes, 1991.

–  124  –
O Falar, escrever, ler... usar uma língua para expressar sentimentos, compartilhar
experiências, trocar conhecimentos, emitir juízo, inserir-se em uma comunidade,
enfim, usar uma língua para partilhar de uma identidade cultural.
Todos os dias fazemos isso, mas nem nos damos conta de todos os elementos e
implicações que entram em questão, na hora de nos comunicarmos.
Mas, alguns estudiosos, conhecidos por linguistas, se deram conta disso e fizeram
da linguagem humana, escrita e falada, seu objeto de estudo.
Cabe ainda outra constatação ou reflexão: sem nos darmos conta, somos todos,
pelo menos, bilíngues. E por que podemos fazer tal afirmação?
Temos uma língua própria, a que usamos para nos comunicar com nossos familia-
res, em nosso ambiente de trabalho, em nossos momentos de socialização. E, em
nosso percurso escolar, chegamos ao nível superior com uma segunda língua: a
que a escola nos apresentou - a norma padrão, ou norma culta.
Como educadores, ou futuros educadores, precisaremos ter bem clara essa reali-
dade: somos bilíngues! E como tal, devemos, obrigatoriamente, respeitar os falares
de compõem a língua brasileira.
A Linguística nos proporciona o entendimento do que é a linguagem, como
conhecê-la, como decifrá-la, pois, sem conhecer a linguagem, podemos conhecer
o ser humano?

ISBN 978-85-60531-15-8

9 788560 531158

Você também pode gostar