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Pescado, Saúde e Sustentabilidade

Dra. Rúbia Yuri Tomita


Pesquisadora Científica
Instituto de Pesca/APTA /SAA
São Paulo/Brasil
rubia.tomita@sp.gov.br

De acordo com os dados mais recentes publicados pela Food and


Agriculture Organization (FAO) em 2020, referentes a 2018, o pescado é o
principal componente da dieta de aproximadamente 3 bilhões de pessoas no
planeta, com consumo per capita de aproximadamente 20,5 kg/ano, embora
exista muita variação de uma região para outra. No Brasil, estima-se que o
consumo médio per capita seja de aproximadamente 10,5 kg/ano, mas repete o
cenário mundial e há grande variação de uma região para a outra, sendo que
na região Norte (onde se localiza o estado do Amazonas) o consumo é de
aproximadamente 18 kg/habitante/ano, enquanto na região Sul (estados de
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) é de 1,5 kg/habitante/ano.
O pescado pode ser obtido através da pesca (captura) ou ser oriundo do
cultivo (aquicultura), sendo de procedência tanto marinha quanto de água doce
(águas interiores). A FAO indica que o total global de 178,5 milhões de
toneladas de pescado foram produzidos em 2018, distribuídos conforme a
tabela 1 abaixo, segundo sua origem.

Tabela 1. Volume de Produção de pescado (milhões de toneladas) segundo


sua origem.
Origem Pesca Aquicultura
(milhões de ton) (milhões de ton)

Águas interiores 12,0 51,3


Mar 84,4 30,8
Total 96,4 82,1
TOTAL GERAL 178,5
Fonte: SOFIA, FAO 2020.

Aproximadamente 88% (156,4 milhões de toneladas) do total global de


pescado produzido em 2018 foram utilizados na alimentação humana e
correspondeu a cerca de 7% de toda proteína consumida no mundo. A proteína
do pescado é considerada de alta qualidade nutricional e pode ter um papel
estratégico na prevenção de algumas doenças mais impactantes da sociedade
moderna, como doenças cardiovasculares e diabetes tipo II, vários autores
ressaltam ainda a necessidade de estudos quanto à sua capacidade de suprir
nutrientes para doenças específicas de algumas regiões com severas
deficiências nutricionais. A literatura internacional destaca que o consumo
regular de pescado pode reduzir o risco de todas as causas de mortalidade em
6-14%, quando comparada com a dieta onívora padrão, além da redução de
risco relativo para diabetes tipo II, mortalidade coronariana e câncer em
aproximadamente 25%, 20% e 12%, respectivamente.
Em relação ao consumo de pescado, a Organização Mundial de Saúde
(OMS) recomenda de uma a duas porções semanais de pescado, enquanto as
diretrizes da União Européia - European Food and Safety Authority (EFSA),
recomenda que pessoas adultas consumam 300g de peixe/semana,
recomendações que já balanceiam os benefícios à saúde e os riscos
associados ao consumo do pescado, em função da bioacumulação de
contaminantes que podem estar presentes no pescado e seus produtos.
Não se pode negar que inúmeros processos ocorrem na natureza e de
acordo com as características físico-químicas dos contaminantes pode ocorrer
bioacumulação e/ou biomagnificação, ou seja, peixes e invertebrados podem
acumular os agrotóxicos, por exemplo, em concentrações muito acima
daquelas encontradas nas águas e/ou nos níveis tróficos inferiores, oferecendo
risco à saúde humana. Assim, é importante considerar que mesmo o pescado
sendo uma importante fonte de nutrientes, também pode ser fonte de uma
alguns contaminantes ambientais e há que se estudar e/ou monitorar o
potencial de acumulação destas substâncias nas espécies, considerando
regiões específicas, características ambientais e atividades econômicas, bem
como suas concentrações nos organismos aquáticos, o que permitirá o controle
do risco, caso ele exista.
Além de seu alto valor nutricional e impacto positivo sobre a saúde
humana, deve-se destacar também o impacto positivo sob a ótica ambiental,
pois em muitos casos pode ser considerado mais eficiente que muitos sistemas
terrestres de produção animal, dependendo do método de produção,
aquicultura ou captura (pesca). Assim, o pescado é uma estratégia muito
importante quando se fala em adoção de uma dieta saudável e sustentável,
considerando a adoção de estratégias como o manejo da pesca, a redução de
bycatch e sobre-explotação, além da melhor utilização dos recursos pesqueiros
e implantação de sistema integrado de aquicultura multitrófico, como a
policultura, onde diversas espécies de plantas e animais são cultivadas juntas e
que podem melhorar a ecoeficiência e assim trazer maiores benefícios ao
ambiente e à produção.
A cadeia produtiva do pescado deve encarar os desafios e considerando
o contexto dos novos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da
Agenda 2030, há que se facilitar a tradução eficaz de políticas de
desenvolvimento sustentável em ações concretas em nível local, regional,
nacional e internacional, criando bases científicas e possibilidades para que as
informações sejam geradas, disponibilizadas e utilizadas no sentido de se
permitir:
a) definir ações e formas de processar as diferentes espécies de pescado de
maneira mais adequada e eficiente e minimizando perdas;
b) permitir ao consumidor, conhecer o valor nutricional das distintas espécies
para melhor aproveitar seus benefícios à saúde; e,
c) aos agentes de regulação e fiscalização deve-se propiciar acesso às
informações e ferramentas que garantir o comércio seguro e gerenciamento de
riscos à saúde e ao ambiente.
Projeções da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) indicam que se espera aumento do consumo aparente de
pescado per capita no Brasil, chegando a 12,7 kg/habitante em 2024, gerando
um crescimento de 30% em relação ao período de 2012-2014 (OECD/FAO,
2015). Cabe destacar que além da pesca e aquicultura serem importantes
fontes de proteínas, constituem também um meio de vida para
aproximadamente 4 milhões de pessoas, que participam direta ou
indiretamente neste setor. Outras projeções indicam que até 2030, 63% do
peixe consumido globalmente será produzido pela aquicultura em alguns
países asiáticos, especialmente a China.
Muitos são os desafios, mas os pessimistas que me perdoem! O
momento é extremamente positivo para a cadeia produtiva do pescado que
vem se consolidar num cenário em que a humanidade compreende a
necessidade de se manter saudável e busca uma dieta adequada para a
manutenção de sua saúde, qualidade de vida e enfrentamento da pandemia e
outras enfermidades.
Além disto, o amadurecimento do pensamento econômico, nos faz
perceber que a sustentabilidade deixou de ser um “conceito” e se tornou um
VALOR, onde a ecoeficiência é fundamental para qualquer processo
produtivo oferecer bens e serviços à sociedade.
A produção de pescado pela Pesca e Aquicultura com Sustentabilidade
é possível e acontece quando o crescimento econômico se dá com cuidado
para não se romper os limites ecológicos ou se esgotar os recursos naturais. A
sustentabilidade na atualidade pode ser compreendida como um sinônimo de
RESILIÊNCIA!!!

Referências Bibliográficas Consultadas


FAO. The state of world fisheries and aquaculture 2020 - sustainability in
action. Rome; 2020. Global perspective of fisheries, their role and
contribution.
OECD/FAO (2015), OCDE-FAO Perspectivas Agrícolas 2015, OECD
Publishing, París. 154p. DOI: http://dx.doi.org/10.1787/agr_outlook-
2015-es.
ONU - Organização das Nações Unidas. 2015. AGENDA 2030 para o
Desenvolvimento
R.Y. Tomita & Z. Beyruth. 2002. TOXICOLOGIA DE AGROTÓXICOS EM
AMBIENTE AQUÁTICO. Biológico, São Paulo, v.64, n.2, p.135-142.
Sustentável. Traduzido pelo Centro de Informação das Nações Unidas para o
Brasil (UNIC Rio), 41p. Disponível:
https://sustainabledevelopment.un.org
VEIGA, J.E. Sustentabilidade: A legitimação de um novo valor. Ed. Senac,
3ª edição, 2019.
VIANNA, G.M.S., ZELLER, D. & PAULY, D. Fisheries and Policy Implications
for Human Nutrition. Curr Envir Health Rpt 7, 161–169 (2020).
https://doi.org/10.1007/s40572-020-00286-1

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