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Princípios de genética forense

Autor(es): Corte-Real, Francisco; Vieira, Duarte Nuno


Publicado por: Imprensa da Universidade de Coimbra
URL URI:http://hdl.handle.net/10316.2/38492
persistente:
DOI: DOI:http://dx.doi.org/10.14195/978-989-26-0957-7

Accessed : 2-Jun-2019 01:32:07

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PRINCÍPIOS
DE GENÉTICA
FORENSE
FRANCISCO CORTE-REAL
DUARTE NUNO VIEIRA
Este trabalho pretende constituir um contributo para a melhor compreensão

da Genética Forense por parte de quem deseje iniciar-se ou aprofundar

os seus conhecimentos nesta área. São abordados os principais conceitos

com relevância para a Genética Forense, incluindo os aspectos relacionados

com a Genética de Populações, bem como os cuidados a ter na colheita,

acondicionamento e envio de amostras para identificação genética.

São detalhadas as principais características das perícias realizadas

no âmbito das três áreas mais frequentemente solicitadas (investigação

biológica de parentesco, criminalística biológica e identificação genética

de desconhecidos) e discutem-se os problemas éticos mais relevantes

no que diz respeito ao uso da genómica individual na investigação criminal.

Conclui-se relatando-se todo o processo que levou à criação da

Base de Dados de Perfis de ADN em Portugal, descrevendo-se não apenas

a situação actual mas também o conjunto de iniciativas que originaram

a publicação da lei e os aspectos que suscitaram mais controvérsia.


PRINCÍPIOS
DE GENÉTICA
FORENSE
FRANCISCO CORTE-REAL
DUARTE NUNO VIEIRA
COLEÇÃO SAÚDE

TÍTULO TITLE
Princípios de Genética Forense

COORDENADORES COORDINATORS
Francisco Corte-Real
Duarte Nuno Vieira

PREFÁCIO PREFACE
Guilherme de Oliveira

EDITOR PUBLISHER
Imprensa da Universidade de Coimbra
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ISBN
978-989-26-0956-0

ISBN Digital
978-989-26-0957-7

DOI
http://dx.doi.org/10.14195/978-989-26-0957-7

DEPÓSITO LEGAL LEGAL DEPOSIT


400187/15

© Outubro 2015
IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
COIMBRA UNIVERSITY PRESS
PRINCÍPIOS
DE GENÉTICA
FORENSE
FRANCISCO CORTE-REAL
DUARTE NUNO VIEIRA
(Página deixada propositadamente em branco)
SUMÁRIO

Prólogo.................................................................................................................................... 7
Francisco Corte-Real e Duarte Nuno Vieira

Prefácio.................................................................................................................................... 9
Guilherme de Oliveira

Capítulo 1...............................................................................................................................19
Colheita e acondicionamento de amostras biológicas para identificação genética
Maria João Anjos Porto

Capítulo 2 ............................................................................................................................. 43
Criminalística biológica
M. Fátima Pinheiro

Capítulo 3 ............................................................................................................................. 75
Identificação genética de desconhecidos
Rosa Maria Espinheira

Capítulo 4.............................................................................................................................. 95
Investigação biológica de parentesco
Paulo Dario e Helena de Seabra Geada

Capítulo 5 ............................................................................................................................125
Alguns conceitos de genética populacional com relevância em genética forense
Luis Souto

Capítulo 6 ............................................................................................................................145
Base de dados de perfis de ADN
Francisco Corte-Real

Capítulo 7 ............................................................................................................................179
Problemas éticos do uso da genómica individual na investigação criminal
Bárbara Santa Rosa
(Página deixada propositadamente em branco)
7

P RÓ LO G O

Imparcialidade, independência, veracidade e deverá assim ser possuidor não apenas de conhe-
prudência são aspectos fundamentais no âmbito cimentos vastos e profundos nas matérias sobre
da intervenção da perícia forense. Aspectos que que se pronuncia, mas deverá possuir também
têm de estar necessariamente associados a com- a humildade científica suficiente que o habilite
petência e objetividade e a rigorosos princípios de a simplificar e a explicar o seu discurso, a ser
controlo de qualidade. Princípios que só podem facilmente inteligível para quem não pertence
ser assegurados se forem seguidas as normas e nem domine a sua área, mas que tem a complexa
as metodologias estabelecidas pela comunidade incumbência de decidir.
científica internacional e se, na actividade pericial, A Genética Forense constitui uma das áreas
se utilizar linguagem objectiva, rigorosa e clara. mais apaixonantes das ciências forenses e, se-
As ciências forenses têm registado uma as- guramente, uma das que mais evoluiu nos últi-
sinalável evolução, um substancial alargamento mos anos. Os diferentes tipos de polimorfismos
dos seus domínios de intervenção e um notável genéticos actualmente disponíveis bem como as
aprofundamento dos conhecimentos e das ma- técnicas, as metodologias e os equipamentos ao
térias que integram os seus diversos ramos, os dispor da comunidade científica, permitem uma
quais envolvem cada vez mais complexas espe- diversidade e profundidade de resultados que não
cificidades. Tais especificidades científicas têm, se imaginavam há alguns anos atrás. Além disso, é
contudo, de ser perceptíveis por todos aqueles uma ciência com características muito particulares,
que, não sendo especialistas na área em causa, designadamente por permitir quantificar a força
se podem ver confrontados com a necessidade dos seus resultados. Estes aspectos fazem com
de compreender e interpretar relatórios periciais. que seja uma área com capacidades extremamente
Com efeito, servirá de pouco um relatório pericial relevantes no apoio à Justiça, desde que devida-
que não consiga transmitir aos não especialistas mente aproveitada, concretizada e compreendida.
o sentido, alcance e limitações do que foi pos- As múltiplas especificidades que envolve devem,
sível concluir na situação concreta. Uma perícia repete-se, ser apreendidas e percebidas por aque-
forense pode ser realizada de forma correcta e les que vão receber e interpretar os relatórios peri-
completa, seguindo todas as normas científicas ciais. A título de exemplo, refira-se a necessidade
consensualmente aceites, mas se não for entendí- de se saber que quando se procede à identificação
vel pelos não especialistas na área, designadamen- genética de um pretenso pai ou de um “alegado
te por magistrados e advogados, não contribuirá criminoso” se realiza sempre uma comparação
certamente para a melhor realização da Justiça. com a probabilidade do resultado se o pai ou o
O vocabulário utilizado, as explicações dadas, “criminoso” for um homem ao acaso da popula-
os argumentos apresentados, deverão ser de- ção. E é também necessário saber-se que para se
vidamente adaptados a quem vai ter de os ler “determinar” esse homem ao acaso é importante
e perceber para melhor poder decidir. O perito que seja indicada qual a população de referência
8

a considerar, pois a constituição genética pode


variar muito entre diferentes populações.
A procura da simplificação e da explicitação
de conceitos deve ser um objectivo permanente
dos peritos forenses, bem como dos docentes
responsáveis pela formação de juristas ou futuros
juristas, entre outros. Se tal não for conseguido
não é seguramente por responsabilidade dos que
desejam aprender, mas daqueles que têm o dever
de ensinar e de clarificar noções e conceitos.
Neste contexto, este livro pretende ser um
contributo para que a Genética Forense seja mais
compreendida e que, por essa via, possa melhor
auxiliar a realização da Justiça.

Francisco Corte-Real, Duarte Nuno Vieira


9

P R E FÁC I O

Há anos, perguntava-se a deputados de um alguma desconfiança, que era gerada pela dificul-
certo estado norte americano: “Onde estão situa- dade de perceber os instrumentos de análise e os
dos os genes?” Parte significativa das respostas procedimentos. Por exemplo, quando a reforma
dizia: “na cabeça”. Não pode censurar-se a res- do código civil de 1977 admitiu a prova da data
posta por ela ser depreciativa; na verdade, o local provável da concepção ou, dito de outro modo, a
indicado tem a sua dignidade ou, pelo menos, há prova do tempo de gestação (art. 1800.º) um res-
pior. Outra parte dos inquiridos respondeu: “no peitado comentador ironizava com o novo regime,
corpo”. Convenhamos em que a resposta, apesar escrevendo que, daí em diante, os juízes teriam de
de genérica e muito defensiva, não deixa de es- pôr-se a adivinhar... E eu compreendo que não era
tar certa. E, afinal, o corpo é um lugar bastante fácil, nessa altura, procurar esclarecimentos sobre
razoável para guardar os nossos genes... os métodos que os neonatalogistas já usavam,
Interessa-me sublinhar que respostas deste quando queriam compreender as origens de algu-
tipo poderiam ser dadas em todo o mundo, até ma anomalia do recém-nascido, e que serviam para
hoje, mostrando uma certa ignorância generaliza- produzir a prova científica de que falava a norma.
da relativamente a uma área científica que irrom- Recordo também que, numa certa época,
peu pelos tratados e pelos laboratórios sem pedir acelerou-se muito o progresso das provas sanguí-
licença, com uma taxa de crescimento enorme, neas para identificação, designadamente em ações
e que alterou irreversivelmente a prática clínica. de parentesco, sobretudo quando se aproveitou a
O efeito-surpresa deste fenómeno arrasador técnica da histocompatibilidade desenvolvida para
encontrou a humanidade desapetrechada para os transplantes, mesmo antes da generalização
compreendê-lo e, sobretudo, para medir o alcance das técnicas genéticas. Os resultados negativos
das suas implicações. A Genética, ainda hoje é chegavam com frequência aos 99,9999%. Porém,
desconhecida e mesmo assustadora para muitos os juristas que queriam contrariar a negação da
cidadãos, e falar de Genética lembra frequente- paternidade alegavam facilmente que o resulta-
mente galinhas sem penas e outras coisas bizarras. do não era certo, isto é, 100% certo, e que era
Os conhecimentos da Genética foram facil- importante tomar em consideração a margem de
mente transpostos para outros sectores da vida, erro de 0,0001%, ignorando que, provavelmente,
como o da atividade forense. E este livro é sobre a margem de erro de todas as outras decisões
Genética Forense. judiciais é superior...
Mas o “mundo” dos juristas não tinha nenhu- A verdade é que os juristas nunca receberam
ma razão para se manifestar mais tranquilo do que as bases de biologia e bioquímica que podiam
o comum dos cidadãos. A formação académica em facilitar a absorção dos conceitos e da prática
letras e humanidades não predispunha os juristas genética. Assim, de um modo geral, precisam de
para aceitar facilmente as conquistas científicas. algum tempo para aderir às aplicações forenses
Os meios de prova científica foram recebidos com das conquistas científicas.
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2. A vida de cada um de nós progride sempre esta norma não acrescentou nada de novo. Porém,
dentro de vários filmes simultâneos que ignoramos o conjunto das alterações produzidas nessa época
por distração. A mim, calhou-me ocupar um posto acrescentou muito. Em primeiro lugar, a afirmação
de observação privilegiado para acompanhar o mencionada foi a bandeira de todo o novo regime
desenvolvimento dos progressos da biologia e da legal que estabeleceu a busca da “verdade bioló-
genética forense, especificamente relacionadas gica” como a prioridade do sistema de ações de
com as ações de parentesco; foi-me dado perceber filiação. Em segundo lugar, o direito da filiação
a dimensão do progresso e as repercussões que manifestou-se aberto a todos os progressos cien-
ele teve no Direito e na prática dos tribunais. tíficos consistentes, designadamente originários
As ações de parentesco foram sempre, na da medicina da reprodução, que era basicamente
sua grande maioria, ações de investigação da proibida de entrar nas discussões dos tribunais.
paternidade. Não se pode negar que era possível Neste novo quadro legal, era de esperar que
usar exames de sangue desde há muitos anos, ao as ações de parentesco se apoiassem sobretudo
abrigo das normas do código civil e do código de no resultado das técnicas da Biologia Forense, e
processo civil que autorizavam as provas periciais. assim ficou aberto o caminho para uma utilização
Porém, os instrumentos de que os laboratórios ampla dos meios científicos.
dispunham eram imprecisos ou inadequados
para muitos casos. Por outro lado, as leis não 3. O enorme progresso dos resultados da
estimulavam a prova da “verdade biológica” do Biologia e da Genética Forense mostraram-se
parentesco. Na verdade, até à reforma de 1977, a em primeiro lugar pela forma mais óbvia, isto é,
busca da “verdade biológica” não era a prioridade com mais ações a recorrer aos meios científicos e
do sistema jurídico, que preferia deixar à liber- com mais decisões fundamentadas nesses meios.
dade do eventual progenitor o reconhecimento Os meios periciais antigos podiam ser dispensáveis
da paternidade jurídica; de acordo com o regime nas ações em que eram invocados, mas os resulta-
tradicional das investigações de paternidade, o dos modernos tornaram-se insubstituíveis. Neste
suposto filho só podia obter a condenação do pai sentido, os avanços da Biologia e da Genética
se este tivesse praticado factos que mostravam a Forense impuseram-se ao Direito.
sua convicção de paternidade ou que, de algum Mas as consequências foram muito mais am-
modo, o faziam perder uma espécie de imunidade plas; elas traduziram-se em verdadeiras mudan-
que as leis lhe concediam. Num contexto legal ças do regime legal, ou pelo menos em grandes
assim, acredito que nem houvesse motivação para desafios para o Direito. Os apontamentos que
tentar desenvolver os meios técnico-laboratoriais. se seguem sumariam questões que o Direito não
Em 1977, o regime legal do código civil afir- teria enfrentado se não tivesse sido obrigado a
mou a admissibilidade do uso de “exames de san- fazê-lo pela Genética Forense.
gue e quaisquer outros métodos cientificamente
comprovados” (art. 1801.º). É claro que as provas a) Um dos temas mais conhecidos da prática
periciais já eram admitidas e, portanto, parece que das ações de investigação de paternidade
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era o da pluralidade dos progenitores sexuais causantes do nascimento. Claro que isto
possíveis. Sempre que um réu podia era assim porque não havia outra maneira de
alegar que outro homem tinha mantido atingir a conclusão da paternidade. Hoje, porém, o
relações sexuais com a mãe do autor, vínculo biológico demonstra-se diretamente pelos
durante o período em que o filho podia meios da Genética Forense. E, por esta razão,
ter sido concebido, invocava a exceptio tornou-se insólito que um tribunal se abstenha de
plurium concubentium. Nestes casos, o declarar a paternidade, com base na inconsistência
tribunal não tinha meios para distinguir da prova sobre as relações sexuais fecundantes,
qual dos homens tinha sido o causador apesar de dispor de uma prova científica suficiente
da concepção e, portanto, não podia de- sobre a existência do vínculo biológico entre o
cidir. A ação acabava aí e não procedia. filho investigante e o réu.
A quesitação direta da paternidade bioló-
As coisas modificaram-se radicalmente quan- gica, cuja resposta depende dos meios científi-
do os meios de prova conseguiram distinguir entre cos, está fazer o seu caminho inexoravelmente.
os vários parceiros sexuais qual é que tinha causado A responsabilidade vai, também aqui, para as
a concepção; a partir deste momento, o juiz podia potencialidades contemporâneas da Biologia e
decidir quem era o pai. Então, já não havia motivo Genética Forenses.
para fazer terminar a ação; ela podia continuar
para fazer as provas necessárias e só terminaria c) Pode obrigar-se o réu a fazer exames periciais?
quando o juiz pudesse determinar a paternidade.
A defesa baseada na pluralidade de relações O sentimento, progressivamente generali-
sexuais — que foi insuperável durante séculos — zado entre os juristas, de que as conclusões da
deixou de ter um valor decisivo. Biologia e da Genética Forenses tinham uma ca-
pacidade insuperável para esclarecer as disputas
b) Um outro tema — mais moderno e menos judiciais instalou subrepticiamente a expectativa
conhecido — é apresentado pelas ações de de que todas as ações de filiação fossem instruí-
investigação de paternidade em que não das com provas científicas. Compreensivelmente,
se consegue fazer a prova de que houve começou a identificar-se um dever jurídico de
relações sexuais entre a mãe do autor e comparecer perante as entidades técnicas para
o réu, ou não é seguro que elas tenham a sujeição a perícias.
ocorrido dentro do período legal da con-
cepção; mas obtêm-se resultados periciais Este tema não tem sido pacífico entre os
indiscutíveis que afirmam a progenitura. civilistas porque, se é relativamente fácil identificar
o dever, tudo se complica quando se imagina o
Ora, na tradição técnico-jurídica mais funda, seu incumprimento e se propõem tanto os meios
não era concebível declarar a paternidade do réu compulsórios quanto as sanções. Pode dizer-se
sem ter conseguido aquela prova das relações que há um dever de colaboração do réu para a
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descoberta da verdade (art. 417.º CodProcCiv) fruto dos progressos da Genética Forense, sejam
mesmo quando a colaboração supõe um gesto fundamento para a revisão dos casos julgados.
de natureza tão pessoal? Pode ser aplicada uma
sanção de multa pela falta de comparência? Pode e) Os progressos visíveis e sólidos obtidos
ser usada a força física para obrigar o réu a coope- no laboratório, têm suscitado mesmo a
rar? Segundo parece, a solução que vem tomando questão de saber até quando será pre-
corpo é a de reconhecer um dever de sujeição ciso um processo judicial para resolver
aos exames, de aplicar a sanção de multa contra questões que são, principal ou exclusiva-
a recusa, de rejeitar a compulsão pela força física mente, resolvidas pelas perícias. Para quê
e, por fim, de usar a inversão do ónus da prova o tribunal, com as suas demoras, rigidez
prevista no art. 344.º, n.º CCiv. e despesas? Não bastaria o laboratório?

d) Será possível reabrir uma causa com base Julgo que a sedução da rapidez, da flexibili-
em novos resultados periciais que não dade e da economia de meios não justifica que se
podiam obter-se na época em que ela abandone a instância típica da solução de litígios.
decorreu? Novos resultados obtidos com O tribunal é o lugar de onde se pode vigiar a
os métodos modernos mais eficazes? legitimidade das partes, a igualdade das armas
de cada uma, a regularidade dos procedimentos
Julgo que os biólogos e geneticistas estranham usados, a ocorrência de alguma singularidade
até que se apresente o problema porque, no seu que escape ao habitual. São conhecidos alguns
entender, a solução óbvia é a reabertura dos proces- casos em que os abusos ou os acasos da vida tro-
sos. Porém, os juristas têm a maior dificuldade em cam as voltas à normalidade, e é necessário que
ampliar os tipos de casos em que se admite a rea- alguma instância garanta que tudo corre como
bertura de causas terminadas pelo “caso julgado”. deve. O recurso ao terceiro imparcial vai conti-
Na verdade, todo o sistema jurídico e judiciário tende nuar adequado, ainda que se possam flexibilizar
para a formação do “caso julgado” — o momento procedimentos e tornar o processo mais rápido.
em que atinge a paz jurídica, depois de se terem
aberto as oportunidades de discussão e de recurso. 4. Apesar de a minha área de estudo não
Reabrir processos terminados significa frustração, abranger a criminologia e o direito criminal, creio
uma espécie de desprestígio que desacredita o sis- que posso perceber a transposição dos procedi-
tema... É certo que a Justiça impõe certos casos mentos de Genética Forense para esses domínios
de reabertura, muito limitados; mas a Certeza e a e alcançar o valor dos resultados para o rigor
Segurança do Direito são valores também essenciais da perseguição criminal e a justiça das decisões
do sistema que se opõem à reapreciação dos direitos judiciais.
que foram previamente definidos. A conquista mais recente — a criação da
Admito, porém, que não tardará muito que es- Base de dados de perfis de ADN — foi objeto
tes casos de obtenção de novos resultados periciais, de controvérsia que acompanhei à distância.
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O projeto, para além de ter de cumprir os requisitos as controvérsias sobre, por exemplo, a Base de
gerais da prova em processo penal, o que parecia dados de perfis de ADN. Os juristas menos apli-
indiscutível, foi contestado mais por razão da des- cados têm aqui a oportunidade para bisbilhotar
confiança relativamente à utilização dos conheci- um pouco dentro dos serviços e ganharão, no
mentos de Genética do que por causa de algum mínimo, um grande respeito pelos resultados
motivo real e consistente. Levantou-se um clamor finais que chegam ao “mundo jurídico”; verão
contra as eventuais utilizações abusivas do siste- que os resultados finais são fruto de um trabalho
ma. Mas parecia-me surpreendente que os receios cuidadoso e sofisticado, produto de investigação
viessem dos mesmos cidadãos que já aceitaram a científica profunda feita por técnicos de alto nível.
colheita e a conservação de amostras de sangue,
na altura dos nascimentos dos filhos, para o teste 6. Os progressos são feitos por pessoas. Parte
do pezinho; estas amostras têm sido conservadas destas pessoas escreveram os capítulos deste livro;
na maior tranquilidade, embora, a haver perigos outras são recordadas por todos os que estiveram
de uso abusivo, estes perigos seriam muito mais próximos da evolução da Genética Forense.
amplos relativamente a essas amostras de sangue Conheci principalmente o grupo de Coimbra,
do que a perfis de ADN. que pode gabar-se do serviço que criou.
A Base fará o seu caminho e será um ins- Tenho agora esta oportunidade para agra-
trumento imprescindível para a boa qualidade da decer a todos, publicamente, a simpatia e a ami-
reação criminal. zade com que me receberam e introduziram nos
rudimentos da Biologia Forense. Não estranharão
5. Este livro não é um compêndio de Genética que destaque Fernando Oliveira Sá e Maria da
para principiantes; este livro é para quem já possui Conceição Vide — o primeiro porque me auto-
conhecimentos técnicos e deseja ganhar formação rizou amavelmente a frequentar o Instituto que
em Genética Forense. Apreciando-o de fora, creio dirigia e a segunda porque tolerou estoicamente
que os textos cobrem todos os temas necessários e a ignorância do jurista. E também Duarte Nuno
são escritos com a simplicidade de quem quer co- Vieira e Francisco Corte-Real, pela amizade de
municar, servir os colegas que vão iniciar-se na área, muitos anos e pela distinção que me fazem com
e prescinde de toda a inútil ostentação científica. esta participação.
Não é difícil prognosticar que ele vai ser amplamente Este livro, que junta profissionais de vários
lido por biólogos, geneticistas e outros técnicos com laboratórios, é um símbolo de serviço público e
formação próxima e, assim, cumprirá a sua função. de cooperação técnica. Honra quem o projetou
Mas os juristas também podem tentar lê-lo. e quem o escreveu. Pela minha parte, sempre
Os mais aplicados ficarão com uma visão mais pensei que a competência pega-se; se eu estiver
profunda sobre a contribuição da genética popu- junto dos competentes ficarei um pouco melhor.
lacional, perceberão os vários tipos de casos que
se apresentam nos laboratórios e as exigências Coimbra, 20/09/2014
que eles põem aos peritos, acompanharão melhor Guilherme de Oliveira
14

A F I L I AÇ ÃO D E AU TO R ES BÁRBARA SANTA ROSA

Licenciada e Mestre em Medicina pela Faculdade de


Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior.
Aluna do Doutoramento em Bioética do Instituto de
Bioética do Centro Regional do Porto da Universidade
Católica Portuguesa. Especialista em Medicina Legal
da Delegação do Centro do Instituto Nacional de
Medicina Legal e Ciências Forenses. Habilitada com o
Curso Superior de Medicina Legal e Ciências Forenses
e a Pós-Graduação em Avaliação do Dano Corporal
Pós-Traumático.

FRANCISCO CORTE-REAL

Licenciado, Mestre e Doutorado em Medicina (Medicina


Legal), pela Universidade de Coimbra, sendo Professor
da Faculdade de Medicina. Especialista em Medicina
Legal e Presidente do Colégio da Especialidade de
Medicina Legal da Ordem dos Médicos. Desempenhou
funções de Director da Delegação do Centro do
Instituto Nacional de Medicina Legal. Foi Presidente da
Associação Portuguesa de Avaliação do Dano Corporal,
Presidente da Sociedade Portuguesa de Genética
Humana, co-Presidente do 21st International Congress
da International Society for Forensic Genetics, e coor-
denador da Comissão que elaborou o projecto de Lei
sobre a Base de Dados de Perfis de ADN. Representou
Portugal na EDNAP (European DNA Profiling Group) e
no Prum Treaty DNA Technical Working Group.

HELENA GEADA

Licenciada em Engenharia Química pelo Instituto


Superior Técnico da Universidade Técnica de Lisboa
e Doutorada em Bioquímica pela Universidade de
Lisboa. Professora Auxiliar de Medicina Legal e Ciências
15

Forenses da Faculdade de Medicina da Universidade de em Genética Humana Aplicada pela Universidade do


Lisboa. Desempenhou as funções de Diretora Científica Porto (1997), Licenciatura em Biologia Universidade
do Serviço de Biologia Forense do Instituto de Medicina de Aveiro (1986), pertenceu ao quadro do ex-ins-
Legal de Lisboa e de colaboradora do Serviço de tituto de Medicina Legal de Coimbra (1993-1999)
Genética e Biologia Forense da Delegação do Sul do sendo atualmente professor auxiliar convidado da
Instituto Nacional de Medicina Legal. Foi membro da Universidade de Aveiro. Além de outras disciplinas,
Paternity Testing Commission da International Society assegura a regência de Biologia do Genoma e de
for Forensic Genetics. Biologia e Genética Forense e coordena os Cursos
Livres de Introdução às Ciências Forenses, em su-
M. FÁTIMA PINHEIRO cessivas edições anuais desde 2008. Coordena o
projeto europeu EURO4SCIENCE.
Licenciada em Farmácia pela Universidade do Porto (UP)
e Doutorada em Ciências Biomédicas pelo Instituto de PAULO DARIO
Ciências Biomédicas de Abel Salazar da UP. Docente,
coordenadora e regente de disciplinas das áreas de Licenciado em Biologia Microbiana e Genética, Mestre
Medicina Legal e Genética Forense em diversos esta- em Medicina Legal e Ciências Forenses, encontrando-
belecimentos universitários. Foi Diretora do Serviço de -se a realizar o Doutoramento em Biologia (Genética),
Genética e Biologia Forense do Instituto de Medicina pela Universidade de Lisboa. Especialista Superior de
Legal do Porto (aposentada desde junho de 2013). Medicina Legal no Serviço de Genética e Biologia
Coordenadora dos livros CSI Criminal, CSI Catástrofes Forenses do Instituto Nacional de Medicina Legal e
e Genética Forense. Perspectivas da identificação ge- Ciências Forenses, I. P. (Delegação do Sul) onde exer-
nética. ce também as funções de Responsável da Qualidade.
Integra a bolsa de avaliadores do IPAC - Instituto
MARIA JOÃO ANJOS PORTO Português de Acreditação, I.P. como perito técnico
para a área da genética. Colaborou com diversos cursos
Licenciada em Bioquímica pela Faculdade de Ciências de pré e pós-graduação nas áreas da biologia mole-
e Tecnologia da Universidade de Coimbra, Diretora do cular e da genética forense de diferentes Instituições
Serviço de Genética e Biologia Forenses do Instituto públicas e privadas.
Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses,
I.P. (INMLCF), representante de Portugal na EDNAP ROSA MARIA ESPINHEIRA
(European DNA Profiling Group) e do INMLCF na ENFSI
(European Network of Forensic Science Institutes). Licenciada em Biologia (ramo científico) pela Faculdade
de Ciências da Universidade de Lisboa. Assessora de
LUÍS SOUTO Medicina Legal na especialidade de Genética Forense.
Desempenhou funções de Directora de Serviço de
Doutorado em Ciências Biomédicas pela Faculdade de Genética e Biologia Forense da Delegação de Lisboa
Medicina da Universidade de Coimbra (2008), Mestre do Instituto Nacional de Medicina Legal.
(Página deixada propositadamente em branco)
17

Capítulo 1
COLHEITA E ACONDICIONAMENTO DE AMOSTRAS
BIOLÓGICAS PARA IDENTIFICAÇÃO GENÉTICA

Maria João Anjos Porto


Delegação do Centro do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P.
Cencifor – Centro de Ciências Forenses
DOI | HTTP://DX.DOI.ORG/10.14195/978-989-26-0957-7_1
18 MARIA JOÃO ANJOS PORTO

RESUMO SUMMARY
Os avanços tecnológicos desenvolvidos nas últimas déca- Technological progresses in recent decades in the foren-
das na área forense, nomeadamente em genética forense, sic field, particularly in forensic genetics, have allowed
têm permitido a identificação genética de uma grande the genetic identification of a wide range of biological
diversidade de amostras biológicas, cujos resultados são samples, whose results are evaluated by the judicial
avaliados pelo sistema judicial. No entanto, as amostras system. However, samples collected at crime scenes or
recolhidas nas cenas de crime ou procedentes de cadáveres originating from cadavers or skeletal remains are often
ou restos cadavéricos encontram-se muitas vezes degra- degraded, contain inhibitors or have been subjected to
dadas, contêm inibidores ou foram sujeitas a condições adverse environmental conditions that alter the structure
ambientais adversas que alteram a estrutura do DNA, of the DNA, thereby lowering its quality and consequen-
diminuindo deste modo a sua qualidade e consequente- tly reducing chances of a successful genetic analysis.
mente reduzindo as hipóteses de sucesso da análise ge- Thus, the ability to properly collect, pack, preserve and
nética. Assim, a capacidade de recolher apropriadamente, analyze biological specimens is critical to the mainte-
acondicionar, analisar e preservar as amostras biológicas nance of its integrity.
é crucial para a manutenção da sua integridade. The selection and collection of samples to be sent to
A selecção e recolha das amostras a enviar aos laborató- forensic laboratories by qualified and specially trained
rios forenses deve ser efectuada por pessoal habilitado staff for this purpose should be performed, taking the
e com formação específica para o efeito, sendo neces- necessary precautions for the identification to ensure
sário tomar as necessárias precauções relativamente à its authenticity. The samples’ integrity must be safe-
identificação de modo a garantir a sua autenticidade. guarded through the packaging in suitable containers,
A integridade das amostras deverá ser acautelada atra- being crucial the maintenance of suitable conditions
vés do acondicionamento em embalagens apropriadas, for their storage in order to avoid becoming degraded.
sendo crucial a manutenção de condições adequadas ao Evidence subject to genetic analysis should also be
seu armazenamento de modo a evitar que se degradem. accompanied by appropriate documentation to include
As evidências sujeitas a exame genético deverão ainda ser its chain of custody.
acompanhadas de documentação apropriada que deve
incluir a respectiva cadeia de custódia.

PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS
Colheita; acondicionamento; cadeia de custódia; identi- Collection; packaging; chain of custody; genetic
ficação genética. identification.
CAPÍTULO 1. Colheita e Acondicionamento de Amostras Biológicas para Identificação Genética 19

1. I N T RO D U Ç ÃO As amostras biológicas mais comuns num


laboratório forense são o sangue ou manchas de
A introdução de técnicas de biologia mo- sangue, saliva, sémen ou manchas seminais, ossos,
lecular (nomeadamente da PCR – Polymerase dentes, tecidos e órgãos, pêlos e cabelos, unhas
Chain Reaction) nos laboratórios forenses, tem e raspados subungueais, entre outras. Apesar
permitido garantir a identificação genética de de as técnicas actualmente utilizadas na identi-
um número cada vez maior de amostras bioló- ficação genética serem extremamente sensíveis e
gicas, as quais se encontram muitas vezes de- permitirem muitas vezes a obtenção de perfis de
gradadas ou contêm quantidades diminutas de DNA em amostras que contêm apenas algumas
DNA. O DNA encontra-se presente em todas as células tais como as impressões digitais, vários
células nucleadas existentes no material biológi- factores podem influenciar os resultados obtidos
co a identificar, o qual deve ser cuidadosamente nas evidências.
manipulado nas várias fases da investigação de A quantidade de DNA que se consegue
modo a poder ser obtida a correcta identificação extrair a partir do material recolhido varia de
das amostras, cujos resultados são muitas vezes acordo com a respectiva amostra, mas está tam-
um valioso contributo para a decisão judicial. bém muitas vezes dependente das condições
As amostras colhidas para fins forenses ambientais ou contaminação bacteriana a que
têm várias aplicações, nomeadamente as da esteve sujeita. A qualidade das amostras biológi-
investigação biológica da paternidade ou in- cas sujeitas a condições adversas pode diminuir
vestigações de parentesco, identificação de se o DNA se degradar (mesmo que se trate de
cadáveres e restos cadavéricos através da uma grande mancha de sangue), tornando-as
comparação com os seus possíveis familiares muitas vezes inúteis. Também o grau de pureza
e ainda a identificação de vestígios biológicos das amostras pode condicionar a obtenção de
criminais. As evidências recolhidas no local do resultados: sujidades, gorduras, determinados
crime podem associar ou excluir determinada corantes utilizados para tingir os tecidos, o áci-
pessoa da prática de um ilícito, nomeadamente do húmico e outras substâncias, podem inibir a
quando há transferência directa de material análise do DNA.
biológico entre distintos indivíduos ou para al- O sucesso ou insucesso da genotipagem
gum objecto relacionado (por exemplo a arma pode também ser influenciado pelos processos de
do crime). Deste modo, a análise de DNA dos recolha, preservação, acondicionamento e envio
vestígios biológicos criminais permite relacio- das amostras ao laboratório. Estes procedimentos
nar nomeadamente: deverão garantir a autenticidade e integridade das
amostras biológicas, bem como a privacidade e
1. O suspeito com a vítima e vice-versa; confidencialidade dos resultados nelas obtidos.
2. O suspeito e a vítima com o local do crime; É ainda fundamental acautelar a cadeia de custó-
3. Os objectos utilizados no crime com o dia de cada amostra para que possam ser aceites
local, suspeitos e vítimas. como prova pelo sistema judicial.
20 MARIA JOÃO ANJOS PORTO

2 . CO N S I D E R AÇÕ ES G E R A I S Sempre que se manipula material biológico


humano deve ter-se em conta que se pode estar
A recolha de amostras biológicas, quer sejam na presença de material contaminado com agentes
amostras de referência ou evidências relacionadas patogénicos e potencialmente transmissores de
com um crime, deve ser efectuada por pessoal doenças, pelo que devem ser tomadas precauções
habilitado com formação, conhecimentos técni- que minimizem o risco de infecção do operador.
cos e experiência adequada para o desempenho No entanto, tão importante como proteger o opera-
desta função. Esta fase é crucial no processo de dor do material biológico que está a manipular, será
investigação e representa muitas vezes um desafio proteger as amostras de contaminação externa. A
dado que as cenas de crime podem ser complexas integridade das amostras pode ser afectada de vá-
e caóticas. O reconhecimento e a identificação das rias maneiras, podendo a deterioração das mesmas
amostras que servem de prova é muitas vezes um ocorrer durante a recolha, embalagem ou envio das
trabalho árduo dado que, muitas vezes, existem amostras ao laboratório. Assim, deve ser evitada:
em grande quantidade, tendem a ser redundantes
e podem não permitir o relacionamento entre a Contaminação por material biológico
vítima e o suspeito. humano, que pode ocorrer numa fase posterior
Antes de os vestígios serem recolhidos de- à produção do crime e pode contaminar o local,
verão ser efectuadas fotografias e/ou vídeos que os objectos nele existentes, e ainda o corpo da
demonstrem a posição relativa entre eles na cena vítima. Pode ser causada por pessoas estranhas
do crime. Deverão também ser retiradas notas à investigação como familiares ou curiosos, ou
acerca da condição em que cada amostra é en- por elementos que colaboram na investigação
contrada e ainda ser efectuados esquemas ou que de forma acidental ou por desconhecimento
desenhos que permitam mais tarde relacionar produzem a contaminação. É frequente durante
cada uma delas com outros objectos do local. o processo de recolha ou numa deficiente em-
O método de recolha poderá depender da balagem das amostras;
condição em que o material biológico se encontra.
Em geral e sempre que possível, deve ser recolhi- Transferência de indícios biológicos da
da uma quantidade significativa de amostra que localização original para uma outra, que ocorre
permita a recuperação de suficiente DNA para a normalmente de uma forma acidental e pode
identificação genética, devendo no entanto ter- provocar contaminação ou a perda de uma prova.
-se o cuidado de evitar a recolha de sujidades, Os pêlos e cabelos são os vestígios que mais são
gorduras, fluidos ou outras substâncias que pos- afectados com a mudança de localização;
sam ser inibidoras dos métodos de análise. Cada
evidência deve ser embalada apropriadamente e Contaminação microbiológica que ocor-
enviada o mais rapidamente possível ao laborató- re pela proliferação de microorganismos, a qual
rio, devendo ser preservadas em ambiente seco e pode ser favorecida pela humidade ou pelas altas
fresco de modo a minimizar a sua deterioração. temperaturas. Normalmente acontece quando
CAPÍTULO 1. Colheita e Acondicionamento de Amostras Biológicas para Identificação Genética 21

a embalagem ou as condições de conservação – Deixar as amostras secar à temperatura


das amostras não são as apropriadas até à sua ambiente (manchas de sangue ou sémen,
chegada ao laboratório; entre outras), em local protegido, antes de
as embalar, selar e enviar ao laboratório;
Contaminação química que se deve à – Embalar cada amostra separadamente de
presença de produtos químicos que dificultam a modo a evitar a potencial transferência
análise genética, nomeadamente a extracção e de material biológico ou contaminação
amplificação do DNA. Acontece quando as amos- entre cada uma delas;
tras são imersas em produtos conservantes como o – Sempre que possível, embalar as amostras
formol ou quando são realizados estudos prévios depois de secas em envelopes de papel
com substâncias químicas. ou caixas de cartão. Os sacos de plástico
devem ser evitados pois permitem a con-
Devem ainda ser tomadas as precauções densação nomeadamente quando contêm
básicas de modo a evitar ou minimizar os riscos vestígios húmidos (p.e. peças de roupa), o
de contaminação referidos e que incluem: que potencia o aumento da degradação
das amostras;
– Isolar e proteger o mais rapidamente – Uma vez terminada a recolha das amos-
possível a cena do crime e, salvo se al- tras biológicas, colocar todo o material
guma circunstância o impeça tal como descartável utilizado (luvas, pinças, pi-
acontece quando é necessário socorrer petas, etc.) em contentores apropriados,
vítimas, os vestígios biológicos devem cuja eliminação deve ser efectuada de
ser os primeiros a ser recolhidos; acordo com as normas de destruição de
– Usar luvas limpas que devem ser trocadas resíduos biológicos.
com frequência, nomeadamente quando
se manipulam vestígios biológicos que se
suspeita poderem ser de distintas origens; 3 . D O C U M E N TAÇ ÃO
– Evitar falar, tossir ou espirrar sobre as
amostras e usar máscara; A localização, a condição em que se encon-
– Usar bata ou outro tipo de roupa pro- trava ou outra informação relevante de qualquer
tectora; vestígio biológico deve ser bem documentada
– Utilizar material descartável ou estéril antes de se proceder à sua recolha. Em qualquer
(p.e. pinças, tesouras, etc.) na recolha investigação, quer seja de âmbito criminal ou ci-
sempre que possível, ou limpá-lo bem vil, a documentação tem uma grande relevância
antes de proceder à recolha de cada ves- dado que as amostras são mais tarde sujeitas a
tígio (p.e. com uma solução de lixívia a apreciação judicial.
10% ou álcool); De modo a permitir uma abordagem técnica
– Não adicionar conservantes às amostras; adequada no laboratório forense, as amostras
22 MARIA JOÃO ANJOS PORTO

biológicas devem estar acompanhadas de docu- 3.1.1.2. Identificação das amostras


mentação específica.
Todos os formulários devem identificar e
3.1. DOCUMENTAÇÃO EM CASOS descrever brevemente as amostras enviadas:
DE INTERESSE CRIMINAL 1. Lista das amostras de referência onde
deve constar:
3.1.1. Documentação necessária – Número de referência da amostra;
– Tipo de amostra (sangue, saliva, pêlos,
3.1.1.1. Formulário de envio de amostras etc.). Se a amostra enviada é sangue líqui-
do, especificar o tipo de anticoagulante
Neste formulário deve constar: utilizado;
1. A investigação solicitada (p.e. identifica- – Identificação da pessoa que realizou a
ção de restos cadavéricos, pesquisa de colheita;
vestígios hemáticos, pesquisa de manchas – Relação com o caso (vítima, suspeito, etc.)
de sémen etc.) 2. Lista dos vestígios biológicos onde deve
2. Antecedentes e dados de interesse sobre constar:
o caso: – Número de referência da amostra;
– Causa dos factos; – Tipo de amostra com uma descrição breve
– Local dos factos; (p.e. zaragatoa vaginal, camisa azul, faca
– Data dos factos; com cabo de madeira, pêlos, etc.);
– Instrumento utilizado na agressão; – A quem pertencem as amostras (vítima/
– Se houver cadáver: antiguidade, estado suspeito) e onde se encontravam (auto-
de conservação, etc. móvel, garagem, corpo da vítima, etc.);
3. Dados da(s) vítima(s): – Qual o material biológico que se preten-
– Nome e apelido (se identificada); de identificar (sémen, sangue, saliva,
– Idade; etc.).
– Sexo;
– Grupo populacional; 3.1.1.3. Cadeia de custódia
– Causa da morte (se aplicável) ou existência
de lesões; Todos os formulários devem ter um espaço
– Relação com o suspeito. reservado aos dados da cadeia de custódia onde
4. Dados do(s) suspeito(s): deve constar:
– Nome e apelido; – Nome e assinatura da pessoa que realizou
– Idade; a colheita;
– Sexo; – Data e hora da colheita;
– Grupo populacional; – Condições de armazenamento até ao seu
– Existência de lesões, traumatismos, feridas, etc. envio ao laboratório.
CAPÍTULO 1. Colheita e Acondicionamento de Amostras Biológicas para Identificação Genética 23

3.1.2. Documentação recomendável – Residência;


– Grupo populacional.
1. Informação preliminar da autópsia (se 2. Antecedentes clínicos:
aplicável) – Transfusões de sangue recentes;
2. Informação clínica (se relevante) – Transplantes recentes;
3. Informação ou dados da inspecção ocular – Se conhecidas, doenças que possam
(se relevantes) influenciar a valorização dos resultados
4. Documentação adicional sobre a localiza- (p.e. trissomias).
ção das amostras ou vestígios biológicos
no local dos factos ou no corpo da vítima 3.2.1.2. Identificação das amostras
com esquemas, desenhos, vídeos, etc.
5. Fotografias dos vestígios biológicos, que Todos os formulários devem identificar e des-
devem ser tiradas antes de serem recolhidas crever brevemente as amostras, onde deve constar:
do local dos factos ou do corpo da vítima. – Número de referência da amostra;
– Tipo de amostra (sangue, saliva);
3.2. DOCUMENTAÇÃO EM CASOS – Relação com o caso (mãe, filho, pai pre-
DE INVESTIGAÇÃO BIOLÓGICA tenso pai, etc.).
DA PATERNIDADE E OUTRAS – Identificação da pessoa que realizou a
INVESTIGAÇÕES DE PARENTESCO colheita;

As perícias de investigação biológica da pa- 3.2.1.3. Cadeia de custódia


ternidade e outras investigações de parentesco
devem ser acompanhadas de informação precisa Todos os formulários devem ter um espaço
que especifique quer o tipo de perícia solicitada, reservado aos dados da cadeia de custódia onde
quer os intervenientes nela envolvidos. deve constar:
– Nome e assinatura da pessoa que realizou
3.2.1. Documentação necessária a colheita;
– Data e hora da colheita;
3.2.1.1. Formulário de envio das amostras – Condições de armazenamento até ao seu
ou com informação recolhida no laboratório envio ao laboratório.
que realiza as colheitas

Neste formulário deve constar: 4 . R ECO L H A D E A M OS T R A S


1. Identificação do indivíduo: D E R E FE R Ê N C I A
– Nome e apelido;
– Dados do documento de identificação; As perícias realizadas nos laboratórios de
– Data de nascimento; genética forense requerem material biológico de
24 MARIA JOÃO ANJOS PORTO

referência das vítimas e dos suspeitos no caso de armazenado directamente na zaragatoa ou ser
se pretender a identificação de vestígios biológicos transferido para um cartão de papel absorvente
criminais. Amostras de referência de familiares específico para o efeito onde será então arma-
podem ser utilizadas em investigações de pater- zenado. Nestes casos a zaragatoa para além de
nidade ou investigações de parentesco biológico, recolher células da mucosa bucal deverá ainda
na investigação de pessoas desaparecidas e na ser impregnada com a saliva que se encontra
identificação de vítimas de desastre de massa. depositada na parte inferior da boca, junto aos
A realização da colheita de amostras de refe- dentes e debaixo da língua. Devido à falta de
rência em pessoas vivas deve ser efectuada com o coloração da saliva existem também cartões de
consentimento livre e informado das mesmas, sendo papel absorvente coloridos que em contacto com
necessária a assinatura de um documento que auto- este material biológico mudam de cor, o que per-
rize expressamente a utilização da amostra recolhida mite ao operador assegurar que efectuou uma
para fins de identificação genética. Os serviços que recolha eficaz.
procedem à recolha das amostras biológicas de re- Após a realização da colheita, as zaragatoas
ferência deverão assegurar a autenticidade da iden- ou cartões de papel correctamente identificados,
tificação do examinado, nomeadamente mediante devem ser secos à temperatura ambiente, em local
apresentação do documento de identificação, do protegido, antes de serem armazenados, uma vez
qual é feita cópia a integrar no processo. que na saliva existem bactérias que proliferam
rapidamente com a humidade degradando o DNA.
4.1. AMOSTRAS DE REFERÊNCIA As zaragatoas podem também ser congeladas.
EM PESSOAS VIVAS
4.1.2. Sangue
4.1.1. Células da mucosa bucal (saliva)
Actualmente a recolha de sangue é efectua-
É um método rápido, indolor e não invasivo, da através de punção dactilar, sendo utilizada uma
que consiste na utilização de uma zaragatoa para lanceta para efectuar uma pequena picada na face
recolher algumas células da mucosa bucal, vulgar- anterior de um dos dedos da mão (preferencial-
mente denominado por recolha de saliva. Cada mente onde a pele estiver mais macia). Algumas
um dos lados da zaragatoa deve ser esfregado na gotas de sangue são depositadas num cartão de
parte interna das bochechas (cerca de seis vezes papel absorvente até que fique bem impregna-
de cada lado). No caso de ser o único material do, o qual depois de correctamente identificado
biológico de referência a ser colhido, será pre- deve ser seco à temperatura ambiente, em local
ferível recolher duas zaragatoas bucais para que protegido, antes de ser armazenado. Nas crianças
possam ser processadas em duplicado. Durante de tenra idade a picada pode ser efectuada no
a recolha devem ser evitados restos alimentares. pé (dedo polegar ou calcanhar) de modo a que
Existem zaragatoas específicas para a reco- seja mais eficaz, dado que normalmente se obtém
lha de saliva, podendo o material biológico ser um maior fluxo sanguíneo.
CAPÍTULO 1. Colheita e Acondicionamento de Amostras Biológicas para Identificação Genética 25

4.1.3. Cabelos de correctamente identificado, deverá ser seco à


temperatura ambiente, em local protegido, antes
É uma amostra que não é realizada por de ser armazenado.
rotina. No entanto, devem ser recolhidos 10-15
cabelos arrancados pela raiz, se houver necessi- 4.3.2. Músculo esquelético
dade de recolher este tipo de material biológico.
Quando não for possível recolher sangue,
4.2. Amostras de referência poderá ser efectuada uma zaragatoa ou um
em pessoas sujeitas a transfusão “print” em cartão de papel absorvente a partir
sanguínea ou transplantes do tecido muscular, ou serem recolhidos dois
fragmentos de músculo esquelético da zona
No caso de ser necessário recolher amostras mais bem conservada (cerca de 10-15 g), que
de referência a pessoas que tenham sido sujeitas a se introduzem num recipiente de plástico com
uma transfusão de sangue recente, deve ser efec- boca larga e tampa de rosca, sem qualquer
tuada uma zaragatoa bucal ou serem recolhidos líquido fixador.
cabelos com raiz, para que não haja o risco de Normalmente recorre-se ao músculo car-
se poder detectar no sangue uma mistura com díaco, podendo no entanto ser recolhidos ou-
o perfil genético do dador. tros tecidos como os músculos mais profundos
O mesmo se passa em relação a transplantes da coxa, a próstata nos homens e o útero nas
bem sucedidos, nomeadamente os de medula mulheres que, por se encontrarem mais pro-
óssea. Deverão ser colhidos distintos materiais tegidos, se tornam também mais resistentes à
biológicos já que pode ser detectado o perfil do putrefacção.
dador no sangue do indivíduo sujeito a trans-
plante e um perfil de mistura (dador/receptor) na 4.3.3. Dentes e ossos
saliva. Nestes casos deverão ser colhidos cabelos
(de acordo com o recomendado em 4.1.3.) pois No caso de existir alguma dúvida relativa-
este material biológico apresenta apenas o perfil mente ao estado de conservação do cadáver de-
do receptor. verão ser extraídos pelo menos quatro dentes,
de preferência molares não cariados ou tratados,
4.3. AMOSTRAS DE REFERÊNCIA ou um fragmento ósseo (preferencialmente o fé-
EM CADÁVERES EM BOM ESTADO mur) limpo de tecidos moles, que deverão ser
DE CONSERVAÇÃO colocados em sacos ou recipientes apropriados
ao seu tamanho. Estas amostras poderão evi-
4.3.1. Sangue tar uma possível exumação nos casos em que as
amostras anteriormente referidas se encontram
Efectuar uma mancha de sangue do cadá- tão degradadas que inviabilizam a identificação
ver num cartão de papel absorvente que, depois genética do cadáver.
26 MARIA JOÃO ANJOS PORTO

4.4. AMOSTRAS DE REFERÊNCIA EM CADÁ- dado que o DNA é uma molécula estável a altas
VERES EM AVANÇADO ESTADO DE PUTRE- temperaturas. Deste modo, quando a carboni-
FACÇÃO OU ESQUELETIZADOS zação não é total, pode ser possível recolher
sangue ainda existente nas cavidades cardía-
4.4.1. Ossos cas (devendo ser efectuada uma mancha) ou
fragmentos de músculo esquelético de zonas
Os ossos devem estar limpos de tecidos mo- profundas (proceder de acordo com o referido
les e sempre que possível, devem ser selecciona- em 4.3.2.).
dos ossos longos, preferencialmente o fémur, que A recolha de amostras biológicas em cadá-
deverão ser colocados em sacos ou recipientes veres carbonizados depende do grau de carbo-
apropriados ao seu tamanho. Se esta amostra nização e, quando as amostras anteriormente
não estiver disponível, o laboratório de genéti- referidas já não estão disponíveis, poderão ser
ca forense deverá ser contactado para que, de retirados se disponíveis, fragmentos ósseos
acordo com a situação e consoante as amostras (fémur de preferência), dentes ou unhas (as
disponíveis, possa ajudar a seleccionar as amostras menos afectadas), de acordo com o referido
mais adequadas para a identificação genética. em 4.4.).
O laboratório de genética forense deverá ser
4.4.2. Dentes contactado para que, de acordo com a situação e
consoante as amostras disponíveis, possa ajudar
Devem ser extraídos pelo menos quatro a seleccionar as amostras mais adequadas para
dentes, de preferência molares não cariados ou a identificação genética.
tratados, que deverão ser colocados em sacos ou
recipientes apropriados ao seu tamanho. 4.6. AMOSTRAS DE REFERÊNCIA
EM CADÁVERES EMBALSAMADOS
4.4.3. Unhas
Os cadáveres embalsamados são conser-
Devem ser extraídas as unhas das mãos ou vados artificialmente através da utilização de
pés, que devem ser colocadas em papel absorven- conservantes como o formol, fazendo com que
te e posteriormente em recipientes apropriados o DNA se degrade o que torna muito difícil a
ao seu tamanho. sua análise. Nestes casos deverá o laboratório
de genética forense ser contactado para que,
4.5. AMOSTRAS DE REFERÊNCIA de acordo com a situação (técnica de embal-
EM CADÁVERES CARBONIZADOS samamento, antiguidade, etc.), possa ajudar a
seleccionar as amostras mais adequadas para a
Ao contrário do que a aparência externa identificação genética.
possa indicar, é muitas vezes possível efectuar a
identificação genética de cadáveres carbonizados
CAPÍTULO 1. Colheita e Acondicionamento de Amostras Biológicas para Identificação Genética 27

4.7. OUTRAS AMOSTRAS DE REFERÊNCIA normalmente cedidos pela família que, em muitas
DE PESSOAS FALECIDAS situações, é também parte interessada no proces-
so judicial. Deste modo, é conveniente autenticar
Nos casos em que não é possível recorrer à estas amostras através do estudo comparativo
exumação do cadáver para recolher amostras de com familiares.
referência ou quando é necessário identificar um
cadáver e não existem familiares vivos disponíveis
para a realização da perícia, pode recorrer-se a: 5 . R ECO L H A D E A M OS T R A S
B I O LÓ G I C A S N A C E N A D E C R I M E
4.7.1. Análise de material biológico do cadá-
ver existente em centros hospitalares 5.1. MANCHAS SECAS EM AMOSTRAS DE RE-
DUZIDA DIMENSÃO E DE FÁCIL TRANSPORTE
Se existentes, a identificação genética do
falecido pode ser efectuada através de amostras Em geral, estas amostras deverão ser reco-
biológicas que tenham sido colhidas para fins clíni- lhidas e introduzidas separadamente, em sacos
cos, nomeadamente amostras de sangue, biopsias de papel ou caixas de cartão, utilizando pinças
em parafina, preparações histológicas, etc. As limpas. Algumas das amostras que com mais fre-
amostras conservadas em formol não deverão quência são recebidas num laboratório forense
ser utilizadas dado que este produto degrada o são as seguintes:
DNA, dificultando ou inviabilizando a obtenção
de resultados. – Beatas;
– Bilhetes, papéis, pequenos cartões, etc.;
4.7.2. Análise de material biológico do cadá- – Chaves, moedas, luvas, etc.;
ver existente em ambiente familiar – Envelopes e selos;
– Pedras, ramos, folhas, etc.;
A identificação genética do cadáver pode ser – Armas brancas, etc.
efectuada através dos vestígios biológicos exis-
tentes nos objectos pessoais, tais como escovas Relativamente às armas brancas deve exis-
de cabelo, pentes, escovas de dentes, máquinas tir um especial cuidado na recolha dos vestígios
de barbear, envelopes, selos, etc. No entanto este biológicos existentes para que não se afectem as
tipo de amostras na maioria das vezes, não permi- impressões digitais, no caso de não terem sido ain-
te obter uma quantidade suficientemente grande da objecto de estudo. As caixas de cartão devem
de DNA para permitir a identificação. ter um tamanho apropriado e o objecto deverá
Há no entanto que ter algum cuidado estar bem acondicionado para que, durante o
quando se utiliza este tipo de amostras. Por um transporte, não haja perda do material biológico
lado poderão ter sido também utilizadas pelos que eventualmente a ele possa estar aderente. Na
seus familiares e, por outro lado, são objectos ausência deste tipo de embalagem, poderão as
28 MARIA JOÃO ANJOS PORTO

armas brancas ser acondicionadas em envelopes húmidos, nomeadamente manchas de sangue,


de papel desde que a lâmina esteja bem protegida. podendo no entanto existir noutro tipo de
Existem no entanto amostras nas quais a objectos tais como roupas de cama, toalhas,
experiência e bom senso do perito que efectua cortinas, etc. Nestes casos, os objectos ou as
a recolha determinam que se utilizem recipientes manchas que vão ser estudadas devem ser trans-
de plástico, como é o caso das pastilhas elásticas, feridos do local do crime para as instalações
entre outras. dos peritos que procedem à recolha, onde os
deverão deixar secar em local protegido, sobre
5.2. MANCHAS SECAS EM uma superfície limpa. Uma vez secas, as amos-
AMOSTRAS DE GRANDE DIMENSÃO tras deverão ser acondicionadas em separado,
E NÃO TRANSPORTÁVEIS em sacos de papel.

A recolha destas amostras depende do su- 5.4. VESTÍGIOS LÍQUIDOS


porte em que as mesmas estejam depositadas:
5.4.1. Sangue
Suportes não absorventes (vidros, portas,
paredes, chão, móveis, etc.). A recolha pode ser Sangue em grande quantidade:
efectuada recorrendo a: Recolher com uma pipeta de plástico, des-
– Zaragatoa estéril, ligeiramente humede- cartável, e efectuar uma mancha em cartão de
cida em água destilada; papel absorvente. Poderá também ser introduzido
– Bisturi para raspar a mancha, que deve num tubo com anticoagulante (p.e. EDTA).
ser colocada em pequenos envelopes ou
sacos de papel. Sangue em escassa quantidade:
Efectuar a recolha com uma zaragatoa estéril.
Suportes absorventes (tapetes, alcatifas,
sofás, estofos de automóvel, etc.): Sangue coagulado:
A mancha deve ser recortada com uma te- Recolher com uma colher de plástico ou
soura ou bisturi e introduzida em envelopes ou outro objecto, e introduzir em tubo ou frasco
sacos de papel. de plástico.

5.3. VESTÍGIOS HÚMIDOS 5.4.2. Sémen

Roupas ou outros objectos com vestígios Preservativos com sémen líquido:


húmidos: Devem ser manipulados com particular cui-
dado já que podem permitir a identificação da
As peças de vestuário são os objectos que vítima no material biológico depositado no lado
mais frequentemente podem conter vestígios externo, o qual pode ser facilmente contaminado
CAPÍTULO 1. Colheita e Acondicionamento de Amostras Biológicas para Identificação Genética 29

com o eventual sémen do agressor depositado 5.6.2. Restos cadavéricos


no lado interno. Deste modo, depois de colhidos, em avançado estado de putrefacção
atar para que não derramem o seu conteúdo e ou esqueletizados
introduzir em frasco de plástico.
Deverão ser seguidas as indicações referidas
Sémen em escassa quantidade: em 4.4. No entanto, se houver a suspeita da
Efectuar a recolha com uma zaragatoa estéril. existência de restos cadavéricos pertencentes a
mais de um indivíduo, as várias amostras deverão
5.4.3. Líquido amniótico ser enviadas em separado.

Recolher uma amostra com aproximadamen- 5.6.3. Restos cadavéricos carbonizados


te 10 ml, que se coloca em tubo ou frasco.
Deverão ser seguidas as indicações referidas
5.4.4. Urina ou outros fluidos biológicos em 4.5. No entanto, se houver a suspeita da
existência de restos cadavéricos pertencentes a
Recolher com uma pipeta de plástico, des- mais de um indivíduo, as várias amostras deverão
cartável, e introduzir em tubo ou frasco. ser enviadas em separado.

5.5. PÊLOS E CABELOS 5.7. RESTOS FETAIS E PLACENTÁRIOS

Recolher com pinças limpas, colocando cada A recolha deve ser efectuada com pinças
pêlo ou grupo de pêlos em pequenos envelopes limpas e as amostras deverão ser introduzidas em
ou sacos de papel. recipiente de plástico com boca larga e tampa de
rosca, sem qualquer líquido fixador.
5.6. RESTOS CADAVÉRICOS

A recolha estará condicionada ao tipo de 6 . R ECO L H A D E A M OS T R A S


restos cadavéricos que forem encontrados: B I O LÓ G I C A S N O CO R P O
DA V Í T I M A
5.6.1. Restos cadavéricos em bom estado de
conservação 6.1. MANCHAS DE SANGUE, SÉMEN
E OUTROS FLUIDOS BIOLÓGICOS
Deverão ser seguidas as indicações referidas
em 4.3. No entanto, se houver a suspeita da A recolha deve ser efectuada com uma zara-
existência de restos cadavéricos pertencentes a gatoa estéril, ligeiramente humedecida em água
mais de um indivíduo, as várias amostras deverão destilada, limpando toda a área onde se encontra
ser enviadas em separado. a mancha.
30 MARIA JOÃO ANJOS PORTO

6.2. SALIVA EM MARCAS DE MORDEDURA de genética forense, necessitam de um tratamento


particular quer relativamente à informação que
As marcas de mordedura devem ser previa- deve ser obtida durante o exame sexual, quer
mente fotografadas e a recolha deve ser efectuada relativamente às amostras que são necessárias
com uma zaragatoa estéril, ligeiramente hume- para realizar este tipo de perícia.
decida em água destilada, limpando a área onde
se encontra a marca deixada pelos dentes, bem 7.1. DOCUMENTAÇÃO NECESSÁRIA
como toda a zona interior por eles delimitada.
A recolha de amostras neste tipo de delitos
6.3. MÃOS E UNHAS deve obedecer a protocolos previamente estabe-
lecidos e, de modo a se poder fazer uma selecção
Com uma pinça limpa, recolher os pêlos ou adequada das amostras para análise e valorizar
fibras que se encontrem nas mãos ou unhas da convenientemente os resultados obtidos, é ne-
vítima e colocar em pequenos envelopes ou sacos cessário recolher informação relevante quer dos
de papel. Se possível, cortar as unhas para que factos quer da vítima. Para tal, será necessário que
se analisem eventuais restos de sangue ou pele o perito que faz a recolha das amostras preencha
do agressor, recolhendo em separado as unhas de um formulário específico para este tipo de situa-
ambas as mãos que deverão ser colocadas em pe- ções, onde deverá constar a seguinte informação:
quenos envelopes ou sacos de papel. No caso de não
existirem unhas que se possam cortar, efectuar um 1. Dados da vítima:
raspado subungueal recorrendo a uma zaragatoa – Idade;
estéril ligeiramente humedecida em água destilada – Sexo;
(no caso de pessoas vivas) ou recorrendo a um bisturi – Grupo populacional;
(no caso de cadáveres) que poderá ser acondiciona- – Relações sexuais próximas da agressão
do em vidros de relógio ou caixas de petri. (especificar o tipo, data e hora);
– Utilização de produtos vaginais (lubrifi-
6.4. PÊLOS cantes, espermicidas, etc.);
– Se previamente ao exame procedeu à
Recolher com pinças limpas, colocando cada lavagem das zonas afectadas na agressão;
pêlo ou grupo de pêlos em pequenos envelopes – Se vomitou, urinou ou defecou;
ou sacos de papel. – Se mantém a roupa da agressão;
– Dados ginecológicos que possam ser re-
levantes.
7. AG R ESSÕ ES SE XUA I S
2. Dados da agressão:
As agressões sexuais, sendo um dos crimes – Local da agressão;
que com maior frequência chega aos laboratórios – Data e hora da agressão;
CAPÍTULO 1. Colheita e Acondicionamento de Amostras Biológicas para Identificação Genética 31

– Tempo decorrido entre a agressão e a debaixo da língua). Deverá ser a primeira


recolha de amostras; colheita a ser realizada uma vez que os
– Tipo de agressão (vaginal, anal e/ou bu- vestígios de sémen tendem a desaparecer
cal); rapidamente.
– Se houve introdução de objectos (vaginal 2. Recolhas na superfície corporal. Procurar
ou anal); manchas de sémen ou saliva, bem como
– Número de agressores; possíveis marcas de mordedura, que de-
– Se houve utilização de preservativos; vem ser recolhidas recorrendo a zaraga-
– Se houve ejaculação (interior ou exterior); toas estéreis de acordo com o referido
– Relação de parentesco entre a vítima e em 6.1. e 6.2.
o agressor. 3. Penteado púbico e recolha de pêlos sus-
peitos de pertencerem ao agressor, que
3. Lista das amostras de referência e dos deverão ser colocados em pequenos en-
vestígios biológicos enviados, com a in- velopes ou sacos de papel.
formação referida em 3.1.1.2. 4. Zaragatoas cervicais, vaginais e dos ge-
nitais externos, que se realizam com za-
4. Dados da cadeia de custódia, referidos ragatoas estéreis, limpando cuidadosa-
em 3.1.1.3. mente o colo uterino, a cavidade vaginal
e a região vulvar, respectivamente.
7.2. RECOLHA DE VESTÍGIOS BIOLÓGICOS 5. Zaragatoas anais e da margem anal, que
se realizam com zaragatoas estéreis, lim-
A recolha de amostras é efectuada tendo em pando cuidadosamente o canal rectal e
conta a ocorrência e os dados fornecidos pela a margem anal, respectivamente.
vítima, o mais rapidamente possível, para permitir 6. Recolhas nas mãos e unhas da vítima, de
uma maior taxa de sucesso na análise das amostras. acordo com o referido em 6.3., nomeada-
Quando se efectua mais de uma zaragatoa em cada mente nos casos em que a vítima referir
local, é fundamental numerá-las para que a análise que pode eventualmente ter agredido o
se inicie pela que foi realizada em primeiro lugar. suspeito.
Poderão ser recolhidos os seguintes vestígios 7. As peças de vestuário utilizadas pela vítima
biológicos: no momento ou após a agressão, que
deverão ser embaladas separadamente
1. Zaragatoas bucais. Os eventuais vestígios em sacos ou envelopes de papel. Recolher
de sémen recolhem-se com zaragatoas apenas as roupas que, de acordo com a
estéreis, que se passam suavemente nos ocorrência, possam conter eventuais vestí-
espaços entre os dentes e nas zonas onde gios biológicos do agressor evitando deste
os espermatozóides têm tendência a de- modo uma recolha indiscriminada que di-
positar-se (zona inferior das gengivas e ficulta o trabalho laboratorial e em nada
32 MARIA JOÃO ANJOS PORTO

ajuda a investigação. As roupas devem ser


pouco manipuladas para evitar a perda de – Amostras de referência da vítima – seguir
eventuais vestígios e, sempre que possível, o recomendado em 4.1.1. e 4.1.2. No
devem ser registadas as zonas que com caso de a vítima ter sofrido penetração
maior probabilidade poderão conter ma- oral, efectuar apenas colheita de sangue,
terial biológico do agressor. dado que a zaragatoa bucal poderá estar
8. Lenços de papel, ou objectos íntimos (p.e. contaminada com material biológico do
pensos higiénicos) que a vítima possa ter agressor.
utilizado após a agressão, que deverão – Amostras de referência do suspeito – se-
estar secos antes de ser embalados em guir o recomendado em 4.1.1. e 4.1.2.
embalagens apropriadas, nomeadamente
sacos ou envelopes de papel e, os pre- Em determinadas situações poder-se-á jus-
servativos utilizados pelo agressor que tificar a recolha de cabelos ou pêlos púbicos da
deverão ser colhidos de acordo com o vítima para se proceder ao estudo das característi-
referido em 5.4.2. cas morfológicas e comparação com as dos pêlos
9. Se aplicável, as roupas de cama utilizadas considerados suspeitos de pertencerem ao agressor.
durante a agressão (p.e. lençóis, colchas,
cobertores, etc.) ou as utilizadas para a
vítima e/ou o agressor se limparem após a 8 . R ECO L H A D E A M OS T R A S E M
agressão (p.e. toalhas). No caso das rou- I N V ES T I G AÇÕ ES B I O LÓ G I C A S D E
pas de cama, indicar se possível a posição PA R E N T ESCO
relativa em que se encontravam dispostas
na cama, assinalar eventuais manchas que 8.1. PRETENSO PAI, FILHO E /OU MÃE VIVOS
tenham sido previamente detectadas ou
indicar as zonas prováveis para a existên- A grande maioria das investigações bioló-
cia de manchas de acordo com o relato gicas de parentesco refere-se a investigações da
da vítima. Este procedimento é uma mais paternidade biológica nas quais se apresentam
valia para o laboratório que tem de ana- a exame o pretenso pai, o filho e a mãe. Nestes
lisar peças de grande tamanho e nem casos, a cada interveniente no processo deve ser
sempre dispõe de superfícies adaptadas efectuada uma zaragatoa bucal e uma mancha
à dimensão destes objectos. de sangue devendo ser seguido o recomendado
em 4.1.1. e 4.1.2. Nos casos em que não é pos-
7.3. RECOLHA DE AMOSTRAS DE REFERÊNCIA sível efectuar a recolha de ambos os materiais
biológicos, deverá ser recolhido um deles em
Para efectuar o estudo comparativo com duplicado. O mesmo procedimento deverá ser
o material biológico recolhido durante o exame adoptado quando se investigam outras relações
sexual, será necessário dispor de: de parentesco.
CAPÍTULO 1. Colheita e Acondicionamento de Amostras Biológicas para Identificação Genética 33

8.2. PRETENSO PAI FALECIDO efectuada uma zaragatoa bucal e uma mancha
de sangue devendo ser seguido o recomendado
8.2.1. Análise a partir de ossos e dentes em 4.1.1. e 4.1.2.
procedentes do cadáver exumado
8.3. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
Nos casos em que o pretenso pai já faleceu é A PARTIR DE RESTOS FETAIS
frequente recorrer-se à colheita de material bioló-
gico do cadáver exumado. As amostras que mais Seguir o recomendado em 5.7. para a reco-
resistem à degradação são os ossos e dentes, lha de restos fetais e em 4.1.1. e 4.1.2. para as
pelo que deverão ser colhidos de acordo com o amostras de referência do pretenso pai e da mãe.
recomendado em 4.4.1. e 4.4.2. Nos casos em que a recolha é realizada na
Nalgumas situações excepcionais é ain- sequência de um abortamento clínico, p.e. efec-
da possível efectuar a recolha de algum tecido tuado em casos de investigações de paternidade
muscular mais resistente à putrefacção, podendo criminais, a colheita de material biológico do em-
também este material biológico ser objecto de brião/feto deve ser cuidadosa de modo a prevenir
estudo dado que permite obter resultados de uma eventuais contaminações com material biológico
forma mais rápida e menos onerosa, quando a materno. Quanto mais reduzido for o tempo de
quantidade/qualidade de DNA é suficiente para gestação mais difícil será fazer a colheita, nomea-
tal (seguir o recomendado em 4.3.2.). No caso damente nos casos em que o embrião se encontra
de o cadáver ainda se encontrar com unhas, esta ainda numa fase precoce do seu desenvolvimen-
amostra deverá ser recolhida de acordo com o to; nestas situações a separação entre o material
descrito em 4.4.3. fetal e o material materno deve ocorrer durante
a colheita, com a ajuda do médico obstetra ou
8.2.2. Análise a partir de amostras de um patologista. Quando o tempo de gestação
biológicas existentes em centros o permitir, poderá ser realizada uma mancha de
hospitalares ou em ambiente familiar sangue do feto a partir das cavidades cardíacas.

Se disponíveis, poderá recorrer-se a amostras


armazenadas em centros hospitalares ou exis- 9. R ECO L H A D E A M OS T R A S
tentes em ambiente familiar (ver 4.7.1. e 4.7.2.). E M G R A N D ES C ATÁ S T RO FES
O U D ESA S T R ES D E M A SSA
8.2.3. Análise a partir de amostras biológicas
provenientes de familiares do falecido Nas grandes catástrofes ou desastres de
massa é necessário recolher material biológico
O perfil genético do pretenso pai poderá de todos os cadáveres e restos humanos para
ser deduzido a partir dos seus familiares. Nestes uma eventual análise de DNA, mesmo que al-
casos, a cada interveniente no processo deve ser gumas vítimas estejam já identificadas através
34 MARIA JOÃO ANJOS PORTO

do reconhecimento pelos seus familiares (pelas devem relacionar as respectivas amostras


suas características físicas ou pertences pessoais) com a vítima que se pretende identificar;
ou através de perícias de Antropologia Forense,
Dactiloscopia, Odontologia, ou Radiologia. – O procedimento de recolha e as pre-
A recolha de amostras para identificação cauções que devem ser tomadas para
genética tem particular relevância quando existem minimizar os riscos de contaminação;
situações de alto impacto em que as vítimas ficam
muito fragmentadas, permitindo deste modo fazer – A cadeia de custódia.
a associação ou exclusão de restos humanos e
de cadáveres, e também nas situações em que
existam dúvidas ou discrepâncias relativamente 9.1. AMOSTRAS POST-MORTEM
a outros métodos de identificação; permite ain-
da identificar outros familiares que possam estar Os cuidados tidos durante o processo de
desaparecidos. A identificação genética baseia- recolha das amostras post-mortem, a rapidez da
-se nos estudos comparativos efectuados a partir sua recuperação e o método de preservação a que
dos perfis de DNA obtidos nas amostras post- foram submetidas, determina o sucesso dos resul-
-mortem (dos cadáveres e restos cadavéricos) tados. Um dos grandes problemas relativamente
e nas amostras de referência (ante-mortem e à preservação das amostras coloca-se quando
familiares das vítimas). não é possível dispor de equipamentos de frio
A grande complexidade destas situações que permitam a conservação ou congelamento
leva a que a recolha tenha de ser efectuada por das mesmas de modo a travar os processos de
pessoal com formação específica nesta área, que degradação. Actualmente existem soluções de
deve ter particular cuidado com: conservação (p.e. Genofix), que permitem o arma-
zenamento à temperatura ambiente de amostras
– A identificação das amostras que deve biológicas para fins de identificação genética.
ser inequívoca e invariável ao longo de Quando as vítimas se encontram fragmen-
todo o processo de modo a evitar erros; tadas existe o risco de sangue ou tecidos de um
indivíduo se transferirem e agregarem a restos
– O preenchimento da documentação cadavéricos de outro indivíduo, o que pode levar
que as acompanha, devendo existir for- a associações erradas dos fragmentos dos cadá-
mulários específicos para o efeito referen- veres ou ainda à obtenção de perfis genéticos
tes a amostras post-mortem, amostras de de mistura. Este tipo de situações pode ocorrer
referência de familiares ou amostras ante- nomeadamente nos desastres de massa com alto
-mortem (objectos pessoais ou amostras impacto, como foi o caso do ocorrido nos EUA a
biológicas das vítimas). Os formulários 11 de Setembro de 2001. Nestes casos terá de ser
destinados a amostras de referência definido o tamanho mínimo do fragmento a ser
de familiares e amostras ante-mortem recuperado para análise (em geral de 1-10 cm),
CAPÍTULO 1. Colheita e Acondicionamento de Amostras Biológicas para Identificação Genética 35

que deverá permitir ao laboratório a obtenção das mesmas, sendo necessária a assinatura de
de informação genética relevante. um documento que autorize expressamente a
O tipo de amostra mais adequado para aná- utilização da amostra recolhida para fins de iden-
lise de DNA depende das características da catás- tificação genética. Deverá ainda ser assegurada
trofe e do estado em que se encontram os restos a autenticidade da identificação do examinado,
cadavéricos. As amostras que com mais frequência nomeadamente mediante apresentação do do-
se encontram disponíveis para análise são: cumento de identificação do qual é feita cópia
a integrar no processo, e ser bem estabeleci-
– Músculo esquelético; da a relação de parentesco entre o dador e a
– Fragmentos de órgãos; vítima mediante a elaboração de uma árvore
– Pele; genealógica. Devem ainda ser referidos outros
– Sangue. familiares que possam estar disponíveis como
dadores no caso de ser necessário recorrer a
Dependendo do estado em que o cadáver estudos complementares.
se encontra, deverão ser seguidas as recomenda- Deve ser realçado o facto de poderem existir
ções descritas em 4.3. (cadáveres em bom estado dentro do núcleo familiar relações não biológicas
de conservação), 4.4. (cadáveres em avançado (p.e. filhos adoptados ou exclusões da paterni-
estado de putrefacção) ou 4.5. (cadáveres car- dade), que deverão ser tidas em consideração de
bonizados). modo a haver uma correcta interpretação dos
Nos casos em que as amostras se encontram resultados.
degradadas, deverá também ser equacionada a
possibilidade de se poderem recolher amostras 9.2.1. Familiares mais adequados
de mais fácil extracção (nomeadamente zaraga-
toas) para além da recolha de ossos e dentes. A Os familiares mais adequados para permi-
identificação genética que eventualmente possa tir uma identificação positiva do cadáver, são os
ser conseguida nestas zaragatoas justifica todo seguintes, por ordem de prioridade:
o trabalho adicional que é requerido no acto de
recolha, dado que permite a obtenção de re- Ascendentes e descendentes directos
sultados num menor espaço de tempo e com
menos custos. – Pai e mãe biológicos do falecido – se não
for possível obter amostras de ambos os
9.2. AMOSTRAS DE REFERÊNCIA progenitores, efectuar a recolha a apenas
DE FAMILIARES um deles;

A colheita de amostras de referência de – Cônjuge e filhos do falecido – se não


familiares de pessoas desaparecidas deve ser for possível obter amostras do cônjuge,
efectuada com o consentimento livre e informado efectuar a recolha apenas aos filhos.
36 MARIA JOÃO ANJOS PORTO

Irmãos do falecido O laboratório de genética forense deve fazer uma


selecção dos objectos que à partida permitem um
– Fazer a recolha aos irmãos disponíveis, maior rendimento na extracção de DNA:
nomeadamente aos do sexo masculino
se a vítima for um homem, para averi- – Escovas de dentes;
guação da linhagem paterna, para além – Lâminas ou máquinas de barbear;
da materna. – Pentes e escovas de cabelo;
– Roupa interior;
Outros familiares – Dentes previamente extraídos (nomea-
damente dentes de leite);
– Se não for possível dispor de amostras de – Gorros;
referência dos familiares anteriormente – Copos;
descritos, deve ser feita a recolha nou- – Fronhas;
tros familiares que partilhem a linhagem – Relógios de pulso e joalharia;
paterna e/ou materna (avós, tios, primos, – Toalhas;
etc.). – Roupa exterior;
– Sapatos, etc.
9.2.2. Amostras biológicas
A utilização deste tipo de amostras como
Aos familiares das vítimas deverão ser colhi- sendo de referência da vítima deve no entanto
das amostras de saliva e sangue, de acordo com prever a eventualidade de poderem conter mate-
o referido em 4.1.1. e 4.1.2., respectivamente. rial biológico de outras pessoas do seu ambiente
familiar. Se possível, o perfil genético identificado
9.3. AMOSTRAS ANTE-MORTEM nos objectos pessoais deverá ser comparado com
familiares para assegurar que existem relações de
As amostras ante-mortem têm a vantagem parentesco. Os formulários respeitantes a este
de permitir uma comparação directa com os re- tipo de amostras deverão referir os familiares que
sultados obtidos no cadáver. Devem ser recolhidas eventualmente os possam ter utilizado.
individualmente, em recipientes adaptados ao seu
tamanho e, sempre que possível, em embalagens
de papel ou cartão. 9.3.2. Amostras de centros hospitalares
ou outros
9.3.1. Objectos pessoais em ambiente familiar
Deverá ser averiguada a possibilidade de
Os objectos pessoais são normalmente fáceis existirem amostras das vítimas em centros hos-
de obter, mas contêm muitas vezes quantidades pitalares, nomeadamente amostras de sangue
diminutas de DNA o que dificulta a sua análise. ou esperma, biopsias e tecidos para exames
CAPÍTULO 1. Colheita e Acondicionamento de Amostras Biológicas para Identificação Genética 37

histológicos. As bases de dados de perfis de DNA 10.1.1. Solicitação do exame por voluntário
para fins de identificação civil e criminal poderão ou por familiar de pessoa desaparecida
também ser utilizadas para fazer a identificação
das vítimas. O voluntário ou familiar de pessoa desapa-
recida solicita a realização da colheita da amostra
para obtenção do perfil de DNA às entidades
10 . R ECO L H A D E A M OS T R A S competentes para a análise laboratorial, de acordo
PA R A EFE I TOS DA BA SE com o anexo I.
D E DA D OS D E P E R F I S D E D N A
10.1.1.1. Informação
A Lei n.º 5/2008 de 12 de Fevereiro aprovou
a criação de uma base de dados de perfis de O sujeito que vai realizar a colheita de ma-
DNA para fins de identificação civil e criminal, terial biológico goza do direito de informação
regulamentada pela Deliberação n.º 3191/2008 pelo que, previamente à recolha de amostras,
de 3 de Dezembro. é entregue um documento com as informações
constantes do artigo 9.º da Lei n.º 5/2008 de 12
10.1. DOCUMENTAÇÃO de Fevereiro, de acordo com o anexo III.

De modo a instruir o processo dos serviços 10.1.1.2. Consentimento


que realizam a análise das amostras com vista à
obtenção do perfil de DNA e posterior envio da A recolha de amostras em voluntários ou em
informação necessária para o ficheiro de dados parentes de pessoas desaparecidas para fins de
pessoais, a colheita de material biológico deve identificação civil, carece de consentimento livre,
ser acompanhada de documentação específica, informado e escrito e com autorização expressa
de acordo com o previsto na Lei n.º 5/2008 de para obtenção do seu perfil de DNA, inserção,
12 de Fevereiro e o publicado na Deliberação n.º comunicação e interconexão, prestado no ane-
3191/2008 de 3 de Dezembro (anexos I, II-A, xo II-A (voluntários) e anexo II-B (parentes de
II-B, II-C, II-D e III). pessoas desaparecidas).
As entidades que procedem à recolha de- Quando se trate de menores ou incapazes,
vem assegurar a autenticidade da identificação a recolha de amostras para fins de identificação
do examinado, efectuada através de: civil depende de autorização judicial.

– Apresentação do documento de identi- 10.1.2. Recolha de amostras para fins de


ficação, do qual é feita cópia; investigação criminal
– Recolha de impressão digital;
– Fotografia, para a qual tenha sido pre- A recolha de amostras para fins de in-
viamente solicitado o consentimento. vestigação criminal deverá ser ordenada por
38 MARIA JOÃO ANJOS PORTO

entidade competente para o efeito, de acordo 11. P R ESE RVAÇ ÃO DA S A M OS T R A S


com o previsto na Lei 5/2008 de 12 de Fevereiro, B I O LÓ G I C A S
acompanhada do acórdão condenatório nos
casos de condenados por crime doloso com A ausência de cuidados específicos durante
pena concreta de prisão igual ou superior a 3 o armazenamento e transporte das amostras
anos. Sempre que se pretenda a inserção do biológicas pode conduzir a uma deterioração
perfil genético do arguido na base de dados das mesmas e, no limite, à ausência de resulta-
de perfis de DNA, esta intenção deverá ser dos. No entanto, se as amostras forem preserva-
expressamente mencionada pelo magistrado das em condições ideais, o DNA nelas existente
que ordena a recolha. pode manter-se inalterável durante um longo
período de tempo. A degradação do material
10.1.2.1. Informação biológico leva a uma diminuição da integridade
das células e consequentemente à redução da
O sujeito que vai realizar a colheita de ma- quantidade e qualidade do DNA. As moléculas
terial biológico goza do direito de informação de DNA resistem melhor à degradação se es-
pelo que, previamente à recolha de amostras, tiverem secas e sem humidade, não devendo
é entregue um documento com as informações estar expostas a altas temperaturas, condições
constantes do artigo 9.º da Lei n.º 5/2008 de 12 que inibem também a proliferação bacteriana.
de Fevereiro, de acordo com o anexo III. Deste modo, uma amostra de sangue colhida
O anexo II-C (condenados) e o anexo II-D numa zaragatoa deve ser previamente seca à
(arguidos) deverão ser correctamente preenchidos, temperatura ambiente antes de ser embalada
sem rasuras. e selada para transporte.
As amostras biológicas deverão ser cor-
10.1.3. Cadeia de custódia rec tamente embaladas para garantir uma
adequada preservação até à sua chegada ao
Como em qualquer outro procedimento laboratório e os recipientes (adequados ao ta-
relacionado com a colheita de amostras biológi- manho das amostras), deverão estar selados e
cas, deve ser assegurada a respectiva cadeia de devidamente identificados de modo a garantir
custódia das amostras. a integridade e autenticidade das amostras.
Uma vez colhidas, as amostras deverão ser
10.2. AMOSTRAS BIOLÓGICAS rapidamente enviadas ao laboratório de ge-
nética forense para análise.
A recolha de amostras é realizada em du- Uma vez chegadas ao laboratório, as evi-
plicado através de método não invasivo, pelo dências poderão ser armazenadas a diferentes
que se deverão recolher duas zaragatoas temperaturas que vão desde a temperatura am-
bucais (proceder de acordo com o referido biente até aos -80ºC, dependendo do tipo de
em 4.1.1.) amostra. Dado o grande volume de espaço que
CAPÍTULO 1. Colheita e Acondicionamento de Amostras Biológicas para Identificação Genética 39

os vestígios biológicos podem ocupar, existe 12 . R EC E P Ç ÃO DA S A M OS T R A S


por parte dos laboratórios forenses alguma di- B I O LÓ G I C A S N O L A B O R ATÓ R I O
ficuldade no seu armazenamento em ambiente
refrigerado. Em amostras que necessitam de re- Após a recepção das amostras, o laboratório
frigeração, o mais comum é o armazenamento a deverá:
-20ºC, sendo a temperatura de -80ºC reservada – Manter a cadeia de custódia;
a amostras que se encontram já degradadas ou – Verificar se o material recebido confere
que se prevê poderem vir a degradar-se facil- com o formulário que as acompanha;
mente. A criopreservação através da utilização – Comprovar que as amostras estão bem
de azoto líquido seria desejável para um arma- acondicionadas e que as embalagens es-
zenamento prolongado, sendo no entanto im- tão íntegras;
praticável. De modo a minimizar a degradação – Verificar se a identificação das amostras
das amostras, devem ser evitadas as flutuações se encontra correcta;
de temperatura tal como acontece nos ciclos – Fotografar as amostras e verificar o seu
de congelação-descongelação. estado de conservação;
– Manter as condições apropriadas de ar-
Devem ser tomadas as necessárias precau- mazenamento.
ções para evitar destruir ou consumir totalmente
a amostra biológica que se pretende analisar, de
modo a que uma porção da mesma possa ficar
disponível para uma eventual re-análise, se ne-
cessário.

De um modo geral:

– As amostras que estejam completamen-


te secas (manchas de sangue, sémen e
saliva, crostas, raspados, unhas, pêlos,
dentes e ossos desprovidos de tecidos
moles, etc.), podem ser preservadas à
temperatura ambiente.
– Os vestígios líquidos, vestígios húmidos,
tecidos moles, órgãos, ossos com tecidos
aderentes ou contendo medula, dentes
com polpa etc., devem ser refrigerados
uma vez que sofrem uma rápida degra-
dação.
40 MARIA JOÃO ANJOS PORTO

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and Handling of DNA Extracts. Forensic Science Review,
22: 131-144.
Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro (Diário da República, 1.ª
Série, nº 30), que aprova a criação de uma base de dados
de perfis de ADN para fins de identificação civil e criminal.
CAPÍTULO 2. Criminalística Biológica 41

Capítulo 2
CRIMINALÍSTICA BIOLÓGICA

M. Fátima Pinheiro
Professora Afiliada do ICBAS, Universidade do Porto
Professora Afiliada da Faculdade de Medicina, Universidade do Porto
Membro do CENCIFOR (Centro de Ciências Forenses)
DOI | HTTP://DX.DOI.ORG/10.14195/978-989-26-0957-7_2
42 M. FÁTIMA PINHEIRO

RESUMO SUMMARY
São abordados os objetivos das perícias de Genética The objectives of the exam of Forensic Genetics are
Forense na perspetiva da identificação genética de amos- addressed from the perspective of genetic identification
tras biológicas (problema e de referência) colhidas no of biological samples (problem and reference) collected
âmbito das perícias de criminalística biológica, bem como within the expertise of biologic criminalistics, as well as
os capítulos e as particularidades a mencionar no respetivo chapters and particularities to mention at the appropriate
relatório pericial. Para além da referência aos marcadores expert report. Apart from the reference to the genetic
genéticos mais usados na atualidade, para a resolução markers most used today, to solve this kind of expertise,
deste tipo de perícias, são indicados os principais tipos are listed the main types of related crimes with which
de crimes relacionados com os quais são solicitadas as these exams are required, and the respective biological
referidas perícias. Acresce as respetivas amostras bio- samples taken at different crimes (blood, semen, saliva,
lógicas colhidas nos diferentes delitos (sangue, sémen, hair and skin cells). Finally, the possible conclusions of
saliva, pelos e células epiteliais). Por fim, são enumeradas the expert report are listed, as well as the respective
as conclusões possíveis do relatório pericial, assim como weighing of the evidence, if there is agreement from
a respetiva valorização da prova, quando se verifique a genetic profiles of unknown sample(s) with the refe-
concordância de perfis genéticos da(s) amostra(s) proble- rence sample.
ma com a amostra de referência.

PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS
Criminalística biológica; amostras biológicas; relatório Biologic criminalistics; biological samples; expert report.
pericial.
CAPÍTULO 2. Criminalística Biológica 43

1. I N T RO D U Ç ÃO interesse reside no facto de se procurar vestí-


gios anatómicos, biológicos ou humorais que
A identificação genética em material bioló- permitam estabelecer a identidade do autor do
gico relacionado com perícias do âmbito da in- crime, sendo que a criminalística biológica se
vestigação de parentesco, criminalística biológica ocupa dos de natureza estritamente biológica.
e identificação individual (em especial de restos Estas amostras ou vestígios biológicos são
cadavéricos), com a utilização de marcadores ge- colhidos, em geral, no local do crime, corpo ou
néticos, também chamados polimorfismos de DNA peças de vestuário da vítima ou do suspeito.
(Ácido Desoxirribonucleico), tem sido ao longo dos A identificação genética destas amostras é feita
tempos o principal objetivo da Genética Forense. através do estudo do DNA. Para se realizar este
Na atualidade, o recurso às mais eficazes e ino- estudo é necessário qualquer tipo de mancha ou
vadoras metodologias e tecnologias possibilita o produto que contenha material genético. Este
estabelecimento de conclusões, no contexto de material genético encontra-se em todas as células
relatórios periciais, inimagináveis há ainda escas- nucleadas do organismo humano e possui caracte-
sas décadas. No presente, para além dos meios rísticas importantes para a identificação genética,
usados no quotidiano laboratorial, existe uma já que o DNA nuclear (DNAnu) dos autossomas
panóplia de soluções inovadoras que, num futuro (cromossomas não sexuais), estudado no âmbito
próximo, poderão propiciar a obtenção de resul- da Genética Forense, é único para cada indivíduo
tados conducentes à cabal e rápida identificação (excetuando os gémeos monozigóticos), sendo
genética individual. Esta circunstância terá uma idêntico em todas as suas células; ou seja, estu-
utilidade irrefutável em vários contextos, designa- dando qualquer vestígio biológico pode-se iden-
damente na investigação criminal (Pinheiro, 2009). tificar o indivíduo ao qual esse vestígio pertence.
Em relação aos três tipos de perícias men- Deste modo, a perícia de Genética Forense
cionadas, são colhidas amostras biológicas e/ou é realizada em amostras biológicas de natureza
recebido material biológico de natureza diversa, diversa (sangue, sémen, pelos, saliva, células
sendo efetuada a interpretação e valorização es- epiteliais), colhidas em distintos suportes (corpo
tatística dos resultados, após o percurso labora- da vítima ou do suspeito, peças de vestuário,
torial apropriado para cada caso. As conclusões roupa de cama, entre outros), no contexto da
da perícia constam no relatório pericial, enviado investigação da prática de um crime, consiste no
à entidade requisitante, que irá constituir prova seu estudo laboratorial, a fim de se estabelecer
em tribunal (Pinheiro, 2009). o perfil genético. A análise dos resultados inci-
Criminalística, de acordo com Villanueva de sobre a comparação do perfil genético das
Cañadas, é a ciência que estuda os indícios amostras biológicas relacionadas com o delito
deixados no local do delito, graças aos quais é (amostras problema) com os perfis genéticos da
possível estabelecer, nos casos mais favoráveis, vítima e do suspeito (amostras de referência).
a identidade do criminoso e as circunstâncias A existência de concordância entre o perfil ge-
que concorreram para o referido delito. O seu nético da amostra biológica relacionada com o
44 M. FÁTIMA PINHEIRO

delito e o perfil genético do suspeito é fortemente haplóide, por possuírem apenas um conjunto de
indicativa de que este foi o seu dador. Neste caso, 23 cromossomas. Aquando da fecundação o zigo-
faz-se a valorização dos resultados através da to, derivado da junção dos dois gâmetas, resulta
determinação do Likelihood Ratio (LR). diplóide (Pinheiro, 2010b).
No relatório pericial deve constar, entre ou- A resolução dos casos forenses consta da
tras particularidades do caso em estudo, informa- identificação genética das amostras biológicas
ção relativa à entidade requisitante, referência ao com eles relacionadas e baseia-se na caracteriza-
material enviado para exame, descrição porme- ção de polimorfismos do DNA, também chamados
norizada desse material, metodologias usadas e de marcadores genéticos, das regiões não codifi-
respetivas referências bibliográficas, resultados cantes do genoma humano. Atualmente, para a
e conclusões, nas quais pode ser incluído o LR. conclusão das perícias forenses usa-se preferen-
Serão efetuadas referências ao Serviço de cialmente o DNAnu, podendo em circunstâncias
Genética e Biologia Forense da Delegação do especiais utilizar-se o DNA mitocondrial (DNAmt).
Norte, do Instituto Nacional de Medicina Legal, Para além das suas diferenças de tamanho e es-
IP, identificado no texto por SGBF, DN. truturais, apresentam distintas formas de herança,
pois, o DNAnu é herdado de ambos os progenito-
res, à exceção do cromossoma Y, sendo o DNAmt
2 . P O L I M O R F I SM OS D E D N A de herança uniparental materna (Pinheiro, 2010b).
(M A RC A D O R ES G E N É T I COS) Aproximadamente 3% do genoma humano
M A I S USA D OS é constituído por repetições em tandem. Trata-se
de sequências de DNA não codificante que se
Nas células nucleadas humanas existem dois repetem sucessivamente, cuja diferenciação entre
tipos de DNA, o DNA nuclear (DNAnu) e o DNA indivíduos da mesma espécie reside no número de
mitocondrial (DNAmt). repetições que cada indivíduo apresenta para um
O DNA do núcleo das células está organi- determinado locus de um par de cromossomas
zado em cromossomas, apresentando-se alta- homólogos. A herança do número de repetições
mente compactado e protegido por proteínas obedece às Leis da Hereditariedade estabelecidas
denominadas histonas. Uma única cópia do ge- por Mendel, tal como a de qualquer outro poli-
noma humano é constituída por cerca de 3.200 morfismo usado com fins forenses. Assim, este
milhões de pb (pares de bases), sendo que cada DNA repetitivo, excetuando o DNA satélite que
célula somática possui 22 pares de autossomas se encontra nas proximidades dos centrómeros
e dois cromossomas sexuais (X,Y no homem e dos cromossomas, é classificado em dois grupos,
X,X na mulher). Assim, cada célula somática hu- minissatélite e microssatélite, de acordo com o
mana normal possui 46 cromossomas (23 pares tamanho da sequência de repetição (unidade de
de cromossomas), sendo, por isso, designada de repetição) (Pinheiro, 2010b).
diplóide. As células germinais ou gâmetas (ovó- São, fundamentalmente, as regiões micros-
citos e espermatozoides) encontram-se na forma satélite do genoma que constituem a base da
CAPÍTULO 2. Criminalística Biológica 45

identificação genética. Trata-se de marcadores Não obstante existirem STRs com o tamanho
genéticos, designados de STRs (Short Tandem da unidade de repetição variável (2-7 pb), os mais
Repeats), que consistem em sequências de DNA usados em Genética Forense são os tri, tetra e
de 2-7 pb, dispersas pelo genoma, que se repetem pentanucleotídicos, sendo os tetranucleotídicos
em tandem, cujo tamanho dos alelos é inferior (unidade de repetição com 4 nucleótidos, por
a 350 pb. ex. GATA) os mais utilizados. Calcula-se que o
A importância da análise destas sequências genoma humano contenha, aproximadamente,
de DNA não codificante, em perícias de Genética 500.000 STRs, dos quais 6.000 a 10.000 são tri
Forense, prende-se com o facto de não estarem ou tetraméricos.
relacionadas com a síntese de proteínas e, por isso, As principais vantagens dos STRs prendem-
não haver qualquer correlação que permita dedu- -se, fundamentalmente, com o facto de possuí-
zir a predisposição do dador da amostra biológica rem alelos de tamanhos próximos, o que possi-
para manifestar uma determinada patologia. bilita a realização da sua análise em simultâneo
O número de repetições para cada polimor- (multiplex) e a capacidade de gerarem produtos
fismo pode variar de indivíduo para indivíduo. de amplificação de pequeno tamanho, o que é
Esta característica permite diferenciar indivíduos benéfico, tendo em consideração a análise de
de uma determinada população, mesmo irmãos DNA de amostras degradadas.
germanos (filhos do mesmo pai e da mesma O percurso laboratorial das amostras pro-
mãe) e até gémeos dizigóticos, porque os mo- blema no contexto da criminalística biológica
nozigóticos possuem para estes marcadores in- inclui, habitualmente, os seguintes passos: a)
formação genética idêntica, salvo raras exceções observação do material recebido; b) descrição
(existência de mutações). Evidencia-se que as do material recebido; c) testes preliminares para
sequências de DNA codificante, que possuem determinação da natureza da amostra biológica
informação genética para a produção de pro- (sangue, sémen, saliva); d) extração do DNA;
teínas, são praticamente idênticas para todos e) quantificação do DNA (Real-Time qPCR); f)
os indivíduos, razão pela qual estas regiões do amplificação do DNA por PCR (em termocicla-
genoma não são as indicadas para distinguir dores); g) análise dos produtos amplificados
indivíduos de uma população, não sendo, por (em sequenciadores automáticos); h) análise
isso, as eleitas em Genética Forense. Esta prer- dos resultados obtidos (comparação do perfil
rogativa desmistifica o argumento, por vezes genético da(s) amostra(s) problema(s) com o(s)
apresentado, de que se pode inferir, a partir da da(s) amostra(s) de referência(s)); i) valorização
análise de amostras biológicas, a predisposição estatística dos resultados (por vezes não incluída
de um determinado indivíduo para contrair uma no relatório pericial); j) elaboração do relatório
certa doença, circunstância que podia ser apro- pericial.
veitada por empregadores para rejeitar contratos A(s) amostra(s) de referência segue(m) o
ou por seguradoras para onerar a prestação de mesmo percurso laboratorial, à exceção dos 3
um seguro, entre outras consequências. primeiros passos.
46 M. FÁTIMA PINHEIRO

2.1. STRS AUTOSSÓMICOS Estas duas empresas fizeram, recentemente,


grandes investimentos na produção de kits para
2.1.1. Considerações gerais a caracterização destes marcadores genéticos,
tendo em consideração três aspetos fundamen-
O estudo de STRs autossómicos é realiza- tais: a) introdução de novos polimorfismos que
do na resolução de todo o tipo de perícias de proporcionem um maior poder de informação
Genética Forense, recorrendo-se à análise de ou- (poder de discriminação); b) caraterização de po-
tros grupos de polimorfismos do DNA quando se limorfismos de pequeno tamanho (miniSTRs), que
pretende obter informação adicional, ou quando permitam a obtenção de resultados em amostras
o material genético se encontra em quantidade degradadas e/ou com quantidades diminutas de
exígua e/ou degradado, e não é possível a ob- material genético; c) alteração da sua química para
tenção de resultados. Esta circunstância deve-se obviar o passo de extração do DNA no percurso
ao facto dos marcadores autossómicos sofrerem laboratorial, o que torna mais rápida a análise de
recombinação genética (processo através do qual amostras biológicas.
a descendência produz uma combinação de genes Estas modificações têm tido um grande
diferente dos seus progenitores). Por isso, apre- impacto no desempenho laboratorial, em parti-
sentam uma grande variabilidade, o que propor- cular as duas primeiras, com especial repercus-
ciona um maior poder de informação. Os STRs do são no maior poder informativo proporcionado.
cromossoma Y e o DNA mitocondrial, por serem É, também, de destacar a obtenção de melhores
haplóides, não sofrem recombinação, exibindo, resultados no contexto da análise de amostras
por isso, uma variabilidade genética inferior. com quantidades deficientes de DNA degrada-
Para a tipagem de STRs autossómicos são do, circunstância bastante frequente em perícias
usados, em geral, kits que possibilitam a análise de criminalística biológica e de identificação de
simultânea de 15 loci STR (sistemas multiplex) e a restos cadavéricos.
Amelogenina. Os que têm sido mais utilizados são Estes resultados otimizados aliados ao in-
o AmpFlSTR Identifiler (Applied Biosystems) e
® ™
cremento do poder informativo são traduzidos
o Powerplex 16 (Promega). Em casos complexos,
®
no relatório pericial, em especial quando existe
em que é manifesta a necessidade de incrementar concordância de perfis (do vestígio e do suspeito)
o poder informativo, têm sido usados outros kits no caso da criminalística biológica, sendo que a
para a caracterização de marcadores genéticos relação da probabilidade do vestígio pertencer ao
adicionais. suspeito e a probabilidade de pertencer a qualquer
Em estudo realizado em amostras prove- outro indivíduo da população ser extraordina-
nientes de indivíduos não relacionados do Norte riamente elevada (LR). Por outro lado, quando
de Portugal, foram determinadas as frequências se trata da identificação de restos cadavéricos,
dos alelos, bem como os parâmetros de interesse por exemplo no âmbito de uma investigação cri-
forense, com o AmpFlSTR Identifiler (Pinheiro
® ™
minal, esse incremento de informação genéti-
e col., 2005). ca reveste-se do maior interesse, uma vez que,
CAPÍTULO 2. Criminalística Biológica 47

frequentemente, a comparação é feita entre as de medula, tendo a dadora da medula sido a sua
características genéticas desses restos cadavéricos irmã (Pinheiro, 2010b).
e as dos seus possíveis familiares, cujo grau de No que à criminalística biológica diz respeito,
parentesco não é, algumas vezes, tão próximo a identificação de um perfil genético masculino
como o que seria desejável. Por isso, a utilização em amostras relacionadas com um crime, em que
de um maior número de marcadores altamente a vítima é mulher e o perpetrador é homem, o
informativos e que proporcionem resultados mes- estudo do gene homólogo da Amelogenina é
mo com material degradado é de grande interesse extremamente importante. A presença de dois
para a conclusão da perícia. picos resultantes da amplificação do DNA de
Há, também, um outro aspeto de especial um vestígio biológico, com os kits comerciais
importância quando se está a analisar material geralmente usados nos laboratórios forenses, é
genético de uma amostra biológica, que é a deter- indicativa de que o dador desse vestígio é do
minação do sexo do indivíduo do qual ela provém. género masculino, sendo que o pico de menor
Esta determinação é feita concomitantemente tamanho corresponde ao do cromossoma X (com
com o estudo de STRs autossómicos. Esta pos- a deleção de 6 pb no intrão 1 da Amelogenina)
sibilidade de determinação do género, através e o restante, que difere do anterior em 4 pb, ao
do estudo da Amelogenina, reveste-se do maior cromossoma Y.
interesse, uma vez que há perícias em que esta São, atualmente, comercializados kits (Next-
determinação é relevante. Generation STR Kits) que podem colmatar as de-
Nas investigações de parentesco biológico ficiências relativas aos disponíveis até há pouco
a determinação do género poderá não ter muito tempo, em termos de proporcionarem um aumen-
interesse, uma vez que, habitualmente, as amos- to do poder de discriminação. Para além disso, os
tras biológicas são colhidas aos intervenientes no produtos de amplificação (alelos) de alguns dos
próprio serviço onde irá ser realizada a perícia. polimorfismos incluídos são de pequeno tamanho
Por isso, aquando da colheita dos dados pessoais/ (miniSTRs), indicados para a análise de amostras
processuais e das amostras biológicas o género degradadas e/ou com escassa quantidade de
fica estabelecido. Há, no entanto, casos excecio- material genético. Acresce o incremento do seu
nais, já identificados em diversas ocasiões, que desempenho na presença de inibidores, tais como
surgem quando se analisa o DNA extraído das o grupo heme (componente da hemoglobina) exis-
amostras e o perito depara-se com resultados tente no sangue. Como foi atrás referenciado, o
que não eram expectáveis. A título de exemplo, seu uso pode viabilizar a supressão de um dos
refere-se a identificação de um perfil genético passos do percurso laboratorial, a extração do
feminino obtido a partir de uma amostra de DNA, quando as amostras se encontrarem em
sangue colhida a um pretenso pai. A explicação suporte apropriado.
para a obtenção deste resultado ficou clarificada, Os miniSTRs são produtos de amplificação de
depois da confirmação, por parte do dador da tamanho consideravelmente reduzido em relação
amostra, de ter sido submetido a um transplante ao dos STRs convencionais, constituindo uma boa
48 M. FÁTIMA PINHEIRO

alternativa, ou mesmo um complemento de um a possibilidade de tipagem de amostras degradadas


perfil genético parcial obtido a partir da caracte- (Pontes & Pinheiro, 2011).
rização dos STRs correspondentes. Não obstante Mais recentemente, foi lançado no mercado
terem já sido descritos miniSTRs dos autossomas o NGM SElect que, para além dos STRs referencia-
e dos cromossomas sexuais, apenas os primeiros dos para o NGM, inclui o locus SE33 que possui
estão disponíveis em kits comerciais. um elevado poder de discriminação. Em estudo
Assim, em 2007, foi lançado no mercado o kit realizado numa amostra da população do Norte
AmpFℓSTR MiniFiler , que permite a amplificação
® TM
de Portugal foram identificados 27 alelos para
simultânea de 8 loci (D13S317, D7S820, D2S1338, este marcador genético, proporcionando um valor
D21S11, D16S539, D18S51, CSF1PO, FGA) e a de Pex (Probabilidade de exclusão a priori) de
Amelogenina, todos eles incluídos no AmpFℓSTR ®
0,8909, tendo em consideração que o valor de
Identifiler , proporcionando uma redução de ta-
TM
Pex acumulado para os 16 STRs autossómicos foi
manho (pb) de 58% e de 48%, respetivamente, de 0,99999994 (Pinheiro e col., 2005).
nos alelos de menor e de maior tamanho. A Promega também tem vindo a acompa-
O kit AmpFℓSTR NGM ® ™
inclui 15 STRs, nhar esta evolução, traduzida na produção de
dos quais 5 têm tamanho reduzido (D10S1248, sistemas multiplex com interesse forense, tendo
D22S1045, D2S441, D1S1656, D12S391), tendo vindo a comercializar kits que, basicamente, in-
sido recomendados pelos grupos ENFSI (European cluem os mesmos polimorfismos dos da Applied
Network of Forensic Science Institutes) e EDNAP Biosystems, sendo que os de última geração são o
(European DNA Profiling Group), com a finalida- PowerPlex® ESX e o PowerPlex® ESI, comparáveis
de de serem adotados na análise de amostras aos atrás mencionados.
degradadas, a fim de aumentar o desempenho A Qiagen tem também investido na produ-
das bases de dados nacionais e apoiar a estan- ção de kits para a caracterização de STRs autos-
dardização das bases de dados na Europa (Gill e sómicos com fins forenses, como por exemplo o
col. 2006a; Gill e col. 2006b; Lareu e col. 1996; Investigator ESSplex Plus e o Investigator ESSplex
Lareu e col. 1998; Coble & Butler, 2005). SE, evidenciando a rapidez da obtenção dos re-
O estudo efetuado em amostras colhidas, sultados sem comprometer a sensibilidade e a
após consentimento, a 213 indivíduos sãos e não linearidade dos mesmos.
relacionados da população do Norte de Portugal, A nossa experiência com kits da Qiagen,
envolvidos em perícias de investigação de paterni- designadamente, o IDPlex STR Kit, que permite a
dade, permitiu concluir que os resultados apoiavam caracterização dos marcadores genéticos incluídos
o anunciado incremento do poder informativo pro- no Identifiler, atrás referenciado, é indicativa de
porcionado por este kit para fins forenses, aumen- se tratar de um kit com bom desempenho, em
tando consideravelmente o poder de discriminação face dos resultados obtidos em testes de valida-
nas análises de rotina, principalmente quando é ção efetuados.
necessário o estudo de mais marcadores genéticos. É boa prática, em termos de confirmação da
Adicionalmente, a análise de miniSTRs incrementa reprodutibilidade dos resultados, usar dois kits
CAPÍTULO 2. Criminalística Biológica 49

comerciais, quando se trata de efetuar compa- Estas misturas surgem quando dois ou mais
rações indiretas (comparação de perfis genéticos suspeitos deixam material genético no mesmo
de familiares). A seleção dos kits a utilizar com objeto (ponta de cigarro fumado, uma lata de
poder de discriminação similar deve ser objeto refresco, um copo, entre outros suportes).
de ponderação. Esta ponderação pode incidir Há três tipos de amostras, cuja análise
em vários aspetos, entre os quais se destaca: genética proporciona, habitualmente, mistura
a) monitorização da sua qualidade, através da de perfis genéticos: a) zaragatoas usadas para
realização de testes de validação; b) seleção de colheita de células da cavidade vaginal, anal e/
kits de empresas distintas tendo em consideração ou bucal, quando tenha ocorrido ejaculação e a
a identificação de alelos raros ou nulos, uma colheita tenha sido realizada precocemente; b)
vez que os primers usados para a amplificação zaragatoas/estiletes utilizados para colher ves-
dos distintos polimorfismos são diferentes para tígios subungueais à queixosa e/ou ao suspeito;
kits idênticos (caracterização dos mesmos STRs) c) zaragatoas empregues para a colheita de cé-
de empresas distintas; c) avaliação dos kits em lulas da cavidade bucal em marcas de mordida.
termos de qualidade/preço, tendo presente que A correta e acessível interpretação da mistura
nem sempre o que é mais oneroso é melhor. dependem, entre outros fatores, da existência
Não obstante terem surgido ao longo dos de amostras de referência dos contribuidores
últimos anos marcadores genéticos para fins da mistura (queixosa e suspeito).
de identificação genética humana, bem como As misturas identificadas no contexto da
para outros propósitos, os STRs autossómicos análise de amostras biológicas relacionadas com
continuam a ser os preferidos em Genética crimes sexuais são uma realidade frequente,
Forense, por várias razões, algumas das quais quando não são utilizadas metodologias e tec-
já foram explanadas. Todavia, as abordagens nologias que permitam a separação do material
metodológicas e tecnológicas têm sofrido uma genético masculino do feminino. Existem, pois,
evolução assinalável, com a introdução de kits várias limitações metodológicas que complicam
mais evoluídos e, concomitantemente, equipa- a interpretação dos resultados. Importa também
mentos cada vez mais sofisticados e exigentes sublinhar que grande parte da bibliografia dispo-
em termos económicos, mas que poderão cons- nível, referente à identificação genética de células
tituir uma mais-valia, quando se refere ao seu epiteliais femininas e células masculinas (esper-
superior desempenho no controlo da qualidade matozoides), reporta-se a estudos experimentais,
dos resultados. utilizando misturas destas células em diferentes
concentrações. O comportamento destas misturas
2.1.2. Análise de misturas pode divergir substancialmente do que acontece
nos casos reais, uma vez que nestes está subja-
Há situações em que são identificadas mis- cente a interferência de fatores que promovem a
turas de perfis genéticos, em especial nas perícias degradação do material genético daquelas células,
de criminalística biológica. entre outros (Pinheiro, 2011).
50 M. FÁTIMA PINHEIRO

É de todo o interesse efetuar a colheita de a vítima e o suspeito partilham 1 ou os 2 alelos.


amostras de referência à vítima e ao suspeito, para A estas limitações acresce o facto da contribui-
que a interpretação dos resultados decorrentes ção de cada um deles para a mistura poder ser
da mistura das suas células seja facilitada. Assim, muito desproporcionada. Por exemplo, quando
aquando da colheita de amostras biológicas re- há uma grande prevalência de DNA feminino,
lacionadas com o crime em vítimas vivas ou em aquando da análise de STRs autossómicos, o
cadáveres (amostras problema) é sempre solicita- perfil feminino pode mascarar o masculino ou
da, ao médico que realiza a perícia, a colheita de o DNA das células femininas competir com o
uma amostra de referência. Quanto ao suspeito, das células masculinas durante a amplificação
a colheita é, em geral, feita pela entidade que do DNA.
realiza a investigação criminal. A probabilidade do sucesso na interpretação
Evidencia-se que sem a amostra de referên- de uma mistura depende de vários fatores: a)
cia colhida ao suspeito não pode ser realizada a uso de um número elevado de marcadores ge-
comparação de perfis. Todavia, o perfil da amostra néticos, em que haja uma elevada incidência de
problema poderá ser inserido na base de dados heterozigotia; b) relação da quantidade de DNA
de perfis de ADN, de acordo com a alínea d) do proveniente de cada contribuidor; c) combinações
artigo 15º da Lei 5/2008. específicas dos genótipos; d) quantidade total de
O uso de marcadores genéticos altamen- DNA amplificado (Butler, 2010).
te polimórficos, como alguns dos incluídos nos O uso de marcadores genéticos com elevado
kits para a amplificação de STRs autossómicos, polimorfismo, traduzido na presença de um eleva-
aumenta a probabilidade de serem detetadas di- do número de alelos, aumenta a possibilidade de
ferenças entre os dois componentes da mistura. se determinar diferenças entre os componentes
No entanto, a interpretação e a determinação do da mistura. A quantidade de DNA de cada con-
número de dadores podem ser tarefas difíceis, tribuidor faz toda a diferença, no que se refere
especialmente quando estão presentes 3 ou mais à capacidade para se detetar todos os contribui-
contribuidores na mistura. dores de uma mistura. Assim, por exemplo, se o
Em geral, as misturas identificadas na reso- DNA proveniente de dois indivíduos está presente
lução de perícias são constituídas apenas por 2 em quantidades similares será muito mais fácil
contribuidores, a vítima (habitualmente mulher) interpretar a mistura. O menor componente da
e o agressor (habitualmente homem). Mesmo mistura não é usualmente detetado se estiver
neste caso a interpretação da mistura pode ser presente na mistura numa quantidade abaixo de
um processo complicado, desde logo porque 5% (proporção de 1:20), pois os alelos do menor
cada um dos dadores das células constituintes contribuidor podem estar mascarados, devido aos
da mistura possui um mínimo de um alelo para efeitos estocásticos, que ocorrem durante a PCR,
cada um dos marcadores analisados, podendo ser poderem afetar negativamente a amplificação do
detetados, neste caso, um máximo de 4 alelos. componente presente em muito menor quanti-
Situação ainda mais complexa verifica-se quando dade (Butler, 2010).
CAPÍTULO 2. Criminalística Biológica 51

Podem ser usados softwares para ajudar no A análise do cromossoma Y possui três prin-
processo de decifrar os componentes de uma cipais aplicações na área forense: a) identificação
mistura, determinar relações entre as quantidades do sexo (masculino); b) identificação do perfil
desses componentes, bem como efetuar cálculos genético, bem como da linhagem masculina (e
estatísticos. A decomposição da mistura, usando de todos os homens com ele relacionados pela
estes softwares são considerados “ajudantes do via paterna); c) identificação da possível origem
perito”, porque as decisões finais, no que respeita geográfica dessa linhagem, também designada
à interpretação da mistura, incide no perito que de ancestralidade genética. A sua principal uti-
realiza a análise de DNA. lização em criminalística biológica tem incidido,
Entre outros softwares, refere-se o Investi­ fundamentalmente, na identificação do perfil
gator IDproof Mixture Software, da Qiagen, sendo genético de amostras problema e respetiva com-
mencionado pelo fornecedor que proporciona a paração com amostra(s) de referência colhida(s)
atribuição otimizada dos tamanhos e a designação a suspeito(s).
dos alelos, apoiando as análises de PCR multiplex A sua relevância em criminalística biológica
(http://www.qiagen.com/products/investigatori- deve-se ao facto dos perpetradores serem, maio-
dproofmixturesoftware.aspx). ritariamente, do sexo masculino, com especial
ênfase para os crimes sexuais. Contudo, esta sua
2.2. STRS DO CROMOSSOMA Y importância assume a maior utilidade quando os
resultados da caracterização destes marcadores
2.2.1. Considerações gerais corroboram os dos autossomas; caso contrário,
e de acordo com o atrás mencionado, a identi-
O cromossoma Y é um cromossoma estru- ficação de um perfil genético masculino numa
turalmente pequeno, com parte do braço longo amostra apenas pode fornecer informação parcial
(q) formado por heterocromatina. A maior parte sobre a sua proveniência, uma vez que o perfil
do cromossoma Y não recombina, à exceção de genético identificado pode pertencer a qualquer
duas pequenas regiões distais pseudoautossómicas outro familiar aparentado pela via paterna com
(PAR1 e PAR2), por serem homólogas com frag- o suspeito ou, ainda, remotamente, com outro
mentos do cromossoma X; por este facto, estas qualquer indivíduo da população que, por coin-
regiões não apresentam as propriedades específicas cidência, com ele partilhe idêntica informação
deste cromossoma. A parte não recombinante do genética para este cromossoma.
cromossoma Y (NRY) apresenta algumas semelhan- A informação genética proporcionada,
ças com o DNAmt, devido à falta de recombinação através da análise dos STRs do cromossoma Y
durante a meiose e ao modo de herança, neste (Y-STRs), por uma amostra de referência do sus-
caso haplóide, uniparental materna. Por isso, a in- peito (zaragatoa bucal) é partilhada por todos
formação genética deste cromossoma vai passando os homens com ele aparentados pela linhagem
de pai para filho imutável, excluindo as mutações paterna, como foi dito; ou seja, o seu avô pater-
gradualmente acumuladas. no, pai, irmão, filho e até tio paterno partilham
52 M. FÁTIMA PINHEIRO

a mesma informação para este cromossoma. No que se consideram consistentes, na medida em


entanto, o facto de ele ser suspeito pressupõe a que é preferível ter-se um resultado, embora me-
existência de provas que serão consubstanciadas nos vinculativo do que o dos STRs autossómicos,
pela prova pericial de Genética Forense. Por outro uma vez que na presença de outras provas incri-
lado, frequentemente, a informação proporcio- minatórias poderá coadjuvá-las.
nada pelos Y-STRs é suportada pela fornecida Em meados da década de 90 já tinham sido
pelos STRs dos autossomas, o que incrementa descritos 13 Y-STRs, dos quais foram seleciona-
substancialmente a informação da prova pericial. dos 9 loci (DYS19, DYS389I, DYS389II, DYS390,
Há, no entanto, casos em que apenas é obtido DYS391, DYS392, DYS393, DYS385a/b), cujas
um perfil genético de Y-STRs. unidades de repetição são de três (DYS392) ou
Os Y-STRs exibem alelos únicos para os dife- quatro nucleótidos (todos os outros), sendo o seu
rentes polimorfismos, pelo facto do homem pos- conjunto conhecido pela designação de “haplóti-
suir apenas um cromossoma Y (herdado do pai), po mínimo”. Este haplótipo foi recomendado pelo
sendo que o outro cromossoma é o X (herdado International Forensic Y User Group como o grupo
da mãe). Os alelos dos diferentes Y-STRs, que à mínimo de Y-STRs a usar na área forense, com o
semelhança dos STRs autossómicos são estudados objetivo de promover a individualização de uma
em conjunto (multiplex), segregam como haplóti- amostra do sexo masculino humano (Pinheiro,
pos intimamente ligados na linhagem masculina 2010b).
de uma família. Por isso, a transmissão faz-se O kit AmpFℓSTR® Yfiler ® PCR Amplification
de pai para filho como um único bloco (herança Kit (Applied Biosystems) permite a amplificação
haplóide, uniparental paterna). dos loci incluído no haplótipo mínimo, bem como:
A presença de um perfil de Y-STRs nos casos DYS438, DYS439, DYS437, DYS448, DYS456,
em que a observação microscópica de esperma- DYS458, DYS635, YGATAH4, proporcionando
tozoides é negativa pode proporcionar evidência o mais elevado poder de discriminação dos kits
de contacto sexual independentemente da ejacu- comerciais disponíveis no mercado para a carac-
lação, sucesso da lise diferencial (técnica usada terização deste tipo de marcadores.
para a extração e separação da fração feminina Em estudo realizado na população do Norte
da masculina) ou proporção das células femininas de Portugal foi utilizado este kit, tendo sido publi-
no extrato, podendo ser usada para corroborar cadas as frequências dos haplótipos identificados,
o testemunho da vítima feminina de agressão os parâmetros de interesse forense e a compa-
sexual (Pinheiro, 2011). ração das frequências haplotípicas encontradas
Há autores que consideram que a obtenção com as de outras populações. Para além disso,
de um perfil genético de Y-STRs só tem interesse foi descrito um caso, que consistiu na existência
se estiver identificado o perfil genético de STRs de uma duplicação para o DYS19 em simultâneo
autossómicos, porque o poder de discriminação com uma inconsistência de transmissão alélica
dos primeiros marcadores é muito inferior (Gill e entre pretenso pai (15,17)/filho (15,16), compatível
col., 1985). Opiniões diversas foram já explanadas, com a ocorrência de mutação, uma vez que o
CAPÍTULO 2. Criminalística Biológica 53

Índice de Paternidade era de 1190284082, tendo por vários autores. É de salientar que esta base
em consideração os STRs autossómicos (Pontes de dados permite não só a introdução de perfis
e col., 2007). completos, mas, também, de perfis parciais.
Butler (2011), entre outros autores, descre- Realça-se os resultados de um estudo efe-
vem este fenómeno da existência de produtos tuado em amostras colhidas a 3 mulheres em
de PCR presentes em múltiplas cópias, por estes intervalos pós-coitais superiores a 48 horas (72,
marcadores genéticos se situarem em regiões 96, 120, 144 e 168 horas), usando kits para a tipa-
palindrómicas do cromossoma Y. gem de Y-STRs. Apesar de se saber que as células
Foi estabelecida, por Lutz Roewer e cola- masculinas se mantêm no cérvix pelo menos uma
boradores uma base de dados de haplótipos de semana após a ejaculação, segundo os autores até
Y-STRs (Y-STR haplotype reference database — à realização deste estudo não tinha sido possível
YHRD), disponibilizada online em 2000, tendo sido obter um perfil genético do dador a partir de
atualizada em 2007 (Willuweit & Roewer, 2007). amostras colhidas 3 ou mais dias após o coito.
Esta é de livre acesso na internet (http://www. Estes mencionam terem identificado perfis mas-
yhrd.org/), sendo a mais difundida das bases de culinos completos, analisando zaragatoas colhidas
dados com interesse em Genética Forense. Para no cérvix 3-4 dias após a ejaculação, afirmando
além dos marcadores mencionados, referentes ainda terem conseguido perfis incompletos 5-6
ao haplótipo mínimo, inclui outros (DYS438, dias após o coito (Pinheiro, 2011). Esta constata-
DYS439, DYS437, DYS448, DYS456, DYS458, ção comprova o que foi dito anteriormente em
DYS635, YGATAH4). relação à sensibilidade destes kits.
O principal objetivo da utilização da base O cálculo da concordância ao acaso de ha-
de dados é a determinação da frequência de um plótipos de Y-STRs é efetuado usando o counting
determinado haplótipo. Neste momento possui method (número de vezes que um determinado
36.477 haplótipos provenientes de 245 popu- haplótipo é observado numa determinada popu-
lações, tendo em consideração todas as popu- lação a dividir pelo número total de haplótipos
lações e 14.309 haplótipos de 99 populações identificados). Por isso, quanto mais haplótipos
Euroasiáticas, incluindo o Norte de Portugal. Esta estiverem introduzidos na base de dados, mais
base de dados representa o repositório mais im- corretos serão os cálculos estatísticos, relativa-
portante de dados populacionais referentes ao mente à estima da frequência da concordância
cromossoma Y. Por isso, deve ser usada na estima de haplótipos (Szibor, 2007).
das frequências dos haplótipos na valorização das
perícias de criminalística biológica, em particular 2.2.2. Análise de misturas
quando apenas são obtidos resultados relativos
aos Y-STRs. Esta circunstância é relativamente fre- A análise de misturas, tendo em conside-
quente, tendo em consideração a maior sensibili- ração os Y-STRs, é bem mais fácil de efetuar do
dade dos kits para a caracterização de Y-STRs. Este que com os STRs autossómicos, usando primers
facto tem sido constatado em estudos efetuados específicos para o cromossoma Y, uma vez que
54 M. FÁTIMA PINHEIRO

aumenta a probabilidade de serem detetados bai- a) em perícias de investigação de maternidade;


xos níveis de DNA do perpetrador na presença b) casos de filiação que envolvam familiares que
de uma elevada quantidade de DNA feminino da partilham este cromossoma, na ausência do pre-
vítima (Hall & Ballantyne, 2003). Esta facilidade tenso pai; c) em trios ou duos entre pai e filha;
na interpretação dos resultados prende-se com d) em casos de identificação genética de restos
a circunstância dos indivíduos do sexo masculi- cadavéricos, através do estudo de familiares pró-
no possuírem apenas um alelo por cada um dos ximos. Em criminalística biológica a sua utilidade
marcadores analisados (exceto o DYS385). é mais restrita (Pinheiro, 2009).
Em face do exposto, se a amostra em causa O poder de discriminação (PD) dos marcado-
corresponder a uma mistura, na qual está incluído, res do cromossoma X varia com o género ao qual
por exemplo, o DNA da vítima do sexo feminino, pertence a amostra biológica. Assim, quando a
o do companheiro e o de um agressor, é expec- amostra em estudo é comparada com indivíduos
tável que para os STRs autossómicos possa estar do sexo feminino, os marcadores do cromossoma
presente um conjunto de seis picos para cada mar- X devem ser considerados como se de autossomas
cador genético, se os três indivíduos envolvidos se tratassem; no caso de a comparação ser feita
forem heterozigóticos e não partilhem nenhum entre amostras pertencentes a indivíduos do sexo
dos alelos para esse locus. No que concerne ao masculino, os valores do poder de discriminação
perfil genético do cromossoma Y, apenas estarão são, em geral, inferiores, porque o único cromos-
presentes dois picos, um do companheiro e o soma X do homem apenas possui um alelo por
outro do suspeito, uma vez que para além dos cada STR. Por isso, os marcadores do cromossoma
homens só possuírem um alelo por locus, a fração X proporcionam um poder informativo menor, no
feminina da mistura não é amplificada, porque os que respeita à análise de amostras biológicas re-
primers para a caracterização dos Y-STRs são es- lacionadas com crimes do que os autossómicos,
pecíficos para o sexo masculino (Pinheiro, 2010a). uma vez que, como é sabido, a grande maioria dos
Quando é usada a informação conjunta crimes são praticados por homens (Pinheiro, 2009).
proporcionada pelos STRs do cromossoma Y e a Quando os marcadores genéticos se locali-
dos autossomas deve ser evitada a expressão dos zam muito próximos num cromossoma não se-
resultados num único valor (Likelihood Ratio), por gregam de forma independente, sendo, por isso,
se tratar de marcadores com modos de herança herdados em conjunto (haplótipo), à semelhança
distintos (Amorim, 2008). do que ocorre com os STRs do cromossoma Y.
O cromossoma X possui 4 grupos de marcadores
2.3. STRS DO CROMOSSOMA X localizados nas regiões Xp22.2, Xq12, Xq26 e
Xq28, que podem proporcionar informação ge-
2.3.1. Considerações gerais notípica independente. Todavia, atualmente, é
proposto usar clusters na prática forense para
Os STRs do cromossoma X são menos usados ser definido o correspondente haplótipo. Os pa-
na prática forense, podendo ser interessantes: res: DXS10135-DXS8378, DXS7132-DXS10074,
CAPÍTULO 2. Criminalística Biológica 55

HPRTB-DXS10101 e DXS7423-DXS10134 são um DXS10101; grupo 4: DXS10146, DXS10134 e


exemplo destes clusters. A caracterização destes DXS7423. Em estudo realizado em 150 homens
4 pares pode ser feita usando o kit Argus-X-8 da população do Norte de Portugal, usando este
(Szibor, 2007). kit, foram determinados os parâmetros forenses,
O GEP-ISFG (Grupo Espanhol e Português os quais permitiram inferir tratar-se de X-STRs
da Sociedade Internacional de Genética Forense), promissores, em especial nalgumas perícias de
hoje conhecido pela designação de GHEP-ISFG determinação de parentesco biológico. Descreve-
(Grupo de Habla Espanhola e Portuguesa da se um caso em que a inclusão destes marcadores
Sociedade Internacional de Genética Forense), numa investigação de paternidade, com pretenso
promoveu a realização de um exercício colabora- pai ausente, em que se dispunha de amostras bio-
tivo inter-laboratorial que envolveu a participação lógicas da sua mãe, bem como da pretensa neta e
de mais de 20 laboratórios oriundos da Península da respetiva mãe, se mostrou de grande interesse
Ibérica e de vários países Latino-Americanos. para a conclusão da perícia. Esta importância foi
Neste exercício, foi proposta a análise de amos- expressa nos valores de LR, que era de 14 apenas
tras, usando 10 STRs do cromossoma X (X-STR para os STRs autossómicos, tendo aumentado
Decaplex), alguns dos quais comuns ao Argus para 6947364312, quando foram incluídos os 12
X-8: DXS8378, DXS9898, DXS7133, GATA31E08, X-STR (Cainé e col., 2011).
GATA172D05, DXS7423, DXS6809, DXS7132,
DXS9902 e DXS6789. Os autores e intervenientes 2.4. DNA MITOCONDRIAL
neste exercício referem tratar-se de um multiplex
robusto, uma vez que a maioria dos laborató- A herança uniparental materna da infor-
rios participantes caracterizaram com sucesso mação genética do DNAmt permite determinar
as amostras distribuídas pelos seus promotores, a ancestralidade através de várias gerações, ao
mencionando a necessidade de dar continuidade contrário dos marcadores autossómicos que
a estudos relacionados com este cromossoma sofrem recombinação. Por isso, os marcadores
(Gusmão e col., 2008). Posteriormente, foram de linhagem (DNAmt e o cromossoma Y), que
realizados outros estudos com este multiplex, em possibilitam inferir a origem ancestral de uma
colaboração com distintos laboratórios (Zarrabeitia amostra de DNA, proporcionam um potencial
e col, 2008; Gusmão e col., 2009). desenvolvimento de meios capazes de conduzir
Recentemente, a Qiagen iniciou a comercia- a investigação criminal.
lização do kit Investigator Argus X-12, no qual foi A sequenciação do DNAmt tem vindo a ser
adicionado um STR a cada um dos clusters atrás validada para análises forenses em vários labora-
referenciados para o Argus X-8. Assim, este kit tórios, tendo vantagens em relação ao DNAnu,
permite a amplificação simultânea dos 4 grupos tais como: a) proporcionar resultados quando o
de ligamento: grupo 1: DXS10148, DXS10135 estudo do DNAnu falha, por estar presente num
e DXS8378; grupo 2: DXS7132, DXS10079 elevado número de cópias por célula (cerca de
e DXS10074; grupo 3: DXS10103, HPRTB e 100.000); b) permitir a comparação direta de
56 M. FÁTIMA PINHEIRO

sequências de DNA de membros da família da amostras de referência disponíveis são as de pa-


mesma linhagem materna em processos de iden- rentes de linhagem materna comum, bem como
tificação, por ser transmitido unicamente pela via naqueles em que o DNAnu está praticamente
materna aos descendentes, sem recombinação. ausente (por ex. hastes de pelos) (Pinheiro, 2010b).
Estas duas vantagens são de especial importância Os humanos possuem um mitotipo ancestral
na resolução de casos em que o material bioló- comum com origem na população da África sub-
gico não contém ou tem pouca quantidade de sariana, há cerca de 150.000 — 200.000 anos. As
células, designadamente as hastes de cabelos, mutações acumuladas desde então deram origem
restos cadavéricos e pele. a diferenças, que constituem a base da identifica-
A maior desvantagem do DNAmt, em com- ção genética individual. Neste longo período de
paração com o DNAnu, é a organização do seu tempo as populações migraram e expandiram-se,
genoma que é muito compacta e, consequente- originando diferenças geográficas nas linhagens
mente, menos polimórfico, sendo cerca de 90% do DNAmt. Este processo reflete-se na distribui-
do seu genoma codificante. ção irregular dos tipos de sequências em várias
A análise da região D-loop do DNAmt, em populações.
especial as regiões hipervariáveis HVI e HVII, per- O DNAmt possui limitações na área forense,
mite determinar relações familiares, quando existe em especial, quando os mitotipos identificados
um hiato de várias gerações entre um ancestral são comuns. Outros mitotipos são mais raros,
e descendentes vivos. Esta característica, que é havendo uma grande assimetria na sua distribui-
comum ao cromossoma Y, permite a compara- ção. Cerca de 7% da população possui haplótipos
ção de haplótipos entre familiares, podendo o idênticos para HVI e HVII e 50% da população
seu grau de parentesco não ser obrigatoriamente pertence a um haplogrupo único (H). Esta consta-
próximo, nos casos de catástrofes, quando os tação permite inferir que o facto de duas amostras
restos cadavéricos estão degradados e a análise possuírem idêntico haplótipo para estas regiões
de STRs autossómicos já não é possível. O mesmo (HVI e HVII) não significa que sejam provenientes
estudo poderá ser realizado em cadáveres não do mesmo indivíduo ou, ainda, de familiares da
identificados. No entanto, o DNAmt não possui mesma linhagem materna (Butler, 2005).
o poder de discriminação dos STRs. Esta análise Estudos efetuados nas duas regiões hiperva-
tem sido usada no SGBF, DN, entre outros casos, riáveis do DNAmt, bem como noutras variações
no estudo de pelos (cabelos) cortados que foram do genoma mitocondrial, permitiram concluir que
colhidos de para-brisas e para-choques em veí- os haplogrupos A, B, C, D, E, F e G estão carac-
culos relacionados com casos de atropelamento teristicamente associados a asiáticos, enquanto
seguidos de fuga. os nativos americanos pertencem aos haplogru-
A utilidade do DNAmt na prática forense pos A, B, C e D. Os haplogrupos L1, L2 e L3 são
refere-se, fundamentalmente, à sua análise pro- africanos e os haplogrupos H, I, J, K, T, U, V, W
porcionar resultados quando a do DNA nuclear e X são tipicamente pertencentes a populações
falha, aplicando-se em casos em que as únicas europeias.
CAPÍTULO 2. Criminalística Biológica 57

A utilização de SNPs (Single Nucleotide uma mistura de sangue (amostra de referência


Polymorphisms) do DNAmt, hoje amplamente di- M5) e saliva de um dador desconhecido. Do total
vulgada, permite a diferenciação de indivíduos que dos 26 laboratórios participantes, apenas 18 re-
pertencem aos haplogrupos mais comuns, como é portaram o haplótipo correto da mistura, sendo
o caso do haplogrupo H em populações europeias. que destes só 2 individualizaram os respetivos
A maior vantagem do DNAmt, em termos de haplótipos nos 2 potenciais contribuidores (Prieto
sequenciação, é que é haplóide e, por isso, existe e col., 2008). Este facto é revelador da comple-
apenas um tipo para cada indivíduo (exceto as xidade de interpretação de misturas, usando a
heteroplasmias). Contudo, as amostras correspon- análise de DNAmt.
dentes a misturas de indivíduos não aparentados A análise de 80 amostras biológicas colhidas
pela linhagem materna, frequentes no contexto a indivíduos não relacionados da população de
da criminalística biológica, não têm sido alvo de Santa Catarina (Brasil) efetuada no SGBF, DN,
tentativa de decifrar os seus componentes, devido revelou tratar-se de uma população extremamente
à sua complexidade. No entanto, tem vindo a ser heterogénea, principalmente devida ao impac-
demonstrado que as misturas de DNAmt podem to produzido por ondas de migração recentes
ser interpretadas, através da clonagem e subse- de populações europeias. A elevada diversidade
quente sequenciação das regiões HVI e HVII das de sequências é indicativa de que as análises de
colónias individuais. DNAmt são muito informativas nesta população,
Sob a égide do GEP-ISFG foi efetuado o no que respeita à identificação genética (poder
estudo de 5 manchas de sangue de diferentes de discriminação de 97,69%) (Valverde e col.,
dadores (M1 – M5), numa mistura (M6) e em 4 2009). No que se refere à população do Norte de
fragmentos de hastes de pelos do mesmo indiví- Portugal este fenómeno não é observado, pelo
duo (M7). Um dos objetivos do trabalho incidiu que as frequências haplotípicas se mantêm simi-
sobre a possibilidade da amostra M6 ser compa- lares ao longo de gerações, o que condiciona o
tível com a mistura de M4 e M5 (Crespillo e col., seu poder informativo.
2006). Verificou-se haver um menor número de
participantes nesta vertente do exercício, o que
demonstra que o DNAmt não é um marcador 3 . A M OS T R A S ( V ES T Í G I OS)
de eleição na resolução de mistura de perfis em D E I N T E R ESSE E M
amostras com misturas, bem como na complexi- C R I M I N A L Í S T I C A B I O LÓ G I C A
dade de interpretação dos resultados.
Tendo como finalidade desenvolver a quali- Para a análise de DNA com interesse na
dade e estandardização das análises de DNAmt, resolução de casos relacionados com crimes é
para além de aspetos técnicos e de interpretação, necessário qualquer tipo de mancha ou produto
o mesmo grupo promoveu a realização de um ou- que contenha material genético, como já foi refe-
tro exercício. Destacaram-se 3 amostras forenses, rido. Este material encontra-se em todas as células
sendo que a identificada por M6 correspondia a nucleadas do organismo e possui características
58 M. FÁTIMA PINHEIRO

importantes em estudos de identificação, já que Os crimes relativos aos quais são solicita-
o DNA é único para cada indivíduo, e é idêntico das perícias de Genética Forense são, em geral,
em todas as suas células; ou seja, estudando-se homicídios, agressões sexuais, agressões físicas,
qualquer vestígio biológico pode-se identificar o roubos e furtos. O objetivo do envio de amos-
indivíduo ao qual este pertence (Pinheiro, 2008b). tras biológicas, para os laboratórios forenses,
Os vestígios biológicos envolvidos em casos existentes em suportes variados, reside na sua
com interesse forense, mais frequentes, são as identificação genética.
manchas de sangue, normalmente relacionadas É de realçar que a maioria delas referem-se
com homicídios, roubos, furtos ou agressões fí- ao estudo de DNA humano; todavia, podem-se
sicas, e o sémen com agressões sexuais. também efetuar perícias em amostras de DNA não
As amostras biológicas podem encontrar-se humano. Este DNA não se reporta exclusivamente
em suportes porosos e absorventes existentes no a DNA animal, sendo, contudo, este o DNA mais
local do crime, como sofás, tapetes, alcatifas e vezes envolvido em delitos. Os pelos de animais
mesmo na roupa da vítima ou do autor do crime; são, provavelmente, as amostras biológicas não
ou em suportes não porosos, como diferentes humanas mais vezes presentes, por serem en-
tipos de revestimentos de chão ou paredes de contradas em locais de crime, sendo, por isso,
residências, vidros ou cerâmicas (Pinheiro, 2008b). consideradas potenciais evidências na resolução
Há amostras que se encontram em supor- de crimes violentos. Esta constatação é explicada
tes que, pelas suas dimensões ou outras carac- pelo facto de haver uma grande percentagem de
terísticas, não são suscetíveis de serem enviadas gatos e cães domésticos que coabitam com os
para os serviços que realizam as respetivas pe- seus donos, em especial nos países ocidentais.
rícias forenses. Neste caso, pode-se proceder à Os pelos detetados em peças de vestuário, em
transferência do vestígio do suporte original para casas, carros, entre outros locais, são facilmen-
uma zaragatoa humedecida com água ultrapura te transferidos nas atividades domésticas diárias
(MilliQ), sendo a extração do DNA realizada a (Pinheiro, 2010c).
partir deste último suporte. Os resultados obtidos das análises efetuadas
As manchas existentes em pedaços de ma- a amostras biológicas no âmbito da criminalística
deira, pedras ou terra, podem proporcionar maus biológica traduzem-se na identificação de per-
resultados, devido às características de absorção fis genéticos. Como a maioria dos delitos são
destes suportes, bem como à presença de inibi- perpetradas por homens, o que se pretende é a
dores. Um requisito imprescindível para o êxito identificação de um perfil genético masculino que
da análise é que as manchas sejam rapidamente venha a ser concordante com o de um suspeito.
secas e adequadamente acondicionadas, de forma As amostras biológicas podem ser colhidas
a preservar o seu material genético. no corpo da vítima, do suspeito e/ou do local do
As amostras biológicas que mais vezes estão crime. Em relação às amostras biológicas exis-
relacionadas com perícias de Genética Forense são: tentes noutro tipo de suportes que não o corpo
o sangue, sémen, saliva, pelos e células epiteliais. da vítima, a sua recuperação, em geral, não é
CAPÍTULO 2. Criminalística Biológica 59

urgente, uma vez o material genético permane- o seu trajeto cronológico, a fim de ser atestada
ce intacto num período de tempo longo, exceto e acautelada a sua autenticidade em processos
se for submetido a fatores adversos (humidade, judiciais. Existem sistemas de gestão e de in-
temperaturas muito elevadas, luz solar, raios UV), formação úteis, os sistemas LIMS (Laboratory
durante o tempo suficiente para ocorrer a sua Information Management System), podendo ser
degradação total. Estes suportes podem ser peças adquiridas e adaptadas versões especialmente
de roupa de cama, peças de vestuário e material concebidas para laboratórios forenses que inte-
não transportável ou outro, cuja remoção do local gram várias tarefas, entre as quais se destaca o
é perfeitamente evitável (chão, móveis, objetos registo de todo o trajeto das amostras biológicas.
diversos), porque a colheita dos vestígios pode Estes sistemas conjuntamente com documenta-
ser feita com recurso a zaragatoas ligeiramente ção/registo, especialmente criados para o efeito
humedecidas (Pinheiro, 2011). asseguram de forma cabal a referida custódia
Em 1997, Sweet e col. preconizaram a utiliza- (Pinheiro, 2011).
ção deste procedimento seguido do uso de uma
zaragatoa seca (técnica da dupla zaragatoa). Os 3.1. HOMICÍDIOS
autores efetuaram, posteriormente, um estudo
comparativo dos dois métodos de colheita, tendo Nos crimes de homicídio podem ser en-
concluído não haver diferenças significativas na contrados no local do crime e/ou no corpo da
recuperação da amostra biológica. Esta metodolo- vítima qualquer um dos tipos, alguns dos tipos
gia de colheita pode aplicar-se a amostras relativas ou, ainda todos os tipos de amostras biológicas
a outro tipo de crime (Graham & Rutty, 2008). atrás referenciadas.
São aconselhados procedimentos para que A utilização de objetos contundentes, cor-
as amostras biológicas mantenham a sua auten- tantes, perfurantes, entre outros na prática de
ticidade e integridade, a fim de terem valor pro- crimes violentos, pode resultar na produção de
batório em sede de julgamento. A autenticidade ferimentos com a consequente perda de sangue.
certifica que as amostras submetidas à análise e Por sua vez, o sémen também pode estar
à elaboração do respetivo relatório pericial foram presente, sendo que poderá resultar da ejaculação
as colhidas, tendo sido no momento da colheita do perpetrador antes ou depois de ocorrer a mor-
devidamente identificadas. A integridade constitui te da vítima. A sua localização pode ser diversa,
uma garantia de que o material genético mantém podendo ser identificado nas cavidades vaginais
as suas características que, em princípio, assegu- e/ou anais da vítima, bem como na cavidade bu-
rarão a possibilidade de serem obtidos resultados cal. Evidencia-se que a sua presença nas zonas
(Pinheiro, 2011). circundantes destas cavidades também podem
É indispensável que seja assegurada a ca- ser alvo de colheita. A sua localização pode ser
deia de custódia das amostras biológicas subme- identificada noutras zonas exteriores do corpo do
tidas a perícia de Genética Forense. A cadeia de cadáver, em peças de vestuário, roupa de cama,
custódia é um processo usado para documentar bem como em outros suportes.
60 M. FÁTIMA PINHEIRO

A saliva pode ser encontrada no corpo da identificação genética com recurso apenas ao
vítima, salientando-se as marcas de mordida que estudo do DNA nuclear.
serão, em princípio, os únicos pontos onde esta As células epiteliais encontram-se com bas-
amostra poderá ser colhida, uma vez que a haver tante frequência neste tipo de crimes violentos,
saliva noutras zonas, se não existirem marcas, tanto nos vestígios subungueais colhidos à vítima
será difícil identificar a sua localização, sem a como ao agressor. Importa, portanto, preservar as
contribuição da própria vítima, que neste caso é mãos da vítima, para que sejam colhidos aquando
cadáver. A saliva pode estar em objetos encontra- da realização da autópsia médico-legal. Por isso,
dos no local do crime, sendo óbvia a sua presença as mãos do cadáver devem ser protegidas com
nalguns deles, como copos, garrafas, latas de sacos de papel, aquando da realização do exame
refresco, entre outros. Assinala-se a importância ao local do crime.
da recolha de cigarros fumados, detetando-se, por Estas células podem estar presentes nou-
vezes misturas (em geral de dois contribuidores). tras localizações, designadamente em objetos
Os pelos são omnipresentes em todos os existentes no local do crime, que foram tocados
locais e nos mais variados suportes, pois o couro pelo agressor.
cabeludo humano possui entre 100.000 a 150.000 Na superfície da pele humana existem cé-
folículos pilosos que produzem pelos, sem ter em lulas que podem ficar aderentes a uma qualquer
consideração outras zonas do corpo, das quais es- superfície que seja tocada. Estas células têm ori-
tes também podem ser originários. A circunstância gem na descamação da pele (perde-se cerca de
de serem encontradas quantidades abundantes de 400.000 células por dia) e também em secreções
pelos de diferentes proveniências (de indivíduos produzidas pelas glândulas sudoríparas e sebá-
diversos, de zonas corporais distintas e de pelos ceas, que arrastam células da pele. Quando existe
animais) deve-se ao facto de estarem em fase um contacto da pele com qualquer objeto, o suor
telogénica do seu desenvolvimento; ou seja, na e o óleo sebáceo ficam aderentes a esse objeto,
etapa em que as células do folículo piloso e raiz podendo também ficar depositadas algumas cé-
(também designada de bolbo) sofreram a apopto- lulas (Lagoa & Pinheiro, 2006).
se celular e, por conseguinte, os pelos terem caído. Por isso, estas células podem estar presentes
Caso diverso é a eventualidade de ser encontrada em impressões dermopapilares, que serão objeto
uma madeixa de pelos na mão de um cadáver, de exame dactiloscópico; no entanto, a sua colhei-
facto que é altamente sugestivo de pertencer ao ta, poderá, para além deste fim, ser usada para a
agressor. Por outro lado, por se tratar de pelos identificação genética do seu dador. Esta colheita
arrancados (confirmação microscópica) aumenta deve ser feita antes de serem usadas substâncias
a possibilidade de êxito na identificação da sua para a sua revelação, não obstante haver estudos
proveniência. Esta circunstância advém dos pelos indicativos da obtenção de resultados mesmo
possuírem raiz em plena vitalidade (bolbo oco) após o uso de determinados tipos de produtos
e, por isso, detentora de quantidades apreciáveis para a revelação daquelas impressões (Balogh e
de material genético, o que proporcionará a sua col., 2003; Lowe e col., 2003).
CAPÍTULO 2. Criminalística Biológica 61

3.2. AGRESSÕES SEXUAIS relacionados com agentes que existem nestas


cavidades responsáveis pela degradação do DNA
Durante o exame físico é efetuada uma mi- (Pinheiro, 2011).
nuciosa inspeção de toda a superfície corporal A presença de espermatozoides aparente-
da vítima. Esta pode conduzir à obtenção de mente intactos na cavidade vaginal associada a
amostras biológicas que possam conter células um intervalo pós-coital prolongado pode invia-
do suspeito que permaneçam nos exsudados va- bilizar a identificação genética, por ter havido
ginais, bucais e/ou anais, raspados subungueais, degradação do DNA. Esta degradação pode ser
pelos, especialmente da região púbica e manchas devida à exposição prolongada dos espermato-
existentes no corpo da vítima. É de interesse rele- zoides na vagina, que desencadeia a adesão de
vante a preservação e posterior análise genética células femininas lisadas às suas cabeças, sendo
de roupas, pensos higiénicos, objetos específicos que desta interação resulta a produção de nu-
e amostras de referência (Pinheiro, 2008a). cleases e a consequente degradação do DNA
Qualquer dos tipos de amostras biológicas (Elliott, 2003).
atrás mencionadas pode ser colhido no âmbito de Nesta perspetiva, evidenciam-se fatores po-
crimes sexuais, quer às vítimas mortais ou vivas tenciadores da degradação dos espermatozoides
quer no local do crime. que atuam nas diferentes cavidades das quais são
A presença de sémen em amostras relacio- colhidas evidências. Assim, destaca-se o facto
nadas com delitos sexuais é essencial para a pre- da cavidade vaginal ser quente, ácida e húmida.
sunção da natureza sexual do crime. Contudo, a A boca e o ânus são também cavidades em que
circunstância de ter sido identificado um perfil tem sido verificada a rápida destruição dos es-
genético masculino em amostra de sémen, no âm- permatozoides pela atuação, respetivamente, de
bito de uma suposta agressão sexual em queixosa enzimas salivares e de enzimas produzidas por
do sexo feminino, não é prova suficiente para a bactérias (Sibille, 2002).
comprovação da existência de crime. Por várias razões as vítimas não mortais de
A identificação do perfil genético do agres- agressões sexuais só são submetidas a exame
sor em manchas de material biológico que lhe médico, e à respetiva colheita de amostras bioló-
pertença pode ser efetuada meses ou anos após gicas, mais de 24-36 horas depois de ocorrido o
a ocorrência do crime, porque o material gené- evento, sendo que neste período ainda é possível
tico é resistente à degradação. Contudo, como identificar perfis de STRs autossómicos. Todavia,
foi referido, neste tipo de crimes a amostra que quando este intervalo excede as 48 horas aquela
tem mais interesse é o sémen. Quando a colheita identificação não é, em geral, viável, embora esta
deste é efetuada nas cavidades vaginal, anal ou inviabilidade não seja devida à ausência de célu-
bucal da vítima, os resultados genéticos depen- las masculinas. Há estudos relacionados com a
dem em grande parte do tempo que medeia entre reprodução demonstrativos da presença de vários
a prática do crime, o exame à vítima e a respetiva espermatozoides no cérvix humano 7 dias após
colheita. Estes condicionalismos também estão o coito, o que é consistente com o conceito de
62 M. FÁTIMA PINHEIRO

que este local é o repositório de sémen antes de que a LMD também conhecida por LCM (Laser
ocorrer a fertilização (Hall & Ballantyne, 2003). Capture Midrodissection), apresenta algumas limi-
Esta verificação, ao contrário do que seria tações, designadamente o preço do equipamento
expectável, não invalida o facto de se constatar (microscópio) e a elevada quantidade exigida de
ausência de resultados referentes à identificação material genético masculino, traduzida na presença
de células masculinas, apesar de serem usados de espermatozoides preservados, para possibilitar a
métodos sensíveis na análise de DNA. obtenção de um perfil genético masculino completo
O método de lise diferencial foi a metodolo- (STRs autossómicos) (Pinheiro, 2011).
gia standard usada nos laboratórios forenses para Tem havido, por parte da comunidade cientí-
separar os espermatozoides das células epiteliais da fica forense, um grande investimento no progres-
vítima. Este método utiliza diferenças específicas na so técnico desta área, conforme se pode avaliar
composição química das membranas das respetivas através da profusa bibliografia existente sobre
células. Nesta perspetiva, efetua-se uma primeira vários aspetos relacionados com a identificação
lise das células não espermáticas, procedendo-se de genética em amostras biológicas referentes a
seguida a lavagens para remover resíduos de DNA crimes sexuais. Contudo, as múltiplas variáveis e
exógeno. Embora este método possa, em geral, desafios que se podem colocar durante o estudo
proporcionar duas frações celulares, a separação destas amostras têm redundado em resultados
não é sempre completa, podendo haver transição periciais que, por vezes, ficam aquém do espe-
de células de uma fração para outra, fazendo com rado. A esta inabilidade para alcançar resultados
que a interpretação dos resultados e a respetiva laboratoriais conclusivos de perícias em que seria
análise estatística constitua um verdadeiro desafio. de esperar a identificação do perfil genético do
As limitações adicionais desta técnica prendem-se, agressor, acresce a impossibilidade de, num núme-
fundamentalmente, com a lise prematura e perda ro relativamente elevado de casos, a investigação
de espermatozoides na primeira digestão e nos criminal não conseguir identificá-lo. Este impedi-
múltiplos passos de transferências e lavagens, que mento deve-se à falta de informação proporcio-
reduzem a recuperação das células. Uma alternativa nada pela vítima acerca do perpetrador e à índole
da separação química é a separação através da do próprio crime sexual, mormente relacionada
seleção física direta de células “alvo” (espermato- com a ausência de testemunhas (Pinheiro, 2011).
zoides) da mistura (Sanders e col., 2006). Não obstante poder haver outras provas ma-
Em 2003, a mesma equipa que descreveu o teriais que não as genéticas que possam contribuir
método de lise diferencial preconizou o uso da mi- para a condenação de um suspeito, o valor proba-
crodissecção a laser (Laser Microdissection – LMD) tório destas últimas é significativamente superior.
como sendo uma tecnologia útil na análise de DNA Têm sido divulgados casos nos Estados Unidos
para identificação e isolamento de espermatozoides relativamente aos quais foram cometidos erros
a partir de células epiteliais da vítima, em amos- judiciais graves, devido à ausência de provas de
tras relacionadas com crimes sexuais. Trabalhos acusação seguras. O “Innocence Project” é uma
posteriormente publicados vieram a demonstrar organização dedicada à revisão de casos julgados e
CAPÍTULO 2. Criminalística Biológica 63

a modificar o sistema de justiça criminal para pre- Esta extração é efetuada mediante a utilização
venir futuras injustiças. Desde 1992 conseguiu que de diferentes protocolos, sendo os mais usados
os tribunais reconhecessem a existência de erros os que utilizam o Chelex ou a extração orgânica,
judiciários, de tal modo que até finais de Março de com fenol-clorofórmio-álcool isoamílico. Esta úl-
2011 foi declarada a inocência de 267 condenados tima metodologia é quase exclusivamente empre-
através de estudos de DNA (Pinheiro, 2011). gue no caso da amostra de sangue se encontrar
em precárias condições de conservação, como
3.3. AGRESSÕES FÍSICAS, ROUBOS E FURTOS o sangue cadavérico em estado líquido, colhido
e conservado durante bastante tempo antes da
Quanto a estes tipos de crimes a amostra realização da sua análise genética. Normalmente
mais frequentemente detetada é o sangue, apesar esta situação ocorre quando o patologista forense
de poderem existir os restantes tipos de amostras não vislumbrou interesse na sua colheita, por não
biológicas, à exceção do sémen; isto é, saliva, haver suspeita de crime, e ter de se recorrer ao
pelos e células epiteliais. remanescente da amostra de sangue enviada para
o Serviço de Toxicologia Forense (Pinheiro, 2008b).
As perícias que envolvem esta amostra bioló-
4 . C A R AC T E R Í S T I C A S DA S A M OS - gica são, habitualmente, concluídas com sucesso,
T R A S ( V ES T Í G I OS) D E I N T E R ESSE havendo, porém, casos excecionais em que, não
EM C R I M I N A L Í S T I C A B I O LÓ G I C A obstante as manchas de sangue serem visíveis e
serem envidados todos os esforços metodológi-
4.1. SANGUE cos e tecnológicos no sentido de serem obtidos
resultados, a sua análise apenas proporciona perfis
O sangue é o tipo de amostra mais frequen- parciais ou mesmo ausência de resultados. Esta
temente analisada no âmbito da investigação circunstância é interpretada como sendo devida à
criminal, sob a forma de manchas secas, pelo presença de inibidores (grupo heme), que é con-
facto de haver, no caso da prática dos crimes firmada quando se faz a quantificação do material
mencionados, um número elevado de objetos ou genético da amostra por Real-Time qPCR, metodo-
peças de roupa e/ou do próprio local do delito logia que, para além de determinar a quantidade
impregnados com este fluído biológico. de DNA, identifica a presença de inibidores.
O sangue é uma suspensão de leucócitos
(glóbulos brancos), eritrócitos (glóbulos vermelhos 4.2. SÉMEN
ou hemácias) e plaquetas (fatores de coagulação
sanguínea), no plasma. Cada mililitro de sangue O sémen é uma suspensão de espermato-
de um adulto normal contém entre 3.800 a 9.800 zoides no líquido seminal. Um mililitro de sémen
milhões de leucócitos. contém entre 60 a 120 milhões de espermato-
O DNA é extraído dos leucócitos do sangue, zoides. Esta quantidade é suficiente para que,
uma vez que os eritrócitos são células anucleadas. na maioria das perícias em que esteja presente
64 M. FÁTIMA PINHEIRO

sémen, seja viável a identificação genética do que contêm manchas. Tem sido analisado outro
seu dador, não obstante as adversidades atrás tipo de suportes com sémen (Pinheiro, 2011).
descritas, relacionadas com o meio de onde estes
são recuperados. 4.3. SALIVA
O DNA a analisar é extraído, maioritaria-
mente, dos espermatozoides, efetuando-se, pre- Um indivíduo saudável produz entre 1 a 1,5
viamente, a confirmação microscópica da sua litros de saliva por dia, podendo ocorrer a sua
existência, no caso de serem presentes esfrega- transferência, bem como a de células epiteliais que
ços em lâmina, efetuados a partir de exsudados nela estão retidas. Esta transferência pode suceder
colhidos à queixosa. É, também, prática corrente por contacto, tais como em produtos alimentares,
realizar testes preliminares, a fim de se averiguar contentores de bebidas, pontas de cigarro, envelo-
a presença de sémen. Contudo, a sensibilidade pes ou em crimes sexuais em que houve ejaculação
destes testes é precária, diminuindo com vá- na cavidade bucal. A transferência também pode
rios fatores, entre os quais se destaca o tempo. dar-se por deposição de partículas de saliva, tais
O que significa que estes testes são meramente como as que aderem a uma máscara ou a um
de orientação, embora, não raras vezes, e ape- telefone (Goodwin e col., 2007).
sar de serem negativos é identificado um perfil A saliva, apesar de não conter células na sua
genético masculino. Por isso, e em qualquer das constituição, por transportar células epiteliais da
circunstâncias, deve proceder-se à extração do cavidade bucal, possui DNA. As amostras que
DNA da amostra biológica. contenham saliva, tais como mordidas infligidas
A ausência de espermatozoides pode ser às vítimas, filtros de cigarros fumados, garrafas
devida a vários fatores, designadamente: a) ao ou latas de refrigerantes e, ainda, selos ou envelo-
longo período que medeia entre a ejaculação pes, são suscetíveis de permitir a identificação do
e a colheita de amostras; b) à penetração sem agressor. A saliva presente em peças de vestuário
ejaculação; c) anomalias no aparelho reprodu- e/ou roupa de cama só será objeto de estudo
tor do agressor. Nas duas últimas situações a se houver indicações da sua presença, uma vez
quantidade de DNA seminal é muito escassa, que se trata de um produto incolor e que não
porque os espermatozoides representam a prin- dá mais consistência ao tecido, ao contrário, por
cipal fonte de DNA nos ejaculados necessários à exemplo, do sémen.
subsequente identificação dos perfis genéticos A saliva contém água e glicoproteínas, para
(Soares-Vieira, 2007). além doutros componentes, designadamente a
O sémen pode ser identificado em zaragatoas enzima amílase (alfa-amílase, denominada ptia-
colhidas nas cavidades (vaginal, anal, bucal) ou no lina). As células presentes num mililitro de saliva
exterior do corpo da vítima, em peças de vestuário variam entre 100.000 – 400.000. A pesquisa da
que esta envergava aquando da prática do crime, alfa-amílase, em amostras biológicas submetidas
evidenciando-se as cuecas e/ou outras peças de a perícia de Genética Forense, pode ser efetuada
roupa íntimas que, com frequência, são suportes mediante a utilização de produtos da Phadebas,
CAPÍTULO 2. Criminalística Biológica 65

divididos em duas categorias: “Press Test” e “Tube no que respeita à região corporal. Todavia, na
Test”, constituindo estes ensaios preliminares ape- perspetiva da Genética Forense esta determinação
nas testes de orientação. A amílase está presente não é relevante, o que importa é o estabelecimen-
na saliva numa concentração superior a 50 relati- to do respetivo perfil genético, pelo que no SGBF,
vamente a outro fluído corporal (Goodwin e col., DN se usa o termo pelo, independentemente da
2007). O percurso laboratorial destas amostras é sua origem, mesmo que se trate de um pelo com
idêntico ao realizado para as restantes amostras um comprimento apenas compatível com o de um
biológicas. pelo proveniente do couro cabeludo (cabelo). Esta
opção prende-se com a circunstância de se evitar
4.4. PELOS usar terminologia inadequada, quando se trata
de uma perícia que envolve um grande número
Os pelos podem ser retirados de peças de de vestígios deste tipo e, por isso, se torna difícil
vestuário, das mãos, ou de qualquer outra loca- usar a nomenclatura correcta, no que se refere
lização do corpo da vítima, ou ainda do local do à localização corporal.
crime, devendo ser colhidos e acondicionados O couro cabeludo humano contém um ele-
com precaução, por várias razões, entre as quais vado número de folículos pilosos, que produzem
se destaca o facto de poderem ser provenientes pelos, como anteriormente mencionado, atraves-
de pessoas distintas. Estes podem ser transferidos sando três fases de desenvolvimento, a anagene,
durante o contacto físico, por isso a sua presença em que o pelo se encontra em crescimento ativo,
pode permitir a associação de um suspeito a uma e cuja duração varia de 2 a 8 anos; a catagene, em
vítima ou a do suspeito/vítima a um local de crime. que se verifica a paragem da actividade celular;
Esta associação é particularmente útil em a telogene, quando ocorre a morte das células
crimes violentos, tais como homicídios, crimes se- (apoptose celular), havendo a quebra da dupla
xuais e agressões físicas, em que ocorreu contacto cadeia do DNA das raízes dos pelos, e estes aca-
físico, podendo ter havido transferência de pelos. bam por cair (Pinheiro, 2008b).
Outros crimes, como os assaltos a residências e Os pelos são maioritariamente constituídos
roubos envolvem, em geral, a colheita de vestígios por queratina (proteína), pequenas quantidades
subungueais e manchas de peças de roupa, que de metais, ar e pigmento, a melanina, sendo esta
podem conter pelos úteis na identificação dos última, um potente inibidor da amplificação (PCR).
suspeitos (Deedrick, 2000). Por isso, quando são presentes para estudo do
O tipo de pelos recuperados, as suas con- DNA hastes de pelos, ou mesmo raízes de pelos
dições morfológicas e o número encontrado são que caíram espontaneamente, sem tecidos do
fatores com impacto no seu valor, enquanto evi- folículo piloso aderentes, não se obtêm resultados
dência, na investigação criminal. quando se estuda apenas DNA nuclear. Acresce
Nos humanos existem pelos em diversas par- ainda a possibilidade da existência de fatores que
tes do corpo, possuindo características que podem possam impedir uma eficaz extração do DNA,
possibilitar a determinação da sua proveniência, como os tratamentos químicos, resistentes aos
66 M. FÁTIMA PINHEIRO

métodos de digestão enzimática que usam ditio- mais-valia para a investigação criminal. Por isso,
treitol, proteinase K, detergentes e o aquecimento reitera-se a ideia de que a identificação da espécie
para dissolver o pelo (Pinheiro, 2008b). à qual o pelo pertence, bem como a identificação
De acordo com o atrás referenciado, a ob- do respetivo perfil genético, no caso dos pelos
servação microscópica do pelo não tem como humanos, se adequa mais ao que é pretendido
objetivo a determinação da região corporal da sua em termos de identificação do seu dador do que
proveniência, mas desde logo permitir estabelecer um exame exaustivo às suas características mor-
se o pelo é humano ou animal, bem como obser- fológicas que, em qualquer circunstância, nunca
var cuidadosamente a raiz, no sentido de se poder permitirá a identificação do seu dador.
inferir a sua fase de desenvolvimento (anagene, A camada exterior das células do pelo, a
catagene ou telogene), o que permitirá decidir cutícula, é composta por células sobrepostas ou
acerca da estratégia a seguir com a finalidade de escamas, cuja principal função é manter a in-
determinar o seu perfil genético. tegridade do pelo e impedir a transferência de
Num indivíduo são, 80% a 90 % dos folí- substâncias solúveis do exterior para o interior.
culos pilosos da cabeça (cabelos) estão na fase A disposição das células da cutícula é diferente
anagénica, 2% catagénica e 10% a 18% telogé- nos pelos humanos e na dos animais.
nica. O período médio de crescimento do pelo Nos pelos humanos o córtex, que constitui
(cabelo) é aproximadamente 1.000 dias, sendo a maior parte do pelo, consiste, basicamente,
que as restantes fases ocorrem num período de em células alongadas e material intercelular.
100 dias. Aproximadamente 10% dos pelos da Os grânulos de pigmento são pequenos, esféricos
cabeça humana, os cabelos, representando entre com um diâmetro de 0,2 a 0,8 µm. Estes são
100 e 1.000, encontram-se na fase telogénica. compostos por melanina, sendo que há 2 tipos:
Estes pelos destacar-se-ão do folículo inativo se eumelanina (cor castanha e preta) e feomelanina
a mínima força, ou combinação de forças, forem (cor loura e ruiva). A medula representa a parte
exercidas (Deedrick, 2000). central do pelo, sendo que não está presente em
Estruturalmente, o pelo é constituído por três todos os pelos humanos e, quando presente, esta
partes principais: cutícula ou epidermícula, córtex pode ser contínua ou descontínua. Dependendo
ou substância cortical e medula ou canal medu- do tipo de pelos e da sua proveniência (humana
lar. O exame microscópico do pelo pressupõe a ou não humana) o diâmetro da medula é muito
observação cuidadosa destas estruturas e permite variável. Pode constituir de 0% a 95% do pelo
distinguir pelos humanos de não humanos. Em (Gaudette, 2000a).
especial as características da medula podem fa- A fim de se determinar se os pelos são
cultar a determinação da espécie animal à qual o humanos ou de animal, há vários parâmetros a ter
pelo pertence. Evidencia-se, no entanto, que este em consideração, designadamente, o comprimento,
tipo de perícia é apenas acessível a peritos muito diâmetro, cor, tratamento, medula, índice medular,
experientes nesta área, sendo que porventura os distribuição da pigmentação, haste, raiz, extremida-
resultados alcançados podem não trazer qualquer de, escamas, secção transversal (Gaudette, 2000b).
CAPÍTULO 2. Criminalística Biológica 67

Algumas destas características só são visíveis ao que o perpetrador contactou no local do crime,
microscópio, como: o diâmetro, a medula e, por incluindo marcas de contacto com a vítima, pode
conseguinte, a determinação do índice medular, a conter as suas células epiteliais. Na maioria dos
distribuição da pigmentação, a raiz, a extremidade, casos, o baixo número destas células, provenien-
as escamas e a secção transversal. tes apenas de contacto, proporciona um sucesso
Destas, serão apenas referenciadas as que muito limitado na obtenção de um perfil de DNA.
têm maior importância no contexto das perícias Os métodos de visualização destes vestígios der-
de Genética Forense. O diâmetro do pelo humano mopapilares, como por exemplo o uso da ninidrina
possui de 0,05 – 0,15 milímetros, o dos animais (corante usado na rotina para visualização de im-
pode ser idêntico ou muito diferente; a medu- pressões digitais latentes), que deteta a presença
la dos animais pode ter um complexo regular e de aminoácidos, podem ser úteis na identificação
geométrico de células; o índice medular (razão de amostras que contenham este tipo de células
entre o diâmetro da medula e o diâmetro do pelo) (Goodwin e col., 2007).
nos pelos humanos é quase sempre inferior a O tipo de suporte sobre o qual a impressão
1/3 e nos animais é, usualmente, superior a 1/3. digital está depositada é também muito impor-
As escamas (células de revestimento) dos pelos tante. É interessante perceber que as superfícies
humanos formam um padrão irregular e anular, habitualmente consideradas ideais para a visua-
enquanto as dos animais possuem uma variedade lização e transplante de impressões digitais (lisas
de tipos, podendo o mesmo pelo exibir mais do e não porosas, como vidro e metal) são menos
que um tipo. adequadas para a recuperação de DNA vestigial.
Enquanto superfícies habitualmente inadequadas
4.5. CÉLULAS EPITELIAIS para fins lofoscópicos (superfícies rugosas), são
bons suportes para a recolha de DNA vestigial
De acordo com o atrás referido as células (Lagoa & Pinheiro, 2006).
epiteliais podem ter diversas proveniências no que
respeita à região corporal, para além de poderem
estar presentes em distintos suportes. 5 . VA LO R I Z AÇ ÃO DA P ROVA
Importa, também evidenciar que estas cé-
lulas podem ter origem em objetos tocados. A As perícias do âmbito da criminalística bio-
quantidade de material celular transferido de- lógica têm, em geral, como principal objetivo a
pende do tempo que a pele esteve em contacto identificação do autor do crime. Esta identificação
com o objeto, da pressão aplicada, da presença é efetuada pelos órgãos de investigação criminal que
de fluidos, como o suor que intervém na sua solicitam perícias aos laboratórios forenses, no sen-
transferência. Alguns indivíduos transferem células tido de os coadjuvarem na descoberta da verdade.
da sua pele mais facilmente do que outros; estes Este tipo de perícia pressupõe várias fases
indivíduos são classificados como bons dadores/ que incluem o estudo laboratorial, a análise dos
propagadores. Assim, qualquer superfície com resultados tendo em vista a comparação dos perfis
68 M. FÁTIMA PINHEIRO

genéticos, a valorização estatística dos mesmos se que a probabilidade da mancha provir de um


os perfis forem idênticos, e a elaboração do rela- determinado indivíduo é igual à de proceder de
tório pericial. Este deve ser exaustivo, referindo- indivíduo distinto, não tendo em consideração a
-se e descrevendo-se todo o material recebido, prova genética.
testes preliminares efetuados, técnicas usadas Se se analisar uma amostra biológica, cujas
na extração do DNA, métodos de tipagem e re- características genéticas são idênticas à do indi-
sultados obtidos. As conclusões devem incluir víduo com quem se pretende efetuar a compara-
as comparações das características genéticas ção, normalmente o suspeito, para se determinar
das amostras biológicas presentes a exame e as a probabilidade de que a amostra provenha do
mesmas características de amostras biológicas indivíduo mencionado, têm de ser consideradas,
colhidas à vítima e suspeito/suspeitos. pelo menos, duas hipóteses alternativas possíveis
As conclusões possíveis são três: a) os perfis e que se excluem mutuamente. A hipótese H1,
de DNA do suspeito e da(s) amostra(s) biológica(s) que se refere à possibilidade da amostra biológica
(cujas características genéticas não são idênticas provir do indivíduo mencionado, atendendo aos
às da vítima e que há indícios de que possam resultados genéticos observados; e a hipótese
pertencer ao suspeito) não são idênticos; b) há H2 respeitante à possibilidade da amostra provir
concordância dos referidos perfis; c) o estudo de outro indivíduo que não aquele. Tendo em
não é conclusivo. consideração estas duas hipóteses obtém-se a
Quando há concordância de perfis genéticos razão de verosimilhança ou razão bayesiana de
efetua-se a valorização estatística dos resultados, probabilidades, também designada de LR, usando
recorrendo ao teorema de Bayes, que permite a seguinte fórmula:
determinar as probabilidades finais de um sucesso
a partir de probabilidades iniciais. Esta probabili- LR = Prob. dos resultados genéticos se H1 é verdadeira
dade inicial, designada de probabilidade a priori, Prob. dos resultados genéticos se H2 é verdadeira

deve ser fornecida pelo juiz face ao seu conhe-


cimento do processo judicial que deu origem à
investigação (Carracedo, 1999). Se forem utilizados loci independentes,
Em face do exposto, para se fazer a valoriza- o cálculo do valor de LR será simplesmente o pro-
ção objetiva da prova científica basta multiplicar duto do inverso das frequências dos fenótipos dos
o valor da probabilidade a priori (grau de crença, resultados genéticos dos marcadores estudados
por parte do juiz, de que a amostra pertença a para a resolução do caso, tendo em consideração
um determinado indivíduo) pela razão de vero- a população de referência adequada.
similhança ou Likelihood Ratio (razão bayesiana O valor de LR encontrado (X) indica que é
de probabilidades), obtendo-se a probabilidade X vezes mais provável que sejam observados os
a posteriori. resultados genéticos, assumindo que a amostra
Quando o valor da probabilidade a priori não é pertença ao indivíduo em questão, comparada
fornecido atribui-se o valor de 0,5, considerando-se com a possibilidade de não pertencer.
CAPÍTULO 2. Criminalística Biológica 69

Evett (1987), à semelhança de Hummel para da população, coincida para os fenótipos relativa-
os casos de filiação, elaborou uma escala em que mente a todos os marcadores genéticos estudados
figuram os valores de LR obtidos e os correspon- com os fenótipos da amostra biológica (Fernández,
dentes predicados verbais, indicativos da força da 1999). Para n sistemas é dada pela fórmula:
prova (Tabela 1).
C = p1.p2...pn
Tabela 1. Tabela de Evett.
Em que p1, p2...pn são as probabilidades
Likelihoodo Ratio (LR) Evidência da prova de concordância dos sistemas 1, 2, n. (Pinheiro,
2008b).
1-33 Fraca
33-100 Regular
100-330 Boa
BIBLIOGR AFIA
330-1000 Forte
Superior a 1000 Muito forte
Amorim, A. (2008). “A cautionary note on the evaluation
of genetic evidence from uniparentally transmitted ma-
rkers”. Forensic Sciences International Genetics, 2(4):
O uso da escala de Evett deve ser evitado,
376–378.
uma vez que é difícil transmitir o significado dos Balogh, M.K., Burger J., Bender K., Schneider P.M., Alt K.W.
predicados verbais, para além de hipervalorizar (2003). STR genotyping an mtDNA sequencing of latent
a prova científica. Do ponto de vista prático, tais fingerprint on paper. Forensic Sciences International, 137,

predicados podem induzir o juiz a tomar uma 188-195.


Butler, J. (2005). Forensic DNA issues: degraded DNA, PCR
decisão, baseada nos referidos predicados que
inhibition, contamination, mixed samples and low copy
correspondam a valores de LR que, em deter-
number. In Forensic DNA Typing, Second Edition (pp.
minadas circunstâncias (se o suspeito para al- 145-179). Elsevier Academic Press.
guns dos sistemas utilizados possui alelos pouco Butler, J. (2005). Mitochondrial DNA Analysis. In Forensic
frequentes na população), não correspondam à DNA Typing, Second Edition (pp. 241-298). Elsevier

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Butler, J. (2010). Forensic Challenges: Degraded DNA,
A probabilidade de concordância, não raras
Mixtures, and LCN. In Fundamentals of Forensic DNA
vezes, é confundida com a probabilidade de coin-
Typing (pp.315–339). Elsevier.
cidência ou probabilidade de matching. Trata-se, Butler, J. (2011). Y-Chromosome DNA Testing. In Advanced
porém, de uma probabilidade a posteriori, cal- Topics in Forensic DNA Typing Methodology (pp.371–
culada numa situação real e refere-se a um só 405). Elsevier Academic Press.
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CAPÍTULO 2. Criminalística Biológica 71

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(Página deixada propositadamente em branco)
CAPÍTULO 3. Identificação Genética de Desconhecidos 73

Capítulo 3
IDENTIFICAÇÃO GENÉTICA
DE DESCONHECIDOS

Rosa Maria Espinheira


Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P.
CENCIFOR - Centro de Ciências Forenses
DOI | HTTP://DX.DOI.ORG/10.14195/978-989-26-0957-7_3
74 ROSA MARIA ESPINHEIRA

RESUMO SUMMARY
A identificação genética de desconhecidos não figura, Genetic identification of unknown missing persons is
em termos quantitativos, no topo das perícias realizadas not on the top of exams performed by a forensic ge-
por um serviço de genética forense em Portugal. Se por netics service in Portugal. If on one hand the genetic
um lado a identificação genética de um indivíduo des- identification of an unknown individual only takes place
conhecido só tem lugar quando nenhum outro método when no other scientific individual identification method
científico de identificação individual permitiu uma iden- allowed a positive identification, on the other hand, it
tificação positiva, por outro lado, a mesma, em grande only takes place on a large scale in case of mass disasters
escala, só tem lugar nos casos de desastres de massa com with considerable number of victims, which has no place
consideráveis números de vítimas, os quais, não tem lugar in Portuguese contemporary history. Despite the small
com registo na história contemporânea de Portugal. Não sample size of genetic identification cases of unknown
obstante a reduzida casuística dos casos de identificação persons in Portugal, we cannot fail to give prominence
genética de desconhecidos em Portugal, não podemos to the role, either in social or humanitarian terms, of
deixar de atribuir realce ao importante papel, quer em this tool provided by forensic genetics.
termos sociais quer humanitários, desta ferramenta que In this chapter we discuss the genetic identification of
a genética forense disponibiliza. unknown persons making a historical retrospective of
Neste capítulo abordamos a identificação genética de cases with special impact or interest, through aspects
desconhecidos fazendo uma retrospectiva histórica de such as the scope of genetic identification, as well as more
casos com especial impacto ou interesse, passando por technical aspects such as the type of analyzed samples,
aspectos como o âmbito de aplicação da identificação the laboratory procedures and the main obstacles to the
genética, bem como por aspectos mais técnicos como success of the genetic identification exams of unknown
o tipo de amostras estudadas, os procedimentos labo- persons.
ratoriais utilizados e os principais obstáculos ao sucesso The modest and unpretentious contribution we leave
da perícia de identificação genética de desconhecidos. here is not presented as a technical or scientific refe-
O modesto e despretensioso contributo que aqui deixa- rence on this matter, but as an useful and accessible
mos não se apresenta como um referencial técnico ou understanding to the operators as diverse as lawyers
científico sobre esta matéria, mas sim como um docu- and judges, doctors and other experts in medical and
mento simultaneamente útil e acessível ao entendimento biomedical areas, as well as students and scholars of
de operadores tão diversos como juristas ou magistrados, pre and post-graduate level of this area where all con-
médicos e demais especialistas das áreas médicas e biomé- verge with the ultimate aim of, in the first instance,
dicas, bem como a estudantes e estudiosos de nível pré e serve the justice, and ultimately, serve the good and
pós-graduado desta área em que todos confluem com o the public cause.
objectivo último de, em primeira instância, servir a justiça
e, em ultima instância, servir o bem e a causa pública.

PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS
Identificação genética; desconhecidos; desastre de massa. Genetic identification; unknown persons; mass disaster
CAPÍTULO 3. Identificação Genética de Desconhecidos 75

1. N OTA I N T RO D U TÓ R I A É muito reduzido o número de situações em que


um indivíduo não tem a sua impressão digital
A Assembleia Geral da Organização das registada em arquivos. Já no que concerne a
Nações Unidas (ONU) proclamou, a 10 de registos médico-dentários existem em número
Dezembro de 1948, a Declaração Universal dos muito reduzido se comparados com os registos
Direitos do Homem. Esta declaração prevê, no lofoscópicos oficiais.
âmbito dos direitos fundamentais do Homem, Já acima referimos que todos os métodos
o direito, por todos os indivíduos, em todos os de identificação individual humana são méto-
lugares, ao reconhecimento da sua personalidade dos comparativos, e, por este facto e porque é
jurídica, o que, de entre múltiplas e diversas im- indiscutível que quanto menor e mais específico
plicações significa, também, que todo o Homem for o grupo a que pertence o indivíduo ou resto
tem direito, em todos os lugares, e, em todas as humano a identificar, maior será a probabilida-
situações, ao reconhecimento da sua identidade, de de alcançarmos uma identificação individual
e, portanto à sua identificação individual. positiva. Assim, o contributo prévio da antropo-
Contrariamente ao que se passa com a maior logia forense, na orientação da investigação da
parte dos indivíduos vivos ou cadáveres humanos identidade, é de valor inestimável.
frescos, a identificação visual não tem aplicação A antropologia forense tenta estimar o sexo
ou utilidade nos casos de cadáveres em avança- do cadáver, uma idade aproximada, a estatura, a
dos estados de decomposição, maioritariamente afinidade populacional, o tempo decorrido post
cadáveres esqueletizados, em remanescentes hu- mortem, quando aplicável, e, ainda, eventual-
manos, em cadáveres recentes que apresentem mente, aponta algumas causas e circunstâncias
mutilações, e em particular mutilações faciais, e, da morte, com vista a restringir o leque de su-
nem mesmo, em indivíduos vivos indocumentados postos indivíduos. Com este trabalho prévio o
que não tenham, ou afirmem não ter, memória sucesso da intervenção da lofoscopia, da medicina
da sua identidade. Nestes casos, de acordo com dentária ou mesmo da genética forense é, cer-
orientações e consenso internacionais, a identi- tamente, muito maior e mais provável (Amorim
ficação individual médico-legal é realizada, sem- et al., 2011a).
pre que possível, recorrendo à lofoscopia ou à Os métodos de genética forense, sendo mais
informação médico-dentária. Quando nenhum laboriosos e incomparavelmente mais dispendio-
destes métodos permitiu a identificação individual sos, implicam, à semelhança de qualquer método
a genética forense é chamada a intervir. de identificação individual, a existência de dados
Sendo, qualquer um dos métodos de iden- anteriores para comparação. A identificação gené-
tificação individual, métodos de natureza com- tica individual implica a existência de uma amostra
parativa, a lofoscopia, relativamente à genética de referência do suposto indivíduo, previamente
forense, tem, em princípio e na maior parte dos colhida e devidamente identificada, ou, alternati-
casos, a vantagem de ter quase sempre disponí- vamente, implica a existência de ascendentes, des-
veis dados para comparação em registos oficiais. cendentes ou outros indivíduos com parentesco
76 ROSA MARIA ESPINHEIRA

biológico com o suposto indivíduo, sendo, num guerras, actos terroristas ou desastres de massas,
número considerável de casos, a única forma de como catástrofes naturais, de entre outros.
alcançar a identificação individual positiva. Pelo interesse histórico de que se reveste,
A identificação genética de um indivíduo é começamos por fazer referência ao caso da iden-
realizada pela determinação do seu perfil genético tificação do último imperador da Rússia - Czar
individual, o qual é obtido pela determinação Nicolau II (Nikolái Alieksándrovich Románov), da
da combinação das características genéticas que sua esposa - Czarina Alexandra Feodorovna de
este indivíduo apresenta num determinado con- Hesse (Vitória Alice Helena Luísa Beatriz de Hesse),
junto de marcadores estudados no seu genoma. de três dos seus cinco filhos, do médico e três
Actualmente, de acordo com as recomendações criados da família imperial, todos assassinados
do European DNA Profiling Group (EDNAP), os pelos bolcheviques, em Ekaterinburg, em 1918.
marcadores genéticos de eleição para a determi- Quase 80 anos depois, em 1991, foi revelado o
nação de um perfil genético individual são loci achado de ossadas humanas, em escavações, a
de regiões microsatélite do ADN, habitualmente cerca de 20 km duma das principais cidades dos
designados por Short Tandem Repeats (STR). O Montes Urais - Ekaterinburg, onde a família im-
número e os loci utilizados para a determinação de perial havia sido mantida prisioneira. Mediante
um perfil genético individual apresentam alguma perícia forense concluiu-se que os esqueletos, em
variação a nível internacional, sendo definidos estado avançado de deterioração, apresentavam
localmente pelas autoridades políticas e judiciárias sinais de agressões ante mortem e alguns deles
territorialmente competentes. apresentavam mesmo orifícios no crânio. Estudos
de antropologia, designadamente de reconstrução
facial e odontologia, indicavam que alguns restos
2 . R E T ROS P EC T I VA H I S TÓ R I C A ósseos podiam corresponder à família imperial da
D E C A SOS D E I D E N T I F I C AÇ ÃO Rússia (Gill et al., 1994).
G E N É T I C A D E D ESCO N H EC I D OS , Numa primeira fase, o estudo do gene da
CO M ES PEC I A L I M PAC TO amelogenina permitiu confirmar o diagnóstico
O U I N T E R ESSE relativo ao sexo dos cadáveres efectuado por
métodos antropológicos. Dos nove indivíduos,
A Genética Forense, no âmbito da identifi- quatro eram do sexo masculino e cinco do sexo
cação de desconhecidos, tem assumido um papel feminino.
relevante em situações de grande impacto social, A análise de ADN nuclear permitiu, ainda,
humanitário e histórico. As metodologias utili- a obtenção de resultados em 5 STR autossómi-
zadas na rotina dos laboratórios forenses para cos. Resultados estes, que permitiram concluir
estudo dos genomas nuclear e mitocondrial, tem que cinco dos cadáveres tinham relações de
contribuído para o esclarecimento de aconteci- parentesco biológico entre si, designadamente
mentos históricos, permitindo a identificação de quatro das mulheres e um homem. A análise de
desaparecidos em sequência de conflitos políticos, ADN mitocondrial permitiu inferir que as quatro
CAPÍTULO 3. Identificação Genética de Desconhecidos 77

mulheres poderiam corresponder a uma mãe e residual, devido ao longo período decorrido entre
três das suas filhas. Esta sequência de ADN mito- a morte e a recuperação dos corpos, à ausência
condrial obtida foi comparada com a sequência de de testemunhos e descrições, e devido à qualidade
ADN mitocondrial do sobrinho-neto da Czarina e quantidade de elementos individualizantes pre­
- Príncipe Filipe (consorte da Rainha Isabel II e servados, dado que, habitualmente, os corpos
Duque de Edimburgo), tendo-se confirmado que encontrados em valas comuns são de grupos
havia identidade. Estávamos, portanto, perante a relativamente homogéneos, como é o caso de jovens
Czarina da Rússia e três das suas filhas. O quinto militares, praticamente todos com a mesma idade
indivíduo, do grupo com relações de parentesco ou idades aproximadas e todos do sexo masculino.
biológico entre si, seria o pai das três filhas, por- A título de exemplo de identificação de ví-
tanto do último Czar da Rússia. Esta constatação timas de conflitos armados, começaríamos por
foi posteriormente reforçada quando se veio a aludir aos militares mortos durante a II Guerra
verificar identidade na heteroplasmia mitocondrial Mundial (1939 - 1945). Decorridos 60 anos sob o
detectada no cadáver do suposto Czar da Rússia conflito armado, diversos países europeus têm le-
e no seu irmão Jorge Alieksándrovich Románov vado a cabo a identificação, pelo estudo de ADN,
(heteroplasmia 16169). de restos esqueletizados sepultados em valas co-
O estudo de ADN nuclear e mitocondrial muns. Têm sido utilizados marcadores diferentes,
dos nove cadáveres encontrados nas escavações com objectivo comum. Desde STR autossómicos,
acima referidas permitiram confirmar que dois mini-STR, Y-STR, na Eslovénia (Marjanovic et al.,
deles eram o Czar e a Czarina da Rússia, e três 2007) e Bósnia e Herzegovina (Gojanovic et al.,
eram de filhas de ambos. Já no decurso do ano 2007), a ADN mitocondrial na Finlândia (Palo et
de 2007, foram encontrados restos mortais total- al., 2007). Uma comissão, nomeada pelo Governo
mente esqueletizados, que vieram a ser identifi- da Eslovénia, sinalizou quase 600 valas comuns,
cados, pela genética, como sendo os outros dois uma das quais, descoberta em 2009, com cerca
filhos da família Romanov, numa vala a 70 m do de 300 vítimas, mortas pelas forças armadas co-
local onde os restos mortais do Czar tinham sido munistas (Marjanovic et al., 2009).
encontrados 30 anos antes (Coble et al., 2011). Também militares americanos, mortos em
Na investigação de casos de violação dos combate na guerra do Vietname (1959 - 1975),
direitos humanos, os especialistas forenses são foram identificados, 24 anos pós-guerra, pelo
frequentemente confrontados com a identifica- Armed Forces DNA Identification Laboratory
ção de restos esqueletizados encontrados em (AFDIL). Os restos esqueletizados de alguns dos
valas comuns. O objectivo principal é, não só a membros dos serviços militares americanos foram
identificação mas também, a determinação de identificados através da análise de ADN mitocon-
eventuais causas e circunstâncias de morte. drial, por comparação com as respectivas mães
Fazemos aqui uma chamada de atenção para (Holland et al., 1993).
o facto de que na maior parte dos casos de vítimas Na última década do século XX (1991 -
de guerras, as possibilidades de obter informação é 1999), ocorreram conflitos militares na Bósnia
78 ROSA MARIA ESPINHEIRA

e Herzegovina, no Kosovo, na Croácia e na A informação relativa à localização da vala, ao


ex-Jugoslávia, resultado dos quais, milhares de número de corpos na mesma, e a lista das possí-
vítimas foram sepultadas em valas comuns. Só na veis identidades foi obtida a partir de entrevistas
ex-Jugoslávia, como resultado dos conflitos arma- realizadas pela ARMH aos familiares e testemu-
dos da década de 90 do século passado, cerca de nhas, a partir dos registos escritos, em forma de
40 000 pessoas foram dadas como desaparecidas, autobiografia, pelos mesmos, bem como a partir
estimando-se que a maioria corresponde a cor- da pesquisa ao arquivo penitenciário (como é o
pos não identificados que permanecem em valas caso de 21 homens libertados da prisão e sub-
comuns. Em 2000, foi formalmente estabeleci- sequentemente desaparecidos). A pesquisa nos
do um programa da International Commission of arquivos prisionais, militares e civis, bem como
Missing Persons (ICMP) na tentativa de realização o depoimento das testemunhas permitiu obter
da identificação humana através de uma rede que dados individuais ante mortem das vítimas. A
envolve estruturas político-administrativas, centros consistência entre os dados obtidos pelos teste-
de contacto de familiares de desaparecidos e labo- munhos, pelos arquivos, pelo estudo arqueológico
ratórios de estudo de ADN (Huffine et al., 2001). e osteológico, permitiu iniciar o estudo de ADN,
Um número considerável destas vítimas, mais con- partindo-se da hipótese de se tratar de um grupo
cretamente cerca de 2 944 restos esqueletizados fechado. Dos 46 cadáveres, foram identificados
de entre 3 502 corpos exumados, foi identificado 17 pelo estudo de 16 Y-STR e ADN mitocondrial.
entre 1993 e 2005, tendo ocorrido a maior parte (Rios et al., 2010)
das identificações entre 1993 e 1999, através de Por razões históricas referimos, ainda, a iden-
métodos antropológicos. Posteriormente à iden- tificação de Che Guevara (Ernesto Rafael Guevara
tificação por métodos antropológicos, cerca de 1 de la Serna), e de membros da guerrilha boliviana
155 amostras ósseas foram submetidas a análise dos anos 60 do século passado, cujos restos es-
de ADN (Andelinovic et al., 2005). queletizados, foram encontrados em duas valas
No caso especifico da Guerra Civil Espanhola distintas, por uma equipa de peritos forenses de
(1936 - 1939) e no período pós-guerra (1939 - Cuba, da Argentina e na Bolívia, em 1995. Após
1950), estima-se que mais de 150 000 indivíduos o estudo efectuado pela antropologia forense, foi
foram assassinados e sepultados em valas co- necessária a intervenção da genética, com recurso
muns e cemitérios. Desde 2000, através da ini- ao estudo de STR e ADN mitocondrial em segmen-
ciativa de associações como a Asociación para la tos de fémures que estiveram inumados, durante
Recuperación de la Memoria Histórica (ARMH), cerca de 30 anos, na Bolívia (Lleonart et al., 2000).
foram localizadas diversas valas comuns, exuma- Mais recentemente destacaríamos os ata-
dos os restos cadavéricos e, após identificação ques terroristas contra os Estados Unidos, em
genética, sepultados os indivíduos junto dos locais 11 de Setembro 2001, que deixaram mais de
e famílias de proveniência. Em 2004, foram exu- 3 000 vítimas mortais em três locais diferentes
mados 46 esqueletos de uma vala comum junto - Pentágono, Somerset County e World Trade
a uma pequena cidade na província de Burgos. Center (WTC) (Budowle et al., 2005).
CAPÍTULO 3. Identificação Genética de Desconhecidos 79

Amostras de ADN provenientes do Pentágono 802 remanescentes recuperados, na tentativa de


e Somerset County foram processadas pelo
​​ Armed identificar as 2 749 vítimas. No entanto, em 5 335
Forces DNA Identification Laboratory (AFDIL), en- das amostras biológicas recuperadas, obtiveram-se
quanto que o trabalho relacionado com as víti- apenas perfis incompletos de STR (1 a 6 loci dos 13
mas do WTC foi realizado pelo Forensic Biology pretendidos), na primeira fase, tornando ainda mais
Department do Office Chief Medical Examiner difícil organizá-los e juntar informações suficientes
(OCME), pela Polícia do Estado de Nova York, para uma identificação fiável. Na segunda fase foi
e por uma série de laboratórios contratados e possível obter 154 perfis completos e 388 perfis
consultores. Após o colapso e esmagamento das parciais mas com presença de alelos na maioria
torres do WTC, foram recolhidos cerca de 20 000 dos loci, após nova extracção com o métodos mo-
restos humanos, a partir dos escombros, cujo dificados. Até Junho de 2010, foi conseguida a
entulho atingia 21 m de altura e pesava mais identificação de 1626 vítimas, das 2 749 presentes
de um milhão de toneladas. A remoção inicial e quando as Torres desmoronaram.
classificação de restos humanos ocorreram entre Como o estudo de ADN é o único método
Setembro de 2001 e Maio de 2002. Os estudos que permite reagrupar restos humanos, do total
de ADN foram efectuados em diversos laborató- de 21 802 remanescentes recolhidos, foram iden-
rios que analisaram cerca de 20 000 fragmentos tificados 12 769 fragmentos humanos, e respec-
de tecidos humanos, relativos a 2 749 pessoas tivamente correlacionados com uma das 1 626
desaparecidas, além dos 5 000 objectos de uso vítimas identificadas (Butler, 2011).
pessoal e cerca de 6 000 familiares. Os restos Várias inovações foram desenvolvidas nesta
recuperados no local do WTC estavam muito área, após o atentado ao WTC. Foi desenvolvi-
fragmentados, por terem sido submetidos, a do o novo sistema bioinformático Mass Fatality
pressões extremas com o colapso do edifício, ao Identification System (M-FYSis) que permite, em
combustível derramado dos aviões, a incêndios grande escala, comparações de perfis das amos-
subterrâneos (com mais de 815 °C), durante os tras de referência e restos recuperados bem como
3 meses seguintes ao ataque terrorista. Neste associar os fragmentos com o mesmo perfil de
caso específico, para a identificação das vítimas, ADN. Possibilita uma série de funcionalidades e
a intervenção da Genética foi preponderante e interoperabilidade, integrando diferentes sistemas
imprescindível, dado o grau de fragmentação dos de software (Budowle et al., 2005; Butler, 2011).
restos, colapso e agregação de remanescentes O acto de terrorismo a 11 de Março de
cadavéricos de vítimas. 2004, em Madrid provocou um acidente ferro-
Um dos maiores desafios desta investigação viário com dezenas de feridos e vítimas mortais.
foi a revisão da quantidade abissal de dados pro- No processo de identificação de cadáveres, foi
duzidos pelos laboratórios colaboradores e con- utilizada a Base de dados do Sistema CODIS
tratados. No esforço inicial entre 2001 e 2005, para comparar os restos de 220 corpos com 98
foram obtidos mais de 52 528 perfis de STR e amostras de referência, incluindo 67 amostras de
31 155 sequências de ADNmt, com base nos 21 familiares, representando 40 grupos familiares, e
80 ROSA MARIA ESPINHEIRA

27 amostras de referência directas antemortem. 3 . Â M B I TO D E A P L I C AÇ ÃO


(Alonso, 2005) DA I D E N T I F I C AÇ ÃO G E N É T I C A
Já em Dezembro de 2004, o Tsunami do D E D ESCO N H EC I D OS
Oceano Índico, ocorrido no Sul da Ásia Oriental,
foi uma catástrofe natural que afectou 12 países, Genericamente, em termos quantitativos,
dos quais a Tailândia, a Índia, a Indonésia e o Sri podem ser-nos presentes, para identificação ge-
Lanka, e do qual resultou a morte de mais de 200 nética, indivíduos isolados, vivos ou em estado
000 pessoas, com vítimas oriundas de 30 países. de cadáver, ou remanescentes humanos, com
Neste desastre, os cadáveres recuperados, apesar origem num único indivíduo, ou em múltiplos
de não apresentarem fragmentação, encontra- indivíduos, sendo estes vítimas de mortes natu-
vam-se em avançado estado de decomposição, rais; como doença ou outros factores intrínsecos
devido às condições de clima tropical a que fica- ao indivíduo; ou mortes violentas, onde pode-
ram expostos. O desaparecimento de familiares mos distinguir suicídio, homicídio ou acidente.
ou famílias inteiras, limitou a possibilidade de Destacaríamos, aqui, as vítimas de acidentes
comparação com amostra de referência de familiar rodoviários, naufrágios, incêndios, explosões,
ou directa, visto os objectos pessoais também derrocadas, de entre outros.
ficarem destruídos. Investigadores forenses de Introduziríamos agora o conceito de desastre
31 países diferentes chegaram à Tailândia para de massas, que, segundo a Organização Mundial
ajudar na identificação das vítimas da catástrofe de Saúde (OMS) só tem lugar quando ocorre um
(Westen et al., 2008)). Uma primeira abordagem fenómeno de magnitude suficiente para impli-
à identificação das vítimas do Tsunami com re- car a assistência externa. Podemos estar perante
curso ao ADN teve lugar no Leipzig Institute of desastres de massas nos casos de acidentes de
Legal Medicine, tendo, posteriormente, os estudos aviação, de catástrofes naturais, conflitos bélicos
prosseguido no Forensic Alliance, em Inglaterra, ou políticos, atos terroristas, nos quais o número
no Institute for Forensic Genetics, na Suécia, no de vítimas para identificação genética pode ser
Bejing Genomics Institute, na China e no ICMP, muito elevado.
na Bosnia e Herzegovina (Lessing & Rothschild, Em quaisquer dos casos acima referidos,
2011). Em Maio de 2005 teriam sido identificadas podem ser presentes para identificação gené-
mais de 1 400 vítimas e repatriadas para mais de tica, indivíduos vivos indocumentados, cadáve-
34 países (Butler, 2011). res frescos mutilados, cadáveres em diferentes
Muito recentemente, procedeu-se à recolha estados de decomposição, maioritariamente
de centenas de remanescentes humanos das valas esqueletizados, ou remanescentes cadavéricos.
comuns encontradas no Kuwait e Iraque, resultado Podem, ainda, ser-nos presentes, para
da Guerra do Iraque. Nos primeiros cinco anos, identificação genética, remanescentes de in-
pela análise de ADN, foram identificados 233 terrupções de gravidez, remanescentes fetais,
cadáveres (Butler, 2011). fetos, recém-nascidos e amostras dúbias, a
maior parte das quais são amostras clínicas
CAPÍTULO 3. Identificação Genética de Desconhecidos 81

como sangue ou biopsias dos mais diversos ti- 4 . OS D I FE R E N T ES T I P OS


pos de tecidos humanos, para confirmação de a D E A M OS T R A S P RO B L E M A
quem pertencem as referidas amostras clínicas. ES T U DA DA S
Em relação às amostras dúbias, estas podem
surgir em sequência do diagnóstico de uma A selecção das amostras, do ou dos cadáve-
patologia mas também de um exame toxicoló- res e do ou dos restos humanos, depende do es-
gico, designadamente exame de determinação tado de preservação e fragmentação do cadáver.
de alcoolémia ou determinação de drogas de A preservação é determinada, muito especial-
abuso no âmbito de controlos anti-dopping mente, pela actuação de factores ambientais, durante
em atletas. Em qualquer destes casos, sempre o tempo que decorre desde a morte até à colheita.
que um indivíduo a quem foi associado deter- Os cadáveres sofrem processos autolíticos,
minado diagnóstico ou a quem é imputado o por actuação enzimática, e processos de putre-
consumo de determinada substância entende facção, por fermentação da matéria orgânica,
haver dúvidas quanto ao facto de a amostra pela acção de microrganismos, por acção de de-
ser a que lhe foi colhida, pode, desta dúvida, terminadas espécies de insectos e por acção de
resultar um processo de identificação do indi- outros animais.
víduo a quem, de facto, a amostra pertence. Em relação ao material genético, degrada-
Relativamente à identificação de restos -se mais rapidamente, nos tecidos moles do que
fetais ou embrionários, a lei portuguesa prevê nos tecidos ósseos, devido à estrutura histológi-
que deve ocorrer após interrupção da gravidez ca destes, que proporciona maior isolamento às
ordenada, em sequência de uma violação (artigo células ósseas.
42.º do Código Penal Português), por compara- Nos dentes, a presença do tecido conecti-
ção com amostra relativa ao agressor/presumível vo que oferece protecção física à polpa dentária
progenitor. – esmalte, e que é o tecido mais resistente de
Já nos casos em que há suspeita de um qualquer organismo, confere especial protecção
nado vivo ou morto ter sido abandonado pela à degradação e contaminação do ADN.
mãe, o material biológico é estudado, quase Para além da estrutura histológica, a den-
sempre, para esclarecimento da maternidade sidade tecidular também é um factor importan-
biológica. te que influencia a preservação do osso. Desta
Aproveitaria aqui para deixar a ressalva de forma, o ADN é geralmente menos degradado
que quer os restos fetais ou embrionários, quer nas porções mais densas do esqueleto que em
tecidos placentários provenientes de nados vivos qualquer outro tecido (Mundorff et al., 2009).
ou mortos contêm, regra geral, quantidades muito Apesar da região esponjosa do osso ser a
apreciáveis de ADN, pelo que devem ser rapida- mais rica em ADN, é da região mais compacta
mente congelados, sem quaisquer conservantes, que, habitualmente, é escolhida uma amostra
como álcool ou formol, para evitar a sua eventual dos ossos longos dos membros inferiores, para
degradação. estudo pela genética forense.
82 ROSA MARIA ESPINHEIRA

O estudo realizado a 25 361 amostras de Nos cadáveres queimados, qualquer das


ossos e dentes, recuperados de vítimas sepulta- amostras descritas pode ser válida, dependendo
das entre 4 a 11 anos, em valas comuns, na ex- do estado de carbonização. Na maioria destes
Jugoslávia, indicou que o ADN é melhor preservado casos, tem sido possível obter quantidade apre-
no fémur e dentes, seguido por tíbias, fíbulas, ciável de ADN, a partir de fragmento de tecido,
úmeros, crânios e rádios (Milós et al., 2007). de zonas profundas, da área melhor conservada
Em restos humanos fragmentados, onde, (como musculo cardíaco, sangue sólido de interior
contudo, ainda subsistem tecidos moles, depen- de cavidades cardíacas, fígado, bexiga).
dendo do estado de putrefacção, os tecidos de Nos remanescentes de cadáveres, encontra-
órgãos (bexiga, artéria aorta) ou o músculo es- dos submersos, a possibilidade de se conseguir
quelético profundo, são amostras de eleição para bons resultados é remota, uma vez que o estado
extração de ADN (Schwarkt et al., 2011). de degradação é muito maior.
Quando o cadáver está esqueletizado ou em Num cadáver não decomposto, o sangue é
avançado estado de decomposição, as amostras o tipo de amostra colhida.
úteis são ossos longos, dentes não tratados (por
ordem preferencial, molares, pré-molares, caninos
e incisivos) ou unhas. 5 . A S A M OS T R A S D E R E FE R Ê N C I A
As unhas são formadas por células que A U T I L I Z A R N A I D E N T I F I C AÇ ÃO
contêm queratina, devendo-se o seu crescimento GENÉTICA
à divisão celular na base e parte interna da unha.
Estas células migram para o exterior enquanto Não é possível efectuar qualquer identifica-
sofrem um processo de reabsorção do núcleo e ção, através da análise de ADN, se não se dispuser
dos organelos celulares. de amostras de referência. Estas podem ser de
Num cadáver putrefacto desconhecido, familiares ou amostras do próprio indivíduo, como
deve-se retirar ou desinserir unhas inteiras, ob- objectos pessoais (escova de dentes, lâminas de
tendo-se na prática bons resultados na análise barbear) ou amostras biológicas colhidas ante
de ADN. As unhas têm permitido a identificação mortem existentes em arquivo, como tecidos de
cadavérica de forma rápida, com recurso a méto- biopsias, bancos de esperma ou manchas de san-
dos de extracção menos complexos e morosos, gue em cartões. Outra hipótese é a existência de
comparativamente ao tratamento a ter com as perfil numa base de dados civil ou criminal, no
amostras ósseas. país da vítima (Corte-Real, 2004). Em Portugal,
Este tipo de amostra é muito utilizado no foi oficialmente instituída, em 2008, uma base
caso de exumações, sendo retirado preferen- nacional designada Base de Dados de Perfis de
cialmente as unhas dos pés ao cadáver, por ADN, cuja direção cabe ao Instituto Nacional de
estarem mais protegidas pelo calçado, portan- Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF).
to, com menor possibilidade de degradação/ A utilização de objectos de uso pessoal pode
contaminação. ser problemática, pelo facto da quantidade de
CAPÍTULO 3. Identificação Genética de Desconhecidos 83

ADN ser mínima, bem como pela possibilidade exclusivamente do pai para filhos do sexo mascu-
de conter ADN não apenas da vítima, obtendo-se lino, as amostras de referência para comparação
perfis de mistura, dado não haver garantia do são amostras de todos os familiares relacionados
objecto ter sido só usado pela vítima. O incon- por via paterna. O ADN mitocondrial, de herança
veniente desta estratégia, é comprometer a iden- exclusivamente materna, permite a comparação
tificação, conduzindo a falsas exclusões, devido com parentes relacionados por via materna.
à contaminação exógena de células de outros
contribuidores. Sendo questionável a autentici-
dade dos objectos, é sempre recomendável, caso 6 . ES T U D O L A B O R ATO R I A L
seja possível, a colheita de outras amostras (de E VA LO R I Z AÇ ÃO ES TAT Í S T I C A
membros da família) para análise e comparação D E R ESU LTA D OS
(Pinheiro, 2009).
A possibilidade de usar amostras de referên- 6.1. EXTRACÇÃO DE ADN
cia do próprio indivíduo, colhidas ante mortem E TRATAMENTOS PRÉVIOS
(como os cartões de sangue de recém nascidos
relativos a programas de rastreio de doenças ge- Quanto à extracção de ADN de amostras de
néticas) com cadeia de custódia documentada, ul- referência, designadamente manchas de sangue
trapassa os inconvenientes dos objectos pessoais. em suporte de papel e células da mucosa oral em
Em diversos países, a existência de um arquivo de zaragatoa, em que, a priori sabemos ter ADN em
cartões de manchas de sangue dos militares mo- quantidade e qualidade, o método de extracção
bilizados para conflitos armados é recomendado mais utilizado internacionalmente é o método
para facilitar a identificação em caso de eventual de Chelex (Walsh et al., 1995). Genericamente é
acidente (Alonso et al., 2005). um método de extracção que recorre ao factor
As amostras de referência de familiares de- temperatura para alcançar a extracção de ADN
pendem do tipo de estudo de ADN a realizar. e utiliza um elemento inerte, o Chelex, para re-
O estudo de STR autossómicos (13 a 17), marca- tenção e isolamento de restos celulares numa
dores com elevado poder discriminatório, permi- solução em que se pretende que só o próprio
te a identificação precisa, mediante comparação ADN se mantenha como soluto.
com amostras de familiares directos da vítima: Neste momento será importante realçar que
(a) progenitores da vítima, (b) filhos biológicos e a extracção das amostras de referência, para evitar
cônjuge da vítima (c) vários irmãos com os mes- a contaminação no percurso laboratorial, deve-se
mos pai e mãe. realizar de forma separada, em tempo e espaço,
Se não dispomos destas amostras de fa- da extracção das amostras problema.
miliares directos ou não é possível estudar os No processo de análise de ADN, a extrac-
marcadores de ADN autossómico, os marcadores ção é um passo crucial, com especial destaque
monoparentais podem ser úteis. Com a análise para a extracção de ADN de amostras problema.
dos marcadores do cromossoma Y, cuja herança é A recuperação máxima de ADN, em termos de
84 ROSA MARIA ESPINHEIRA

qualidade, quantidade e pureza, depende, em superfície do osso (ADN exógeno, provavelmente


grande parte, dos métodos de extracção. Para das pessoas que o manipularam e ADN microbia-
os restos cadavéricos e objectos pessoais, que no) (Pinheiro, 2009; Westen et al., 2008).
possam ser amostras com ADN em pequenas A limpeza ou remoção da superfície do osso,
quantidades e muito degradado, é essencial uma até que este fique limpo, a sua posterior redu-
escolha especialmente criteriosa do método de ção a fragmentos com cerca de 1cm2, através do
extracção, e a sua optimização, dado que a se- uso de serra eléctrica, e, finalmente, a pulveriza-
lecção do método de extracção depende sempre, ção dos ossos (redução do osso a pó), a baixas
também, do tipo de amostra e do seu estado de temperaturas, com recurso a azoto líquido, são
conservação. procedimentos obrigatórios, antes da extracção
Um problema, não raramente associado a de ADN. O material ósseo reduzido a pó deve
determinadas amostras, é o facto de, apesar de ser retido em recipientes próprios para o efeito
conterem ADN em quantidade suficiente, terem (habitualmente ampolas), também, para impedir
presentes, também, determinados componen- contaminações.
tes, que inibem a amplificação de ADN. Nestes Os métodos de extracção de ADN mais fre-
casos, os métodos de extracção a utilizar devem quentemente utilizados são métodos baseados na
minimizar a perda do ADN e remover inibidores. utilização de fenol-clorofórmio-álcool isoamílico,
Em relação ao caso específico de extracção enzimas e sílica. Basicamente, as enzimas, bem
de ADN a partir de amostras ósseas e dentes, como uma grande parte de soluções/tampões a
esta requer, ainda, equipamentos, reagentes e que estes métodos recorrem, têm por função a
procedimentos específicos. Os tratamentos pré- lise de membranas celulares e outras estruturas
vios à extracção incluem a cuidadosa lavagem de natureza proteica, para libertação do ADN.
dos ossos para remoção de terra e de outros A sílica é um material inerte cuja função é a re-
materiais aderentes, como restos de tecidos moles tenção e isolamento do ADN dos restantes com-
putrefactos. Quanto mais limpo estiver o osso, ponentes celulares em solução.
melhores resultados obteremos uma vez que a Na extracção de ADN das amostras ósseas
eliminação de eventuais contaminantes presentes das vítimas do conflito armado dos Balcãs (1992
na superfície do osso, foi mais eficaz. Há diversos - 1995), com vista à identificação genética, fo-
métodos de limpeza da superfície do osso, desde ram documentados melhores resultados na ex-
utilização de lixa, bisturis, serra eléctrica, irradia- tracção com recurso a sílica comparativamente
ção da superfície com raios UV e/ou a aplicação à extracção com fenol-clorofórmio-álcool isoa-
de soluções químicas com detergentes, etanol, mílico (Davoren et al., 2007). A extracção com
lixívia, de entre outros. métodos baseados em sílica permitiu, também,
A imersão do osso, numa solução de hi- a identificação de remanescentes ósseos de 15
poclorito de sódio a 2%, durante 10 minutos, vítimas da II Guerra Mundial, encontradas em vala
destrói a contaminação superficial, resultando comum, na Eslovénia, em 2007 (Marjanovic et al.,
na degradação do ADN indesejável presente na 2007) e de outras 6 vítimas em 2009 (Marjanovic
CAPÍTULO 3. Identificação Genética de Desconhecidos 85

et al., 2009). Nas perícias da rotina do INMLCF, repetitivo) e temos sequências de ADN altamente
utilizamos, muito frequentemente, os métodos repetitivas, também conhecidas por ADN satélite,
baseados em princípios enzimáticos e sílica, com que se repetem mais de 100 000 vezes ao longo
resultados muito satisfatórios. do genoma. Estas últimas são sequências peque-
Após a extracção do ADN das amostras ós- nas, de 1 a 50 pares de bases e são sequências de
seas ou outras amostras problema, a quantidade ADN não codificante. É deste grupo que fazem
de ADN recuperado deve ser determinada, sempre parte os microssatélites ou Short Tandem Repeats
que possível. Conhecer a quantidade de ADN para (STR), que são, actualmente, os marcadores de
a reacção de PCR, pode favorecer a obtenção de eleição, utilizados a nível internacional, no âmbito
melhores resultados analíticos, ou, por outro lado, da identificação genética, muito especialmen-
pode dar-nos informação de que não foi possível te devido ao seu elevado poder discriminatório
obter ADN, pelo que, não terá utilidade prosseguir inter-indivíduos e, portanto, elevado poder de
com métodos de análise de ADN. individualização.
O Conselho da União Europeia, por Resolução
6.2. MARCADORES DE ADN ESTUDADOS de 25 de Junho de 2001, estabeleceu um conjunto
POR PCR E PERFIS GENÉTICOS de 7 loci, designado por European Standard Set
(ESS), como conjunto de loci adequado à definição
ADN nuclear (STR), ADN mitocondrial de um perfil genético individual, constituído pe-
(ADNmit), mini-STR e SNPs los STR autossómicos D3S1358, FIBRA, D8S1179,
TH01, vWA, D18S51, D21S11.
Após extracção de ADN das amostras a es- No âmbito da investigação criminal, a
tudar, as mesmas são amplificadas, pela técnica Interpol, utiliza os 7 loci do ESS e, opcionalmen-
de PCR, com iniciadores específicos para deter- te, o gene homólogo da amelogenina.
minados marcadores. O Reino Unido utiliza os 7 loci do ESS e
Genericamente, quanto à sua localização, mais 4 loci, portanto, utiliza um conjunto de 11
distinguem-se dois tipos de ADN: o ADN nuclear loci - D2S1338, D3S1358, FIBRA, D8S1179, TH01,
e o ADN extra-nuclear. O extra-nuclear é o ADN vWA, D16S539, D18S51, D19S433, D21S11 e o
mitocondrial. gene homólogo da amelogenina.
Relativamente ao ADN nuclear, quanto ao A Alemanha utiliza os 7 loci do ESS e mais 2
número de cópias das suas sequências ou frag- loci, portanto, um conjunto de 9 loci - D3S1358,
mentos, ele pode agrupar-se em diferentes cate- FIBRA, D8S1179, TH01, vWA, D18S51, D21S11,
gorias. Assim temos sequências de ADN de cópia SE33 e o gene homólogo da amelogenina.
única e sequências de ADN com multi-cópias. Os Estados Unidos da América utilizam os
Quanto às sequências de ADN com multi-cópias 7 loci do ESS e mais 6 loci, portanto, utilizam
temos sequências com cerca de 300 pares de um conjunto de 13 loci STR autossómicos para
bases que se repetem entre 100 a 100 000 ve- definição de um perfil genético individual, desig-
zes ao longo do genoma (ADN moderadamente nado por painel de STR do Combined DNA Index
86 ROSA MARIA ESPINHEIRA

System (CODIS), composto pelos loci autossómicos vantagens do ADNmt, em relação ao ADN nu-
TPOX, D3S1358, FIBRA, D5S818, CSF1PO, D7S820, clear (2 cópias por célula), consiste no facto de
D8S1179, TH01, vWA, D13S317, D16S539, D18S51, possuir cerca de 500-2000 cópias por célula, o
D21S11. Além destes 13 loci autossómicos o sis- que aumenta as probabilidades de existirem al-
tema CODIS inclui sempre informação do gene gumas cópias mesmo em amostras forenses mui-
homólogo da amelogenina (Butler, 2005). to degradadas e/ou antigas. O comprimento do
No INMLCF são utilizados os 13 loci STR ADNmt (100000 vezes inferior ao ADN nuclear)
do sistema CODIS e mais 4 loci autossómicos - e a sua forma circular também lhe conferem uma
D2S1338, D19S433, Penta D e Penta E (Amorim et menor probabilidade de degradação em relação
al., 2011b), e, em casos especialmente complexos, ao ADN nuclear.
designadamente casos em que só se verifica in- Outras vantagens do ADNmt, consiste no
compatibilidade em dois loci, estudam-se, ainda, facto de este ser herdado por via materna, ou
como loci adicionais, os loci STR autossómicos seja, todos os indivíduos pertencentes à mesma
SE33, ES, LPL, F13B, FESFPS, F13A01, D10S1248, linhagem materna, possuem o mesmo ADNmt
D22S1045, D2S441, D1S1656 e D12S391, e, caso (excepto na presença de mutações). Assim, mesmo
seja aplicável, estudam-se também 16 loci STR do que só existam familiares por via materna, estes
cromossoma Y, onde, além dos 8 marcadores que podem fornecer amostras referência com vista à
definem o designado haplótipo mínimo - DYS19, identificação. A análise pelo ADNmt é de grande
DYS385, DYS389I, DYS389II, DYS390, DYS391, utilidade, quando várias gerações separam as víti-
DYS392, se incluem mais 8 loci - DYS437, DYS438, mas dos seus descendentes vivos, como os casos
DYS439, DYS448, DYS456, DYS458, DYS635 e de desaparecidos durante décadas, decorrentes
GATAH4. Em casos muito específicos estudam-se, de conflitos políticos ou de guerras (Afonso-Costa
ainda, a região hipervariável I (HVI) e a região hi- et al., 2010).
pervariável II (HVII) do ADN mitocondrial (ADNmt). No entanto, os marcadores haplotípicos
Recentemente, em finais de 2009, o Conselho (ADNmt e cromossoma Y) apresentam baixo poder
da União Europeia, por Resolução de 30 de de discriminação, em comparação com o poder de
Novembro, redefiniu o conjunto dos loci que inte- discriminação que proporcionam os marcadores
gram o ESS. Os loci que integram o actual ESS são autossómicos, o que leva a um menor grau de
os STR autossómicos D3S1358, FIBRA, D8S1179, certeza na identificação final. Neste sentido e para
TH01, vWA, D18S51, D21S11, D1S1656, D2S441, reforçar a identificação deve-se empregar/utilizar
D10S1248, D12S391 e D22S1045. Contudo, como a análise de ADNmt e de cromossoma Y (quando
ainda não existem frequências alélicas calculadas se trate de vítimas do sexo masculino) de forma
e publicadas para os novos STR, continuam a ser conjunta, estabelecendo-se para eles os irmãos
utilizados, no INMLCF, os STR atrás mencionados. do sexo masculino como familiares de eleição a
Quando não é possível obter um perfil de integrar no estudo (Crespillo, 2011).
ADN nestes marcadores nucleares, procede-se à As amostras com ADN muito degradado ou
análise de ADN mitocondrial. Uma das principais em quantidades ínfimas poderiam ser sujeitas a
CAPÍTULO 3. Identificação Genética de Desconhecidos 87

análise de regiões/segmentos com dimensões in- os perfis. No caso de haver identidade entre os
feriores a 150 pares de bases - os miniSTR. Estes perfis é calculada a razão de verosimilhança ou
marcadores genéticos foram desenvolvidos através Likeliwood Ratio (LR), conforme descrito num ou-
da modificação dos primers para amplificação dos tro capítulo inserto nesta obra, e que traduz a
STR, que passam a delimitar regiões interiores e, probabilidade do perfil da vítima corresponder,
portanto, menores às regiões definidas para os STR. de facto, ao perfil da suposta vítima.
Quando no genoma ocorre uma mutação Se não é possível comparar o perfil obtido a
pontual, originando uma variação num único partir do cadáver com o perfil do suposto indiví-
par de bases, estamos perante aquilo que de- duo, mas, alternativamente, é possível comparar
finimos como polimorfismo num único nucleó- com os perfis de supostos familiares, os cálculos
tido ou Single Nucleotide Polymorphism (SNP). a realizar têm em vista a determinação dos parâ-
Num único indivíduo acontecem milhões de SNP, metros Probabilidade de Parentesco e Índice de
consolidando a ideia de que poderão vir a ser Parentesco, entre a vítima e os supostos familiares
considerados, pela comunidade forense, como (Ge et al., 2011). Estes cálculos e parâmetros es-
marcadores genéticos. A sua eventual vantagem tatísticos estão, também, explanados em capítulo
em relação aos STR é o tamanho dos produtos dedicado à investigação de parentesco biológico,
de PCR, que apresentam menos de 100 pares de também, inserto nesta obra.
bases, quando comparados com os 300 a 400
pares de bases dos STR, possibilitando assim, o
seu uso em material com ADN degradado. No 7. OS P R I N C I PA I S P RO B L E M A S R E -
entanto são mais laboriosos e muito menos discri- L AC I O N A D OS CO M A S A M OS T R A S
minatórios, visto ser necessário 45 a 50 loci SNP, E M ES T U D O
para um resultado discriminatório comparável a
13 a 15 loci STR (Ziętkiewicz, 2011). 7.1. DEGRADAÇÃO

6.3. VALORIZAÇÃO ESTATÍSTICA A degradação do ADN pode dividir a molé-


DOS RESULTADOS cula em fragmentos mais pequenos, impedindo a
obtenção de resultados, ou a obtenção de perfis
Após a obtenção dos perfis genéticos, a genéticos incompletos ou mesmo levar a que ocorra
valorização estatística dos resultados pode ter, o desaparecimento de um dos alelos, com atribui-
de acordo com o caso em concreto, e muito ge- ção incorrecta de homozigotia em alguns sistemas.
nericamente, duas abordagens. A degradação do ADN começa imediatamen-
Se é possível comparar o perfil obtido a partir te após a morte de um organismo, e irá continuar,
do cadáver ou dos restos humanos com o perfil a velocidades diferentes, dependente do meio
da suposta vítima (caso em que existia amostra de ambiente envolvente.
referência ante mortem) temos como resultados A degradação post mortem ocorre, via a
possíveis a identidade ou a não identidade entre acção das nucleases endógenas, enzimas celulares
88 ROSA MARIA ESPINHEIRA

que catalizam a hidrólise das ligações fosfodiester dos sedimentos penetrem nos tecidos ósseos
na molécula de ADN. (Graham, 2007).
No ADN antigo verificou-se que os frag- Circunstâncias favoráveis como baixa tempe-
mentos obtidos estão entre 100 bp a 200 bp de ratura, dissecção, pH alcalino ou neutro, concen-
tamanho, sugerindo que a clivagem enzimática tração elevada de sais e ausência de microrganis-
ocorre em regiões de ligação vulneráveis, situadas mos destrutivos e contaminantes são as melhores
entre nucleossomas da estrutura terciária do ADN. condições para a preservação do ADN. Climas
Para a preservação de algum ADN, é ne- frios e secos tendem a preservar macromoléculas
cessário que a acção destas enzimas biológicas por longos períodos de tempo, devido a taxas de
seja diminuída ou inactivada, antes que ocorra a reacção mais lentas (supostamente, por inactiva-
degradação completa. ção das nucleases endógenas e exógenas).
A preservação do ADN em restos está depen- Os dados revelam que não há correlação
dente de uma interacção complexa de condições directa entre preservação do ADN e o tempo
ambientais, incluindo a exposição a temperatura, decorrido. Condições favoráveis podem evitar o
humidade, radiação UV, fogo, microorganismos, dano físico e químico, permitindo a detecção de
flora, fauna e propriedades geoquímicas do solo. ADN nuclear e mitocondrial, após longo período
Processos de oxidação e hidrolíticos provo- de tempo.
cam lesões na estrutura da molécula, respecti- Exemplos são a obtenção de ADN em mú-
vamente, modificação das bases nitrogenadas e mias siberianas, chinesas, bem como no “Homem
modificação no açúcar “desoxiribose”. As altera- do Gelo” encontrado nos Alpes austríacos por
ções químicas das bases nucleotídicas conduzem alpinistas a 3 200 m, em Setembro de 1991, identi-
ao não reconhecimento pela Taq polimerase na ficado como pré-histórico, pelo Innsbruck Forensic
reacção de PCR. A perda de informação genética Medicine Institut. A mumificação é um fenóme-
disponível impede a amplificação do ADN e con- no de preservação excepcional, ao contrário dos
sequentemente a não obtenção de resultados. corpos embalsamados, cujos conservantes, como
A presença de bactérias e fungos contribuem o formol, degradam a molécula.
para a degradação do ADN, não só por digestão, Os cadáveres expostos a climas tropicais, so-
mas também aumenta o risco de contaminação frem degradação rápida em curto período de tem-
da amostra por ADN exógeno. po, como as ossadas de portugueses trasladadas
Em relação à composição dos solos, consta- de países lusófonos, como Angola, Moçambique,
tou-se que os ácidos húmicos e fúlvico são inibi- Guiné, Cabo Verde e São Tomé.
dores da amplificação do ADN. A presença destes
ácidos, no ambiente em que os restos esqueletiza- 7.2. CONTAMINAÇÃO
dos estão enterrados, tem correlação directa com
a humidade da área. A humidade, temperatura Começamos por distinguir vários tipos de
e solo promovem degradação do ADN de forma contaminação, designadamente contaminação
célere, permitindo que as substâncias orgânicas química, que pode traduzir-se em resultados
CAPÍTULO 3. Identificação Genética de Desconhecidos 89

inconclusivos ou ausência de resultados, conta- redobrado rigor, muito particularmente nos casos
minação provocada por microrganismos (bactérias em que se está a lidar com amostras complexas,
e fungos), caso em que quantidades apreciáveis designadamente ADN antigo - amostras com
de ADN microbiano interferem na quantificação material genético escasso e/ou degradado, ou
do ADN conduzindo a resultados falso negati- amostras com inibidores.
vos e, finalmente mas não menos importante, a Em relação aos casos de identificação de
contaminação por ADN humano exógeno, sendo elevado número de vítimas, designadamente re-
este o tipo de contaminação mais importante, e sultante de desastres de massa, em que as condi-
que pode ocorrer durante ou depois da colheita ções de trabalho estão muito longe das ideais, a
das amostras. colheita de um grande número de amostras de vá-
As contaminações podem ocorrer em todas rios indivíduos aumenta o risco de contaminação
as etapas do processo, desde a amostragem no exógena pelos examinadores e, em particular, de
local onde a vítima ou amostras são encontradas, contaminação cruzada com o ADN de outras víti-
até ao procedimento de laboratório. A conta- mas. Visto que o Guia da Interpol de Identificação
minação pode, ainda, ocorrer no próprio corpo, das vítimas não tem guidelines específicas na co-
durante a recolha das evidências, durante o trans- lheita de amostras para estudo de ADN, uma
porte do corpo para os serviços médico-legais, das equipas da Thai Tsunami Victim Identification
na sala de autópsia e, naturalmente, durante os (TTVI) criou guidelines para a colheita de amostras
procedimentos de laboratório. de ossos e dentes com fins de análise de ADN,
No local, as contaminações podem ocorrer se descrevendo um procedimento operacional com
outros indivíduos chegam e começam a manipular base na experiência adquirida durante o rescaldo
as evidências sobre o corpo antes da chegada do Tsunami. Este Standard Operating Procedure
da equipa forense de investigação (Vieira, 2011). (SOP) foi projectado, essencialmente, para mini-
As contaminações representam uma das mizar a contaminação cruzada durante a colheita
maiores limitações na análise de ADN, quer na das amostras (Westen et al., 2008).
obtenção de perfis válidos quer na interpretação Como outros exemplos de cuidados para
precisa dos resultados. Diversas estratégias têm evitar contaminações podemos ainda referir a
sido desenvolvidas para ultrapassar as dificuldades estandardização das metodologias de colheita
que ocorrem no processo. Uma das exigências a de amostras, a obtenção de perfis de todas as
ter sempre presente pelo perito, entre outras, é pessoas envolvidas no estudo para o fácil reco-
o uso de luvas descartáveis. É igualmente impor- nhecimento da contaminação proveniente destes
tante a utilização dos meios adequados na colhei- profissionais, o uso de ferramentas para evitar
ta, acondicionamento e transporte das amostras contaminações como capuz, rede de cabelo e
da vítima e, numa fase posterior, na totalidade máscaras na boca, para todos os investigadores
do percurso laboratorial. Relativamente a este responsáveis pela etapa de amostragem, a des-
assunto há normas perfeitamente determinadas contaminação cuidadosa de todos os dispositivos
que devem ser tomadas em consideração com em contacto físico com a amostra, a utilização de
90 ROSA MARIA ESPINHEIRA

material descartável livre de ADN, limpeza e irra- salienta a inclusão dos laboratórios forenses na
diação por UV de todos os aparelhos, recipientes, planificação da actuação das equipas multidisci-
pipetas, suportes, placas, batas de laboratório e plinares DVI, por forma a assegurar a participação
áreas de trabalho. É ainda importante que as dife- dos mesmos na tomada de decisões sobre a co-
rentes etapas do processo de análise tenham lugar lheita de amostras, extensão e objectivos finais,
em diferentes salas dentro do laboratório, desde o com vista à maior eficácia da eventual identifi-
exame macroscópico da amostra ao procedimento cação genética.
de extracção, a reacção de amplificação de ADN Há circunstâncias específicas e diferentes
e, finalmente, a interpretação dos perfis. Todos os factores inter-relacionados, envolvidos em cada
equipamentos gerais e aparelhos, pipetas, bem cenário de desastre de massa, que podem de-
como os reagentes deverão ser exclusivos de cada terminar o objectivo da identificação recorrendo
sala específica (salas de extração, pré-PCR e pós- à análise de ADN, tais como o número das víti-
-PCR) (Vieira, 2011). mas, os mecanismos de destruição dos corpos,
grau de fragmentação, grau de degradação do
ADN, acessibilidade ao corpo para a colheita de
8 . CO N C LUSÃO amostra ou o tipo e disponibilidade de amostras
de referência.
A identificação humana é de suma impor- Já em relação à extensão da actuação, visa
tância no âmbito médico-legal, constituindo uma definir se a análise de ADN é para identificar cada
prioridade, tanto por imperativos legais como por vítima ou apenas um subconjunto das vítimas (por
razões humanitárias, sendo que, no âmbito da exemplo aqueles que não estão identificados por
mesma, a identificação genética desempenha um outros métodos forenses) ou se é imprescindível
papel importante na identificação de cadáveres identificar todos os restos humanos recuperados.
esqueletizados, restos humanos, cadáveres re- Uma das recomendações da ISFG aconse-
centes, que apresentem mutilações, em particular lha a recolha de amostras para eventual análise
mutilações faciais, e em indivíduos vivos indo- de ADN, mesmo quando as identificações foram
cumentados que não tenham, ou afirmem não realizadas por outros métodos forenses. Neste
ter, memória da sua identidade, bem como em caso, por regra, o objectivo será, eventualmente,
restos fetais ou recém-nascidos, amostras dúbias permitir a re-associação de fragmentos do corpo
e, muito especialmente, amostras biológicas de e, no futuro, em caso de dúvidas ou contradições,
vítimas de desastres de massa. permitir análise de ADN.
Atenta a importância e relevância da iden- A identificação genética de um indivíduo é
tificação genética de desconhecidos, em 2007, a realizada pela determinação do seu perfil genético
DNA Commission da ISFG publicou um documento individual, o qual é obtido pela determinação
com recomendações para a área da genética fo- da combinação das características genéticas que
rense no âmbito das equipas Disaster victim iden- este indivíduo apresenta num determinado con-
tification (DVI). Logo a primeira recomendação junto de marcadores estudados no seu genoma,
CAPÍTULO 3. Identificação Genética de Desconhecidos 91

marcadores estes que, actualmente, a nível inter- entendimento simultâneo de operadores tão
nacional são loci STR autossómicos e, caso seja diversos como juristas ou magistrados, médicos e
aplicável, loci STR do cromossoma Y. Em casos demais especialistas das áreas médicas e biomédicas,
muito específicos estudamos, ainda, a HVI a HVII bem como a estudantes e estudiosos de nível pré e
do DNAmt e, também, mini-STR e SNPs. pós-graduado desta área em que todos confluem
Como apontamento, os marcadores ge- com o objetivo último de, em primeira instância,
néticos actualmente mais utilizados - loci STR e servir a justiça e, em ultima instância, servir o bem
DNAmt, são aceites pela comunidade científica e a causa pública.
forense internacionalmente. Para tanto, contribuiu
a identificação da família imperial Romanov, que
constituiu um marco histórico nas ciências foren- BIBLIOGR AFIA
ses. Paradoxalmente, a morte do último Czar da
Rússia e de toda a família imperial e a subsequente Alonso, A., Martín, P., Albarrán, C., et al. (2005) Challenges
of DNA profiling in mass disaster investigations. Croatian
instauração do regime soviético, mudou o rumo
Medical Journal, 46, 540-548.
da História da Humanidade.
Amorim, A., Afonso-Costa, H., Espinheira, R. et al. (2011)
Finalmente, reforçaríamos a importância de Human identification with combined anthropologic and
que os procedimentos no âmbito da identifica- genetic tools: two case reports in forensic medicine prac-
ção genética de desconhecidos, desde a colhei- tice. Folia Societatis Medicinae Legalis Slovacae, (1), 11-14.

ta de amostras problema a cadáveres ou restos Amorim, A., Vieira-Silva, C., Afonso-Costa, H. et al. (2011).
Allele frequencies of all CODIS and four non-CODIS STR
humanos, bem como a colheita de amostras de
loci in an immigrant Brazilian population living in Lisbon -
familiares de supostos indivíduos a identificar,
preliminary results. Forensic Science International Genetics
associadas às quais a obrigatoriedade de exis- Supl, 3, e127-e128. [doi:10.1016/j.fsigss.2011.08.063]
tência de documentação que assegure a cadeia Anđelinović, S., Sutlović, D., Ivkošić, I., et al. (2005). Twelve-
de custódia das amostras, passando por todos year experience in identification of skeletal remains from

os procedimentos laboratoriais aplicáveis, até à mass graves. Croatian Medical Journal, 46, 530-539.
Budowle, B., Bieber, F., Eisenberg, A. (2005). Forensic Aspects
elaboração do relatório pericial, devem pautar-se
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pelo cumprimento de normas e regulamentos que
Based Human Identification. Legal Medicine, 7(4), 230-
assegurem a garantia da qualidade dos resultados 243.
obtidos, designadamente através da realização Butler, J. M. (2011). Advanced Topics in Forensic DNA Typing:
de procedimentos, em particular os de natureza Methodology. Academic Press. Elsevier. London.
Butler, J.M. (2005). Forensic DNA typing. Biology, technology
laboratorial, em laboratórios e através de ensaios
and genetics of STR markers (2 ª ed). Academic Press.
acreditados.
Elsevier. London.
Terminamos, fazendo a ressalva de que o mo- Coble, M. (2011). The identification of the Romanovs: Can
desto contributo que aqui quisemos deixar não se we (finally) put the controversies to rest? Investigative
apresenta como um referencial técnico ou científico Genetics, 2, 20. [doi:10.1186/2041-2223-2-20]
sobre a identificação genética de desconhecidos, Corte-Real, F. (2004). Forensic DNA databases. Forensic
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mas sim como um documento acessível ao
92 ROSA MARIA ESPINHEIRA

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CAPÍTULO 4. Investigação Biológica de Parentesco 93

Capítulo 4
INVESTIGAÇÃO BIOLÓGICA
DE PARENTESCO

Paulo Dario
Helena de Seabra Geada
Delegação do Sul do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P.
CENCIFOR - Centro de Ciências Forenses
Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
DOI | HTTP://DX.DOI.ORG/10.14195/978-989-26-0957-7_4
94 PAULO DARIO e HELENA DE SEABRA GEADA

RESUMO ABSTRACT
Com a reforma de 1977 do Código Civil Português, a inves- With the 1977 reform of the Portuguese Civil Code,
tigação de paternidade passou a ser livremente admitida, paternity became freely admitted, and that the actions
sendo que, nas ações de filiação, os exames de sangue ou ou- of affiliation, blood tests or other scientifically proven
tros métodos cientificamente comprovados, como exames de methods such as examinations of other biological ma-
outros materiais biológicos, passaram a ser admitidos como terials, have been admitted as evidence in this type of
meio de prova neste tipo de investigações. Atualmente, nos investigations. Currently, at the Laboratories of Forensic
Laboratórios de Genética Forense, a investigação biológica Genetics, biological paternity is carried in saliva samples
de paternidade é realizada em amostras de saliva recolhidas collected with buccal swabs or blood samples obtained
com zaragatoas bucais ou amostras de sangue obtidas por by finger prick and analyzed essentially using autosomal
punção digital, e analisadas, essencialmente, com recurso ao STRs. These studies are based on the alleged father/mo-
estudo de STRs autossómicos. Estes estudos têm por base ther/son(daughter) or other types of research that can
o trio pretenso pai/mãe/filho(a), sem prejuízo de outro tipo be applied to Forensic Genetics Laboratories, such as
de investigações que podem ser solicitadas aos Laboratórios investigations with two or more alleged fathers or with
de Genética Forense, tais como, investigações com dois two or more siblings. But complex cases are determined by
ou mais pretensos pais ou com dois ou mais irmãos. Mas kinship incomplete investigations, usually in the absence
os casos complexos são determinados por investigações of the alleged father. In this case, these investigations
de parentesco incompletas, normalmente na ausência do should be carried out using the genetic profile of the
pretenso pai que se pretende investigar. Neste caso, estas alleged paternal relatives, such as parents, siblings or
investigações devem ser efetuadas com recurso ao perfil children of the alleged father. These investigations can
genético dos pretensos familiares paternos, tais como, pais, be complemented with other genetic markers, namely
irmãos ou filhos do pretenso pai. Estas investigações podem increasing the number of studied autosomal STRs with
ser complementadas com outros marcadores genéticos, no- other multiplex systems used in forensics, or by studying
meadamente, aumentando o número de STRs autossómicos the Y-STRs for determining the parental lineage, the mi-
estudados com outros sistemas multiplex utilizados na prática tochondrial DNA for the study of maternal lineage or, in
forense, ou mesmo recorrendo ao estudo de Y-STRs para special cases, the study of X-chromosome STRs. ​​But the
determinação da linha paterna, de ADN mitocondrial para circumstances in forensics can be quite complex, being
estudo da linha materna ou, em casos especiais, estudo de necessary studies with biallelic markers, such as SNPs
STRs do cromossoma X. Mas as situações da prática foren- and INDELs, to complement the study of STRs, espe-
se podem ser bastante mais complexas, sendo necessárias cially in cases of degraded samples. On the other hand,
investigações com marcadores bialélicos, como SNPs ou the implementation of accreditation in Forensic Genetics
INDELs, para complementar o estudo de STRs, sobretudo, Laboratories began with the implementation of a Quality
em casos de amostras degradadas. Por outro lado, a im- Management System (QMS) based on ISO/IEC 17025,
plementação da acreditação nos Laboratórios de Genética thus ensuring the quality of the biological kinship analysis
Forense teve início com a implementação de um Sistema performed.
de Gestão da Qualidade (SGQ), baseado na norma ISO/
IEC 17025, garantindo, assim, a qualidade das perícias de
investigação biológica de parentesco realizadas.

PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS
Investigação biológica de parentesco; polimorfismos de Biological kinship analysis; DNA polymorphisms.
ADN.
CAPÍTULO 4. Investigação Biológica de Parentesco 95

1. I N T RO D U Ç ÃO Também, no final do século passado, se


assistiu à aplicação das chamadas “impressões
Nas últimas décadas, as Ciências Forenses digitais genéticas” (DNA fingerprinting) na identi-
têm sido objeto de significativa valoração devido, ficação biológica. A primeira perícia de investiga-
nomeadamente, à introdução de novas tecno- ção genética de parentesco biológico com recur-
logias e de aparelhagem de análise mais sofis- so a marcadores moleculares (VNTRs – Variable
ticada. Quanto à Genética Forense, não só este Number Tandem Repeats) foi realizada, em 1985,
ramo teve um enorme desenvolvimento, como, num caso de imigração de indivíduos do Gana,
também, nos últimos anos, este desenvolvimen- que pretendiam obter um visto de reunião fa-
to sofreu uma aceleração ímpar relativamente a miliar, existindo dúvidas sobre a veracidade das
qualquer outro ramo da atividade médico-legal, relações de parentesco com os alegados paren-
pela introdução da tecnologia do ADN. A con- tes residentes no Reino Unido. Alec Jeffreys, da
tribuição dos Laboratórios de Genética Forense, Universidade de Leicester, provou a veracidade
como auxiliares da Justiça, para a resolução de destas relações (Jeffreys et al., 1985) e demos-
problemas de âmbito social adquire, assim, uma trou, também, inequivocamente, o grande poder
enorme relevância. do ADN na identificação genética de indivíduos.
No âmbito da Genética Forense, os exames A investigação em Genética Forense aplica
têm normalmente um único objetivo — o estudo do as tecnologias de Biologia Molecular ao estudo
perfil genético dos indivíduos, através das amostras de polimorfismos de loci de ADN com interesse
colhidas e enviadas ao Laboratório. O problema da forense. Este estudo, de relevância médico-legal
identificação dos indivíduos será, para o Laboratório integra a genética populacional e a identificação
de Genética Forense, um dos objetivos principais. As biológica que se desenvolve principalmente nas
características genéticas são únicas, no seu conjunto, seguintes vertentes: a) investigação biológica de
para cada indivíduo, caracterizando, deste modo, filiação, debruçando-se em particular sobre as
a sua individualidade biológica. investigações de paternidade e de maternidade; b)
Karl Landsteiner, ao descobrir o sistema ABO investigação biológica de parentesco, que englo-
e as suas características hereditárias, profetizou, ba, entre outros, também os estudos de casos de
no início do século passado, que “um dia os gru- imigração; c) identificação biológica de desconhe-
pos sanguíneos permitiriam identificar os homens cidos, onde se insere a identificação em desastres
tão bem como as impressões digitais” (Landsteiner de massa e d) investigação criminal biológica.
et al., 1928). Landsteiner refletiu, assim, sobre a Perspetivam-se, atualmente, outros campos de
possibilidade do uso destes marcadores para fins interesse da investigação forense, como sejam,
forenses, tendo esta descoberta servido de base as investigações históricas e o campo fascinante
para a realização de perícias de investigação da da Arqueologia Forense.
paternidade, até meados dos anos 80. Com base A individualidade biológica constitui, assim,
nestes trabalhos, Landsteiner viria a receber o a base fundamental da perícia de identificação
Prémio Nobel da Medicina, em 1930. biológica e é, atualmente, efetuada através dos
96 PAULO DARIO e HELENA DE SEABRA GEADA

polimorfismos de loci de ADN, nomeadamen- dos Laboratórios Forenses. Os polimorfismos dos


te, STRs autossómicos, STRs do cromossoma Y microssatélites, para além de caracterizarem o
e STRs do cromossoma X. O ADN mitocondrial indivíduo do ponto de vista da sua individualida-
e a introdução do estudo de SNPs na rotina e de biológica, permitem, também, o estudo das
na resolução de casos complexos são outras das populações. Este estudo populacional é de impor-
metodologias utilizadas em Genética Forense. tância fundamental para todas as investigações
Como já referido em capítulos anteriores, na área da Genética Forense, pois as conclusões
os STRs autossómicos encontram-se abundante- destas perícias são efetuadas com base em cál-
mente distribuídos no genoma humano, sendo culos estatísticos, para os quais é necessário o
caracterizados por pequenas repetições em se- conhecimento da genética populacional.
quência, repetições estas essencialmente de 2 a O estudo da genética populacional reves-
7 pares de bases (pb) de comprimento. A maioria tir-se-á, assim, de aspetos essenciais não só no
dos loci STR autossómicos usados na identificação âmbito dos exames periciais, mas, também, no
humana apresenta repetições de 4 pb, e alguns da caracterização dos diversos grupos populacio-
de 5 pb, com alelos compreendidos entre os 100 nais que, atualmente, integram a população de
e os 350 pb. Os STRs tetraméricos e pentamé- indivíduos e/ou amostras presentes aos diversos
ricos utilizados são sistemas com grande poder Laboratórios Forenses.
de discriminação e especificidade para a análise
da variabilidade humana.
Recorre-se, contudo, à utilização de sistemas 2 . ES TA B E L EC I M E N TO DA F I L I AÇ ÃO
multiplex para o estudo destes loci, utilizando
os multiplex PowerPlex® 16 (/HS) System e/ou Segundo o Código Civil Português, de 1977,
AmpFℓSTR® Identifiler® (/Direct/Plus). Estes mul- o estabelecimento da filiação assenta na dife-
tiplex comerciais, para além dos 13 loci do sistema rença entre estabelecimento da maternidade e
CODIS, permitem no seu conjunto o estudo de estabelecimento da paternidade: “O estabele-
outros quatro STRs: D2S1338, D19S433, Penta E cimento da filiação relativamente à mãe, resulta
e Penta D. São estes 17 loci os atualmente mais do próprio facto do nascimento, enquanto a pa-
utilizados nas perícias de Genética Forense, sem ternidade presume-se em relação ao marido da
prejuízo de outros sistemas que os diferentes mãe e, nos casos da filiação fora do casamento,
Laboratórios disponham para a análise de roti- estabelece-se pelo reconhecimento” (art.º 1796º.
na ou de casos complexos, como, por exemplo, - Estabelecimento da filiação).
outros marcadores contidos em diferentes siste- Tanto a maternidade como a paternidade
mas multiplex como o AmpFℓSTR® NGM TM
ou o são factos biológicos que carecem de vínculo ju-
PowerPlex® ES. rídico. Contudo, estes dois factos biológicos têm
O estudo dos loci STR dos diferentes gru- um modo diferente de ser provados. No caso da
pos populacionais constitui um complemento das mãe, a filiação resulta do facto do nascimento,
perícias forenses e, assim, uma das atribuições enquanto para o pai não se pode provar o seu
CAPÍTULO 4. Investigação Biológica de Parentesco 97

envolvimento biológico, como se prova a mater- Segundo o enunciado do art.º 1871º do


nidade (Oliveira, 1983). No estabelecimento da Código Civil, a filiação biológica prova-se, de
paternidade “presume-se que o filho nascido ou modo indireto, pela prova de exclusividade das
concebido na constância do matrimónio da mãe relações sexuais entre o investigado e a mãe do
tem como pai o marido” (art.º 1826º - Presunção investigante, no período legal da conceção, bem
de paternidade). como por meio de presunções legais. A prova por
Existem, contudo, situações, em que o Tribunal presunções faz-se através da prova dos factos
ordena um exame de investigação de paternidade como tal legalmente considerados.
para verificar se é ou não possível, excluir o mari- Mas o Assento nº 4/83 refere os dois factos
do da mãe, da paternidade biológica da criança. constitutivos da paternidade biológica: a) a exis-
Mas as situações mais comuns que levam a uma tência de relações sexuais entre a mãe do investi-
averiguação da paternidade são aquelas nas quais gante e o pretenso pai durante o período legal da
a mulher atribui a paternidade do seu filho a um conceção; b) a fidelidade da mãe do investigante
indivíduo a quem, à face da lei, não é aplicável tal ao pretenso pai durante o mesmo período. Caso
presunção. Este facto passa-se em relação à mulher se averigue, por exemplo, que a mãe do menor
solteira, casada ou viúva, pois segundo o Código manteve relações sexuais com dois indivíduos, os
Civil, “o reconhecimento do filho nascido ou conce- exames de sangue serão muito úteis e necessários,
bido fora do matrimónio efetua-se por perfilhação pois um dos indivíduos será necessariamente ex-
ou decisão judicial em ação de investigação” (art.º cluído, enquanto o outro apresentará um elevado
1847º - Formas de reconhecimento). grau de probabilidade de paternidade. Como se
Conclui-se que deve ser declarado pai do verifica, para os exames de investigação de pater-
indivíduo nascido ou concebido fora do casa- nidade é irrelevante a prova da fidelidade da mãe.
mento, quem for o seu pai biológico. Quanto Esta prova não se revela necessária para a obtenção
à paternidade desconhecida, “sempre que seja de um resultado concreto, quer seja de exclusão,
lavrado registo de nascimento de menor apenas quer seja de não exclusão (Geada et al., 1990-91).
com a maternidade estabelecida, deve o funcio- Nos casos de possível ocorrência de relações
nário remeter ao Tribunal certidão integral do sexuais com mais de um indivíduo, os exames de
registo, a fim de se averiguar oficiosamente a sangue terão, como referido, uma função útil a
identidade do pai” (art.º. 1864º - Paternidade desempenhar, pois a conclusão relativamente à
desconhecida). paternidade não será determinada pelo exame
Com a reforma de 1977 do Código Civil, que acuse o maior grau de probabilidade, mas
desapareceram os entraves à investigação de pa- sim pela exclusão dos indivíduos falsamente im-
ternidade, que passou a ser livremente admitida. plicados, caso estes se apresentem a exame, e a
Segundo o art.º 1801º - “nas acções de filiação obtenção de um valor de probabilidade de pater-
são admitidos como meios de prova os exames nidade elevado para o indivíduo não excluído, não
de sangue ou quaisquer outros métodos cienti- se admitindo valores relativos de probabilidade
ficamente comprovados”. de paternidade.
98 PAULO DARIO e HELENA DE SEABRA GEADA

Como refere o Acórdão do Supremo Tribunal Médico-Legais, que procedem à colheita e envio
de Justiça de 26 de Junho de 1991, “os exames de das amostras à respetiva Delegação, como mais
sangue não constituem uma presunção de paterni- adiante será explicitado.
dade, pois tendem à prova directa da paternidade Outra das situações que começa a ter grande
biológica”. A não exigência deste tipo de provas relevância na nossa Sociedade, refere os pedidos
em todas as ações de investigação de paternidade efetuados particularmente, quer no âmbito da
pode levar a que muitas dessas ações não sejam investigação de paternidade e/ou de maternidade,
conclusivas, por não se apresentar uma prova quer no estabelecimento de parentesco bioló-
tão específica como a prova científica (Geada et gico. Estes casos, solicitados ao Presidente da
al., 1990-91). Instituição, sedeada em Coimbra, são devidamen-
te encaminhados para o Gabinete de Assessoria
Jurídica, que fará a apreciação da matéria de facto,
3 . I N V ES T I G AÇ ÃO G E N É T I C A sendo, em seguida, enviados para a Delegação
D E PA R E N T ESCO mais próxima da residência dos requerentes, para
a realização do exame pericial.
As investigações de paternidade fora de um
Os estudos de investigação genética de pa- processo judicial, principalmente quando reali-
rentesco baseiam-se, essencialmente, em estudos zadas por laboratórios privados, devem ter em
de investigações de paternidade, investigações consideração o Parecer da Comissão de Bioética
de maternidade, estudo de pretensos irmãos, es- da Sociedade Portuguesa de Genética Humana
tudo com pretensos avós paternos, assim como (SPGH), de 4 de Outubro de 2010, sobre “Normas
estudos envolvendo outros familiares. Estes casos de bioética e questões jurídicas na realização de
podem, muitas vezes, configurar situações com- testes de paternidade fora de um processo judicial
plexas e especiais de estabelecimento biológico em Portugal”, até à implementação de um diplo-
de parentesco. ma legal, que enquadre este tipo de investigações
Os casos mais comuns, solicitados aos no ordenamento jurídico português (Santos et
Laboratórios de Genética Forense, configuram al., 2010).
investigações de paternidade efetuadas com a pre-
sença do trio pretenso pai/mãe/filho(a), embora 3.1 INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
estes estudos possam ser realizados na ausência
do pretenso pai (p.pai), recorrendo a familiares Como referido anteriormente, o objetivo da
da linha paterna. investigação de paternidade é o de determinar se o
Este tipo de investigação pode ser solicitada pretenso pai em questão é ou não excluído da pater-
pelos Tribunais e pelas Forças de Segurança (PJ, nidade do investigante. Com esse fim, estudam-se
PSP e GNR), diretamente ao Diretor da respeti- os vários sistemas de marcadores genéticos (STRs),
va Delegação do Instituto Nacional de Medicina que conferem, nos casos mais comuns de investiga-
Legal, ou aos Coordenadores dos Gabinetes ção de paternidade, ao trio p.pai/mãe/filho(a), uma
CAPÍTULO 4. Investigação Biológica de Parentesco 99

individualidade biológica determinada pelo perfil Na Tabela I, exemplificam-se os perfis gené-


genético dos intervenientes no processo. ticos correspondentes a um caso de investigação
de paternidade, sendo que o pretenso pai pos-
3.1.1 Investigação de paternidade sui as características genéticas que deveriam ser
do trio p.pai/mãe/filho(a) transmitidas, pois possui os alelos que a mãe não
transmite ao filho. Esta situação configura uma
Nas situações mais comuns de investigação condição de não exclusão de paternidade.
de paternidade, as quais configuram mais de Quando não existem incompatibilidades ge-
80% das investigações de parentesco e que se néticas nos 17 sistemas estudados, como no caso
baseiam no estudo dos três intervenientes, p.pai/ presente, são efetuados cálculos estatísticos, de
mãe/filho(a) sendo o par mãe/filho considerado modo a determinar o índice de paternidade e a
um par biológico verdadeiro, determinam-se os probabilidade de paternidade que o pretenso pai
alelos que devem ser, obrigatoriamente, transmi- tem de ser o pai biológico do investigante. Este
tidos pelo pai biológico (Tabela I). cálculo atribui ao pretenso pai um valor estatístico,
tendo em consideração a genética populacional
Tabela I – Perfis genéticos dos intervenientes numa inves- a que pertence o indivíduo em estudo.
tigação biológica de paternidade com estudo do trio p.pai/
Nos casos mais comuns, os cálculos esta-
mãe/filho(a).
tísticos são efetuados considerando ausência de
parentesco biológico — como pai, filho ou irmão,
Locus p.pai mãe filho
entre o pretenso pai indigitado e o pai biológico,
D3S1358 16 15,18 15,16
uma vez que, a acontecer a existência de paren-
TH01 9,9.3 8,9 8,9
tesco biológico, esta situação terá implicações
D21S11 29,31.2 28,30 28,29
nos resultados obtidos e, por conseguinte, deve
D18S51 12,14 14 12,14
ser tida em consideração aquando dos cálculos.
PentaE 10,11 11,16 10,16
D5S818 12 11,12 11,12
3.1.2 Investigação de paternidade
D13S317 11,13 12 11,12
com dois pretensos pais
D7S820 7,9 8,10 7,10
D16S539 13,14 11,12 12,14
Num processo com dois pretensos pais,
CSF1PO 11,12 11,12 11
esta investigação efetua-se sempre recorrendo
PentaD 11,12 11,14 11,14
ao estudo comparativo dos perfis genéticos dos
vWA 14,17 17,18 17
trios em questão: p.pai1/mãe/filho(a) e p.pai2/
D8S1179 11,16 10 10,11
mãe/filho(a), ver Tabela II. Do mesmo modo,
TPOX 8,11 8,11 8,11
em todos os casos de investigação de paterni-
FIBRA 20,24 21,23 20,23
dade com diversos pretensos pais, a base de
D2S1338 17,18 18,23 17,18
estudo será, sempre que possível, o trio p.pai/
D19S433 12,13 14,16 12,14
mãe/filho(a).
100 PAULO DARIO e HELENA DE SEABRA GEADA

Tabela II – Perfis genéticos dos intervenientes numa investigação biológica de paternidade com dois pretensos pais (p.pai1 e p.pai2).

Locus p.pai1 mãe filho p.pai2 Observação


D3S1358 15,18 14,16 15,16 14,16 Incomp.
TH01 6,9 7,8 6,7 7,8 Incomp.
D21S11 29,30 28,32.2 28,29 30,32.2 Incomp.
D18S51 16 17,18 16,17 15,17 Incomp.
PentaE 12,17 11,14 12,14 11,13 Incomp.
D5S818 11,13 9,13 11,13 11,12
D13S317 11 12,13 11,12 11,12
D7S820 11,12 10,11 10,11 8,10
D16S539 9,10 10,11 9,10 10,11 Incomp.
CSF1PO 10,11 10,12 11,12 7,11
PentaD 8,9 9,11 8,9 8,11
vWA 15,17 18,19 15,18 15,16
D8S1179 15,16 12,16 12,16 12,15
TPOX 8 9,10 8,9 11 Incomp.
FIBRA 23,25 23,24 23,24 18,27 Incomp.
D2S1338 17,25 19,21 19,25 19,23 Incomp.
D19S433 13,15.2 14,14.2 14,15.2 14,15 Incomp.

O pretenso pai 1 não apresenta qualquer 3.2 CÁLCULOS ESTATÍSTICOS


incompatibilidade genética nos 17 loci STR es- EM INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
tudados, configurando uma situação de não
exclusão de paternidade. No caso de existirem Para a investigação biológica de paternidade,
incompatibilidades genéticas entre o pretenso pai em casos compostos pelo trio p.pai/mãe/filho(a)
e o investigante, o pretenso pai será excluído da deve ser determinado o índice de paternidade (IP),
paternidade em questão, quando se detetarem sendo para isso usada a análise de verosimilhança
três ou mais incompatibilidades genéticas. No LR (do ing. likelihood ratio), entre a probabilidade
caso do pretenso pai 2, em que foram detetadas do pretenso pai ser o pai biológico do(a) filho(a)
dez incompatibilidades genéticas nos 17 sistemas (H0) e a probabilidade do pai biológico ser um
estudados, este indivíduo fica excluído da pater- indivíduo ao acaso da população (H1). Para cada
nidade em investigação. uma das situações anteriores, parte-se de uma
CAPÍTULO 4. Investigação Biológica de Parentesco 101

probabilidade a priori de 0,5, uma vez que não p.pai1 mãe filho(a)
dispomos de informação sobre qual das duas con- 6,9.3 9.3,9.3 9.3,9.3
dições tem maior probabilidade de ser verdadeira ______________________________________
(Gjertson et al., 2007). Valor de X = 0,5
O índice de paternidade é calculado pela Valor de Y = frequência alelo 9.3
seguinte forma: IP = X/Y = H0/ H1, em que X=H0, na população = 0,2642
sendo H0 a probabilidade do p.pai ser pai biológi- IP = X/Y= 0,5/0,2642 =1,8925
co do filho(a)) e Y=H1, sendo H1 a probabilidade P = X /( X+Y) =0,6542 (65,42%)
de um indivíduo ao acaso na população ser pai ______________________________________
biológico do filho(a).
Assim, considera-se que X é o produto das No caso do estudo dos 17 sistemas, os valo-
probabilidades que o pretenso pai tem de trans- res de X e de Y correspondem ao produto dos va-
mitir os alelos partilhados ao filho, e Y o produ- lores obtidos para os diversos loci. Assim, com os
to das probabilidades de um indivíduo ao acaso 17 loci dos AmpFℓSTR® Identifiler® (/Direct/Plus)
da população, transmitir, ao filho em análise, os e PowerPlex® 16 (/HS) System, utilizados na maio-
alelos paternos, sendo o valor de Y dado pelo ria dos Laboratórios Forenses, os valores de IP ob-
estudo populacional das frequências alélicas dos tidos são, normalmente, superiores a 1.000.000,
vários loci. o que corresponde a valores de W superiores a
Outro parâmetro, normalmente calculado, 99,9999%, podendo ocorrer valores para IP da
é a probabilidade de paternidade (W, derivado ordem de 10.000.000.000.000 e correspondentes
da palavra alemã Wahrscheinlichkeit que sig- W da ordem de 99,99999999999%.
nifica probabilidade) que, apesar de não ser Podem considerar-se, normalmente, como
o mais correto do ponto de vista científico, limites mínimos, respetivamente, valores de IP
pode fornecer uma mais fácil perceção para = 1.000.000 e de W = 99,9999%, para as in-
o destinatário final dos resultados, acerca da vestigações de paternidade efetuadas através do
possibilidade do pretenso pai ser ou não o pai estudo do trio p.pai/mãe/filho(a), considerando
biológico do filho. os 17 loci STR e a população habitualmente em
O índice de paternidade e a probabilidade de estudo no Laboratório.
paternidade W = X / (X+Y) são valores facilmente
interconvertíveis, do ponto de vista matemático. 3.3 INCOMPATIBILIDADES GENÉTICAS
Como se compreenderá, os valores do índice de
probabilidade ou da probabilidade de paternida-
de irão depender dos loci estudados e do grupo Numa investigação de paternidade, obtendo-
populacional em análise. -se diversas incompatibilidades genéticas (3, 4,
5 ou mais) entre p.pai/filho(a) num estudo com
Considerando o exemplo do locus TH01, em 17 loci STR, considera-se que o pretenso pai está
que o pretenso pai transmite o alelo 9.3 ao filho: excluído da paternidade em questão.
102 PAULO DARIO e HELENA DE SEABRA GEADA

Mas o que considerar num caso em que Tabela III. Exemplos de incompatibilidades genéticas obtidas
em três casos de investigação de paternidade.
se deteta somente uma incompatibilidade entre
o pretenso pai e um filho, num estudo com
Mutação
17 STRs? Caso # p.pai1 mãe filho
no locus
Em investigação biológica de paternidade,
1 vWA 17,17 15,17 15,16
os STRs utilizados devem ter uma baixa taxa de
2 D16S539 11,13 9,13 9,12
mutação, como já referido em capítulos anterio-
3 FGA 19,22 23,25 23,25
res. Contudo, observam-se mutações em, prati-
camente, todos os loci STR de interesse forense,
as quais devem ser equacionadas na resolução Da análise destes três casos destacam-se os
de algumas situações particulares. seguintes aspetos:
Podem ser obtidos vários tipos de mu-
tações, seja por inserção de uma unidade de a) A incompatibilidade genética apresentada
repetição, por deleção de uma unidade de re- em vWA pode ser devida a uma mutação
petição ou por substituição pontual de uma p.pai/filho, por deleção de uma unidade
base. As mutações por inserção ou deleção de repetição do locus, sendo que o alelo
encontram-se localizadas na zona de repetição 17 passou a alelo 16 durante o processo
da estrutura dos STRs, enquanto que a mutação de meiose. A mãe transmitiu o alelo 15
por substituição pontual é detetada, com maior ao filho. Na Tabela IV, apresenta-se uma
frequência, quando ocorre na zona de ligação incompatibilidade genética por inserção
dos primers. de uma unidade de repetição em D7S820
Uma mutação ao nível da região de re- (p.pai alelo8/filho alelo9).
petição tem como consequência a observação b) No locus D16S539, sendo o pretenso pai
de uma incompatibilidade mãe/filho ou p.pai/ 11,13 e o filho 9,12, ocorreu uma das se-
filho, que se traduz numa alteração do número guintes situações — inserção de uma uni-
de repetições do alelo, sendo mais frequen- dade de repetição do alelo 11 resultando o
te a inserção ou deleção de uma unidade de alelo 12; ou uma deleção de uma unidade
repetição. Contudo, inserções ou deleções de de repetição do alelo 13 passando a alelo
2 unidades de repetição têm, também, sido 12, não sendo possível saber, ao certo,
detetadas, em casos de não exclusão de pa- qual destas situações ocorreu na realidade.
ternidade. A mãe transmitiu o alelo 9 ao filho.
Na Tabela III, verificam-se três exemplos de c) No caso do locus FGA, a mãe pode trans-
incompatibilidades genéticas obtidas num único mitir o alelo 23 ou o alelo 25, sendo mais
locus (vWA, D16S539 ou FGA), detetadas aquan- provável que tenha transmitido o alelo
do das respetivas investigações de paternidade, 25, existindo a possibilidade de inserção
com o estudo dos 17 loci STR utilizados na rotina de uma unidade de repetição do alelo 22
laboratorial. para alelo 23 no caso paterno.
CAPÍTULO 4. Investigação Biológica de Parentesco 103

Tabela IV. Investigação de paternidade com 17 loci STR e paternas efetuado na população portuguesa.
deteção de uma incompatibilidade genética em D7S820.
A taxa de mutação num determinado loci é
dada pela razão entre o número de mutações
Locus p.pai1 mãe filho Observação
obtidas nesse loci e o número de meioses es-
D3S1358 15,16 15,18 16,18
tudadas. Por outro lado, detetou-se que a taxa
TH01 6,9.3 8,9.3 9.3
de mutação paterna é 10 vezes superior à taxa
D21S11 28,33.2 29,31.2 28,31.2
de mutação materna.
D18S51 19,20 16,18 18,19
PentaE 10,12 12,13 12
Deve salientar-se a possibilidade de ocor-
D5S818 12 10,11 10,12
rência simultânea de duas incompatibilidades
D13S317 11,13 11,12 11,13
genéticas em casos de não-exclusão, atendendo
D7S820 8,10 11,12 9,11 Incomp.
aos 17 loci STR estudados. No entanto, estas
D16S539 9,14 11,12 12,14
incompatibilidades devem ser compatíveis com
CSF1PO 12,13 10,11 10,12
valores de probabilidade de paternidade su-
PentaD 9,14 9,11 9,14
periores a 99,99% e índices de paternidade
vWA 16,17 17,20 17,20
superiores a 10.000, quando equacionadas as
D8S1179 12,14 10,11 10,14
respetivas taxas de mutação nos cálculos es-
TPOX 8,9 9,10 8,10
tatísticos.
FIBRA 18,21 22,26 21,26
Para além de inserções e deleções, podem,
D2S1338 23,24 17,19 19,23
também, ocorrer substituições pontuais ao nível
D19S433 14,14.2 13,14 13,14  
do ADN, localizando-se, mais frequentemente,
na zona de ligação dos primers. Esta caracte-
Em todas estas situações foram obtidos ín- rística pode ter como consequência a não de-
dices de paternidade superiores a 100.000.000, teção de um determinado alelo, por alteração
considerando os restantes 16 loci STR, nos quais da sequência desta zona de ligação, de modo
não se detetaram incompatibilidades. Os cálculos a não ser possível ligar o primer à sequência
estatísticos finais efetuados em investigações de a amplificar.
paternidade com a deteção de uma incompati- Este facto é particularmente determinante no
bilidade genética entre p.pai/filho, são realiza- estudo do locus vWA com a utilização de primers
dos tendo em consideração a taxa de mutação de diferentes marcas comerciais.
do locus em que se deteta a incompatibilidade,
sendo este valor determinado a priori através de Como se pode observar na Figura 1, a uti-
estudos populacionais. lização de diferentes sistemas multiplex pode
As taxas de mutação dos vários microssa- conduzir à deteção de diferentes genótipos. Esta
télites estudados variam, sendo que a taxa de situação, embora rara, deve ser tida em consi-
mutação paterna média é da ordem de 0,341%, deração na interpretação dos casos na prática
considerando o estudo das meioses maternas e forense.
104 PAULO DARIO e HELENA DE SEABRA GEADA

Figura 1. Diferentes genótipos de vWA obtidos com diferentes sistemas multiplex.

Para avaliar esta situação deve ser efetuado 3.4 INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
o estudo da sequência do locus na zona de liga- EM CASOS COM IRMÃOS
ção do primer, verificando-se uma substituição
pontual da sequência normal desta zona, o que Atualmente, em cerca de 2% dos casos
não permite a ligação do primer nas condições de investigação de paternidade, é solicitado o
normais de amplificação, e, desse modo, não é estudo da paternidade de 2 ou mais irmãos.
amplificado um dos alelos, utilizando o multiplex A generalidade destes casos é efetuada com base
SGM Plus®, como exemplificado para as amostras nos respetivos trios — p.pai/mãe/irmão1 e p.pai/
indicadas na Figura 1. mãe2/irmã2, como se reflete na Figura 2.
O estudo da sequenciação dos loci de ADN e
das mutações ao nível destes loci, necessário para Após a análise dos perfis genéticos, e con-
uma pormenorizada interpretação das perícias, siderando a mãe como mãe biológica, estes pro-
constitui uma das atribuições dos Laboratórios de cessos podem conduzir a três tipos de conclusões:
Genética Forense. Na introdução de novas metodolo- 1) não exclusão do pretenso pai da paternidade
gias e de novos loci de ADN, estes estudos prefiguram dos dois irmãos; 2) exclusão da paternidade de um
um dos campos de maior interesse no entrecruzar dos irmãos e não exclusão do outro; 3) exclusão
da Genética Forense e da Genética Populacional. do pretenso pai da paternidade dos dois irmãos.
CAPÍTULO 4. Investigação Biológica de Parentesco 105

Figura 2. Investigação de paternidade em casos de estudo Figura 3. Investigação de paternidade de gémeos – não
de 2 irmãos recorrendo ao estudo dos respetivos trios. exclusão versus exclusão.

Como caso particular do estudo de irmãos, diferentes, os gémeos podem ser heteropaternos,
o estudo de gémeos representa cerca de 0,25% isto é, têm pais biológicos diferentes, situações,
da casuística total. No caso de gémeos dizigóticos que embora raras, são detetadas no decurso das
(Dz), de sexo diferente, ou gémeos monozigóti- investigações de paternidade.
cos (Mz), do mesmo sexo e normalmente com o O perfil genético de gémeos heteropaternos
mesmo perfil genético, a análise genética condu- encontra-se exemplificado no estudo de três loci
zirá a dois tipos de conclusões: 1) não exclusão STR, sendo que o pretenso pai 1 se encontra
da paternidade; 2) exclusão da paternidade dos excluído da paternidade em relação ao gémeo 2
gémeos, como indicado na Figura 3. e não excluído em relação ao gémeo 1, estando
representados a negrito os alelos que o pai bio-
Mas nestes casos, pode também configurar- lógico deveria transmitir ao gémeo 2 (Tabela V).
-se uma terceira situação: não exclusão do pre-
tenso pai da paternidade de um dos gémeos, Tabela V. Investigação de paternidade de gémeos heteropa-
ternos, sendo que o pretenso pai 1 está excluído da paterni-
mas exclusão da paternidade em relação ao outro
dade do gémeo 2 e não excluído em relação ao gémeo 1.
gémeo. Estas situações especiais de gémeos dizi-
Locus p.pai1 gémeo1 gémeo2 mãe
góticos, podem resultar de relações sexuais, du-
rante um ciclo poliovulatório de superfecundação TH01 6,7 6,7 6,9.3 6,7

— se ocorrem com o mesmo indivíduo, os gémeos vWA 15,17 15,16 16,16 16,16

são homopaternos; se ocorrerem com indivíduos SE33 22,31.2 17,31.2 17,19 13.2,17
106 PAULO DARIO e HELENA DE SEABRA GEADA

Do mesmo modo, em relação ao pretenso 6% do total das investigações de paternidade,


pai 2 (Tabela VI), verifica-se que este se encontra efetua-se, de igual modo, o perfil genético dos
excluído da paternidade do gémeo 1 e não excluí- intervenientes com 17 loci STR.
do em relação ao gémeo 2, embora apresente, Na Tabela VII, exemplifica-se um caso de
no locus SE33, uma mutação por deleção de 1 investigação de paternidade na ausência de mãe,
unidade de repetição (alelo 20 / alelo 19). estando, representados a negrito, os alelos que
podem ser partilhados entre o pretenso pai e o
Tabela VI. Investigação de paternidade de gémeos filho, verificando-se, pelo menos, a partilha de um
heteropaternos, sendo que o pretenso pai 2 está
alelo, podendo, no entanto, ser partilhados os dois
excluído da paternidade do gémeo 1 e não excluído
em relação ao gémeo 2. alelos, como nos loci D7S820, vWA e D19S433.

Locus p.pai2 gémeo1 gémeo2 mãe Tabela VII. Investigação de paternidade na ausência de mãe.
TH01 9,9.3 6,7 6,9.3 6,7
vWA 16,17 15,16 16,16 16,16 Locus p.pai mãe filho
SE33 20,23.2 17,31.2 17,19 13.2,17 D3S1358 15,17 16,17
TH01 19 15,19
D21S11 11 8,11
Este estudo foi efetuado em colaboração
D18S51 17,26 17,20
com o Instituto de Medicina Legal de Munster,
PentaE 12 12,13
que veio a confirmar a mutação do alelo 20 para
D5S818 29,30.2 29
alelo 19, através da sequenciação do locus SE33,
D13S317 11,12 12,18
detetando-se, também, um maior número de ex-
D7S820 15 15
clusões com o estudo de outros loci STR — 10
D16S539 6,7 6,9
exclusões no par p.pai1/gémeo2 e 8 exclusões no
CSF1PO 21,24 21
par p.pai2/gémeo1 (Geada et al., 2001). A proba-
PentaD 11,13 11,14
bilidade de paternidade foi superior a 99,99999%
vWA 11,13 11,13
(IP> 10.000.000) para cada par de não exclusão,
D8S1179 10,11 10,12
o que confirma a hipótese de gémeos heteropa-
TPOX 8,9 9,11
ternos — p.pai1/gémeo1 e p.pai2/gémeo2.
FIBRA 12,13 10,12
D2S1338 15 10,15
3.5 INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
D19S433 11,12 11,12
EM CASOS COM AUSÊNCIA DE MÃE

Na rotina forense, são, também, solicita- Por vezes, é necessário aumentar o número
dos processos de investigação de paternidade de loci a incluir neste tipo de perícias, pois estes
em casos com ausência de mãe, quer por esta se casos, considerados como incompletos por au-
encontrar em parte incerta, quer por ter falecido. sência de um dos intervenientes, podem necessi-
Nestes processos, que, atualmente, configuram tar de um estudo mais aprofundado, devido aos
CAPÍTULO 4. Investigação Biológica de Parentesco 107

problemas de incompatibilidades genéticas que não de incompatibilidades genéticas nos diversos


possam surgir. loci. Nestes casos, podem também ser estuda-
De salientar que este tipo de perícias de dos outros marcadores genéticos, essencialmente,
investigação de paternidade, só deve ser reali- ADN mitocondrial e X-STRs.
zado, na ausência de mãe, em situações lineares Relativamente ao cálculo estatístico do índice
de parentesco, isto é, situações em que não de maternidade ou da probabilidade de mater-
esteja subjacente qualquer hipótese de impli- nidade pode, também, ser efetuado através de
cação de outro familiar materno ou paterno, fórmulas matemáticas específicas, ou através de
respetivamente, como mãe ou como pretenso software informático específico.
pai, o que pode ocorrer, por exemplo, nos casos
de imigração. 3.7 INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
Nestes casos será necessário um estudo fa- NA AUSÊNCIA DO PRETENSO PAI
miliar mais alargado, se possível, ou o estudo de
um maior número de marcadores STRs, assim A investigação de paternidade na ausência
como a inclusão de outro tipo de marcadores do pretenso pai, que configura cerca de 5%
genéticos, como Y-STRs, X-STRs, ADN mitocon- do total das investigações de paternidade, é
drial ou SNPs autossómicos, consoante o caso efetuada através do estudo dos familiares do
em investigação. pretenso pai (Figura 4), recorrendo, frequente-
Relativamente ao cálculo estatístico do índice mente, ao estudo dos pretensos avós paternos,
de paternidade ou da probabilidade de pater- de outros filhos do pretenso pai ou de irmãos do
nidade, estes podem ser calculados através de pretenso pai. O cálculo estatístico será efetua-
fórmulas matemáticas específicas para estes casos, do recorrendo a software específico, a analisar
ou efetuados através de um programa informático posteriormente.
específico, como adiante será referido.
Figura 4. Investigação de paternidade na ausência do
pretenso pai, representado por X, e recorrendo ao estudo de
3.6 INVESTIGAÇÃO DE MATERNIDADE
familiares paternos.

Na casuística de qualquer Laboratório de


Genética Forense, são solicitados casos de in-
vestigação de maternidade, que, no essencial,
são estudados do mesmo modo que os casos de
investigação de paternidade na ausência de mãe,
e que são abordados, em pormenor, no capítulo
de Identificação Biológica.
Resumidamente, serão determinados os
perfis genéticos dos indivíduos em questão, em
relação aos 17 loci STR, e verificada a existência ou
108 PAULO DARIO e HELENA DE SEABRA GEADA

Figura 5 – Investigação de paternidade de pretensos irmãos Figura 6. Investigação de paternidade de pretensos irmãos
consanguíneos, na ausência do pretenso pai biológico. consanguíneos, na ausência do pretenso pai biológico,
recorrendo ao estudo de pretensos familiares paternos.

3.7.1 Estudo de pretensos irmãos definidos, com maior precisão, com o estudo
consanguíneos concomitante dos perfis genéticos mãe/filho, e
posterior comparação dos alelos não partilhados.
Uma das situações frequentemente solicita- Na Figura 6, encontra-se exemplificado outro
das à Genética Forense, na ausência do pretenso caso de investigação de paternidade de pretensos
pai, prende-se com a hipótese de dois indivíduos irmãos consanguíneos, estando implicados outros
poderem ser irmãos consanguíneos, isto é, filhos familiares paternos, na ausência do pretenso pai,
do mesmo pai, mas de diferentes mães (Figura 5). de modo a ser possível determinar se o pretenso
pai ausente, pode ou não ser o pai biológico do
Em casos de filhos de sexo masculino, para filho assinalado na figura.
além do estudo de STRs autossómicos, pode ser
efetuado o estudo de Y-STRs, de modo a determi- Este estudo pode ser realizado pela deter-
nar se aqueles pertencem ou não à mesma linha minação dos perfis genéticos de todos os im-
paterna. No entanto, somente através dos STRs plicados para comparação, como os três filhos
autossómicos é possível, na realidade, saber se biológicos do indivíduo ausente e a mãe destes,
os dois indivíduos, em estudo, são ou não irmãos ou no caso de não ser possível ter acesso a todos
consanguíneos. os familiares, pode, por exemplo, ser realizado
De salientar que estes estudos podem, tam- somente com os pretensos irmãos, ou com um
bém, ser efetuados na ausência das respetivas dos pretensos irmãos e a respetiva mãe.
mães, embora a determinação dos alelos que Compreende-se, contudo, que quanto maior
devem ser transmitidos pelo pai biológico sejam o número de familiares diretos para estudo genético,
CAPÍTULO 4. Investigação Biológica de Parentesco 109

Figura 7. Estudo de pretensos irmãos, sem hipótese de com- Figura 8. Investigação de paternidade somente de um dos
paração com outros familiares. filhos, na ausência do pretenso pai.

maior será a probabilidade de paternidade que na Figura 8, em que se pretende averiguar a pa-
pode ser obtida em casos incompletos, isto é, nos ternidade somente de um dos filhos, sendo que
quais não é possível ter os perfis genéticos dos o pretenso pai se encontra ausente.
respetivos trios p.pai/mãe/filho(a) para estudo.
Mas uma investigação relativa a dois preten- Encontrando-se estabelecida a maternidade
sos irmãos pode também ser efetuada recorrendo, dos dois filhos e a paternidade de um deles (neste
somente, aos dois indivíduos para comparação caso da filha), pretende-se averiguar se o filho, em
(Figura 7). Diversos casos, nestas condições, são questão, pode ou não ter o mesmo pai biológico.
solicitados aos Laboratórios, como, por exemplo, Estes casos podem apresentar, consoante o perfil
o estudo de dois pretensos meios-irmãos adultos, genético dos intervenientes, probabilidades da
sem hipótese de recurso a outros familiares, já ordem de 99,999995% dos dois indivíduos terem
falecidos, com o objetivo de averiguar a possibili- o mesmo pai biológico, podendo ser considerados
dade de terem o mesmo pai, como meio de prova como irmãos germanos (verdadeiros).
a apresentar em ação judicial de reconhecimento Podem, também, ser solicitadas investiga-
de paternidade. ções relativas a problemas do foro da imigra-
ção, como, por exemplo, no pedido efetuado
3.7.2 Estudo de pretensos irmãos germanos em relação a dois indivíduos de etnia africana,
da hipótese de estes poderem ou não ser irmãos
Mas os casos mais solicitados aos Laboratórios germanos. Efetuado o estudo dos respetivos per-
de Genética Forense, na ausência do pretenso pai, fis genéticos, e através do software específico
prendem-se com as situações como a exemplificada para o estudo de relações de parentesco, foram
110 PAULO DARIO e HELENA DE SEABRA GEADA

Figura 9. Investigação de paternidade na ausência do pretenso pai biológico e com possibilidade de estudo dos pretensos avós paternos.

introduzidas as hipóteses de irmandade / ausên- De salientar que em vários loci, podem ser
cia de relação de parentesco, verificando-se, para detetados os dois alelos nos pretensos avós: por
este caso, uma probabilidade de paternidade exemplo, no locus D5S818, a mãe pode passar à
superior a 99,9% de os dois indivíduos serem filha o alelo 12 ou o alelo 13, sendo que ambos
irmãos verdadeiros. estes alelos se encontram presentes nos perfis
dos pretensos avós. O mesmo acontece com
3.7.3 Estudo de pretensos avós paternos o locus D7S820. Ao nível do Fibra (FGA), em
que o par mãe/filha apresenta o perfil 19,21,
Um dos tipos de processos mais solicitados não se sabendo qual destes alelos será trans-
no caso da ausência do pretenso pai, refere-se mitido pela mãe, verifica-se que a pretensa avó
ao estudo de pretensos avós paternos e/ou de paterna apresenta o alelo 21, não havendo,
pretensos tios paternos, que configuram cerca de portanto qualquer tipo de incompatibilidade
70% das investigações de paternidade na ausência neste estudo. Efetuado o cálculo estatístico
de pretenso pai. correspondente, obteve-se, em relação à filha,
Nos casos de estudo dos pretensos avós uma probabilidade de paternidade de 99,82%,
paternos, será estudada a probabilidade de um considerando, como pretenso pai, um indivíduo
filho dos pretensos avós paternos poder ser o pai filho dos pretensos avós.
biológico do indivíduo em investigação. Verifica-se Os perfis genéticos são efetuados, normal-
na Figura 9, que os alelos não partilhados com a mente através do estudo de STRs autossómicos,
mãe, são detetados nos perfis genéticos do pre- podendo ser complementados com STRs do cro-
tenso avô paterno e/ou da pretensa avó paterna. mossoma Y, no caso do indivíduo em estudo ser
CAPÍTULO 4. Investigação Biológica de Parentesco 111

Figura 10. Investigação de paternidade, na ausência do pretenso pai biológico, mas com possibilidade de estudo do pretenso avô
paterno e de uma irmã do pretenso pai.

do sexo masculino, ou STRs do cromossoma X, si, uma situação de incompatibilidade genética,


no caso de ser do sexo feminino. pois este tipo de investigação não é efetuado num
Do mesmo modo, outras investigações com trio, mas sim num caso incompleto de parentesco.
pretensos familiares paternos, e na ausência do O cálculo estatístico da probabilidade de
pretenso pai, podem ser efetuadas, como exem- paternidade, em relação à menor, de um indivíduo
plificado na Figura 10, com recurso ao estudo filho de 1 (pretenso avô) e irmão de 2 (pretensa
do pretenso avô paterno e à irmã do pretenso tia paterna) é de 99,75%, cálculo efetuado através
pai. Considerando o par mãe/filha como um par de um programa estatístico de estabelecimento
verdadeiro, todos os alelos não partilhados com de parentesco.
a mãe, são provenientes do pai biológico.
Na maioria dos loci, os alelos não partilhados
são detetados no pretenso avô ou na irmã do 4 . FA M Í L I A S – SO F T WA R E
pretenso pai, alelos que neste caso foram trans- ES TAT Í S T I CO PA R A R E L AÇÕ ES
mitidos pela pretensa avó paterna. Em loci, como D E PA R E N T ESCO
D21S11 e D5S818, não se observaram nenhum
dos alelos que, necessariamente, são transmitidos Diversos programas informáticos são utiliza-
pelo pai biológico — alelo 30.2 no locus D21S11 e dos nos Laboratórios Forenses, quer para o estudo
alelos 11,12 no locus D5S818, sendo que estes ale- estatístico das relações de parentesco, quer para
los devem ter sido transmitidos pela pretensa avó. os cálculos estatísticos nos casos de identificação.
Apesar de não serem observados todos os De entre estes programas, o programa Familias,
alelos da filha, esta situação não configura, por desenvolvido por Petter Mostad e Thore Egeland
112 PAULO DARIO e HELENA DE SEABRA GEADA

Figura 11. Árvore genética para estudo da relação de parentesco.

do Centro Computacional Norueguês, em coope- Familias indicará qual o pedigree mais provável,
ração com Bjørnar Olaisen, Margurethe Stenersen e qual a sua probabilidade de ocorrência, em
e Bente Mevåg do Instituto de Medicina Forense comparação com os outros pedigrees.
de Oslo, tem sido um dos mais utilizados, ao nível O caso mais simples de estudo será, efeti-
dos Laboratórios Forenses, para a determinação vamente, o estudo de um trio p.pai/mãe/filho(a),
dos cálculos de paternidade em casos incompletos de modo a determinar se o indivíduo é ou não o
e/ou complexos, nos quais se podem incluir os pai biológico do filho/a. O programa irá calcular
casos com incompatibilidades genéticas (Egeland a hipótese do pretenso pai ser na realidade o pai
et al., 2000). biológico, através do estudo dos perfis genéticos e
Este software é usado, por exemplo, para o introdução destes no programa informático. Nestes
cálculo das probabilidades no caso de se conhecer casos, haverá duas hipóteses alternativas, isto é,
o perfil genético dos intervenientes, pretenden- dois pedigrees alternativos — o indivíduo é o pai
do-se, porém, determinar a sua relação familiar. biológico versus o indivíduo não é o pai biológico.
Dado um grupo de indivíduos para estudo, o Mas este programa torna-se mais aliciante,
cálculo estatístico é efetuado tendo por base as nas investigações complexas de parentesco, pois,
diversas árvores familiares (pedigrees), que podem nestes casos, os cálculos manuais seriam bastante
ser estabelecidas, sendo conhecidos alguns dos complicados. Um exemplo destas situações é apre-
perfis genéticos individuais. Para estes cálculos é sentado na Figura 11, em que o pretenso pai faleceu,
fundamental o conhecimento da genética popula- e pretende-se determinar se a filha (2) é ou não
cional, relativamente às frequências dos alelos dos irmã consanguínea (meia-irmã) dos filhos do pre-
diversos loci estudados. Deste modo, o programa tenso pai, e portanto filha do pretenso pai falecido.
CAPÍTULO 4. Investigação Biológica de Parentesco 113

Após o estudo do perfil genético de STRs de probabilidade de 99,927%, para a hipótese


autossómicos dos indivíduos implicados, introdu- de o pai do André e da Luísa ser, também, o pai
zem-se os respetivos perfis no programa Familias, da Maria, filha da Carlota, dada a base de dados
assim como a indicação das relações familiares populacional das frequências dos respetivos alelos
estabelecidas e conhecidas: Carlota (1) é mãe da STRs estudados neste caso.
Maria (2); a Ana (3) é mãe do André (4) e da Os casos complexos de investigação de pa-
Luísa (5). Por outro lado, o André e a Luísa têm rentesco serão analisados com base no programa
o mesmo pai biológico, o qual foi designado por Familias, sendo que as investigações de paterni-
Extramale 1, mas do qual não se conhece o per- dade simples, com base no estudo do trio p.pai/
fil genético. O programa estabelecerá todos os mãe/filho(a), podem, também, ser analisadas do
pedigrees possíveis com os intervenientes para mesmo modo, pois a base de dados de frequên-
estudo, e indicará o valor da probabilidade obtido cias alélicas de STRs será a mesma para os diversos
para cada pedigree, sendo então excluídos os tipos de investigação.
pedigrees que não se relacionem com a hipótese
de estudo em questão.
Assim, dos diferentes pedigrees desenhados 5 . C A SOS CO M P L E XOS
pelo programa, pretende-se saber a hipótese de D E ES TA B E L EC I M E N TO
um indivíduo do sexo masculino, pai do André e D E PA R E N T ESCO
da Luísa, ambos filhos da Ana, ser, também, o pai
biológico da Maria, filha da Carlota (Tabela VIII). As investigações de parentesco podem, por
vezes, ter implicações sociais que extravasam o
Tabela VIII. Pedigree da relação familiar que se pretende âmbito de um simples estabelecimento de pa-
estudar.
rentesco. Algumas das solicitações efetuadas aos
Laboratórios de Genética Forense prendem-se,
Pedigree: Ped32
por exemplo, com casos de imigração, que se
Probability: 0,999275622022711
podem tornar casos bastante complexos do ponto
| Parent: | Child: |
de vista social.
| Carlota (1) | Maria (2)
Mas outras situações existem, das quais os
| ExtraMale1 | Maria (2)
próprios meios de comunicação são eco, pela
| Ana (3) | Luísa (5)
situação intrínseca aos mesmos. De entre os
| ExtraMale1 | Luísa (5)
diversos exemplos que se podiam apontar, são
| Ana (3) | Andre (4)
apresentados dois casos: a) estabelecimento
| ExtraMale1 | Andre (4)
de parentesco entre recém-nascidos, com au-
sência de pai e mãe; b) hipótese de incesto,
Um dos pedigrees dados pelo programa fenómeno que atualmente se tem verificado
(Ped32) é, na realidade, a relação familiar que se ser frequente, em vários países, e que tem
pretende estabelecer, tendo-se obtido um valor uma repercussão social, não só sobre todos
114 PAULO DARIO e HELENA DE SEABRA GEADA

Figura 12. Árvore genética para estabelecimento de maternidade (a); árvore genética após o estudo do perfil genético dos interve-
nientes (b).

os indivíduos implicados, como também na é, avô do menor, e estudar o trio em questão —


comunidade alvo. avô da menor (p.pai)/mãe/filho, tendo-se obtido
No primeiro caso, dado o perfil genético de uma probabilidade muito elevada do menor ter
dois recém-nascidos, pode determinar-se, através sido concebido através de uma relação de incesto
do programa Familias, se estes têm algum tipo pai/filha.
de relação de parentesco, tal como irmãos con- Outro tipo de investigação realizada, solici-
sanguíneos ou uterinos (meios irmãos), irmãos tava a confirmação da maternidade de um ado-
germanos (verdadeiros) ou se não têm nenhuma lescente, sendo que os indivíduos enviados para
relação de parentesco. estudo, referiam uma árvore genética como a
Por outro lado, os casos de incesto solicita- apresentada na Figura 12.a.
dos para estudo podem ter diversas índoles. Num Após os estudos genéticos efetuados, verifi-
dos primeiros casos estudados pelo Laboratório, cou-se a impossibilidade da árvore genética dada
o Tribunal solicitava a investigação da hipótese de ser a verdadeira, pois o adolescente tinha como
um menor ter sido concebido por uma relação de mãe a “própria irmã” (Figura 12.b). Este é mais
incesto pai/filha, sendo que o pai se encontrava um dos exemplos de casos de relações de incesto
ausente e o estudo só seria possível com base no que vão sendo detetados e que fazem parte do
perfil genético da avó, do tio do menor, da mãe tecido da nossa Sociedade, provocando danos
e do menor. Com base nestes dados, foi possível psicológicos irreversíveis, em qualquer estrutura
reconstruir o perfil genético do pai da mãe, isto familiar e na comunidade envolvente.
CAPÍTULO 4. Investigação Biológica de Parentesco 115

6 . CO L H E I TA E E N V I O todo o trabalho seja realizado pelos melhores


DA S A M OS T R A S PA R A ES T U D O especialistas e usando as técnicas mais avançadas.
Como em qualquer outra perícia de investi-
Relativamente à realização de perícias no gação genética, a importância de uma adequada 
INML, e de acordo com a legislação (Portaria n.º recolha  e preservação de amostras na investiga-
522/2007, de 30 de Abril), os Serviços de Genética ção biológica de parentesco não deve ser subes-
devem assegurar, entre outros, a realização de timada. Quer por questões de estandardização
perícias e exames de investigação biológica de pa- das amostras, quer para tornar as perícias mais
rentesco, no âmbito das atividades da delegação rápidas e o menos invasivas possível para os en-
e dos Gabinetes Médico-Legais que se encontrem volvidos, as amostras de referências utilizadas
na sua dependência, a solicitação das autorida- consistem, principalmente, em amostras de sali-
des e entidades para o efeito competentes e do va, mais propriamente de células do epitélio da
Presidente do Conselho Diretivo. mucosa bucal, recolhidas com zaragatoa bucal
Assim sendo, os Serviços de Genética rece- e, sempre que possível, em amostras de sangue
bem solicitações para a realização de perícias de obtidas por punção digital.
investigação biológica de parentesco dos diversos O primeiro passo para a recolha de amostras
serviços das delegações do INML (e.g. Patologia consiste em identificar o(s) indivíduo(s) presente(s)
Forense, para identificação de desconhecidos), a exame e obter o seu consentimento, por escrito,
dos Gabinetes Médico-Legais e das Forças de para a realização da perícia. Assim, é realizado
Segurança, incluindo a Polícia Judiciária (nes- um auto de identificação e colheita de amostras
te último caso, por exemplo, para averiguar a biológicas, o qual deverá ser dado a ler ao(s)
paternidade de menor cuja conceção possa ter interveniente(s) e após o seu consentimento, o
sido fruto do crime de violação). O Ministério dos mesmo deverá assinar em como autoriza a reali-
Negócios Estrangeiros pode, também, solicitar zação da recolha das amostras e a realização do
perícias de parentesco, em casos de pedidos de respetivo exame.
vistos para reunião familiar, mas, a maioria das Durante a recolha deve ser tido algum cuida-
perícias de investigação biológica de parentesco do, quer para evitar a contaminação das amostras,
é solicitada pelos Tribunais, incluindo, principal- quer para garantir a sua correta identificação e a
mente, as averiguações oficiosas de paternidade. manutenção da cadeia de custódia. As zaragatoas
Tal como nos restantes exames genéticos, e os cartões para manchas de sangue devem ser
a recolha, o acondicionamento e a preservação devidamente identificados com o nome do inter-
das amostras são fatores cruciais para a realização veniente do processo e o seu grau ou pretenso
das perícias de investigação biológica de paren- grau de parentesco genético (ex.: pretenso pai,
tesco, pois se aquelas não forem corretamente mãe, avó materna, etc…), a data e hora da reco-
executadas, o exame poderá ficar comprome- lha e a assinatura do responsável pela mesma.
tido. Poderão mesmo não ser obtidos os perfis Se possível, o número de processo também deve
genéticos necessários para o estudo, mesmo que ser identificado.
116 PAULO DARIO e HELENA DE SEABRA GEADA

Durante a recolha das amostras é de evitar a a maioria dos Laboratórios Forenses considera
contaminação destas com outro material biológico. importante a comprovação da sua competência
Para tal é aconselhado o uso de material descar- por uma terceira parte e de acordo com normas
tável, como luvas de latex, tendo o cuidado de as internacionais de referência, ou seja, a acreditação
mudar para a colheita de diferentes indivíduos. dos seus ensaios.
Apesar da recolha das amostras propriamen- Esta decisão decorre do Council Framework
te dita ser uma operação muito simples, existem Decision 2009/905/JHA, de 30 de Novembro de
sempre algumas precauções que devem ser leva- 2009, que estabelece a necessidade de acredi-
das em conta. A recolha de saliva é realizada pela tação dos serviços forenses que procedem a ati-
passagem da zaragatoa bucal na parte lateral da vidades laboratoriais. A acreditação deverá ser
cavidade bucal, sendo a zaragatoa pressionada, realizada pelo respetivo organismo nacional de
num movimento alternado de cima para baixo, acreditação, em Portugal, o Instituto Português
entre 6 a 8 vezes, em cada um dos lados da de Acreditação, I.P. (IPAC).
cavidade bucal. O reconhecimento do impacto que os ser-
A recolha de amostra de sangue faz-se, nor- viços prestados, pelos Laboratórios Forenses,
malmente, com recurso a punção digital, usando tem para a Sociedade, em geral, encontra-se
uma lanceta apropriada para o efeito, sendo depo- expresso na Decisão de 2009, que estabeleceu
sitada uma mancha de sangue em papel Whatman, a obrigatoriedade, até 30 de Novembro de 2013,
especificamente desenvolvido para esse efeito. No dos Laboratórios de Genética Forense da União
caso de menores, até um ano de idade, a punção Europeia procederem à acreditação dos ensaios
digital deve ser substituída pela punção da super- de determinação de perfis de ADN.
fície plantar lateral ou medial do calcanhar, por Para a implementação da acreditação, os
esta ser uma área de menor risco para a criança. Laboratórios de Genética Forense, nomeadamente
Caso exista necessidade de preparar o trans- os Serviços de Genética e Biologia Forense do
porte de amostras de referência, para enviá-las INML, I.P., entre outros, avançaram para a imple-
do ponto de recolha para o laboratório onde irá mentação de um Sistema de Gestão da Qualidade
decorrer a análise, as amostras deverão ser manti- (SGQ), baseado na norma ISO/IEC 17025, com o
das em ambiente seco e se possível, frio, devendo qual se pretende assegurar a qualidade das ati-
ser enviadas com a maior brevidade possível. vidades desenvolvidas e o cumprimento da legis-
lação aplicável na área da Genética Forense. Este
sistema apoia-se, entre outros, num conjunto de
7. S I S T E M A D E G ES TÃO documentos, com os quais os Serviços documen-
DA Q UA L I DA D E tam e organizam as suas atividades, baseando-
-se, quer nos mais recentes desenvolvimentos do
Conscientes da necessidade de constante conhecimento científico, quer na validação interna
implementação de medidas destinadas a garantir e externa (internacional) das metodologias usadas
e a melhorar a qualidade das suas atividades, nos ensaios.
CAPÍTULO 4. Investigação Biológica de Parentesco 117

Existem cuidados específicos que devem ser de exercícios interlaboratoriais, os quais incluem
tidos não só na realização dos exercícios interla- uma prova de investigação de parentesco bioló-
boratoriais mas, principalmente, na resolução de gico, normalmente de maior complexidade que o
casos reais, tais como a determinação dos perfis simples caso envolvendo o trio p.pai/mãe/filho(a)
genéticos em duplicado e a utilização de mais do (Hallenberg et al., 2001; Thomsen et al., 2009;
que um sistema multiplex para a determinação Friis et al., 2009)
de um perfil de ADN. Pretende-se, deste modo, Nestes exercícios são testados, não só a ca-
um processo de segurança com o objetivo de pacidade técnica dos laboratórios na produção
impedir uma troca de amostras, a incorreta de- dos respetivos perfis genéticos dos indivíduos
terminação de perfis genéticos a partir destas, envolvidos, mas também a capacidade científica
um erro no próprio ensaio ou na transcrição dos na resolução dos exercícios, pela determinação
seus resultados. das relações de parentesco envolvidas e do cál-
Como referido anteriormente, aquando da culo das probabilidades de estas serem ou não
colheita de amostras de referência, nos casos de verdadeiras.
investigação biológica de parentesco, são, nor- Com esta atuação, os Laboratórios de Genética
malmente, colhidas duas amostras de natureza Forense conseguem garantir a manutenção das
diferente. Estas serão, posteriormente, analisadas suas capacidades técnicas e científicas, bem como
por dois técnicos diferentes, de modo a garantir a qualidade dos ensaios e dos resultados apre-
que as amostras não sofram qualquer troca. sentados nas perícias efetuadas.
A norma 17025 impõe, também, participa-
ção internacional em exercícios interlaboratoriais,
com os quais se pretende conhecer a capacidade 8 . P E R S P E T I VA S FU T U R A S
do Laboratório para a resolução de determinado
tipo de ensaio. Embora seja relativamente recente O estudo do Genoma Humano, aprofun-
a decisão da União Europeia acerca da obriga- dado pelos Projetos de Sequenciação, iniciados
toriedade da adoção da norma ISO/IEC 17025 nos finais do século passado, permitiu a desco-
pelos Laboratórios Forenses, já desde 2002, que a berta de novos marcadores genéticos de peque-
Comissão de Testes de Paternidade da Sociedade nas dimensões, mas com elevado potencial para
Internacional de Genética Forense recomenda diversas áreas da Genética (Venter et al., 2001),
a adoção desta por parte dos laboratórios que nomeadamente para a área forense.
fazem este tipo de perícias (Morling et al., 2002). De entre estes, os polimorfismos INDELs (de
Também por isso, desde há alguns anos, INsertion/DELetion, também designados por DIPs de
que vários grupos de trabalho da Sociedade Deletion Insertion Polimorphisms), mas, em espe-
Internacional de Genética Forense, sendo de des- cial, os SNPs (de Single Nucleotide Polymorphisms,
tacar o Grupo de Línguas Espanhola e Portuguesa polimorfismos de um único nucleótido), represen-
(GHEP) e o Grupo de Trabalho de Língua Inglesa tam a classe mais abundante de polimorfismos
(ESWG), têm promovido, anualmente, a realização humanos e têm sido alvo de um elevado número
118 PAULO DARIO e HELENA DE SEABRA GEADA

de estudos. Para se perceber como estes marca- responsável pela sua principal desvantagem re-
dores são abundantes, foi inicialmente estimada a lativamente aos STRs: são pouco polimórficos!
ocorrência de 1 SNP por cada 1000pb do genoma Deste modo, para obter o poder discriminativo de
humano (Venter et al., 2001). Contudo, na base de 10-15 loci STR, para serem usados, por rotina, a
dados de SNPs dbSNP, pode verificar-se que já se nível laboratorial em investigação forense, serão
encontram descritos cerca de 20 milhões de SNPs, necessários cerca de 50 a 100 SNPs com segre-
18 milhões dos quais validados, número que, a ser gação independente, isto é, sem fenómenos de
validado, indica a possibilidade da existência de linkage (Gill, 2001; Amorim et al., 2005).
um SNP por cada 150pb (Phillips, 2009). Em 2003, foi criado o Consórcio Internacional
Estes marcadores genéticos, para além de — SNPforID — com o objetivo de estudar e avaliar
serem muito abundantes no genoma, permitem o uso de cerca de 50 loci SNP para análise foren-
facilidade na análise, pelo facto de, na sua grande se, os quais teriam um poder de discriminação
maioria, serem marcadores bialélicos, isto é, possuí- próximo dos 13 STRs do CODIS. Este Consórcio
rem apenas dois alelos. Tal acontece porque a sua desenvolveu um multiplex de 52 SNPs (Sanchez et
taxa de mutação é muitíssimo baixa (10 vs. 10 nos
-8 -3
al., 2006), baseado na tecnologia SNaPshot, tendo
STRs), sendo, em média, no caso dos SNPs, de uma sido validado para uso forense (Musgrave-Brown
mutação por cada 100 milhões de gerações (Butler, et al., 2007). Com base neste multiplex, foram
2005). Assim, é extremamente improvável que duas efetuados vários estudos, quer com a totalida-
mutações pontuais ocorram numa mesma posição. de dos 52 SNPs, quer apenas com alguns SNPs,
Esta característica torna-os muito úteis na verificando-se a utilidade destes na resolução de
análise de casos em que existam incompatibili- simples casos de paternidade, assim como em ca-
dades genéticas nos sistemas STRs autossómicos sos mais complexos (Ballard et al., 2009; Borsting
e em casos envolvendo indivíduos que não se et al., 2011; Borsting et al., 2008; Dario et al.,
encontram geneticamente próximos, como nos 2009; Dario et al., 2011a; Dario et al., 2011b).
trios p.pai/mãe/filho. Quanto mais afastados ge- Também os INDELs demonstraram ser úteis
neticamente estiverem os indivíduos em estudo, na investigação de parentesco biológico (Friis et
maior será a probabilidade de terem ocorrido al., 2011; Neuvonen et al., 2011; Manta et al.,
mutações nos sistemas STRs estudados, dando 2012; Zidkova et al., 2011; Pereira et al., 2012), ten-
origem a incompatibilidades genéticas entre in- do para isso contribuído o multiplex Investigator
divíduos. Estas incompatibilidades, a somarem ao DIPplex, recentemente comercializado, para deter-
já de si pequeno número de alelos partilhados minação de um perfil genético destes marcadores
entre indivíduos geneticamente afastados, pode (Pereira et al., 2009).
dificultar a resolução do caso, tornando-o mes- Os INDELs permitem a obtenção de fragmen-
mo inconclusivo. A análise dos SNPs permitirá a tos de ADN mais pequenos que os obtidos pela
obtenção de informação genética adicional. amplificação de loci STR, possibilitando melhores
Todavia, o facto de estes marcadores apre- resultados a partir de amostras degradadas, como,
sentarem uma baixa taxa de mutação, é também por exemplo, de restos cadavéricos (Manta et al.,
CAPÍTULO 4. Investigação Biológica de Parentesco 119

2012; Romanini et al.), que, devido ao estado de Por outro lado, o surgimento das novas tec-
degradação, podem não permitir a obtenção de um nologias de sequenciação NGS (Next Generation
perfil genético de STRs para estudos de parentesco. Sequence) de segunda e terceira geração, de que
Contudo, o principal obstáculo à implemen- são exemplos o 454 e o ION Torrent, respetiva-
tação da análise de marcadores bialélicos, na ro- mente, permitem uma rápida sequenciação de
tina forense, prende-se com o limitado número grandes segmentos do genoma humano ou da
de marcadores possíveis de serem analisados, sua totalidade, a custos cada vez menores. Deste
simultaneamente, com a tecnologia existente modo, permitem a rápida determinação de um
nos laboratórios, pois esta tecnologia permite a grande número de loci SNP, a partir dos quais se
análise simultânea de poucas dezenas de SNPs, poderá obter um aumento no poder de análise
dificilmente ultrapassando a meia centena de genética nos casos de investigação biológica de
marcadores, devido a questões técnicas. parentesco (Berglund et al., 2011).
Todavia, os SNPs podem ser analisados atra- Porém, existem ainda problemas que terão
vés de uma grande variedade de tecnologias de de ser ultrapassados para a utilização destas tec-
processamento em larga escala, com análise de nologias, nomeadamente os problemas de análise
dados automatizada, de dezenas, centenas, ou estatística e informática, derivados de fenómenos
mesmo milhares destes marcadores, fornecendo de linkage entre SNPs que se encontrem próximos
um elevado poder de informação para análise e os problemas tecnológicos e computacionais
genética, o que seria muito útil na investiga- derivados da grande quantidade de ADN a ana-
ção de parentesco biológico. Como exemplos, lisar e da ainda elevada taxa de erro na leitura
referem-se os equipamentos de Microarrays (mi- da sequenciação do ADN (Berglund et al., 2011).
crochips) e de espectroscopia de massa MALDI- Apesar dos SNPs e dos INDELs não virem a
TOF (Matrix Assisted Laser Desorption/ Ionization substituir os STRs, pelo menos nos tempos mais
Time-Of-Flight). próximos, estes marcadores, assim como as tec-
Foi já realizado um estudo sobre o uso de nologias desenvolvidas nos últimos anos para a
SNPs, analisados com microchips de ADN, na in- sua deteção e análise, poderão vir a desempe-
vestigação de um caso muito complexo de paren- nhar, no futuro, um papel fundamental nas pe-
tesco biológico, nomeadamente, na investigação rícias mais complexas de investigação biológica
de presumíveis primos em segundo grau (Lareu de parentesco.
et al.). Este tipo de investigação, por recorrer a
um elevado número de marcadores, dificilmente
poderia ser realizado apenas através da análise de 9. CO N C LUSÃO
STRs, mesmo conjuntamente com os multiplex de
SNPs e INDELs analisados por eletroforese capilar. As perícias de investigação biológica de pa-
Estas tecnologias dificilmente serão implementa- ternidade, no caso dos trios p.pai/mãe/filho(a), são
das nos laboratórios forenses, pelo facto de serem realizadas nos Laboratórios de Genética Forense,
tecnologias muito dispendiosas. essencialmente, através do estudo de 15 ou 17
120 PAULO DARIO e HELENA DE SEABRA GEADA

STRs pelos sistemas PowerPlex® 16 (/HS) System Por outro lado, todos os Laboratórios de
e/ou AmpFℓSTR® Identifiler® (/Direct/Plus). Genética Forense possuem idêntica tecnologia,
Embora estes sejam os casos mais comuns, necessária para o estudo daqueles marcadores,
são, também, solicitadas investigações biológi- o que facilitará o intercâmbio de dados do ponto
cas de paternidade em casos com dois ou mais de vista nacional e internacional, mesmo neste
pretensos pais, ou com dois ou mais pretensos tipo de investigações.
filhos, sendo que, também nestes casos, a base Porém, podem, também, ser utilizados, em
de estudo será sempre o trio p.pai/mãe/filho(a). investigações biológicas de parentesco mais com-
Mas nem sempre há a possibilidade do es- plexas, outros marcadores genéticos. Consoante
tudo de um trio, pelo que as investigações serão o caso, pode recorrer-se ao estudo de Y-STRs para
de casos incompletos, o que muitas vezes torna estabelecimento da linha paterna, ao estudo de
os casos bastante mais complexos. Nestas situa- ADN mitocondrial no caso de ser necessário o
ções, recorre-se à investigação de paternidade estabelecimento da linha materna ou, em casos
com familiares do pretenso pai, o que levará ao especiais, ao estudo dos STRs do cromossoma
estudo dos pretensos avós, de pretensos tios ou X, que são passados intactos de pais para filhas,
de filhos do pretenso pai, com possibilidade ou podendo, assim, estabelecer-se uma hipótese de
não do estudo das respetivas mães. relação de irmandade.
Mas a realidade com que o Laboratório se Os SNPs autossómicos que usam a tecno-
depara, por vezes, é bastante complexa, e em- logia de sequenciação e determinação de perfis
bora dispondo de tecnologia adequada para as de STRs, são os marcadores que, atualmente,
investigações biológicas de parentesco, pode ser começam a ser utilizados, com muito êxito na
necessário proceder a novas avaliações dos dados prática forense, assim como o estudo de INDELs,
familiares fornecidos ao Laboratório. Em certas para complementar investigações complexas de
situações, por impossibilidade de estudo dos fa- parentesco.
miliares do pretenso pai falecido, pode, por ordem Têm, também, sido implementadas bases de
do Tribunal, ter de se proceder à exumação do dados populacionais de perfis genéticos de STRs
cadáver para recolha de material biológico dis- para estudo das respetivas frequências alélicas, a
ponível (ossos, dentes), de modo a realizar uma aplicar nos cálculos estatísticos realizados através
investigação de paternidade direta. do programa Familias, considerando a dinâmica
Embora os 17 STRs autossómicos sejam os populacional do respetivo Laboratório, que va-
marcadores, por excelência, para este tipo de in- ria, consoante o fluxo populacional imergente e
vestigações, por vezes, em casos mais complexos, emergente, que se vai estabelecendo a nível das
pode ser necessário aumentar o número destes diversas Comunidades.
marcadores, recorrendo a outros sistemas multi- O surgimento das novas tecnologias de
plex utilizados nas perícias forenses - AmpFℓSTR® sequenciação NGS (Next Generation Sequence)
NGM , um multiplex de nova geração, comple-
TM
de segunda e terceira geração, como o 454 e o
mentado com o sistema PowerPlex® SE. ION Torrent, respetivamente, irão permitir uma
CAPÍTULO 4. Investigação Biológica de Parentesco 121

Dario, P., Ribeiro, T., Espinheira, R., Dias, D., Geada, H. e


rápida sequenciação de grandes segmentos do Corte-Real, F. (2011b). 20 SNPs as supplementary markers
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CAPÍTULO 5. Alguns conceitos de genética populacional com relevância em Genética Forense 123

Capítulo 5
ALGUNS CONCEITOS DE GENÉTICA POPULACIONAL
COM RELEVÂNCIA EM GENÉTICA FORENSE

Luís Souto
Departamento de Biologia, Universidade de Aveiro
CENCIFOR - Centro de Ciências Forenses
DOI | HTTP://DX.DOI.ORG/10.14195/978-989-26-0957-7_5
124 LUÍS SOUTO

RESUMO SUMMARY
A Genética Forense não faz sentido sem a Genética das Forensic Genetics makes no sense without the Population
Populações, pois é nesse ramo da Biologia que radica a Genetics, because it is the branch of biology where lies
validade da aplicação das suas metodologias. A amostra the validity of the application of its methodologies. The
forense ao ser analisada revela uma informação que tem forensic sample analysis reveals information that has to
que ser enquadrada no contexto de uma população à qual be framed in the context of a population to which belong
pertencerá o indivíduo ou indivíduos que produziram uma the individual or individuals who have produced such a
tal amostra, seja ela de referência (para comparação) ou sample, either reference (for comparison) or unknown
a amostra-problema de um caso. Atribuir um maior ou samples. Assign a greater or smaller weight to informa-
menor peso à informação obtida analiticamente implica tion obtained analytically implies the understanding of
a compreensão de alguns princípios basilares da genética some basic principles of population genetics including
populacional entre os quais o de Hardy-Weinberg, as cau- the Hardy-Weinberg, the causes of deviations from this
sas de desvios a esse princípio e as formas de o detetar. principle and ways to their detection.

PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS
Genética forense; genética populacional; Hardy-Weinberg. Forensic genetics; Population genetics; Hardy-Weinberg.
CAPÍTULO 5. Alguns conceitos de genética populacional com relevância em Genética Forense 125

1. I N T RO D U Ç ÃO teria uma conjugação de resultados em que um


suspeito e amostra-problema são identificados
1.1 DE VOLTA AOS GRUPOS SANGUÍNEOS como pertencentes ambos ao grupo A, dada a “ra-
ridade” do grupo AB na população portuguesa.
A noção de “grupo sanguíneo”, a percepção Por outro lado o exemplo mostra-nos ain-
de que podemos agrupar os humanos de acordo da que não é indiferente considerarmos nessa
com a sua pertença a uma determinada classe dita- ponderação, a origem étnica ou a população de
da pelo seu grupo A, B, AB ou O (ou ainda Rh + ou referência de suspeito e amostra-problema.
Rh -) é algo (quase) do domínio do cidadão comum. Atualmente os grupos sanguíneos, que estão
Talvez menos popular será a noção de que essas na base da genética forense, estão afastados da
classes não ocorrem com igual frequência, que há panóplia de marcadores polimórficos em uso pelos
tipos sanguíneos mais raros e outros “vulgares”. laboratórios qualificados. Hoje são os vários “poli-
Na verdade há muito que são reconhecidas morfismos de ADN”, com relevo para os microssaté-
as diferenças na frequência destas classes e o lites (ou STRs, do inglês, Short Tandem Repeats), os
padrão de distribuição é variável de população marcadores-padrão. Isto não invalida que os grupos
para população. A título de exemplo, compare-se sanguíneos possam ser eles próprios “marcadores
a distribuição do sistema ABO para a população de ADN”, tudo depende do nível de análise.
portuguesa e chinesa: A determinação dos grupos sanguíneos
ABO (ou Rh) feita pelas tradicionais reacções de
Tabela 1 – Distribuição dos Grupos Sanguíneos (sistema AB0) antigénio-anticorpo, enquadra-se no que em ge-
em duas populações, portuguesa e chinesa (em percentagem)
nética chamamos de Fenótipo, ou seja aquilo que
é expresso, que resulta de um produto celular (ge-
A 0 B AB ralmente uma proteína). Já quando se trata dos
Portugal1 47 42 8 3 “polimorfismos de ADN”, estamos a pretender ana-
China (Han)2 29 28 34 9
lisar informação contida no próprio ADN sem que
1 2
esteja em causa a produção de algo detetável (uma
Este exemplo permite-nos elucidar dois pon- proteína), situamo-nos no âmbito do Genótipo.
tos: primeiro, existem pesos diferentes a atribuir Esta perspetiva é no entanto uma simplificação.
à informação obtida do marcador “grupo sanguí- O genótipo não determina por si só totalmente
neo”. Por exemplo, em Portugal, uma coincidência o fenótipo. Desde que se obteve a sequenciação
de resultado em que a amostra-problema tem o do genoma humano em 2001 que as estimativas
grupo AB e um dado suspeito tenha também esse do número de genes para a espécie humana re-
grupo AB, tem um peso muito superior ao que velaram uns “humildes” 20 000 a 25 000 genes3

3   Não há um número certo para a contagem de genes,


1  Distribuição para Portugal continental, arredondada à mesmo com os dados mais refinados sobre a sequenciação
unidade para efeitos comparativos. Fonte: Duran, (2007). do genoma. O leitor mais interessado sobre este tópico pode
2  Zhu, et al. (2010). consultar Pertea e Salzberg (2010).
126 LUÍS SOUTO

(contra cerca de 30 000 da videira por exemplo). simultâneo por um matemático inglês e um mé-
Esta constatação abriu novas e entusiasmantes dico alemão, de forma independente, em 1908.
avenidas de pesquisa laboratorial e até de reflexão Esse princípio estabelece a constância das fre-
filosófica, a ponto de alguns falarem mesmo num quências dos alelos e dos genótipos, geração
“eclipse do dogma genótipo-fenótipo” (Lock e após geração, sob determinados pressupostos
Nguyen 2010). (particularmente exigentes) e permite, no caso
Em genética forense, não se pesquisa a particular da genética forense, assumir a indepen-
informação genética, genótipos que possam dência estatística usada nos cálculos com perfis
permitir inferir fenótipos (como doenças, ca- genéticos, nomeadamente quando existe uma
racterísticas físicas etc). No entanto este é tam- coincidência de perfis.
bém um “dogma” em vias de desconstrução. É também a observância desse princípio
Por outro lado, enquanto no caso dos grupos que permite que um geneticista forense utilize
sanguíneos, algumas variantes dos genes (os as tabelas de frequências (génicas e genotípicas)
Alelos) dominam sobre outras, (dominância/ publicadas para a população de referência. De
recessividade), nos polimorfismos do ADN como contrário, haveria necessidade de realizar uma
os microssatélites, a informação que recebe- amostragem a cada determinação, o que não
mos por via paterna (alelo paterno) e por via faria sentido.
materna (alelo materno) têm a mesma “força”, As frequências genotípicas podem ser previs-
situação já anteriormente conhecida como ale- tas a partir das frequências alélicas, pressupondo
los codominantes. o equilíbrio de Hardy-Weinberg.
Fiquemos porém no âmbito deste texto, no
contexto dos marcadores polimórficos codomi- Um caso de suposta violação na ilha
nantes e sem (pelo menos aparente) relação com de Lupagaso
a expressão fenotípica de características, ou seja
no contexto da definição da Lei nº 5/2008 4. Consideremos um caso forense de violação
numa ilha em que foi analisado um marcador STR
hipotético, o D007.
2 . A S F R EQ U Ê N C I A S D OS A L E LOS D007 é um sistema pouco polimórfico, uma
E D OS G E N ÓT I P OS: O EQ U I L Í B R I O vez que apenas tem dois alelos possíveis: 2 uni-
D E H A R DY- W E I N B E RG dades de repetição (alelo 2) ou 4 unidades de
repetição (alelo 4):
Um dos princípios mais importantes em Alelo 2: GATA GATA
genética de populações, o Equilíbrio de Hardy- Alelo 4: GATA GATA GATA GATA
Weinberg, foi curiosamente descoberto em
Consideremos então a seguinte tabela de
4   A Lei Nº5/2008 de 12 de Fevereiro. Lei que aprova a
criação de uma base de dados de perfis de ADN para fins de
resultados obtidos após genotipagem do mar-
identificação civil e criminal, na alínea e) do artigo 2º. cador D007 nas amostras do caso:
CAPÍTULO 5. Alguns conceitos de genética populacional com relevância em Genética Forense 127

Tabela 2 – Genotipagens no marcador D007 numa violação Consultada a tabela de distribuição de fre-
em Lupagaso.
quências para o sistema D007, encontra-se um
valor de p = frequência do alelo 2 = 0.02 e de
Genótipo no q= frequência do alelo 4 = 0.98.
Amostra
marcador D007
Desde logo constatamos a raridade do alelo
Zaragatoa poscoital 2–4
2. Aliás essa variante encontra-se no limiar mínimo
Vítima 4–4
para que seja considerado um alelo e não uma
Suspeito 2–2
mutação (frequência superior a 1 %).
Os valores das frequências alélicas como
Parece óbvia a “incriminação” do suspeito vemos, têm uma importância decisiva na forma
dado que, sendo a vítima homozigótica para o alelo como valoramos a informação (laboratorial) das
4, a presença do alelo 2 na zaragatoa poscoital não genotipagens obtidas.
só é compatível com o genótipo identificado no Importa agora esclarecer como se podem
suspeito como, sendo este homozigótico para esse obter essas frequências alélicas inscritas nas re-
alelo, essa informação se traduz num peso acrescido. feridas tabelas de frequências.
Torna-se porém imperativo avaliar até que
ponto é frequente encontrar esse alelo 2 na po- 2.1. CONTAGEM DE GENES
pulação de referência, neste caso a população
residente em Lupagaso. Consideremos agora que se pretende conhe-
Os cientistas recorrem a tabelas de frequên- cer a distribuição do nosso marcador hipotético
cias obtidas previamente através da genotipagem D007 na população da ilha (hipotética também)
de amostras representativas e formadas aleato- de Lupagaso. Para tal os cientistas genotiparam
riamente, sem qualquer grau de parentesco entre um número de 100 de indivíduos cujos resultados
os indivíduos. se encontram na tabela:

Tabela 3 – Genotipagem de 100 indivíduos no sistema D007 na população da ilha de Lupagaso

Genótipos Totais

2 -2 2-4 4-4

Número de Indivíduos 30 (N2-2) 60 (N2-4) 10 (N 4-4) 100

Frequência dos
0.30 0.60 0.10 1
genótipos em F0
128 LUÍS SOUTO

Podemos calcular as frequências dos alelos genótipo observado para determinar a frequência
2 (p) e alelo 4 (q) pela contagem de genes: alélica:

Cada indivíduo com genótipo 2 – 2 produz p = f (2-2) + f (2-4) /2


potencialmente dois gâmetas com alelo 2 (uma
vez que quer no cromossoma de origem paterna p = f (4-4) + f (2-4) /2
quer no de origem materna a informação é a mes-
ma); cada indivíduo com genótipo 2 – 4 apenas [Expressão 3]
tem o potencial de transmitir um alelo 2 (e um
alelo 4); cada indivíduo com genótipo 4 – 4 tem Aplicando ao exemplo da Tabela 3 obtém-
o potencial de produzir dois gâmetas com alelo 4. -se então a seguinte estimativa das frequências
Por outro lado, num sistema bialélico como alélicas na geração F0 pela contagem génica:
D007, cada indivíduo tem o potencial de trans-
missão de dois alelos (quaisquer que eles sejam), p= Frequência do alelo 2 = (30/100) + ½ (60/100)
logo para N indivíduos temos 2N alelos. p = 0.60
Ou seja, contando os genes a partir dos
genótipos observados teremos: q= Frequência do alelo 4 = (10/100) + ½ (60/100)
q = 0.40
p = Frequêcia = Contagem = (2N2-2 + N2-4) / 2N
do alelo 2 genes 2 A soma das duas frequências, como temos
p = Frequêcia = Contagem = (2N 4-4 + N2-4) / 2N apenas dois alelos neste sistema hipotético, será
do alelo 4 genes 4 p + q = 1.
A metodologia exposta é conhecida como
[Expressão 1] contagem de genes e é o método corrente, so-
bretudo a partir do momento em que a genética
Podemos rearranjar matematicamente a forense passou a utilizar marcadores codominan-
expressão 1… tes em que todos os genótipos são identificáveis
tecnicamente, não havendo alelos “escondidos”,
p = 2N2-2 / 2N + N2-4
/ 2N ou seja recessivos, que não se expressam e ou-
tros dominantes, que mascaram a manifestação
p = 2N 4-4 / 2N + N2-4
/ 2N dos recessivos.
Os valores das frequências alélicas obtidos
[Expressão 2] por esta contagem de genes, a partir dos genóti-
pos observados, constituem uma estimativa para
Reconhecendo agora na expressão 2 as fre- as frequências alélicas e genotípicas da população
quências dos genótipos f (2-2), f (2-4) e f (4-4) e não o valor real dos parâmetros na população.
poderemos usar as frequências relativas de cada Esta é uma noção fundamental neste contexto.
CAPÍTULO 5. Alguns conceitos de genética populacional com relevância em Genética Forense 129

Sem nos determos na complexidade do tema, metodologia de cálculo admite por si também
importa realçar que não há um método único para distintas abordagens.
estimar as frequências génicas e podemos obter por Cada vez que efetuarmos uma nova amostra-
exemplo três estimativas de frequências baseando- gem, um novo estudo genético-populacional em
-nos numa mesma amostra da população. À medida Lupagaso (ou…em Timor-Leste ou Portugal) iremos
que o tamanho da amostra aumenta e se aproxima encontrar amostras com características diferentes e
do tamanho da população, as frequências dos ge- obteremos novos valores de estimativa das frequên-
nótipos observados irão ser tendencialmente mais cias, pelo que a estimativa, como se compreende,
próximas das verdadeiras frequências na população está associada a determinada incerteza.
e independentemente do método utilizado para Sendo p a verdadeira frequência de um ale-
estimar, a frequência génica assim calculada será lo A, a variância da frequência alélica estimada
próxima da frequência génica real na população. pelo método de contagem génica é dada pela
Estes desenvolvimentos mostram claramente expressão p (1-p) / (2n), sendo n o tamanho da
a diferença entre estimativas das frequências (na amostra. O desvio padrão é por sua vez a raiz
prática o que é viável obter com amostragem ne- quadrada da variância.
cessariamente finita) e as (verdadeiras) frequências O intervalo de confiança de 95% para o
génicas e genotípicas na população em estudo. verdadeiro valor da frequência alélica p é cerca
É demonstrável que o método de contagem de duas vezes o valor do desvio padrão em cada
de genes pode ser considerado como uma “es- lado do intervalo. Quanto maior a amostragem
timativa natural” o que em termos estatísticos (n) menor serão variância e desvio padrão e mais
será contextualizado no quadro dos métodos de precisa será a estimativa obtida para uma dada
estimativa por Máxima Verosimilhança (ML). frequência alélica, algo que conhecemos em múl-
O método de Máxima Verosimilhança em tiplas aplicações da Estatística.
Estatística é uma das (várias) estratégias de esti- Sendo o cálculo das frequências génicas e
mação de parâmetros, com larga aplicação, mas genotípicas relevante para a genética forense,
outras existem entre as quais as abordagens persiste discussão científica em torno da perti-
bayesianas que alguns autores defendem como nência da inclusão dos intervalos de confiança no
mais apropriadas por acolherem a possibilidade reporte da informação ao poder judicial5.
de alelos não previstos.
Utilizando uma abordagem como a conta- 2.2. EQUILÍBRIO DE HARDY-WEINBERG
gem de genes (ou máxima verosimilhança) ob-
temos um estimador pontual, ou seja um valor Podemos então considerar que os dois alelos
específico para estimativa do verdadeiro valor do 2 e 4 do sistema D007 se juntarão aleatoriamente
parâmetro populacional. Precisamos ainda de uma
ferramenta estatística que permita avaliar a qua-
lidade da nossa estimativa e isso pode conseguir- 5   A este propósito consulte-se Charles Brenner em
-se com recurso a intervalos de confiança, cuja http://dna-vie.com/noconfid.htm#challenge).
130 LUÍS SOUTO

e com as proporções definidas pelas frequências f (Alelo 2- Alelo 2) = p2


p e q respetivamente.
Na situação de um organismo diplóide (ou f (Alelo 2- Alelo 4) = 2pq
seja com dois conjuntos de cromossomas homó-
logos, um de origem paterna e outro de origem f (Alelo 4- Alelo 4) = q2
materna) como é o caso da espécie humana, num
sistema bi-alélico, com dois alelos com frequên- A matemática reconhece estas quantidades
cias p e q, podemos recorrer a um tradicional como a expansão binomial (p+q)2, cuja soma é
“quadrado de Punnet”, um diagrama onde se a unidade.
equacionam todas as possibilidades de combina- Ou seja: (p+q) 2= p2+2pq+q2=1.
ções entre os gâmetas (paterno e materno) e os
respetivos resultados probabilísticos. A expressão binomial permite prever as
Note-se que o entendimento do quadra- frequências dos vários genótipos (frequências
do de Punnet se baseia num princípio da esta- genotípicas) numa dada geração a partir das
tística segundo o qual a probabilidade de dois frequências p e q dos gâmetas produzidos pela
acontecimentos simultâneos e não mutuamente geração anterior. A distribuição binomial, em
exclusivos se obtém pela multiplicação das pro- termos da estatística, é um caso particular da
babilidades de cada um desses acontecimentos “distribuição multinomial”, que descreve a pro-
independentes. babilidade de obter uma amostra com um nú-
mero determinado de objetos em cada uma de
Tabela 4 -Quadrado de Punnet para um sistema bialélico diversas classes, o que na binomial se traduz
com dois alelos 2 e 4 com frequências p e q respetivamente
em duas classes.
na geração inicial F0. A sombreados os genótipos esperados
pelas diferentes combinações alélicas na geração F1 Voltando ao exemplo considerado e subs-
tituindo p e q, pelos respetivos valores teríamos
Gâmetas masculinos (espermatozóides) as frequências genotípicas esperadas na geração
Gâmetas Alelo 2 (p) Alelo 4 (q) seguinte (geração F1):
femininos Alelo 2 (p) 2-2 (p2) 2-4 (pq)
(ovócitos) Alelo 4 (q) 2-4 (pq) 2-4 (q2)
f (Alelo 2 /Alelo2) = p2 = (0.6)2 = 0.36

Seguindo a Tabela 4, espermatozóides com f (Alelo 2 /Alelo 4) = 2pq = 2x 0.6x0.4 = 0.48


o alelo 2, têm probabilidade p, igual à frequência
desse alelo na população, de fecundar ovócitos f (Alelo 4 / Alelo 4) = q2 = (0.4)2 = 0.16
com probabilidades p e q respetivamente, con-
soante estes ovócitos tenham o alelo 2 ou 4. Aplicando estas frequências a uma nova
Teremos para as frequências dos vários genó- amostra de 100 indivíduos da nossa ilha de
tipos possíveis (frequências genotípicas esperadas Lupagaso, teríamos agora os seguintes valores
na geração F1) respetivamente: esperados para os três genótipos:
CAPÍTULO 5. Alguns conceitos de genética populacional com relevância em Genética Forense 131

Tabela 5 – Frequência esperada dos vários genótipos na prevê de forma precisa as frequências genotípicas
geração F1.
a partir dos valores p e q das frequências alélicas.

Genótipos do 2.3.1. CONDIÇÕES E UTILIDADE


Frequência Esperada
sistema D007 DO EQUILÍBRIO DE HARDY-WEINBERG
2-2 36
2-4 48 Para que a previsibilidade e constância do
4-4 16 equilíbrio de Hardy-Weinberg se concretizem
há um conjunto de pressupostos. A população
tem que ser panmítica como referido, ou seja
Segundo o equilíbrio de Hardy-Weinberg os cruzamentos devem ocorrer de forma alea-
estas frequências genotípicas obtidas após uma tória. A fertilidade deve ser idêntica. Não se
geração de panmixia (F1), isto é, em que os cru- admite sobreposição de gerações, mutações,
zamentos são feitos ao acaso, irão permanecer nem seleção natural, nem fatores que alterem
constantes em subsequentes gerações. o fundo genético inicial (não há movimentos
Com os valores na geração F1 retomávamos migratórios).
o mesmo valor inicial das frequências alélicas Estas condições como é óbvio, não se obser-
calculado para a geração parental inicial F0, ou vam nas populações humanas e nem tão pouco
seja 0.6 e 0.4 respetivamente. No entanto como noutros seres vivos. No entanto mantém-se a sua
se vê na Tabela 5, a distribuição genotípica es- utilidade e observa-se até um surpreendente grau
perada em F1 difere da inicial. Pode-se provar de concordância.
porém que a partir desta primeira geração pan- A utilidade do formalismo de Hardy-Weinberg
mítica F1, a distribuição genotípica iria perma- consiste no fato de ele servir como modelo, como
necer constante. hipótese nula (um termo caro à estatística), que
Este princípio exemplificado para um sistema nos permite prever as frequências dos genótipos
de dois alelos pode ser matematicamente demons- na ausência de fatores perturbadores da simples e
trado também para um sistema de n vários alelos aleatória combinação dos gâmetas portadores dos
como na realidade acontece com os marcadores vários alelos. A comparação com aquela situação
microssatélites. ideal, em que apenas a hereditariedade contribui
O equilíbrio de Hardy-Weinberg diz-nos que para os valores das frequências génicas, permite-
quer as frequências dos genes (frequências aléli- -nos em cada situação real, evidenciar e avaliar as
cas) quer as frequências genotípicas se irão manter forças evolutivas (e até eventuais causas de erro
com certo valor indefinidamente se se mantiver técnico ou amostral) ao comparar a distribuição
um conjunto de condições e tal é passível de genotípica e as frequências génicas obtidas com o
demonstração matemática. esperado segundo o modelo (teórico, não existen-
Outra forma de enunciar o equilíbrio de Hardy- te nas populações que estudamos) do equilíbrio
Weinberg é dizer que a expressão p +2pq+q =12 2
de Hardy-Weinberg.
132 LUÍS SOUTO

2.3.2. TESTANDO O EQUILÍBRIO e os esperados segundo o modelo teórico (hi-


DE HARDY-WEINBERG pótese nula do equilíbrio de Hardy-Weinberg)
apenas pelo acaso (e não por qualquer fator
A comparação entre os resultados das ge- evolutivo ou experimental).
notipagens obtidas com uma dada amostra da Se as diferenças entre os valores de distri-
população e a hipótese nula (a do equilíbrio de buição dos nossos genótipos e os valores que
Hardy-Weinberg) faz-se recorrendo a testes es- seriam de esperar na situação de equilíbrio de
tatísticos como o de χ de Pearson:
2
Hardy-Weinberg forem muito grandes, então ha-
verá razões para suspeitar que essas diferenças
não se devem ao acaso apenas.
k (0-E)2
χ = ∑ ———
2
A analogia com o lançamento de uma moe-
i=1 E da ao ar é evidente: se as diferenças entre o
número de caras e coroas esperado pelo mero
fator sorte e o número de caras e coroas efe-
No teste χ 2
obtém-se o valor χ 2
pelo so- tivamente obtido se traduzir numa diferença
matório dos quadrados das diferenças entre os grande, significativa, então suspeitamos de al-
genótipos observados e esperados divididos pe- guma viciação da moeda uma vez que partimos
los genótipos esperados. Note-se que o numera- do modelo (hipótese nula) de que as duas faces
dor da expressão nos fornece a diferença entre da moeda teriam à partida a mesma probabi-
valores observados e esperados em cada classe lidade de sair.
genotípica mas esta diferença é computada em Mas até que ponto esse valor de probabi-
termos absolutos ou seja não nos interessa em lidade é suficiente para tomarmos uma decisão
que sentido ocorre essa diferença, se a mais sobre se a nossa distribuição segue ou não o
ou a menos, e daí se elevar ao quadrado. Essa equilíbrio de Hardy-Weinberg?
diferença absoluta é dividida pelos valores es- Torna-se necessário comparar o valor de χ 2
perados pois temos que relativizar em relação a obtido com uma distribuição de χ 2. À medida
um valor esperado (uma diferença de 4 em 100 que o valor de χ 2 cresce, a probabilidade de a
tem um peso muito diferente de uma diferença diferença entre os valores observados e espera-
de 4 em 8, respetivamente 4% e 50%). Cada dos ser devida apenas ao acaso diminui (quanto
uma destas diferenças ponderadas calculadas maiores as diferenças entre valores observados
em cada classe genotípica é somada às restantes e esperados, menos provável é a nossa hipótese
previstas de acordo com as combinações possí- nula, isto é, o equilíbrio de Hardy-Weinberg).
veis em cada marcador genético atendendo ao Por convenção em geral adota-se o critério de
seu polimorfismo. um patamar de probabilidade 0.05 ou menos
O teste χ irá fornecer a probabilidade de
2
para as diferenças obtidas em χ 2 para rejeitar a
obtermos o valor encontrado (ou maior ainda) hipótese nula. Significa que se o acaso apenas
para a diferença entre os valores observados explica as diferenças obtidas em 5% ou menos,
CAPÍTULO 5. Alguns conceitos de genética populacional com relevância em Genética Forense 133

então é de rejeitar que a população se encontre A dedução dessa frequência assenta em


em equilíbrio de Hardy-Weinberg. amostragens de uma dada população de refe-
Note-se ainda que ao estimar a estatística χ 2 rência (os referidos estudos populacionais). Ora
temos que ter em conta os “graus de liberdade”, sabendo que usaremos essas frequências para
a quantidade de informação usada no respetivo vários cálculos, na verdade praticamente todos,
cálculo. No exemplo do marcador DS007 para aplicáveis no contexto da genética forense e
prever os três genótipos esperados (3 classes) designadamente o cálculo da “raridade de um
utilizamos duas informações: o número de indi- dado perfil genético”, então percebemos como
víduos e uma das frequências alélicas (com dois o grau de maior ou menor incerteza na determi-
alelos, uma vez determinada uma das frequên- nação dessas frequências afeta imediatamente
cias, p a outra é função da primeira, q=1-p). o grau de incerteza sobre os nossos cálculos de
O número de graus de liberdade é dado pelo âmbito forense.
número de classes menos o número de informa- O erro é minimizável (não eliminável) pelo
ções usadas para o cálculo das várias proporções alargamento da amostragem. Desde que asse-
esperadas. No exemplo teríamos 3-2 = 1 grau gurado que esta amostragem é constituída por
de liberdade. indivíduos representativos da população de refe-
Dado que, com os marcadores de ADN atual- rência, não relacionados entre si, obtida de forma
mente utilizados, muitas classes de genótipos es- aleatória, não há um número ideal ou sequer um
perados (segundo o equilíbrio de Hardy-Weinberg) número N de indivíduos na amostra que se possa
resultariam em valores baixos, recorre-se antes recomendar com base em critérios objetivos. No
a uma adaptação do teste exato de Fisher, sen- entanto alguns autores referem as N=100 como
do usual a metodologia desenvolvida por Guo e um valor aceitável (Butler 2012).
Thompson (Guo e Thompson 1992) de tipo Monte Este alargamento da amostra é controlável
Carlo ou em alternativa de tipo Cadeias de Markov. pelo investigador, ou seja temos ao nosso al-
O método de Fisher assenta no uso da cance minimizar o erro associado a esta “amos-
probabilidade condicionada que resulta de tragem estatística”. A estatística fornece-nos as
agregação de todas as possíveis combinações técnicas de avaliação desse erro de amostra (da
genotípicas que seriam tão ou menos prováveis “amostragem estatística”). Note-se que esse erro
que os genótipos observados (seriam pelo me- é meramente estatístico e nada tem a ver com
nos tão raras quanto a distribuição genotípica possíveis erros laboratoriais ou outras causas de
encontrada) empregando as mesmas frequên- âmbito genético ou demográfico.
cias alélicas. Porém, na “amostragem genética”, a sorte
Como verificámos o enunciado do equilí- de gâmetas transportando as suas combinações
brio de Hardy-Weinberg implica conhecimento alélicas, está fora do controle do investigador,
de uma das frequências num sistema bialélico sendo determinada pelo processo evolutivo sub-
(no exemplo hipotético a frequência de um dos jacente à diferenciação das populações referido
alelos, 2 ou 4, p ou q). anteriormente.
134 LUÍS SOUTO

3 . SU B ES T RU T U R AÇ ÃO subespécies a tal ponto que a unidade se mantém,


P O P U L AC I O N A L ou seja a inter-reprodutibilidade entre os humanos
independentemente do grupo e localização geo-
3.1. A POPULAÇÃO gráfica a que pertencem. Como seria de esperar a
diversidade proporcionada pela informação gené-
A população, como bem lembrado por Lock tica, a diversidade genética, é consideravelmente
e Nguyen (Lock e Nguyen 2010) é um concei- superior no continente africano e decresce com o
to abstrato que “não existe na natureza antes afastamento deste. Na Europa temos uma grande
definido formalmente por entidades nacionais “monotonia genética”.
e estatais”. Nos Estados Unidos, o FBI utiliza
como suporte ao seu sistema de base de dados 3.2. DERIVA GENÉTICA E FLUXO GENÉTICO
CODIS, estudos genético-populacionais em que
as populações de referência são grandes grupos As populações humanas apresentam graus
étnico-populacionais no mínimo discutíveis como variáveis de diferenciação, consequência de pro-
afro-americanos; caucasianos; hispânicos. Eis-nos cessos como migração, mutação e deriva.
pois com a possibilidade de “inventar” as popu- A deriva genética traduz o fato de as fre-
lações humanas consoante o nosso critério, os quências génicas apresentarem uma flutuação
nossos objetivos. ao longo do tempo apenas por força do acaso.
É atualmente praticamente consensual que É algo que não podemos controlar por melhor que
as atuais populações humanas resultarão de um seja a nossa amostragem aleatoriamente retirada
processo de expansão e diversificação a partir de da população. No limite as frequências podem
África há cerca de 100 000 anos, um período de chegar a extremos, ou seja termos um único alelo
tempo muito curto se comparado com os milhões presente na população (fixação) e a eliminação
de anos que foram consumidos na evolução que de alelos (um alelo que ocorra com baixa fre-
conduziu à nossa espécie, o Homo sapiens. quência numa população de tamanho reduzido
Nesta caminhada a partir de África (“out of a probabilidade de esse alelo se perder em cada
África”), os grupos humanos encontraram (terão geração é considerável). Num sistema bi-alélico
eventualmente até se cruzado embora tal seja ma- isso equivaleria termos frequência p=1, q=0.
téria de controvérsia científica), com outros homi- Em cada geração se tivermos dois alelos com
nídeos com menor capacidade cognitiva, como os frequências p e q as mesmas iriam se manter cons-
Neandertais existentes em zonas como a Europa tantes segundo o equilíbrio de Hardy-Weinberg se
ocidental. Estes novos Homo sapiens terão vencido a totalidade dos gâmetas presentes numa geração
pela sua inteligência, pelo seu valor “cultural” e estivesse presente na seguinte nas respetivas pro-
foram-se fixando pelos distintos continentes e em porções. No entanto em cada geração, nem todos
função de barreiras geográficas e por força destas, os indivíduos vão contribuir para a reprodução e
barreiras socioculturais e linguísticas, foram-se tam- assim apenas uma sub-amostra (aleatória) da po-
bém diferenciando em “populações”, mas não em pulação real é usada nas combinações dos gâmetas
CAPÍTULO 5. Alguns conceitos de genética populacional com relevância em Genética Forense 135

masculino e feminino para a geração seguinte. Este um aumento do fluxo genético irá contribuir para
“erro de amostra genético” é tanto maior quanto o aumento da diversidade genética da população
menor for o tamanho do efetivo populacional (as e será mais evidente o impato desse fluxo ge-
populações reais também não são infinitas como nético. Por exemplo as linhagens femininas (mi-
exigem os pressupostos do equilíbrio de Hardy- tocondriais) provenientes da África subsaariana
Weinberg). O mecanismo da deriva genética é um atualmente integrantes do “património genético”
fator que tende a homogeneizar geneticamente português, são claramente reconhecíveis e vice-
uma população, reduz a diversidade genética. -versa dado o ponto de partida tão geneticamente
Quanto maior o desvio padrão das frequên- divergente (Pereira e Ribeiro, 2009).
cias alélicas (provocado pelo erro de amostra ge- As frequências de alguns genes mostram
nético), maior a diversidade genética e menor a uma distribuição “clinal” ou seja, apresentam uma
deriva genética. variação contínua desde um ponto de frequência
Se duas populações forem geneticamente mais elevada até zonas de frequência mais rara, à
distantes isso reflete-se numa grande diferença medida que nos distanciamos. Isto acontece como
entre as respetivas frequências génicas. consequência de ser mais provável um cruzamento
Segundo o equilíbrio de Hardy-Weinberg, com indivíduos geograficamente próximos do que
teríamos uma população panmítica mas, sobre- com pessoas localizadas mais longinquamente
tudo quando consideramos populações gran- e portanto menos acessíveis. Este padrão clinal
des, verifica-se que os “cruzamentos não são tem sido observado para alguns polimorfismos
ao acaso”, havendo uma maior facilidade em, humanos, sendo um exemplo clássico o grupo
por exemplo, um homem português de Trás-os- sanguíneo B (Cavalli-Sforza 1996). Apesar da re-
Montes vir a ter filhos com uma transmontana cente tendência para a facilitação da mobilidade
do que com uma algarvia. Isto significa que populacional, continua a ser possível identificar
uma dada população (a população portugue- esse gradiente na distribuição de algumas das
sa no exemplo) pode em certas circunstâncias, frequências génicas humanas. Uma boa parte
compreender subunidades atuando já de forma das pessoas continua a realizar uniões num certo
independente, significa que uma tal população (embora cada vez maior) raio de proximidade.
se encontra subestruturada. Essas subunidades Recentemente os estudos de grande mag-
serão tanto mais distintas quanto menor for a nitude envolvendo um conjunto de até 300000
taxa de mistura genética, quanto menor for o SNPs (algo inimaginável há poucos anos) e re-
fluxo genético entre ambas. Um acidente geo- correndo à estratégia de WGP (Whole Genome
gráfico como uma cadeia montanhosa pode ser Polymorhisms) vieram a corroborar os trabalhos
o elemento causal de uma diminuição de fluxo já clássicos de Cavalli-Sforza (uma das grandes
genético e consequente subestruturação popu- referências na genética das populações huma-
lacional de uma população. nas), evidenciando por técnicas de tratamento
Se as duas subunidades ou duas populações de dados PCA (Principal Component Analysis)
tiverem características genéticas muito distintas, uma notável correlação entre a posição de um
136 LUÍS SOUTO

dado indivíduo no “espaço genético” com a sua uma população. Genericamente designados por
posição no espaço geográfico (McCoy, 2009). Fst, estes índices assumiram posteriores desen-
Por outro lado, uma diminuição do fluxo volvimentos a que correspondem sucessivas no-
genético deixa, a prazo, maior potencialidade menclaturas: GST (Nei 1973); θ (Weir e Cockerham
para a atuação do mecanismo aleatório da deriva 1984); RST (Sltakin 1995).
genética, diferenciando cada vez mais as (agora) Quando os membros de uma população são
subpopulações a ponto de elas serem já geneti- aparentados, então a probabilidade de obterem
camente distinguíveis. descendentes homozigóticos é maior do que na
A situação com consequências do ponto de situação de cruzamentos ao acaso (a probabili-
vista forense é a de termos duas “subpopulações” dade de parentes partilharem um mesmo alelo é
sob uma população a priori considerada, o que obviamente superior à da população em geral).
obriga então a utilizar uma diferente base de Na natureza temos casos extremos, de autogamia,
dados de distribuição de frequências na hora de em que a reprodução se faz com hermafroditismo
aplicar ao cálculo da raridade/vulgaridade de uma (ambos os sexos no mesmo indivíduo) como certas
dado perfil genético coincidente. espécies de plantas.
O cromossoma Y, com a sua especificidade Uma medida da diversidade genética numa
(na porção não recombinante com o cromossoma população é a heterozigotia (em cada marcador
X) aliado à prática frequente da patrilocalidade ou locus).
(i.e. a mobilidade para a constituição do casal é A heterozigotia pode ser obtida pela conta-
assegurada pela mulher permanecendo o homem gem do número de heterozigotos numa popula-
no seu local original) tem sido objeto da maior ção (HO, heterozigotia observada) ou a partir das
atenção pelos cientistas forenses numa perspetiva frequências génicas (HE, Heterozigotia esperada6,
da subestruturação populacional, inclusive a um dada pela expressão He = 1 - ∑ pi2 (pi é a frequên-
nível “microgeográfico” (Brion 2004). cia de um alelo i num dado locus). Quando maior
Quando a diminuição do fluxo genético é o número de heterozigotos maior a diversidade
resultante da decrescente probabilidade de cru- genética. A noção de heterozigotia num dado
zamentos em função do aumento da distância locus pode ser aplicada a múltiplos loci7.
entre indivíduos ou populações, estamos no con-
ceito do isolamento por distância, formulado por
Sewall Wright. 6   Esta expressão corresponde ao termo “diversidade
genética de Nei”. A este respeito consulte-se por exemplo Ha-
milton, M. (2009).
3.2.1. Avaliação do grau de substruturação: 7   A extensão a múltiplos (k) alelos da heterozigotia es-
da heterozigotia aos índices Fst. perada obtém-se somando todos os possíveis homozigóticos e
k
subtraindo da unidade: He= 1 ∑ pi 2 enquanto a heterozigotia
i=1
observada será o somatório de todos os heterozigóticos obser-
h
Wright (Wright 1951) desenvolveu o primei- vados na amostra populacional para k alelos: Ho = ∑ Hi em que
i=1
Hi é a frequência observada em cada genótipo e h o número de
ro de uma longa série de índices que permitem heterozigotos possíveis num sistema de k alelos (sendo que esse
avaliar o grau de subestruturação populacional de número possível é dado pela expressão h= k (k-1) /2).
CAPÍTULO 5. Alguns conceitos de genética populacional com relevância em Genética Forense 137

O índice de fixação F 8 (ou F IS na notação por um indivíduo pertencente a uma tribo índia
original de Wright) compara ambas as heterozi- do interior da Amazónia.
gotias (a observada e a esperada caso houvesse No âmbito da subestruturação populacional
cruzamentos ao acaso) considerando uma úni- (da população em subpopulações) os Fsts surgem
ca população: F = He-Ho / He, em que He é a na perspetiva da comparação da diversidade ge-
frequência esperada de heterozigotos a partir nética de cada subpopulação com a diversidade
das frequências alélicas da população de acor- genética total da população, pois, como exposto
do com o equilíbrio de Hardy-Weinberg e Ho acima, a subestruturação acarreta incremento da
é a frequência de heterozigotos observados na diversidade genética.
população. A alteração na heterozigotia (face à fre-
O índice de fixação para dada população (até quência esperada de heterozigotos segundo o
que ponto os seus membros cruzam ao acaso ou equilíbrio de Hardy-Weinberg) situa-se agora por
pelo contrário há diminuição de heterozigotia face um lado dentro de cada subpopulação (devida ao
ao esperado) pode ser explorado no contexto de fato de os cruzamentos não serem ao acaso) e por
várias subpopulações. outro entre as subpopulações de uma população,
Na realidade as populações humanas não são devido à subestruturação desta última.
panmíticas e assim a estimativa das frequências Entre os vários coeficientes que visam avaliar
génicas e genotípicas deve acautelar a estratifica- o grau de subdivisão de uma população consi-
ção das populações. Nem sempre é viável dispor deremos  θ,   F e f  (FST, FIT e FIS, respectivamente
de bases de dados de distribuição de frequências na nomenclatura de Wright).
para todas as populações. No contexto forense, FIS (I, Indivíduos; S, Subpopulações) repre-
alguns indivíduos podem não estar representados senta a média da diferença entre a heterozigotia
nas bases de dados de frequências disponíveis observada e a esperada (segundo HW) dentro de
para uma dada população pela sua especificidade cada subpopulação como consequência de os
étnico-racial ou geográfica. Por exemplo imagine- cruzamentos não serem ao acaso. Este coeficiente
-se o cenário de um crime perpetrado em Portugal corresponde a correlação entre dois alelos num
genótipo ao acaso em qualquer das subpopula-
ções, ou seja trata-se do índice acima descrito
para uma única população, F, mas agora como
8   Este índice pode ser encarado como uma generali-
zação à escala populacional do “coeficiente de inbreeding” média de várias subpopulações. FIS ou f traduz o
(notação f ) ou de consanguinidade calculado família a fa- “coeficiente de inbreeding” ou “consanguinida-
mília e significa determinar a probabilidade de dois alelos
num dado indivíduo serem “idênticos por descendência” de” dentro de cada subpopulação. De acordo
(IBD, Identical By Descendt), o que implica que haverá um com Holsinger e Weir (Holsinger e Weir 2009),
ancestral comum aos dois alelos presentes. Quando os mem-
bros de um casal têm parentes em comum (por exemplo são nas populações humanas os desvios intra-popu-
primos em segundo grau) a probabilidade de transportarem lacionais em relação às proporções do equilíbrio
alelos idênticos por descendência no seu genótipo é aumen-
tada o que origina uma tendência para excesso de homozi-
de Hardy-Weinberg serão pequenos, algo ava-
gotos (e diminuição da heteroziogotia). liado pelo índice FIS que compara as frequências
138 LUÍS SOUTO

genotípicas observadas em relação às esperadas usar a variância [σ] para avaliar até que ponto os
(segundo HW) dentro de uma população9. valores observados se afastam dos valores médios,
Por sua vez, o Fst, FST = (HT – H S) /HT traduz da média.
a redução na heterozigotia devido a diferença Dado que se considera que as subpopulações
nas frequências alélicas entre subpopulações. humanas partilham um mesmo passado evolutivo,
Corresponde à diferença entre a heterozigotia por mais longínquo que seja, então as respetivas
média esperada das subpopulações e a heterozi- frequências génicas partilham a mesma média
gotia esperada da população total. Este coeficiente variando por força do efeito de “amostragem
mede pois o grau de diferenciação entre sub- genética” mencionado.
populações e interessa sobremaneira aquando De facto podemos ter duas distribuições
da decisão de considerar ou não uma dada base de frequências alélicas com a mesma média mas
de dados populacionais para fins forenses como distintas variâncias, ou seja o espectro de obser-
adequada ao caso em apreço. O valor de FST varia vações ser menos ou mais disperso.
entre 0.0 (não diferenciação) e 1.0 (subpopulações Nesta perspetiva FST passa a ser a propor-
totalmente diferenciadas com alelos fixados). ção da variância genética dentro de uma sub-
Finalmente o terceiro índice, FIT, F IT = H T-H I população (S) relativa à variância genética total.
/H T representa a comparação entre a heterozi- O equivalente do coeficiente de inbreeding FIS,
gotia média observada nas subpopulações com será agora a proporção da variância de uma sub-
a heterozigotia esperada para a população total. população contida num indivíduo. Surgem assim
Os índices de fixação conheceram sucessiva- novos índices de subestruturação como sejam os
mente desenvolvimentos desde a definição inicial coeficientes θ ou θ ST (Weir 1996), ΦST (Excoffier
de Wright que fora formulada no contexto de 1992), este para dados haplotípicos (análise
um locus com dois alelos. Assim, por exemplo, o AMOVA, análise de variância molecular).
termo GST já referido resulta da aplicação a alelos Com o advento dos marcadores microssatéli-
múltiplos e loci múltiplos (Wright 1978, Nei 1973). tes foram introduzidos índices (como RST) baseados
Os índices de fixação podem alternativamen- nas diferenças no número de repetições entre
te ser encarados numa perspetiva de análise de alelos em cada locus microssatélite10.
variância, comparando a variância das frequências
alélicas face à variância da população total.
10   Este método assenta num modelo mutacional, desig-
Se considerarmos uma dada população e vá- nado SMM, “stepwise mutation” em que cada mutação cria
rias sub-amostras dessa população então podemos um novo alelo por adição/deleção de uma unidade de repeti-
ção, com igual probabilidade, pelo que os alelos com uma gran-
de diferença de tamanho entre dois alelos traduz uma menor
9   Representando HI a heterozigotia média observada proximidade de relação). Assim compreende-se que estes mé-
por indivíduo dentro das subpopulações; HS a heterozigotia todos de avaliação da subestruturação sejam adequados quan-
média esperada dentro de subpopulações nas condições de do a mutação tenha sido o mecanismo decisivo de diferencia-
cruzamento aleatório; HT a heterozigotia esperada nas condi- ção entre populações, enquanto os métodos “tradicionais” de
ções de cruzamentos aleatórios para a totalidade da popula- avaliação do grau de estruturação (mas não totalmente postos
ção (sem considerar subpopulações) temos (por analogia com de parte) se baseavam nas diferenças entre as frequências géni-
a expressão de F acima): FIS = (HS-H I) /HS. cas de subpopulações.
CAPÍTULO 5. Alguns conceitos de genética populacional com relevância em Genética Forense 139

Um exemplo da importância da subestrutura- subestruturação. As entidades internacionais cita-


ção no contexto forense pode ser o da população das propõem o uso de valores de θ de 0.01 para
australiana onde “escondidas” no seio de impor- populações em geral e de 0.03 para pequenas
tantes aglomerados populacionais cosmopolitas populações (mais endogâmicas) (Council 1996).
coexistem minorias de populações indígenas aborí- A consideração do fator θ aquando da
genes, com pequenos núcleos dispersos com baixos estimativa da probabilidade de ocorrência de
efetivos e forte tendência endogâmica e até neste um perfil genético coincidente (entre suspeito
caso, poligâmica (Taylor 2012; Walsh 2007). Na e amostra-evidência) traduz-se numa redução
Austrália a quantificação dos perfis de DNA é feita do valor em favor do suspeito. Quanto maior o
com recurso a três bases de dados de frequências, valor de θ, maior será a probabilidade de ob-
Aborígenes, Europeus e Asiáticos, realizando-se ter uma coincidência por mero acaso (Holsinger
frequentemente cálculos em diferentes bases al- 2009). Estudos com o conjunto de marcadores
ternativas incluindo a base de dados associada STRs recomendados atualmente pelas entidades
à origem étnica do réu caso este declare a sua europeias (Budowle 2011) mostram por exemplo
afiliação étnica (Taylor2012), em substituição do valores de FST para 15 STRs de Fst=0.0161, pelo
sistema inicial em que se recorria a uma única base que a aplicação dos valores dos coeficientes θ
de dados representativa de cada estado federado recomendados é “conservativa”.
australiano dado que por exemplo os aborígenes Nos marcadores de linhagem como cromos-
poderiam estar sub-representados nessa amos- soma Y e mitocondrial, são esperados efeitos de
tragem (recorde-se o que atrás dissemos sobre a subestruturação ainda maiores. No entanto apesar
amostragem em estudos populacionais). de haver recomendações por instâncias internacio-
Para os marcadores autossómicos está nais como a DNA Commission of the International
previsto desde há muito um fator de correção Society of Forensic Genetics (ISFG) no sentido de
θ para os efeitos da subestruturarão populacional. os efeitos de subestruturação populacional serem
A SWGDAM , seguindo o National Research
11
tidos em consideração neste tipo de marcadores de
Council (NRCII) recomenda as seguintes correções: ADN, a metodologia para tal não está ainda defini-
Para homozigotos em lugar de p deve-se 2
da e deve-se ter em conta a pertinência ou não do
entrar com a expressão: p 2+p(1-p)θ , mantendo uso de tal fator de correcção sobre as frequências,
a expressão 2pq para os heterozigotos. pois se as circunstâncias do caso não apontarem
Em populações grandes há um menor nú- para uma especificidade étnica ou geográfica ou
mero de homozigóticos do que nas subpopula- se as populações não estiverem subestruturadas
ções que a constituem (“efeito Whalund”). Assim tal não fará sentido (Cockerton 2012).
introduz-se um fator de correção para preve- Com os marcadores polimórficos SNPs, que
nir a subestimativa de homozigóticos devida a justificam um crescente interesse entre a comuni-
dade científica forense, acontece que as diferenças
11   Scientific Working Group on X Analysis Methods, gru-
po que representa laboratórios forenses ao nível federal, estatal
entre as frequências de distintas populações hu-
e local nos EUA e Canadá. manas podem ser muito grandes (a frequência de
140 LUÍS SOUTO

um dado alelo pode ir desde 0 numa população efeitos de outro fator evolutivo determinante, a
a 1 noutra, ou seja a fixação de um alelo e perda seleção natural.
do outro é verosímil). Este dado torna pertinente Os marcadores aprovados para genética fo-
o conhecimento da distribuição de frequências em rense são-no com base num modelo neutral ou seja
múltiplas bases de dados populacionais quando admite-se que não estejam sob efeito da seleção na-
se pretende utilizar tais tipos de marcadores na tural, a qual se iria traduzir em marcadas diferenças
rotina forense embora haja estudos orientados nas frequências em certas subpopulações sujeitas
no sentido da obtenção de um painel “universal” a esse mecanismo. Este é um tema ainda pouco
de marcadores SNPs (Pakstis 2007). explorado mas a possibilidade aberta por trabalhos
Por outro lado essa diferença de frequências com conjuntos de altas densidades de SNPs junto
tão marcada entre distintas populações (um eleva- a marcadores do sistema CODIS vem alertar para
do Fst) pode ser utilizada com vantagens: o mar- essa possibilidade (Anderson e Weir 2006).
cador torna-se então um possível AIM (Ancestral Também a independência entre os vários
Informative Marker) um marcador de ancestrali- loci é outra questão relevante no contexto da
dade e/ou origem biogeográfica o que pode ser genética forense. Alguns marcadores polimórfi-
muito útil nas aplicações forenses. Muitas vezes cos podem residir em loci que se apresentam em
não há acesso a dados que informem a origem “desequilíbrio de ligação” e como tal tendem a
biogeográfica nomeadamente quando lidamos ser transmitidos em conjunto e não de forma inde-
com amostras de vestígios (sangue, saliva) e esses pendente como consequência da sua proximidade
marcadores AIM podem fornecer algum grau de num mesmo cromossoma o que se vai refletir
indicação quanto à origem biogeográfica do in- numa menor frequência de recombinação12.
divíduo que produziu tais vestígios (teria sido um Na situação de desequilíbrio de ligação, dois
europeu? um africano?) o que permite estreitar alelos em diferentes loci (note-se bem que agora
o âmbito das investigações policiais quando não estamos a considerar distintos loci e não dois
há uma coincidência de perfis de ADN com os alelos num dado locus como acima) tendem a
suspeitos considerados ou ainda auxiliando na ser co-herdados com maior frequência do que a
procura de desaparecidos. esperada (se fossem verdadeiramente indepen-
dentes um do outro). Daqui pode resultar uma

4 . PA R A A L ÉM DA D E R I VA 12   A recombinação genética ocorre de forma aleatória


G E N É T I C A : O U T ROS FATO R ES quando dois cromossomas homólogos trocam partes do seu
ADN constitutivo como acontece no processo de formação
DA D I N Â M I C A P O P U L AC I O N A L dos gâmetas (na meiose). Quanto maior a distância entre dois
segmentos de ADN maior a probabilidade de a recombinação
ocorrer, pelo que a medida da recombinação entre dois loci é
A aplicação de um certo valor de θ é dis- também uma medida da distância genética. Uma percenta-
cutível: não só os distintos marcadores apresen- gem de 1% de recombinação corresponde a 1 centimorgan
(cM) que por sua vez se pode relacionar com a distância física
tam uma considerável variação de Fsts (pela sua entre dois loci uma vez que 1cM se traduz em cerca de 1Mb
história genealógica) como não são de excluir (um milhão de pares de bases de ADN).
CAPÍTULO 5. Alguns conceitos de genética populacional com relevância em Genética Forense 141

sobre-estimativa da força da evidência aquando Enquanto a deriva genética constitui fator


dos respetivos cálculos forenses. de redução da diversidade genética, outros pro-
Esta possibilidade tem sido muito menos cessos contribuem para a dinâmica populacional,
estudada pois exige uma abordagem populacional como as mutações ou as migrações ou a mistura
complementada com estudos familiares. Nos es- genética os quais atuam em sentido contrário.
tudos populacionais (i.e. com base em indivíduos A mistura genética resulta na obtenção de
não relacionados) o desequilíbrio de ligação não uma população com características híbridas a par-
é facilmente detetável, pelo que há necessidade tir da contribuição de duas ou mais populações
de obtenção de famílias para esse efeito. ancestrais as quais se encontravam inicialmente
No painel de marcadores STRs adotados isoladas (o que distingue do termo fluxo genético,
para fins forenses os marcadores loci vWA e em que há um contato prolongado e troca de
D12S391 estão situados no mesmo cromossoma genes entre duas populações).
12 e com proximidade física. Estes marcadores A maior ou menor diversidade genética e
têm sido alvo de estudos sobre desequilíbrio como tal a compreensão da atual configuração
de ligação (Budowle 2011; Oconnor 2011; Gill das populações humanas, abrange o âmbito da
2012), que apontam para que não devam ser mistura genética populacional (um exemplo cla-
considerados como loci independentes e como ro foram as movimentações de grandes efetivos
tal tratados de forma diferente dos restantes populacionais africanos para a América) se bem
marcadores aquando dos cálculos de probabili- que não possam ser ignorados os efeitos dos
dade de coincidência de perfis genéticos ou em processos de deriva genética, mutação, seleção ou
testes de parentesco. migração ou ainda o efeito das próprias alterações
O conceito de desequilíbrio de ligação (LD, nos efetivos populacionais13 como os “efeitos de
Linkage Desequilibrium) não se confunde com gargalo” (bottleneck) em que por força de um
Ligação (linkage), uma vez que dois loci podem acontecimento sociopolítico (uma grande catás-
apresentar um LD sem que estejam em linkage. trofe, uma guerra) ou geodinâmico (dependendo
Além do desequilíbrio de ligação resultante da da escala de tempo em que nos situamos para
proximidade física de marcadores, vários fatores análise), há uma redução drástica de forma sig-
da dinâmica populacional como a substruturação nificativa do efetivo populacional o que se traduz
populacional e em particular a deriva genética, em diminuição da diversidade genética.
podem concorrer para a observação de desequilí-
brio de ligação entre loci não (fisicamente) ligados.
13   Importa fazer a distinção entre o tamanho da po-
O fluxo genético entre populações geneticamente pulação e o tamanho efetivo da população, compreendendo
distintas tende a criar desequilíbrio de ligação por este último a porção da população que de fato participa da
reprodução contribuindo com gâmetas para a geração seguin-
mistura populacional (ALD, Admixture Linkage te. Trata-se de algo difícil de determinar pelo que se considera
Desequilibrium) entre loci (ligados e não ligados) como o tamanho de uma população idealizada com as mes-
mas características (quanto a deriva genética) que a população
com frequências alélicas distintas nas populações real em estudo e independentemente do censo populacional
originais (Pfaff 2001). ou seja da contagem de indivíduos na população.
142 LUÍS SOUTO

structure and differential natural selection among North


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CAPÍTULO 6. Base de Dados de Perfis de ADN 143

Capítulo 6
BASE DE DADOS DE PERFIS DE ADN

Francisco Corte-Real
Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra
Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P.
DOI | HTTP://DX.DOI.ORG/10.14195/978-989-26-0957-7_6
144 FRANCISCO CORTE-REAL

RESUMO ABSTRACT
Decorridos seis anos desde a publicação da lei que aprovou Six years after the publication of the law that approved
a criação da base de dados de perfis de ADN e quatro anos the creation of the DNA profiles database and four years
desde a inserção do primeiro perfil importaria fazer uma after the insertion of the first profile it’s important to do
análise retrospectiva sobre o processo que levou à publi- an analysis of the process that led to the publication of
cação da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro, à entrada em Law No. 5/2008, of 12 February, the entry into operation
funcionamento da base de dados, bem como descrever a of the database, as well as describing the current situa-
situação actual. Assim, neste texto é feita uma descrição tion. Thus, this text is a brief description of the initiatives
das iniciativas que originaram a publicação da lei e dos that led to the publication of the law and the issues that
aspectos que suscitaram mais controvérsia. São apresen- prompted the most controversy. The specificities of the
tadas as especificidades da base de dados Portuguesa, Portuguese database are presented succinctly, comparing
comparando-a, de forma sucinta, com algumas outras it with some other European databases, describing the
bases de dados europeias, descrevendo-se os problemas existing problems. The assumptions provided for inter-
actualmente existentes. São abordados os pressupostos national cooperation in this area are discussed, as the
previstos para a cooperação internacional nesta matéria, main challenges that lie ahead.
tal como os principais desafios que se perspectivam.

PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS
Base de dados; ADN; legislação; cooperação internacional. Database; DNA; legislation; international cooperation.
CAPÍTULO 6. Base de Dados de Perfis de ADN 145

1. I N T RO D U Ç ÃO pela Decisão do Conselho 2008/615/JAI, em 23


de Junho de 2008, referente ao aprofundamento
Acompanhando o avanço científico e tecno- da cooperação transfronteiras, em particular no
lógico característico do final do século XX, tam- domínio da luta contra o terrorismo e a crimina-
bém a Genética Forense sofreu, nas duas últimas lidade transfronteiras.
décadas, um desenvolvimento muito significativo. Em Portugal, até à criação da base de dados
Esse desenvolvimento permitiu não apenas uma de perfis de ADN, a comparação entre diferen-
maior sensibilidade nos resultados analíticos como tes processos só era possível em casos isolados,
também uma diversificação do tipo de marcadores mediante uma indicação expressa da autoridade
genéticos à disposição da investigação. A vulga- judiciária. Se ocorresse um determinado crime e
rização internacional das análises genéticas com se conseguisse colher um vestígio biológico no
fins forenses originou um elevado volume de in- local, só após a presença de um suspeito ou ar-
formação, cuja comparação pode ser pertinente guido se poderia fazer um estudo comparativo
para, por exemplo, se saber se o mesmo indivíduo entre o perfil de ADN do vestígio e o perfil de
está implicado em diferentes crimes ou para se uma amostra conhecida. A base de dados de
identificar o cadáver de uma pessoa desaparecida. perfis de ADN veio permitir a comparação entre
Tal facto levou a que muitos países instituíssem o perfil do vestígio e os perfis já existentes nessa
bases de dados de perfis de ADN a partir de 1995. base, possibilitando a identificação da pessoa
Este objectivo foi oficializado na Europa atra- envolvida ou a obtenção de dados informativos
vés da Resolução do Conselho de 9 de Junho relativos à participação noutras situações ante-
de 1997, relativa ao estabelecimento de bases riores. Este aspecto é extremamente relevante
de dados nacionais de ADN, e da Resolução do no caso de crimes com tendência repetitiva, em
Conselho de 25 de Junho de 2001, relativa à que possa existir uma probabilidade significativa
partilha de perfis de ADN entre os diversos es- da perpretação de um novo crime, o que pode
tados membros. A necessidade de partilha de acontecer, por exemplo, nos homicídios dolosos
informação entre os diferentes países foi proto- ou nos crimes de natureza sexual.
colada pelo Acordo de Prüm e, posteriormente,
1
O nosso País possui, desde há muito, as con-
dições técnicas e científicas necessárias ao esta-
1  Celebrado na cidade alemã de Prüm, a 27 de Maio
belecimento de uma base de dados de perfis de
de 2005, entre o Reino da Bélgica, a Alemanha, a Espanha, a
França, o Luxemburgo, os Países Baixos e a Áustria, com vista a ADN. As metodologias seguidas por vários labo-
aprofundar a cooperação policial transfronteiras nomeadamen- ratórios Portugueses encontram-se harmonizadas
te nos domínios da luta contra o terrorismo, a criminalidade or-
ganizada e a imigração ilegal e lançando as bases para uma co- com as estabelecidas em muitos outros laborató-
operação avançada entre estados membros da União Europeia. rios estrangeiros. Os seus elementos pertencem
Nos termos do Acordo de Prüm, o intercâmbio de informações
abrange, para efeitos de prevenção e investigação de infracções a sociedades científicas comuns (nomeadamente
penais e de manutenção da ordem e segurança públicas, as ma- a Sociedade Internacional de Genética Forense)
térias relativas, nomeadamente, aos perfis de ADN, aos dados
que, periodicamente, promovem reuniões, con-
dactiloscópicos, a outros dados pessoais com aqueles relaciona-
dos, e aos dados relativos aos registos de matrícula de veículos. gressos e exercícios de controlo de qualidade. Tal
146 FRANCISCO CORTE-REAL

facto, associado à escolha dos mesmos marca- perícias oficiais na área da criminalística biológi-
dores genéticos na constituição de uma base de ca3, evidencia bem o quanto uma base de dados
dados, é extremamente importante para que seja poderia apoiar os processos de investigação cri-
possível a troca de informações entre os vários minal. Mesmo que essa proporção de amostras
países, dada a actual fácil mobilidade de pessoas, não identificadas fosse substancialmente inferior
designadamente no espaço Europeu. justificar-se-ia a criação de uma base de dados
de perfis de ADN em Portugal.
A circunstância de haver uma Resolução do
2 . P RO C ESSO L EG I SL AT I VO Conselho da Europa de 9 de Junho de 19974, ins-
tando os estados membros a estabelecerem bases
No ano 2000 foi criado o Instituto Nacional de dados de perfis de ADN, constituiu também
de Medicina Legal (INML) , resultante da fusão
2
um argumento a favor da criação de uma base de
dos Institutos de Medicina Legal de Lisboa, Porto dados no nosso País. Esta resolução aconselhava
e Coimbra. Nesse mesmo ano, considerando o os estados membros a criar as suas bases de da-
facto de que muitas amostras obtidas em locais dos de acordo com os mesmos parâmetros e de
de crime não eram sujeitas a comparação por forma compatível. Salientou ainda, entre outros
inexistência de qualquer suspeito ou arguido, bem aspectos, que a possibilidade de partilha de da-
como a criação de bases dados de perfis de ADN dos se deveria limitar à parte não codificante do
em diversos países europeus funcionando com ADN, considerada como não contendo informação
sucesso, este Instituto defendeu publicamente a relativa a características hereditárias específicas.
criação em Portugal de uma base de dados de A Resolução do Conselho da União Europeia
perfis de ADN. de 25 de Junho de 2001 relativa ao intercâmbio
Um levantamento à data realizado, conside- de resultados de análises de ADN5 reforça a exi-
rando apenas os casos analisados no INML, reve- gência de os estados membros limitarem a análise
lou que aproximadamente 20% dos perfis obtidos do ADN às “zonas cromossómicas sem expressão
de amostras colhidas no âmbito de investigações genética, ou seja, que, ao que se sabe, não conte-
criminais nunca foram identificados, pela circuns- nham informação sobre características hereditárias
tância de não ter sido presente qualquer suspeito específicas”. Acrescenta ainda a recomendação da
ou arguido para comparação ou, no caso de tal ter cessação da utilização de marcadores genéticos em
ocorrido, pelo facto de o perfil não ter coincidido que venha a ser possível a obtenção de informação
com o(s) suspeito(s) ou arguido(s) presente(s) a
exame. Apesar de este valor não representar a 3  Instituto Nacional de Medicina Legal e Laboratório de
Polícia Científica da Polícia Judiciária.
totalidade nacional, pois duas instituições realizam
4  Resolução 97/C 193/02, publicada no Jornal Oficial das
Comunidades Europeias: N.º C 193, de 24/06/1997, pp. 0002-
2  Pelo Decreto-Lei n.º 146/2000, de 18 de Julho. Passou 0003.
a ser designado por Instituto Nacional de Medicina Legal e 5  Resolução 2001/C 187/01, publicada no Jornal Ofi-
Ciências Forenses, I.P., a partir da publicação do Decreto-Lei cial das Comunidades Europeias: N.º C 187, 03/07/2001, pp.
n.º 166/2012, de 31 de Julho. 0001-0004.
CAPÍTULO 6. Base de Dados de Perfis de ADN 147

sobre tais características. A Resolução propõe um estranhou a intenção da criação de uma base
conjunto de sete marcadores para inclusão nas de dados geral. Contudo, várias foram as vozes
bases de dados nacionais6. críticas que se levantaram, a nível nacional e in-
Em 19 de Junho de 2001 o INML organizou, ternacional, questionando a necessidade, a ca-
na Universidade de Aveiro, o primeiro seminá- pacidade e as condições financeiras do País para
rio sobre bases de dados genéticos, intitulado ter uma base de dados que incluísse a genera-
“Genética ao serviço da Justiça”, que contou com lidade da população Portuguesa. No entanto, o
a presença de inúmeras personalidades oriundas Governo apressou-se a esclarecer, por intermédio
não apenas do campo científico, mas também das do então Secretário de Estado da Justiça9, que se
áreas jurídica, ética e sociológica. Não obstante a pretendia uma base de dados tendencialmente
inexistência de consensos sobre a matéria, o então geral, construída de uma forma faseada e gradual.
Ministro da Justiça , como também o Secretário
7
O segundo pressuposto referido no Programa do
de Estado da Justiça , salientaram a intenção do
8
Governo estabeleceu que a custódia da base de
Governo no sentido de se avançar para a criação dados não competiria a órgão de polícia criminal,
de uma base de dados genéticos em Portugal. sem qualquer outra referência, designadamente
Dezenas de intervenções públicas, palestras, quanto a motivos para tal condição ou quanto à
reuniões e seminários ocorreram nos anos que se entidade que tutelaria a base de dados.
seguiram, tendo este tema merecido um particular Por despacho do Ministro da Justiça10, de
destaque por parte da comunicação social. 19 de Janeiro de 200611, foi criada uma comissão
Em 2003, a Polícia Judiciária e o INML apre- com a incumbência de apresentar até ao final
sentaram projectos de lei ao Ministério da justiça, desse ano uma proposta de lei que permitisse a
com vista à criação de uma base de dados de criação da base de dados de perfis de ADN. No
perfis de ADN. que se refere à metodologia proposta e com o
Contudo, apenas em 2005 e pela primeira intuito de clarificar a interpretação do previsto
vez, o Programa do XVII Governo Constitucional no Programa do Governo foi estabelecido que,
estabeleceu a intenção de criar uma base de da- na perspectiva da progressiva e gradual gene-
dos em Portugal, referindo o seguinte: “… será ralização da base de dados, a proposta deveria
criada uma base geral de dados genéticos para perspectivar o seguinte:
fins de identificação civil, que servirá igualmen-
te fins de investigação criminal (assegurando-se a) Constituição e funcionamento de uma
que a respectiva custódia não competirá a órgão base de dados genéticos com fins de in-
de polícia criminal)”. Conhecendo-se a autoria vestigação criminal;
do Programa do Governo nesta área, não se

9  Dr. Tiago Silveira.


6  Designados por “European Standard Set”. 10  Dr. Alberto Costa.
7  Dr. António Costa. 11  Publicado em Diário da República, 2.ª série, n.º 24, em
8  Dr. Diogo Lacerda Machado. 2 de Fevereiro de 2006.
148 FRANCISCO CORTE-REAL

b) Constituição e funcionamento de uma lei poderem ser aplicáveis às perícias de genética


base de dados genéticos com fins de forense, as especificidades de uma base de dados
identificação civil. com fins forenses bem como a multiplicidade de
questões próprias desta área justificavam a apro-
A comissão foi constituída por um represen- vação de uma lei nesta matéria. Esse terá sido o
tante do Ministro da Justiça , um representante do
12
entendimento do legislador ao referir, no n.º 19
Conselho Nacional de Medicina Legal , um repre-
13
do artigo 19.º da referida lei, que “os bancos de
sentante do Conselho Nacional de Ética e Ciências produtos biológicos constituídos para fins foren-
da Vida , uma representante do Laboratório de
14
ses de identificação criminal ou outros devem ser
Polícia Científica (LPC) da Polícia Judiciária , uma
15
objecto de regulamentação específica”.
representante do Centro de Direito Biomédico da Entre os diversos diplomas tomados em
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 16
consideração pela comissão salienta-se a Lei de
e um representante do INML , que coordenou.
17
Protecção de Dados Pessoais18. Os conceitos de
Apesar de o despacho ministerial que criou a co- dados pessoais, ficheiros de dados pessoais, nor-
missão ter previsto a presença de um elemento da mas relativas ao consentimento e aspectos relacio-
Comissão Nacional de Protecção de Dados, esta nados com o tratamento e interconexão dos dados
entidade entendeu não indicar representante pelo foram assimilados da referida lei, procurando-se
facto de ter de vir a pronunciar-se posteriormente, que o projecto em nada contrariasse as orienta-
após a elaboração da proposta. ções estabelecidas nesse diploma.
Uma das questões prévias levantadas refe- Também os pressupostos estabelecidos no
riu-se à aplicabilidade, neste âmbito, da Lei n.º Código de Processo Penal foram amplamente con-
12/2005, de 26 de Janeiro, relativa a informação siderados, designadamente no que se refere às
genética pessoal e informação de saúde, dado questões relativas à sujeição a exame e ao despa-
que o seu artigo 1.º estabelece que a referida lei cho que ordena a perícia, entre outros aspectos.
“define o conceito de informação de saúde e de Salienta-se que não houve qualquer indicação no
informação genética, a circulação de informação e sentido da articulação entre os trabalhos da co-
a intervenção sobre o genoma humano no sistema missão que preparou o projecto relativo à criação
de saúde, bem como as regras para a colheita e da base de dados e da que procedia à revisão do
conservação de produtos biológicos para efeitos Código de Processo Penal.
de testes genéticos ou de investigação”. Apesar A comissão elaborou o projecto durante
de diversas normas e pressupostos da referida o ano de 2006, tendo solicitado e tomado em
consideração o parecer de múltiplas entidades
12  Dr. Diogo Lacerda Machado.
e personalidades de algum modo ligadas a este
13  Prof. Doutor André Pereira.
tema, através de um inquérito elaborado para esse
14  Prof. Doutor Jorge Soares.
15  Drª. Saudade Nunes.
16  Profª. Doutora Helena Moniz.
17  O autor do presente capítulo. 18  Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro.
CAPÍTULO 6. Base de Dados de Perfis de ADN 149

efeito, elencando as questões mais problemáticas que se refere ao critério temporal da inserção do
e controversas. perfil, considerou excessiva a inserção de perfis
Foi realizado o levantamento nacional e inter- de condenados a penas concretas de 3 anos de
nacional de estudos, artigos de opinião e resultados prisão, referindo dever ser substituída pela pena
das bases de dados genéticos em funcionamento, concreta de 10 ou, no máximo admitido, de 5 anos
o que permitiu à comissão a análise comparada de prisão efectiva. No que se refere à vertente da
das questões suscitadas por esta matéria. identificação civil22 considerou não ser necessária
Em 27 de Outubro de 2006, o INML orga- e ser excessiva, “dada a sua obrigatória universali-
nizou, conjuntamente com o Centro de Direito dade, por um lado, e dada a excepcionalidade da
Biomédico da Universidade de Coimbra, um semi- finalidade da sua criação”, apenas se concebendo
nário internacional em que foram apresentadas e
19
“no contexto de catástrofes e acidentes imprevi-
discutidas, por representantes de diversos países, síveis e absolutamente excepcionais”.
as principais bases de dados em funcionamento. O Conselho Nacional de Ética para as Ciências
A proposta de diploma foi concluída pela da Vida pronunciou-se23 considerando justificável
comissão, tendo sido entregue ao Ministro da a criação de uma base de dados de perfis de ADN,
Justiça no dia 18 de Dezembro de 2006. desde que salvaguardados os princípios de trans-
No início de 2007, o Governo colocou em parência, independência e qualidade. O parecer
discussão pública o projecto . 20
orientou-se no sentido de a base poder conter
Foi solicitado parecer à Comissão Nacional perfis de pessoas condenadas por crimes graves
de Protecção de Dados que se pronunciou ma- 21
ou inimputáveis perigosos, no que se refere à
nifestando preocupação pela possibilidade da vertente criminal, bem como perfis para identifica-
obtenção de outro tipo de informação a partir ção de vítimas e de pessoas desaparecidas e seus
do ADN não codificante, além da necessária para familiares. Chamou a atenção para a necessidade
a identificação genética individual. O parecer con- da eliminação dos dados, no caso de algum dos
siderou positiva a criação da base de dados para marcadores vir a demonstrar uma associação a
fins de investigação criminal, defendendo con- uma doença ou um traço comportamental. Além
tudo a inadmissibilidade da coercibilidade física da obtenção do consentimento informado, escrito
para submissão ao exame e a obrigatoriedade da e revogável por parte de voluntários, familiares de
existência de decisão judicial fundamentada. No pessoas desaparecidas e profissionais, defendeu
que se deveria obter também o assentimento das
19  Decorreu na Faculdade de Direito da Universidade de pessoas condenadas. Foi defendida a destruição
Coimbra. das amostras biológicas identificadas, após a ob-
20  Apesar de se ter procurado uma participação pública
tenção dos perfis, tendo sido peremptória a recusa
alargada e de o Ministério da Justiça ter colocado o projecto,
durante cerca de três meses, na sua página electrónica, com
relevo na página de abertura, não houve um único comentá- 22  Apesar do registo de que o fundamento da sua cria-
rio, sugestão ou crítica que tivesse sido apresentado. ção se destinava à identificação de desaparecidos.
21  Através dos seus pareceres n.º 18/2007, de 19 de Abril 23  Através do seu parecer n.º 52/CNECV/2007, de 12 de
de 2007, e n.º 41/2007, de 16 de Julho de 2007. Junho de 2007.
150 FRANCISCO CORTE-REAL

da possibilidade de recurso, para fins criminais, a aos órgãos de polícia criminal e ao INML”,
bancos de material biológico pré-existentes cria- passando a redacção final a permitir a co-
dos com fins médicos ou de investigação. Foi municação dos dados “ao juiz competen-
considerado que tanto a custódia das amostras te consoante o tipo ou fase do processo,
como da base de dados deveria estar a cargo mediante requerimento fundamentado”;
de uma entidade independente, pluridisciplinar e - artigo 26º: acrescentados a alínea e) no
que não fosse parte interessada na investigação. n.º 1 e o n.º 2;
Quanto a aspectos relativos à segurança dos da- - artigo 34º: o n.º 2 passou a limitar a utiliza-
dos, referiu-se a necessidade de uma separação ção como meio probatório das amostras
entre o ficheiro dos dados pessoais e o ficheiro colhidas ao abrigo do disposto no n.º
dos perfis de ADN, bem como a limitação da 1 do artigo 8.º ao respectivo processo.
cooperação internacional à partilha de perfis de
ADN e não de amostras biológicas. Nos termos do artigo 39.º da Lei n.º 5/2008,
Em 8 de Junho de 2007 a proposta de Lei o regulamento de funcionamento da base de da-
144/X deu entrada na Assembleia da República. dos seria aprovado pelo conselho médico-legal do
Foi aprovada na generalidade, no dia 27 de INML, no prazo de seis meses após a publicação
Setembro de 2007 . A aprovação final global
24
da lei. O referido regulamento foi elaborado, dis-
ocorreu no dia 6 de Dezembro de 2007 . 25
cutido e aprovado pelo conselho médico-legal na
A lei que aprovou a criação em Portugal da sua reunião de 15 de Julho de 200826.
base de dados de perfis de ADN foi finalmente O conselho de fiscalização da base de dados,
publicada em 12 de Fevereiro de 2008 (Lei n.º estabelecido pelo artigo 29.º da Lei n.º 5/2008,
5/2008). após eleição, foi designado pela Assembleia da
No que se refere ao funcionamento da base República em 26 de Fevereiro de 200927.
de dados, alguns pontos foram acrescentados à Elementos do INML foram aos Estados Unidos
versão entregue pela comissão que preparou a da América fazer formação no laboratório do FBI
proposta, entre os quais: na Virginia28, tendo ficado habilitados a trabalhar
com o programa CODIS29. O programa CODIS foi
- artigo 8º: acrescentado o n.º 6; instalado no INML em Março de 200930, tendo
- artigo 19º: a proposta previa, no n.º 1, que
a comunicação dos dados pudesse ser 26  Vindo a ser publicado em Diário da República, 2.ª sé-
feita “… aos magistrados do processo, rie, n.º 234, de 3 de Dezembro de 2008.
27  Constituído pelo Conselheiro Manuel Simas Santos,
pela Profª. Doutora Helena Moniz Falcão de Oliveira e pela
Profª. Doutora Paula Ribeiro de Faria, nos termos da Resolução
24  Com votos a favor do PS e do PSD, votos contra do
da Assembleia da República n.º 14/2009.
PCP, do BE, de Os Verdes e de dois Deputados do PSD e a
abstenção do CDS-PP. 28  Em Fevereiro de 2009.

25  Com votos a favor do PS e do PSD, votos contra do 29  Combined DNA Index System.
PCP, do BE, de Os Verdes, de 2 Deputados do PSD e de uma 30  Instalação concretizada entre 16 e 18 de Março de
Deputada não inscrita e a abstenção do CDS-PP. 2009, pelo Dr. Kenneth Walker, CODIS International Installation
CAPÍTULO 6. Base de Dados de Perfis de ADN 151

sido modificado no sentido da sua adaptação à tendo sido divulgadas pelas entidades referidas
Lei n.º 5/2008. que procedem a colheitas.
Tal como previsto no artigo 12.º da Lei n.º O primeiro perfil de ADN foi inserido na base
5/2008, a portaria conjunta dos Ministérios da de dados no dia 12 de Fevereiro de 2010, ou seja,
Justiça e da Saúde relativa aos marcadores de dois anos após a publicação da Lei n.º 5/2008.
ADN a integrar a base de dados foi publicada Por Resolução de 7 de Junho de 2013, na se-
em 17 de Março de 2009 . 31
quência de eleição, foi designado pela Assembleia
Na sequência de candidatura a programa da República o novo Conselho de Fiscalização da
da Comissão Europeia , o INML conseguiu obter
32
base de dados de perfis de ADN35.
financiamento que lhe permitiu adaptar os seus A Lei n.º 40/2013, de 25 de Junho, veio
laboratórios às exigências periciais acrescidas aprovar a organização e funcionamento do con-
relacionadas com a criação e entrada em fun- selho de fiscalização da base de dados de perfis
cionamento da base de dados de perfis de ADN. de ADN36, bem como proceder à primeira alte-
De acordo com o estabelecido pelo artigo ração deste diploma. Previa a Lei n.º 5/2008, no
16.º do regulamento de funcionamento da base seu artigo 5.º, n.º 2, que “Sob proposta de uma
de dados de perfis de ADN, foi elaborado um ma- das entidades referidas no número anterior [LPC
nual de procedimentos relativo às regras técnicas ou INML], e com autorização do Ministério da
do seu funcionamento, com vista a assegurar a Justiça e do ministério que tutela o laboratório
qualidade, a segurança e a confidencialidade da proposto, a análise dos perfis de ADN pode ser
base. O manual de procedimentos foi elaborado realizada por outros laboratórios”. A nova redac-
por elementos do INML e do LPC . 33
ção do referido n.º 2 passou a dizer apenas que
Face à necessidade de serem observados a “Análise dos perfis de ADN pode ser realizada
critérios rígidos relativos à colheita das amostras, por outros laboratórios, mediante autorização do
tanto a nível dos laboratórios que procedem à Ministério da Justiça e do ministério que exerça
realização das análises como pelos restantes ser- tutela sobre eles”37.
viços médico-legais e por autoridades policiais,
foram elaboradas normas específicas de recolha
de amostras no âmbito da base de dados de per-
35  Constituído pelo Desembargador António Casebre
fis de ADN34, por elementos do INML e do LPC, Latas, pelo Médico e Deputado Dr. Ricardo Baptista Leite e
pela Advogada Drª. Maria Helena Terra Brandão de Sousa, nos
termos da Resolução da Assembleia da República n.º 81/2013.
Coordinator, e pelo Engº. César Ferreira, Coordenador Técnico
designado pelo INML para a base de dados. 36  De acordo com o previsto no artigo 30.º da Lei n.º
5/2008.
31  Portaria n.º 270/2009.
37  O enunciado existente justificava-se pelo facto de ter
32  “Prevention of and Fight against Crime 2007”, da an-
sido entendido que no caso de excesso de determinações judi-
terior Direcção-Geral da Justiça, Liberdade e Segurança.
ciais de inserção de perfis, que ultrapassassem as capacidades
33  Aprovado em reunião do Conselho Directivo do INML dos laboratórios do LPC e do INML, estas entidades públicas
em 16 de Novembro de 2009. poderiam solicitar apoio a outros laboratórios que ofereces-
34  Aprovadas em reunião do Conselho Directivo do sem garantias de qualidade, o que estariam em condições de
INML em 26 de Abril de 2010. comprovar dado ser a área em que exercem actividade.
152 FRANCISCO CORTE-REAL

3 . C A R AC T E R Í S T I C A S com a justificação de que uma lei deve ser geral


DA BA SE D E DA D OS e abstracta, não podendo ser aplicável apenas,
no caso, a um predeterminado grupo de pessoas
3.1. CRITÉRIOS DE INCLUSÃO condenadas. Foram apresentadas algumas su-
gestões sobre como poderia ser construída essa
No que se refere aos critérios de inclusão, base de dados geral, entre as quais a da possi-
várias questões e hipóteses foram equacionadas bilidade da recolha sistemática de amostras aos
e amplamente discutidas, entre as quais as se- recém-nascidos ou a colheita a todos os cidadãos
guintes: aquando da renovação do bilhete de identidade.
Foi dado o exemplo do projecto da identificação
a) Criar uma base de dados geral ou inser- dos cerca de 270 000 habitantes da Islândia38,
ção dirigida a um determinado grupo? apesar de se saber que essa base de dados teve
b) Limitar a base de dados à vertente da finalidades essencialmente clínicas.
investigação criminal ou incluir também No entanto, vários argumentos relevantes
a vertente da identificação civil? foram apresentados contra tais propostas. Desde
c) No âmbito criminal, inserir apenas perfis logo a inexequibilidade da sua concretização em
de condenados ou incluir também perfis breve prazo. Portugal não possuía, nem possui,
de suspeitos ou arguidos? laboratórios com capacidade suficiente para pro-
d) Ter como critério de inserção a medida ceder a centenas de milhares de análises anuais e
da pena ou estabelecer um catálogo de seria extremamente dispendioso e moroso ter de
crimes? criar novos laboratórios e formar recursos huma-
e) Que medida de pena estabelecer? nos que pudessem dar resposta a essas exigências.
Salienta-se que a comunidade científica interna-
3.1.1. Várias foram as propostas no sentido cional considera que um perito poderá subscrever
de ser criada uma base de dados geral, que in- autonomamente um relatório pericial apenas após
cluísse toda a população Portuguesa. Tal proposta três anos de exercício de actividade pericial. E,
foi apresentada, sobretudo, por juristas, pois as além disso, seria uma opção menos segura a de
pessoas com formação na área científica defen- que novos laboratórios e pessoas recentemente
diam, de forma quase consensual, a existência contratadas para o efeito assumissem a responsa-
de uma base de dados mais limitada. O principal bilidade da determinação de perfis de ADN para
argumento jurídico apresentado sustentava-se inserir numa base de dados, em comparação com
no fundamento de que estaria mais conforme laboratórios e peritos com anos de experiência
à Constituição a criação de uma base de dados no exercício pericial.
geral em vez de uma outra que incluísse apenas Por outro lado, tal solução apresentaria
um determinado grupo da população, embora uma taxa proporcional de sucesso no apoio à
tal não tivesse sido também consensual entre os
juristas consultados. Defendia-se essa posição 38  DeCode Genetics.
CAPÍTULO 6. Base de Dados de Perfis de ADN 153

investigação criminal muito inferior à verificada privilegiar a vertente criminal nas suas bases de da-
para a generalidade dos países. Dado que ape- dos, alguns incluem também o âmbito da identifi-
nas uma determinada proporção de indivíduos de cação civil. Uma base de dados de perfis de ADN
uma população comete crimes, se analisássemos poderá ser útil para a identificação de corpos, não
os perfis de ADN de toda a população em vez de apenas em situações de catástrofes, mas também
somente os que estão envolvidos em actividades para apoiar os casos isolados com que se confron-
criminosas, a taxa proporcional de sucesso seria tam os serviços médico-legais no decurso da sua
naturalmente inferior. O número de sucessos seria actividade pericial diária. Aliás, as bases de dados
superior, mas a proporção de resultados positivos de âmbito nacional servem essencialmente este
relativamente ao total analisado seria seguramente último propósito e não o primeiro, ao contrário
muito inferior. Em resumo, seria uma solução muito do que foi defendido pela generalidade dos que
mais dispendiosa, com uma taxa proporcional de justificavam não serem necessárias as finalidades
sucesso inferior, portanto mais difícil de defen- de identificação civil da base de dados, referindo
der, além de ser inexequível a breve prazo em que em Portugal não ocorriam muitas catástrofes.
Portugal. Não sendo uma solução rejeitada pela Se ocorrer uma catástrofe no nosso País, quer se
maioria dos que se pronunciaram quanto a este trate de uma situação usualmente chamada de
aspecto, entendeu-se que seria mais adequado catástrofe fechada 40 (como pode ser a queda de
avançar por etapas: elaborar, em primeiro lugar, avião) ou de uma catástrofe aberta41 (como, por
uma proposta dirigida aos processos de investiga- exemplo, um terramoto), existe usualmente uma
ção que pudessem beneficiar das potencialidades investigação concertada, sob a coordenação de
de uma base de dados e, futuramente, perspectivar um magistrado do Ministério Público. Mesmo na
o seu alargamento à população em geral . 39
ausência de lei própria para uma base de dados
Assim, apesar de ter os seus defensores e de perfis de ADN, nada impediria que fosse criada
constituir uma proposta com argumentos muito uma base de dados específica para investigação
válidos, a solução da criação de uma base de da- do caso concreto, com o objectivo de comparar
dos geral a curto prazo acabou por ser preterida. os perfis obtidos das vítimas com os dos familiares
das pessoas envolvidas ou outras amostras de
3.1.2. No que se refere à questão de limitar referência. Tal aconteceu por diversas ocasiões,
a base de dados à vertente da investigação crimi- sempre que necessário e determinado pela auto-
nal ou incluir também a vertente da identificação ridade judiciária. Nunca foi aí que residiu o pro-
civil, foi praticamente consensual a aceitação das blema, porque a legislação possuía mecanismos
potencialidades que a inclusão de perfis de ADN de responder a essa necessidade da investigação
com fins de identificação civil poderia trazer. Não pericial.
obstante o facto de a maioria dos países europeus

39  Uma solução semelhante às propostas que têm sido 40  Em que é conhecido o número de vítimas.
feitas no Reino Unido, face à constatação de que a base de 41  Em que pode não ser conhecido o número e a iden-
dados inclui já a generalidade dos cidadãos criminosos. tidade das vítimas.
154 FRANCISCO CORTE-REAL

O problema colocava-se no caso dos corpos A questão que aqui se poderia colocar seria a
não identificados que iam dando entrada nos ser- da opção entre uma base de dados para cada
viços médico-legais e que, após o recurso a todas uma das catástrofes que pudessem ocorrer ou ter
as outras metodologias de identificação possíveis, apenas uma única base de dados nacional que
eram inumados por identificar. Simultaneamente integrasse estes diferentes processos. Não temos
existiam pedidos de familiares de pessoas desa- dúvidas em defender que é vantajosa a existência
parecidas e de autoridades policiais no sentido de apenas uma única base de dados nacional.
de se saber se determinados corpos teriam dado Existindo mais do que uma grande catástrofe, em
entrada nalgum dos serviços médico-legais do que nem todas as vítimas tenham sido localiza-
País. Havendo alguma suspeita de que um deter- das e identificadas, seria possível o aparecimento
minado corpo pudesse pertencer a uma pessoa posterior de corpos cujos perfis teriam de ser
específica, mesmo que surgido em local distinto comparados com as diversas bases de dados até
do que seria de esperar ou mesmo que muito à sua identificação. Seria um processo complexo
tempo após o seu desaparecimento, nada impe- e desnecessário face à alternativa da existência
dia que o magistrado responsável pelo processo de apenas uma única base de dados nacional que
mandasse proceder à comparação genética. A permita a comparação entre os perfis de todos
maior dificuldade colocava-se quando não havia os corpos não identificados que apareçam (inde-
qualquer suspeita. Nessas circunstâncias sempre pendentemente do local e do tempo) com todos
foi entendimento do INML (apesar de ser um os perfis de familiares de pessoas desaparecidas
instituto com abrangência de actuação a todo o ou de outras amostras de referência.
território nacional e de ser tecnicamente possível
a confrontação entre os diferentes casos isolados) 3.1.3. No que diz respeito à vertente criminal
que não lhe era permitido estar a comparar distin- da base de dados de perfis de ADN colocou-se a
tos processos, sob a alçada de diferentes (ou até questão de inserir apenas perfis de condenados
dos mesmos) tribunais, sem uma determinação de ou incluir também perfis de suspeitos ou arguidos.
um magistrado nesse sentido. Este foi o objectivo O facto de o processo de criação da base de
principal que justificou a necessidade da vertente dados nacional ter sido iniciado quando a maio-
de identificação civil da base de dados e não o ria dos países europeus possuía já experiência
problema das catástrofes, como erroneamente de vários anos de funcionamento das suas bases
se interpretou. de dados permitiu ter em consideração os res-
Mas acrescenta-se, no que se refere às gran- pectivos resultados. Nesse âmbito, constatou-se
des catástrofes, nomeadamente às catástrofes uma taxa de sucesso superior para suspeitos 42 em
abertas, que por vezes nem todos os corpos são comparação com condenados, no que se refere
identificados nem aparecem todas as pessoas de- a coincidências obtidas. A inclusão de perfis de
saparecidas. Nessas circunstâncias, o processo de
42  Tradução de suspects, o que pode incluir o correspon-
identificação das vítimas poderá prolongar-se por
dente a suspeitos e a arguidos, dependendo dos ordenamen-
muitos anos sem que o processo seja encerrado. tos jurídicos de cada país.
CAPÍTULO 6. Base de Dados de Perfis de ADN 155

suspeitos foi observada em países como o Reino amostras problema existentes na base de dados.
Unido, a Áustria, a Alemanha, a Finlândia ou a Essa possibilidade pode ser exercida sempre que
Suíça, entre outros. Além disso, foi consensual, for entendido necessária, nos termos da lei apro-
entre os investigadores criminais consultados, a vada. Por essa via não se equipararam os arguidos
opinião de que seria útil a inclusão de perfis de aos condenados, no sentido da permanência dos
ADN de suspeitos na base de dados nacional. seus perfis na base de dados, mas não se retirou
No entanto, foi também praticamente con- à investigação criminal uma ferramenta que lhe
sensual, entre os juristas que se pronunciaram pode ser extremamente útil, salvaguardados os
relativamente a este aspecto, que a previsão de direitos daqueles cidadãos.
um ficheiro de suspeitos ou arguidos na base
de dados levaria a que a proposta pudesse ser 3.1.4. Quanto à questão de ter como critério
inconstitucional, com o argumento de que esses de inserção a medida da pena ou um catálogo
cidadãos são inocentes até prova em contrário. de crimes, observou-se não serem uniformes as
Neste aspecto, como em diversos outros, opções seguidas nos diversos estados europeus.
a comissão que elaborou a proposta optou pela Países como a Holanda, a Suécia, a Dinamarca
posição mais cautelosa, sempre no pressuposto ou a Suíça optaram por ter como critério a medi-
de que seria mais benéfico para o País ter uma da da pena. França, Finlândia ou Noruega, entre
base de dados mais restritiva mas que pudesse ser outros, definiram um catálogo de crimes como
aprovada, do que apresentar uma proposta mais critério de inclusão.
arrojada que não conseguisse obter o consenso Esta foi uma das questões em que não houve
suficiente para a sua aprovação e que levaria, unanimidade de opiniões, nem no seio da comis-
provavelmente, a mais alguns anos de discussão e são que preparou a proposta legislativa, nem nas
de atraso na criação desta importante ferramenta. pessoas consultadas sobre a matéria. Acabou por
A experiência observada em diversos outros países prevalecer o critério da medida da pena. Um dos
mostrou também que muitos começaram com argumentos que mais pesou consistiu na consta-
bases de dados restritivas e que, progressivamente tação de que a genética forense pode cada vez
e à medida que os receios iniciais foram desapare- mais fornecer resultados não apenas nos crimes
cendo e a sociedade passou a conhecer melhor e contra a vida e as pessoas, em que com maior
a ter mais confiança neste instrumento, alargaram probabilidade pode existir material biológico fa-
a sua abrangência. Assumidas voluntariamente, cilmente identificável, mas também noutro qual-
as opções foram no sentido referido, deixando quer tipo de crime, em que pode ser possível a
para uma fase posterior os aperfeiçoamentos que identificação de um perfil genético num docu-
a experiência viesse a demonstrar necessários. mento manuseado ou num objecto agarrado. Não
No entanto, e para de algum modo se poder haveria, assim, qualquer critério científico sólido
satisfazer as necessidades legítimas da investiga- que constituísse um argumento irrefutável para
ção criminal, foi prevista a possibilidade de inter- escolher alguns crimes em detrimento de outros.
conexão de perfis de arguidos com os perfis de Não havendo argumento científico irrefutável,
156 FRANCISCO CORTE-REAL

com que justificação se escolheriam alguns cri- dados da Grã-Bretanha tomados em consideração
mes relativamente a outros? Que outro critério, afirmavam que menos de um quarto das deten-
melhor do que o da gravidade do crime come- ções se referiam a novos indivíduos, 85% dos
tido poderia ser considerado? Fixando o Código criminosos tinham a sua primeira condenação
Penal a mesma medida de pena para dois tipos entre os 14 e os 19 anos de idade, a probabilidade
de crime distintos, com que fundamento se in- de um indivíduo de 14 anos reincidir no crime era
cluiria um deles e se excluiria o outro? Assim, de 77% e que 20% dos criminosos cometiam
apesar de não ter existido unanimidade no seio 80% dos crimes 43.
da comissão, a opção pelo critério da medida da Contudo, um dos aspectos a observar teria
pena foi a posição maioritária e que acabou por necessariamente de ser a exequibilidade da pro-
ser apresentada na proposta final. posta legislativa. Foi entendido que não deveria
ser apresentada uma proposta que não fosse
3.1.5. A questão que se colocou em seguida possível de concretizar com os meios laborato-
foi a de qual a medida da pena a considerar. Não riais ao dispor do País ou, pelo menos, que não
havia um padrão uniforme entre os diversos países implicasse investimentos muito avultados para as
que tinham optado pelo critério da medida da capacidades financeiras nacionais.
pena: a Suíça estabeleceu como critério um ano, Com base nos dados estatísticos disponi-
a Dinamarca um ano e meio, a Suécia dois anos, a bilizados pelo Ministério da Justiça, foi feito um
Holanda quatro anos, etc. Através dos resultados levantamento sobre o número de condenações
observados em vários países, concluiu-se que não existentes de acordo com a medida da pena apli-
apenas crimes muito graves ou graves obtinham cada. Verificou-se, no que diz respeito a conde-
coincidências identificativas nas diversas bases de nações com pena igual ou superior a três anos,
dados, mas também crimes de menor gravidade. que havia cerca de seis mil condenações por ano
Por exemplo as situações em que tinha ocorrido o em Portugal. Admitindo-se que, no limite, todas
crime de roubo caracterizavam-se por uma taxa as condenações implicassem a determinação do
de identificação muito elevada dos seus supostos perfil genético, tal acréscimo de exames labo-
autores. Além disso, foram tomados em consi- ratoriais seria possível de suportar pelos quatro
deração dados que apontavam para a utilidade laboratórios perspectivados para a realização das
da inserção precoce do perfil de ADN de um perícias (os três laboratórios do INML e o LPC),
indivíduo que se inicie em actividades criminosas. com o eventual apoio de outro laboratório na-
Investigadores criminais consultados referiram não cional cumpridor dos requisitos de qualidade, se
apenas a observação de uma tendência repetitiva se viesse a revelar necessário.
no cometimento de alguns tipos de crime, mas
principalmente a circunstância de que é comum
o início das actividades criminosas com crimes de 43  BUSHER, L. — The use of the UK National DNA Da-
tabase to support an intelligence-led approach to the inves-
pequena gravidade, com evolução posterior para
tigation of crime. Journal de Médecine Légale Droit Médical.
crimes de maior gravidade. A título de exemplo, (2002), p. 21-25.
CAPÍTULO 6. Base de Dados de Perfis de ADN 157

Apesar de ter sido defendida uma maior abran- Paulo P. Albuquerque 46, sendo defendida uma
gência da base de dados, por exemplo estabele- “quase automaticidade” por Jorge Reis Bravo 47.
cendo como critério de inserção uma condenação A jurisprudência divide-se entre a propensão para
com uma pena igual ou superior a dois anos ou a automaticidade 48 e o entendimento contrário 49.
até igual ou superior a um ano (à semelhança de Em suma, a proposta contemplou a possi-
outros países), tal facto originaria a necessidade de bilidade de inserção de perfis para investigação
realizar dezenas ou centenas de milhares de exames criminal (amostras problema e condenados), per-
laboratoriais o que seria absolutamente impossível fis para identificação civil (amostras problema e
de concretizar a breve prazo com os recursos actual- amostras referência), perfis de voluntários (com
mente existentes. E se fosse necessário criar novos as duas finalidades) e perfis de profissionais (para
laboratórios e formar muito mais pessoas, o nosso detecção de contaminações).
País iria ter de aguardar alguns anos até que fosse A Lei n.º 5/2008 veio estabelecer a criação
possível ter todas essas condições, além do investi- dos seguintes ficheiros, de acordo com as res-
mento avultado que teria de ser feito. Mais uma vez pectivas alíneas do seu artigo 15º:
se introduziria um risco acrescido para a segurança
dos resultados se fosse atribuída a responsabilidade a) ficheiro de voluntários;
da determinação de perfis de ADN para inserção b) ficheiro de amostras problema para iden-
numa base de dados a pessoas recentemente contra- tificação civil;
tadas ou a laboratórios sem experiência consolidada c) ficheiro de amostras referência para iden-
de exames de genética forense. tificação civil;
A perspectiva da determinação do perfil de
ADN na generalidade dos casos em que ocorresse
46  Comentário do Código de Processo Penal à luz da
uma condenação com pena concreta de prisão Constituição da República e da Convenção Europeia dos Di-
igual ou superior a três anos teve como pressu- reitos do Homem, 3.º. ed. actualiz. Universidade Católica Ed.,
Lisboa, 2009, p. 467.
posto a automaticidade da inserção, desde que
47  Perfis de ADN de arguidos-condenados (o art. 8.º, n.os
verificados os requisitos legais confirmados por 2 e 3, da Lei n.º 5/2008, de 12-02, Revista Portuguesa de Ci-
magistrado judicial44. ência Criminal - Ano 20, N.º 1, 2010 e I. O aprofundamento da
cooperação transnacional em matéria de intercâmbio de prova
Face ao enunciado da Lei, a defesa da auto-
genética. II. A ordem de recolha de amostras em condenados,
maticidade da inserção, no caso da condenação para análise e inserção na Base de Dados de Perfis de ADN.
Abordagens preliminares. Encontro de trabalho. Conselho de
em pena concreta de prisão igual ou superior a
Fiscalização da Base de Dados de Perfis de ADN -Procuradora-
três anos, é apontada por Inês Ferreira Leite 45 e -Geral da República e P. G. Distritais. Aspetos Práticos e Teó-
ricos do Funcionamento da Base de Dados de ADN e da Ob-
tenção da Prova por ADN em Processo Penal. Coimbra, 07 de
março de 2014.
44  O que não se veio a verificar, pelo número de perfis in- 48  Acórdãos da Relação de Évora de 13.12.2011 (relator
seridos após quatro anos de funcionamento da base de dados. Desembargador Alberto João Borges) e de 15.05.2012 (relator
45  A nova base de dados de perfis de ADN», Boletim Desembargador António J. Latas).
Informativo da FDUL-IDPCC, Ano 1, Ed. 5, Outubro-Novembro 49  Acórdão da Relação de Lisboa de 11.10.2011 (relator
2009 (nota 16). Desembargador Agostinho Torres).
158 FRANCISCO CORTE-REAL

d) ficheiro de amostras problema para ou de um condenado nos respectivos ficheiros da


investigação criminal; base, não exigindo um despacho autónomo para
e) ficheiro de condenados; a interconexão. Assim, cada inserção origina as
f) ficheiro de profissionais. interconexões previstas na lei, que são realizadas
pelo programa informático que foi adaptado à
No seu artigo 18.º, a Lei n.º 5/2008 definiu Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro.
quem possui legitimidade para mandar inserir os Os perfis de parentes de pessoas desapare-
perfis de ADN: cidas bem como de outras amostras referência
de pessoas desaparecidas apenas são cruzados
- os perfis relativos a voluntários, a parentes com os perfis relativos às amostras problema para
de pessoas desaparecidas ou a profissio- identificação civil53.
nais são inseridos mediante o seu con- Os perfis dos voluntários são cruzados com
sentimento livre, informado e escrito ;50
todos os ficheiros da base de dados54.
- os perfis relativos a amostras problema para Os perfis de amostras problema para inves-
investigação criminal ou para identifica- tigação criminal e os perfis de condenados são
ção civil são inseridos mediante despacho cruzados com todos os ficheiros, excepto com
do magistrado competente no respectivo os perfis relativos às amostras referência para
processo ; 51
identificação civil55.
- os perfis relativos a condenados são in- No que se refere aos perfis dos arguidos56,
seridos mediante despacho do juiz de apesar de não poderem ser inseridos na base de
julgamento . 52
dados de perfis de ADN, pois não existe ficheiro
de arguidos, poderão ser comparados com os
3.2. CRITÉRIOS DE INTERCONEXÃO perfis das amostras problema para investigação
criminal e amostras problema para identificação
A interconexão de perfis deve estar sujei- civil, além de com os perfis dos profissionais57.
ta a regras estritas, no sentido de garantir que O facto de ter sido proposto que o artigo 8º
apenas é possível a sua utilização para os fins n.º1, da Lei n.º 5/2008, se limitasse à possibilidade
que motivaram a respectiva colheita. Cada nova de interconexão de perfis de indivíduos com o
inserção origina a realização das interconexões estatuto processual de arguido e excluísse que
previstas na lei, sem necessidade de qualquer tal pudesse ser concretizado no caso de meros
determinação suplementar. A lei estabelece a ne- suspeitos deveu-se à circunstância de se saber que
cessidade de um despacho de magistrado para a
inserção de um perfil de uma amostra problema 53  Artigo 20º, nº 2, da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro.
54  Artigo 20º, nº 3, da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro.
55  Artigo 20º, nº 4, da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro.
50  Alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 18º. 56  Amostras colhidas ao abrigo do artigo 8º, nº 1, da Lei
51  Nº 2, do artigo 18º. n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro.
52  Nº 3, do artigo 18º. 57  Artigo 20º, nº 1, da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro.
CAPÍTULO 6. Base de Dados de Perfis de ADN 159

à medida que a base de dados vai aumentando sua entrada em vigor. Salienta-se que nunca foi
em número de perfis maior a possibilidade de perspectivado ou discutido, pela comissão que
ocorrer uma coincidência fortuita entre o perfil preparou o projecto, a aplicação deste diploma
de uma amostra referência e um perfil de uma às perícias em geral, na área da criminalística
amostra problema que não estando relacionada biológica. A comissão sempre teve o entendi-
com um crime foi colhida no respectivo exame mento de que a proposta que estava a elaborar
do local. É sabido que nem todas as amostras se aplicaria apenas à base de dados de perfis de
colhidas em locais de crime estão relacionadas ADN, pois apenas para tal estava mandatada, aliás
com esse crime. Pessoas que de forma fortuita como veio a ficar explícito na designação da Lei
tenham estado presentes nesse local, antes ou n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro, que “Aprova a
após a ocorrência de um crime, poderão deixar criação de uma base de dados de perfis de ADN
involuntariamente uma amostra biológica que não para fins de identificação civil e criminal”.
está relacionada com o crime. Assim, para evitar
essas “falsas” coincidências, elevou-se o grau de 3.3. CRITÉRIOS DE REMOÇÃO
exigência para a possibilidade de interconexão de
perfis de indivíduos em processo de investigação Antes de ser discutido este assunto, a co-
criminal, exigindo-se o estatuto de arguido. Este missão que elaborou a proposta legislativa fez
estatuto tem como pressuposto a existência prévia também um levantamento da realidade europeia,
de fundadas suspeitas no envolvimento em de- no que diz respeito aos critérios de remoção dos
terminado crime e, além disso, confere garantias perfis de ADN das bases de dados. Se no que
processuais e constitucionais que o mero suspeito se refere aos perfis das amostras problema não
não possui. A opção assumida pretendeu deixar foram observadas grandes questões que origi-
ao critério do magistrado judicial a verificação da nassem discordâncias, seguindo-se um critério
necessidade da realização da recolha, tendo em utilitarista, com os perfis a permanecerem na base
conta o direito à integridade pessoal e à reserva de dados enquanto forem necessários, o mesmo
da intimidade do arguido. não foi observado relativamente aos perfis dos
Existindo uma coincidência, os respectivos condenados e dos suspeitos/arguidos. Quanto a
magistrados que determinaram a inserção são estes últimos, não foram observados critérios de
informados desse facto, consoante os casos, e, remoção uniformes nos diversos países europeus.
se assim for determinado, a comunicação dos Constatou-se, por exemplo, que a Alemanha
dados será feita aos juízes titulares dos processos. remove os perfis dos adultos após 10 anos de in-
Em processos individuais, sempre que ne- serção e dos adolescentes após 5 anos. A extensão
cessário e nos termos do Código de Processo de desse período é possível se houver um perigo de
Penal, poderão ser realizadas comparações entre repetição da ofensa, podendo não haver remoção
suspeito(s) e amostra(s) recolhida(s) em local de no caso de homicídio ou de crimes sexuais.
crime, como sucedia antes da entrada em vigor Na Suíça os perfis são removidos após 30
da Lei n.º 5/2008 e continua a suceder após a anos, podendo também ser removidos após a
160 FRANCISCO CORTE-REAL

morte. Podem ainda ser removidos mais cedo, de fixação dos mesmos prazos previstos para o
aos 20 anos, em determinadas circunstâncias cancelamento definitivo do registo criminal, como
favorecedoras. critério para a remoção dos perfis60. Tal proposta
Em França, os perfis dos condenados são re- foi consonante com as finalidades que presidiram
movidos após 40 anos desde a última sentença ou aos princípios em vigor desde o século XIX que
quando os indivíduos atingem os 80 anos de idade. visavam conceder ao condenado que cumpriu a
No caso da Suécia, os perfis são removidos sua pena a possibilidade de se ressocializar e rein-
10 anos após a sentença cumprida. tegrar a sociedade na plenitude dos seus direitos,
Na Bélgica removem-se os perfis 10 anos sem qualquer estigmatização pelo facto criminoso
após a morte do condenado. anteriormente cometido. Não tendo sido levado ao
No Reino Unido é permitida a retenção dos conhecimento da comissão qualquer fundamento
perfis de forma intemporal. Inicialmente, apenas que justificasse o estabelecimento de prazos mais
os perfis das pessoas não condenadas eram remo- alargados, a proposta apresentada suportou-se
vidos, após o que se determinou a não remoção numa normativa existente que, não tendo exac-
mesmo das pessoas não condenadas. Tal facto tamente os mesmos pressupostos, encontrava
motivou a apresentação de duas queixas 58
no analogia com os objectivos pretendidos.
Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que con- Quanto aos perfis das amostras problema
cluiu ter esse procedimento sido violador do artigo para investigação criminal foi definido que a sua
8 da Convenção para a Protecção dos Direitos do remoção ocorrerá no termo do processo-crime ou
Homem e das Liberdades Fundamentais. no prazo máximo de prescrição do procedimento
Observa-se, assim, uma grande disparidade criminal, quando identificados com o arguido, ou
de critérios de remoção de perfis, não parecen- 20 anos após a recolha, quando não identificados
do existir qualquer fundamento uniforme, sob com o arguido.
o ponto de vista da investigação criminal, que No que se refere à identificação civil, o crité-
tenha orientado as decisões dos diversos países. rio estabelecido foi o da permanência dos perfis
Não existindo tal critério fundamentado em na base de dados até que ocorra a identificação,
argumentos relacionados com a investigação cri- pois a partir dessa data não se justificará a sua
minal, a comissão que preparou o projecto de
legislação sentiu a necessidade de propor o que en-
60  A Lei da Identificação Criminal (Lei n.º 57/98, de 18
tendeu melhor se adequar à realidade Portuguesa. de Agosto), estabelece no seu artigo 15.º, n.º 1, alínea a) o
Tal como havia sido anteriormente defendido por seguinte:
Cancelamento definitivo
Helena Moniz59, a comissão aprovou a proposta 1 - São canceladas automaticamente, e de forma irrevogá-
vel, no registo criminal:
a) As decisões que tenham aplicado pena de prisão ou
58  S. and Marper v. The United Kingdom: 30562/04 e medida de segurança, decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a ex-
30566/04 tinção da pena ou medida de segurança, se a sua duração
59  Os problemas jurídico-penais da criação de uma base tiver sido inferior a 5 anos, entre 5 e 8 anos ou superior a 8
de dados genéticos para fins criminais, Revista Portuguesa de anos, respectivamente, e desde que, entretanto, não tenha
Ciência Criminal, 12, 2002. ocorrido nova condenação por crime;
CAPÍTULO 6. Base de Dados de Perfis de ADN 161

manutenção. Quanto aos perfis relativos aos fa- f) perfis de profissionais: 20 anos após a
miliares de pessoas desaparecidas, apesar de o cessação das funções.
princípio ser o mesmo, a inserção e a permanência
na base de dados dependem do consentimento 3.4. CUSTÓDIA DA BASE DE DADOS
livre, informado e escrito, pelo que o perfil se
mantém até à identificação, desde que não haja A questão da custódia das bases de dados
revogação desse consentimento. é frequentemente um dos factores que atrasa a
Quanto aos perfis dos voluntários, apenas concretização desta importante ferramenta, ao
serão removidos se for revogado o consentimen- motivar conflitos entre instituições que ambicio-
to, prestado de forma livre, informada e escrita, nam ficar responsáveis pelo seu funcionamento.
aquando da sua inserção. Tal sucedeu em diversos países, especialmente
Em resumo, nos termos do artigo 26º da naqueles em que mais do que uma entidade oficial
Lei n.º 5/2008, a conservação de perfis ocorre possuía atribuições para a realização de exames de
da seguinte forma: genética forense. Nalguns a custódia da base de
dados ficou sob a alçada de um órgão de polícia
a) perfis de voluntários: tempo ilimitado, e noutros de um instituto de medicina legal ou
excepto havendo revogação do consen- instituto forense 61, embora nalguns casos e por
timento; motivos diversos se tenham observado algumas
b) perfis de amostras problema para iden- alterações posteriores.
tificação civil: tempo ilimitado, até à Um dos pressupostos internacionalmente
identificação; reconhecidos para a aceitação de perícias de gené-
c) perfis de amostras referência para identi- tica com fins forenses consiste na garantia de que
ficação civil: tempo ilimitado, até à iden- a defesa possui os mesmos direitos na utilização
tificação, excepto havendo revogação do deste meio de prova, seja através de uma decisão
consentimento no que se refere aos perfis judicial ou através de um perito independente.
de parentes de pessoas desaparecidas; Este constitui um dos pontos fundamentais da
d) perfis de amostras problema para inves- Recomendação do Conselho Europeu N.º R(92)1,
tigação criminal: de 10/02/1992, relativa à utilização dos exames
- se a amostra for identificada com o argui- de ADN no sistema de justiça criminal.
do: no termo do processo crime ou no Esta questão é de extrema relevância para
fim do prazo máximo de prescrição do alguns países, como no caso da Alemanha, que
procedimento criminal;
- se a amostra não for identificada com o 61  Alemanha: Federal Criminal Agency; Áustria: Institute
of Legal Medicine; Bélgica: Institut National de Criminalistic;
arguido: 20 anos após a recolha; Dinamarca: University Institute of Forensic Genetics; Finlândia:
e) perfis de condenados: na data em que se National Bureau of Investigation; Holanda: Netherlands Foren-
sic Institute; Noruega: Institute of Legal Medicine e National
proceda ao cancelamento definitivo no
Police; Suécia: National Institute of Forensic Science; Suiça:
registo criminal; Institut de Médecine Légale.
162 FRANCISCO CORTE-REAL

chegou a estabelecer no seu Código de Processo as análises laboratoriais (artigo 5.º). O artigo 10.º
Penal62 que o exame deve ser ordenado por um obriga a que a recolha das amostras seja realizada
juiz, a realização de exames deve ser feita por através de método não invasivo, como o raspado
peritos que não pertençam à entidade que está da mucosa bucal, respeitando a dignidade hu-
a prosseguir as investigações e os peritos devem mana e a integridade física e moral individual.
ser independentes, quer sob o ponto de vista da Excepto em situações em que tal seja impossí-
organização, quer sob o ponto de vista da área vel, deve ser preservada uma parte bastante e
de trabalho. suficiente da amostra problema para permitir a
No caso Português, o programa do XVII realização de uma contra-análise, se necessá-
Governo veio determinar que a custódia da base de ria (artigo 11.º), repetindo-se os procedimentos
dados não competiria a órgão de polícia criminal . 63
técnicos para confirmação de resultados (artigo
13.º). As amostras identificadas referentes aos
3.5. NORMAS PROTECTORAS condenados e aos voluntários são imediatamente
destruídas após a obtenção do perfil de ADN,
Muitas são as normas protectoras estabele- nos termos do artigo 34.º da lei. Apesar de ser
cidas na Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro, que permitida a cooperação internacional65, é proibida
resultaram não apenas das propostas elaboradas a transferência de material biológico para outros
pela comissão que preparou o projecto, como das países (artigo 21.º).
alterações posteriormente introduzidas. A inserção dos perfis de ADN na base de
Desde logo o artigo 1.º estabelece que a dados é feita após a existência de um despacho do
base de dados foi criada para fins de identificação, magistrado competente no respectivo processo,
sendo expressamente proibida a utilização, análise no caso das amostras problema, ou do juiz de
e tratamento de qualquer tipo de informação julgamento, no caso dos condenados (artigo 18.º).
obtida das amostras para fins diferentes dos da No que se refere ao armazenamento dos da-
investigação criminal e da identificação civil. dos, tem de existir uma separação lógica e física
No que diz respeito às amostras biológicas, entre o ficheiro dos perfis de ADN e o ficheiro dos
apenas os laboratórios que cumpram os requisi- dados pessoais, não podendo haver qualquer ele-
tos científicos, técnicos e organizacionais inter- mento identificativo do titular dos dados no ficheiro
nacionalmente estabelecidos64 poderão realizar dos perfis de ADN. Os diferentes ficheiros terão de

62  Parágrafo 81a.º e seguintes. à acreditação de prestadores de serviços forenses que desen-
63  Salienta-se que a questão relativa à custódia da base volvem actividades laboratoriais, os estados membros deverão
de dados nacional, após ter sido tomada a decisão de a atri- garantir a respectiva acreditação por um organismo de acre-
buir ao INML, não motivou obstáculos ao excelente enten- ditação nacional que certifique a conformidade dessas activi-
dimento que tem existido entre as duas entidades que, nos dades com a EN ISO/IEC 17025, até 30 de Novembro de 2013.
termos da lei, ficaram responsáveis pela realização das perícias 65  Designadamente no âmbito da Decisão 2008/615/JAI
para a obtenção dos perfis a inserir. do Conselho da União Europeia, de 23 de Junho de 2008,
64  Nos termos da Decisão-Quadro 2009/905/JAI do Con- relativa à partilha de perfis de ADN com finalidades de apoio
selho da União Europeia, de 30 de Novembro de 2009, relativa à investigação.
CAPÍTULO 6. Base de Dados de Perfis de ADN 163

ser manipulados por utilizadores distintos, median- relativos à salvaguarda dos direitos, liberdades e
te acessos restritos, codificados e identificativos dos garantias dos cidadãos.
utilizadores (artigo 15.º). Os dados pessoais apenas Entre todas as normas referidas a que mais
são comunicados ao juiz competente, mediante contestação tem merecido, designadamente pelas
requerimento fundamentado, nos termos do artigo autoridades policiais, tem sido a necessidade de ob-
19.º da lei. É proibido o acesso de outras pessoas tenção de despacho de magistrado para a inserção
à base de dados, além das previstas na lei (artigo de um perfil de uma amostra problema na base de
22.º) e qualquer pessoa tem direito a conhecer o dados. Tal exigência tem sido apontada como a cau-
conteúdo dos registos que lhe respeitem (artigo sa do reduzido número de perfis inseridos na base.
24.º), bem como de exigir a correcção de eventuais
inexactidões (artigo 25.º). 3.6. MARCADORES DE ADN
Todos os procedimentos relativos ao fun-
cionamento da base de dados de perfis de ADN Com o objectivo de salvaguardar e limitar o
são controlados pelo Conselho de Fiscalização, tipo de informação genética a colocar na base de
que responde apenas perante a Assembleia da dados, a comissão que preparou o projecto legisla-
República, por quem é designado, e pela Comissão tivo entendeu que os marcadores de ADN a analisar
Nacional de Protecção de Dados (artigos 29.º, 30.º no âmbito da base de dados não deveriam ser
e 37.º). A violação do dever de segredo ou das de livre opção dos laboratórios que procedessem
normas relativas a dados pessoais é punida nos à análise laboratorial das amostras nem da entidade
termos da Lei de Protecção de Dados Pessoais e que viesse a assumir a custódia da base de dados,
do Código Penal (artigos 35.º e 36.º). propondo, por isso, que fossem definidos sob a
Por último, realça-se a livre valorização da forma de portaria governamental. Assim, o artigo
prova por parte dos magistrados, referindo-se 12.º da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro, veio
que não é permitida uma decisão automatizada referir, no seu número 2, que “os marcadores a
que produza efeitos na esfera jurídica de uma integrar no ficheiro de perfis de ADN são fixados,
pessoa, tomada exclusivamente pelos resultados após parecer da Comissão Nacional da Protecção
da base de dados de perfis de ADN (artigo 38.º). de Dados, por portaria conjunta dos membros do
Tais normas, por alguns consideradas exces- Governo responsáveis pelas áreas da justiça e da
sivas e obstaculizadoras de uma maior eficácia da saúde, de acordo com as normas internacionais e
base de dados, permitiram que os mais receosos o conhecimento científico sobre a matéria”.
e críticos sobre os eventuais riscos que poderiam Um aspecto fundamental a ter em conside-
advir da criação da base de dados pudessem acei- ração e que motiva sempre muitas preocupações
tar a versão final do diploma. Recorde-se que, quando se aborda a temática das bases de dados
apesar de todas as normas protectoras propos- de perfis de ADN prende-se com a questão da po-
tas, o projecto teve votos contra na Assembleia tencial possibilidade de serem obtidas informações
da República, designadamente face aos riscos de natureza clínica dos dados genéticos presentes
nas bases de dados com fins forenses. Esse aspecto
164 FRANCISCO CORTE-REAL

foi abordado na Resolução do Conselho da Europa científicos existentes, não permitem a obtenção
de 9 de Junho de 1997, relativa ao estabelecimento de informação de saúde ou de características he-
de bases de dados de ADN 66, estabelecendo-se reditárias específicas, a que também se chamou,
que a possibilidade de partilha de perfis deveria abreviadamente e para maior facilidade de com-
limitar-se à parte não codificante da molécula de preensão, “ADN não codificante”.
ADN, não contendo, por isso, informação sobre ca- O Regulamento de funcionamento da base
racterísticas hereditárias específicas de uma pessoa. de dados concretizou de forma mais clara o que
Também a Resolução do Conselho da Europa de 25 havia sido estabelecido na lei referindo, no seu
de Junho de 2001, relativa à partilha dos resultados artigo 11.º, que “no caso de algum dos marcado-
das análises de ADN , veio reforçar este aspecto ao
67
res de ADN revelar informação relativa à saúde
referir que os estados membros deveriam limitar os ou a características hereditárias específicas, esse
resultados da análise do ADN às regiões cromos- marcador é excluído dos perfis de ADN incluídos
sómicas sem expressão genética, acrescentando na Base de Dados e deixa de ser estudado nas
que se algum dos marcadores aconselhados vier amostras a analisar posteriormente”.
a revelar informação sobre características heredi- Várias poderiam ser as opções relativas aos
tárias específicas, os estados membros deverão polimorfismos de ADN a analisar no âmbito da
deixar de o analisar. Estabeleceu um conjunto de base de dados. No entanto, deveriam ser toma-
sete marcadores, designados no seu conjunto por dos em consideração os marcadores definidos
European Standard Set , a ser analisados pelos
68
na Resolução do Conselho da Europa de 25 de
diversos estados membros, de modo a que fosse Junho de 2001, pois era importante assegurar a
possível a partilha de informações. possibilidade de comparação com os perfis inse-
Na preparação do projecto que deu ori- ridos noutras bases de dados europeias.
gem à Lei n.º 5/2008 foram assumidos os pres- Mas uma questão mantinha-se ainda por
supostos referidos nas resoluções do Conselho esclarecer: qual o número mínimo de marcadores,
de 9 de Junho de 1997 e de 25 de Junho de com resultados positivos, a estabelecer como cri-
2001, no que se refere aos marcadores de ADN tério para a inserção de um perfil na base de da-
a utilizar. Nas definições estabelecidas na Lei n.º dos? Não poderia ser um número muito reduzido,
5/200869 foi limitada a utilização dos marcadores pois correr-se-ia o risco de haver demasiadas falsas
de ADN àqueles que, segundo os conhecimentos coincidências entre perfis, quando fossem feitas
comparações. Não poderia ser um número muito
66  Resolução 97/C 193/02, publicada no Jornal Ofi- elevado, pois tal levaria a que não pudessem ser
cial das Comunidades Europeias: N.º C 193, de 24/06/1997,
inseridos muitos perfis, cuja inserção na base de
pp. 0002-0003.
67  Resolução 2001/C 187/01, publicada no Jornal Oficial dados seria útil, pelo facto de não ter sido pos-
das Comunidades Europeias: N.º C 187, 03/07/2001, pp. sível a obtenção de resultados positivos em, por
0001-0004.
exemplo, apenas um ou dois dos polimorfismos
68  VWA, TH01, D21S11, FGA, D8S1179, D3S1358 e
D18S51, além da amelogenina. obrigatórios. Além disso, se fosse tornado obriga-
69  No seu artigo 2.º, alínea e). tório um marcador que apenas estivesse contido
CAPÍTULO 6. Base de Dados de Perfis de ADN 165

num dos sistemas multiplex usualmente utilizados polimorfismos contidos nos sistemas multiplex mais
nos laboratórios forenses, Portugal ficaria depen- comumente utilizados pela comunidade científica
dente das condições contratuais impostas pela internacional. A possibilidade de inserção dos resul-
respectiva empresa produtora do sistema, sempre tados destes marcadores, ainda que não sendo de
que necessitasse de fazer aquisições. inserção obrigatória, permitiria elevar o poder de
Após análise das opções seguidas noutros paí- discriminação e uma maior segurança nos resultados
ses, bem como de alguns casos em que ocorreram comparativos com outras bases de dados europeias,
erros e, principalmente, da capacidade discrimina-
70
evitando situações de falsas coincidências.
tiva resultante da análise de diversos conjuntos de Assim, a Portaria n.º 270/2009, de 17 de
marcadores, tendo em consideração não apenas a Março, dos Ministérios da Justiça e da Saúde,
dimensão populacional Portuguesa mas também fixou os seguintes marcadores de ADN a integrar
as populações dos restantes países europeus com no ficheiro de perfis da base de dados:
as quais se iriam realizar comparações ao abrigo
da Decisão 2008/615/JAI do Conselho da União a) De inserção obrigatória:
Europeia, foi proposta ao Governo a opção da obri- vWA
gatoriedade de obtenção de resultados positivos TH01
nos sete marcadores do European Standard Set D21S11
como pressuposto para a inserção de um perfil de FGA
ADN na base de dados. Este conjunto de marca- D8S1179
dores fazia parte dos diferentes sistemas multiplex D3S1358
usualmente utilizados pelo INML e pelo LPC, o D18S51
que permitiria a inserção de perfis anteriormente Amelogenina
determinados por ambas as instituições e a ma- b) De inserção complementar:
nutenção dos sistemas em uso. TPOX
Por outro lado, considerando o facto de haver CSF1P0
distintos sistemas multiplex que permitem a obten- D13S317
ção de resultados noutros marcadores, considerando D7S820
o facto de existirem muitas amostras anteriormente D5S818
analisadas em que estavam determinados os re- D16S539
sultados noutros polimorfismos e considerando o D2S1338
facto de nem todos os países europeus analisarem D19S433
os mesmos marcadores, foi proposta a possibilida- Penta D
de da inserção dos resultados dos restantes mar- Penta E
cadores aceites pela INTERPOL e que incluíam os FES
F13A1
70  Como o conhecido UK DNA mismatch ocorrido quan-
F13B
do a base de dados inglesa incluía perfis com apenas seis po-
limorfismos estudados. SE33
166 FRANCISCO CORTE-REAL

CD4 livre, informado e escrito. A recolha de amostras


GABA. problema, quer suponha fins de identificação ci-
A Resolução do Conselho Europeu de 30 de vil ou de investigação criminal, segue os termos
Novembro de 2009, relativa à partilha de resulta- da legislação aplicável, embora para a inserção
dos analíticos de ADN71, veio alargar a 12 o núme- do perfil na base de dados dependa do despacho
ro de marcadores incluídos no European Standard do magistrado competente no respectivo processo.
Set, acrescentando os polimorfismos D1S1656, A recolha de amostras em arguidos ou condena-
D2S441, D10S1248, D12S391 e D22S1045. Foi dos é realizada por despacho do juiz, podendo
proposta a publicação de nova Portaria que inclua aqueles também apresentar o pedido da colheita.
também os referidos polimorfismos, na qualidade Nos termos da Lei n.º 5/2008 é necessário
de marcadores de inserção complementar. um despacho do magistrado judicial para a re-
colha da amostra em condenado72 e um outro
3.7. MODO DE FUNCIONAMENTO despacho para a inserção do perfil de ADN na
base de dados73.
O regulamento de funcionamento da base Independentemente da entidade que procede
de dados de perfis de ADN estabeleceu, no seu às recolhas, as amostras e os requerimentos ou des-
artigo 16.º, que o INML deveria criar “um ma- pachos para a colheita e inserção dos perfis de ADN
nual de procedimentos relativo a regras técnicas na base de dados deverão ser encaminhados para
do seu funcionamento, com vista a assegurar a uma das entidades competentes para a realização
qualidade, a segurança e a confidencialidade da das análises, ou seja, o LPC e o INML. Nos termos
Base”. O manual de procedimentos foi elaborado de acordo estabelecido entre as duas instituições,
por uma comissão composta por elementos do os pedidos de colheita de amostra referência re-
INML e do LPC, estabelecendo as regras proces- cebidos pelo INML serão preferencialmente reen-
suais relativas à recolha das amostras, ao envio caminhados para o LPC, que procederá à colheita
dos perfis de ADN e dos dados pessoais para a e envio para a delegação do INML da respectiva
sede do INML, bem como aos procedimentos a área de actuação. As perícias relativas a voluntários,
realizar com estas informações. familiares de pessoas desaparecidas e condenados
A colheita das amostras para os fins previstos sem processo de investigação prévia no LPC são
na Lei n.º 5/2008 obriga a procedimentos espe- realizadas, preferencialmente, pelo INML.
cíficos que têm de ser tomados em consideração Previamente à realização da recolha de amos-
pelas entidades responsáveis, encontrando-se cla- tra referência o examinado recebe a informação
ramente definido quem possui legitimidade para escrita prevista no artigo 9.º da Lei n.º 5/200874.
requerer a colheita das amostras. No caso dos vo-
luntários e dos parentes de pessoas desaparecidas, 72  Ao abrigo do disposto no artigo 8.º, n.º 2 e 3.

a colheita depende do respectivo consentimento 73  Ao abrigo do disposto no artigo 18.º, n.º 3.
74  O artigo 9º, da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro,
estabelece o seguinte: “Antes da recolha da amostra, o sujeito
71  Resolução 2009/C 296/01. passivo da colheita goza do direito de informação, previsto no
CAPÍTULO 6. Base de Dados de Perfis de ADN 167

No caso de indivíduo cego, surdo, mudo, anal- Independentemente da constatação da ine-


fabeto, desconhecedor da língua portuguesa, xistência de consenso na doutrina e na jurispru-
menor de 21 anos, ou se suscitar a questão da dência no que se refere à coercibilidade da recolha
sua inimputabilidade ou da sua imputabilidade e inserção dos perfis de ADN na base de dados,
diminuída que impeça a cabal compreensão do designadamente no que diz respeito à aplicação
acto, deve ser solicitado ao Tribunal a nomeação dos artigos 172º, n.º 1 e 277 (que remete para
de defensor e, se necessário, tradutor para acom- o artigo 154º, n.º 378, e artigo 156º, n.º 6 e 779)
panhar a colheita75. do Código de Processo Penal, o INML cumpre a
Não é realizada a recolha em caso de recu- determinação judicial que lhe for apresentada.
sa do fornecimento dos dados ou documentos Pronunciaram-se sobre a questão da coercibi-
previstos no nº 2 do artigo 6º do Regulamento 76
lidade, sem posições consensuais, entre outros
(excepto no que se refere à fotografia) ou recusa juristas, Paulo Pinto de Albuquerque 80, Sónia
de autorização de recolha da amostra biológica. Fidalgo 81, Maria do Carmo S. Dias 82, Benjamim
Nas situações anteriores, comunica-se por escrito
77  Artigo 172º do CPP. Sujeição a exame.
tal facto à entidade requisitante, após obtenção 1 – Se alguém pretender eximir-se ou obstar a qual-
de declaração do examinado ou, não sendo pos- quer exame devido ou a facultar coisa que deva ser exa-
minada, pode ser compelido por decisão da autoridade
sível, de duas testemunhas.
judiciária competente.
2 – É correspondentemente aplicável o disposto no nº 3
do artigo 154º e nos nº 6 e 7 do artigo 156º.
78  Artigo 154º do CPP. Despacho que ordena a perícia.
n.º 1 do artigo 10.º da Lei da Protecção de Dados Pessoais,
3 – Quando se tratar de perícia sobre características
com as necessárias adaptações, devendo ser informado, por
físicas ou psíquicas de pessoa que não haja prestado con-
escrito, nomeadamente:
sentimento, o despacho previsto no número anterior é da
a) De que os seus dados pessoais vão ser inseridos
competência do juiz, que pondera a necessidade da sua
num ficheiro de dados pessoais, com excepção dos dados
realização, tendo em conta o direito à integridade pessoal
relativos às pessoas referidas no n.º 1 do artigo 8.º;
e à reserva da intimidade do visado.
b) Sobre a natureza dos dados que são extraídos da
amostra, isto é, o perfil de ADN; 79  Artigo 156º do CPP. Procedimento.
c) De que o perfil de ADN é, nos casos admitidos na 6 – As perícias referidas no nº 3 do artigo 154º são
presente lei, integrado num ficheiro de perfis de ADN, realizadas por médico ou outra pessoa legalmente auto-
com excepção dos dados relativos às pessoas referidas no rizada e não podem criar perigo para a saúde do visado.
n.º 1 do artigo 8.º; 7 – Quando se tratar de análises de sangue ou de ou-
d) Da possibilidade de cruzamento do perfil recolhido tras células corporais, os exames efectuados e as amostras
com os existentes na base de dados de perfis de ADN, recolhidas só podem ser utilizados no processo em curso
com menção expressa da possibilidade de utilização dos ou em outro já instaurado, devendo ser destruídos, me-
dados para fins de investigação criminal, quando aplicável; diante despacho do juiz, logo que não sejam necessários.
e) De que a amostra recolhida pode ser conservada 80  Comentário do Código de Processo Penal à luz da
num biobanco, nos casos admitidos na presente lei.” Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direi-
75  Nos termos do artigo 64º, n.º 1, alínea d), do Código tos do Homem, cit., p. 463.
de Processo Penal. 81  Determinação do perfil genético como meio de pro-
76  “A confirmação da autenticidade da identificação é va em processo penal», RPCC, Ano 16.º, N.º 1, Janeiro-Março
realizada mediante apresentação de documento de identifi- 2006, p. 135 e (nota 74).
cação, do qual é feita cópia a integrar no processo, mediante 82  Particularidades da prova em processo penal. Algu-
recolha da impressão digital, e fotografia para a qual tenha mas questões ligadas à prova pericial, RCEJ, N.º 3 – 2.º Semes-
sido previamente solicitado o consentimento.” tre 2005, p. 211.
168 FRANCISCO CORTE-REAL

da Silva Rodrigues83, Inês Torgal Pedroso da Silva84, e de 13.12.201191 e os Acórdãos do Tribunal


Artur Pereira85, Tiago Caiado Milheiro 86 e Jorge Constitucional n.º 155/200792 e 228/200793).
Reis Bravo 87. A jurisprudência divide-se também Se for determinado o uso da força para a
quanto a este aspecto, designadamente tendo realização da recolha da amostra biológica efec-
em consideração as diferentes formulações se- tuada pelo INML é solicitado à entidade requi-
guidas no n.º 1 e no n.º 2 do artigo 8.º da Lei sitante que convoque órgão de polícia criminal,
n.º 5/2008 (acórdãos do Tribunal da Relação do força de segurança ou prisional para acompanhar
Porto de 10.12.2008 88
e de 10.07.2013 , do 89
a recolha.
Tribunal da Relação de Évora de 16.12.2008 90
A recolha de amostras em pessoas é feita
em duplicado, através de raspado de células da
mucosa bucal. Está excluída a possibilidade de
colheita através de método invasivo, designada-
mente por punção venosa ou picada capilar 94,
83  Da Prova Penal T. I – A Prova Científica: Exames, Aná-
lises ou Perícias de ADN? Controlo de Velocidade, Álcool e
como é usual no âmbito da rotina pericial de
Substâncias Psicotrópicas (à luz do Paradigma da Ponderação muitos laboratórios forenses. Sempre que possível
Constitucional Codificado em Matéria de Intervenção no Corpo
e nos casos previstos na lei deve ser conservada
Humano, face ao Direito à Autodeterminação Corporal e à Au-
todeterminação Informacional Genética), 3.ª Ed. revista, actua- uma parte da amostra que permita a realização
lizada e aumentada, Rei dos Livros, Lisboa, 2010, pp. 546-547.
de uma contra-análise.
84  A (i)legitimidade da colheita coerciva de ADN para
efeitos de constituição da base de dados genéticos com fi-
As amostras referência são enviadas para
nalidades de investigação criminal», Lex Medicinae - Revista o laboratório que determinará o perfil de ADN
Portuguesa de Direito da Saúde - Ano 8, N.º 15, 2011, p. 178.
preferencialmente em mão ou, em situações ex-
85  Da Prova. Âmbito, Especificidades e Valor Probató-
rio», Genética Forense – Perspectivas de Identificação Gené- cepcionais, por correio, acondicionadas em em-
tica (MARIA DE FÁTIMA PINHEIRO Coord.), Ed. Universidade balagem de violação detectável. A garantia da
Fernando Pessoa, Porto, 2010, p. 406 (nota 106).
86  Prova por ADN e o papel do Juiz de Instrução Crimi-
nal. Participação no Curso de Especialização “Temas de Direito 91  Relator Juiz Desembargador Alberto João Borges.
Penal e Processual Penal”. Centro de Estudos Judiciários - Lis-
92  De 10.04.2007, relator Juiz Conselheiro Gil Galvão (acór-
boa, 6 de junho de 2014.
dão anterior à revisão do Código de Processo Penal de 2007).
87  I. O aprofundamento da cooperação transnacional em
93  De 28.03.2007, relatora Juíza Conselheira Maria Fer-
matéria de intercâmbio de prova genética
nanda Palma (acórdão anterior à revisão do Código de Proces-
II. A ordem de recolha de amostras em condenados,
so Penal de 2007).
para análise e inserção na Base de Dados de Perfis de ADN.
Abordagens preliminares. Encontro de trabalho. Conselho 94  Note-se, contudo, o acórdão do TC n.º 155/2007: «Na
de Fiscalização da Base de Dados de Perfis de ADN -Procu- verdade, a introdução no interior da boca do arguido, contra
radora-Geral da República e P. G. Distritais. Aspetos Prá- a sua vontade expressa, de um instrumento (zaragatoa bucal)
ticos e Teóricos do Funcionamento da Base de Dados de destinado a recolher uma substância corporal (no caso, saliva),
ADN e da Obtenção da Prova por ADN em Processo Penal. ainda que não lesiva ou atentatória da sua saúde, não deixa de
Coimbra, 07 de março de 2014. constituir uma “intromissão para além das fronteiras delimita-
das pela pele ou pelos músculos” [...], uma entrada no interior
88  Relatora Juíza Desembargadora Maria Elisa da Silva
do corpo do arguido e, portanto, não pode deixar de ser com-
Marques Matos Silva.
preendida como uma invasão da sua integridade física, abran-
89  Relator Juiz Desembargador Joaquim Correia Gomes. gida pelo âmbito constitucionalmente protegido do artigo 25º
90  Relator Juiz Desembargador Alberto João Borges. da Constituição.»
CAPÍTULO 6. Base de Dados de Perfis de ADN 169

cadeia de custódia da amostra é pressuposto para Cada um dos dois grupos, constituídos por
a inserção dos respectivos perfil e dados pessoais profissionais diferentes e em locais distintos, pro-
na base de dados. cede à desencriptação da respectiva mensagem e
As análises são realizadas em duplicado, à inserção no respectivo ficheiro. Posteriormente
sempre que possível, por profissionais diferen- imprimem o recibo confirmativo da inserção, que
tes, utilizando kits de amplificação diversos. No entregam ao Ficheiro Intermédio, e eliminam os
caso de amostras problema poderão ser inseridos anexos recebidos.
perfis de mistura (correspondendo no máximo a
dois indivíduos). Após a recepção dos dois recibos confirma-
Após a análise, o laboratório prepara duas tivos das duas inserções, os responsáveis pelo
mensagens devidamente identificadas com o núme- Ficheiro Intermédio enviam uma mensagem con-
ro do processo do serviço e o tipo de informação: firmativa da inserção com sucesso ao respectivo
laboratório.
- uma com um anexo que contém o perfil O laboratório procede à destruição da amos-
de ADN; tra presente no suporte inicial bem como de to-
- outra com um anexo que contém os res- dos os seus derivados (no caso de voluntário ou
pectivos dados pessoais . 95
condenado) e envia a respectiva confirmação de
destruição para o Ficheiro Intermédio, dando-se
As mensagens são encriptadas e envia- por encerrado o processo.
das por correio electrónico para um designado
Ficheiro Intermédio que se encontra na Sede Ocorrendo uma concordância, entre o per-
do INML. fil que está a ser inserido e um outro já exis-
O Ficheiro Intermédio atribui uma codifica- tente na base de dados, a equipa do Ficheiro
ção que permite relacionar as mensagens, sendo dos Perfis de ADN remete aos responsáveis
a única entidade que o consegue fazer. De ime- pelo Ficheiro Intermédio os dois (ou even-
diato entrega em mão, em suporte digital, as tualmente mais) códigos referentes aos perfis
duas mensagens encriptadas, do seguinte modo: entre os quais se verificou a concordância.
A partir desses códigos o Ficheiro Intermédio
- a mensagem com os dados pessoais localiza os correspondentes identificadores
ao Ficheiro dos Dados Pessoais; dos dados pessoais, solicitando à equipa do
- a mensagem com o perfil de ADN Ficheiro dos Dados Pessoais que lhe seja reme-
ao Ficheiro dos Perfis de ADN. tida a respectiva identificação do(s) processo(s).
A indicação da existência de uma concordância
95  Cópia do documento de identificação, cópia da foto- é comunicada ao(s) tribunal(ais) respectivo(s),
grafia, cópia da impressão digital, cópia do despacho do Tri- referindo-se que, nos termos do artigo 19.º da
bunal, cópia do Auto de Colheita e, caso necessário, cópia do
lei n.º 5/2008, os dados são comunicados ao
Auto de Recepção do laboratório que realiza o exame, bem
como outros dados relevantes do processo. juiz competente.
170 FRANCISCO CORTE-REAL

O valor a pagar pela realização das perícias O desenvolvimento de um programa próprio


encontra-se previsto na tabela96 de preços das por parte do INML necessitaria do envolvimen-
perícias forenses97. to de recursos humanos da área da informática
Os procedimentos acima relatados de forma por tempo prolongado. Não se possuía tempo
sucinta encontram-se pormenorizadamente de- para essa opção, pois após a publicação da lei
talhados no referido manual que serve de orien- não se poderia aguardar um período de tempo
tação aos diversos profissionais que integram os cuja duração não foi possível perspectivar com
distintos ficheiros. Salienta-se que, apesar das segurança, mas que poderia ultrapassar um ou
elevadas normas de segurança, o processo decorre dois anos. Não se possuíam os recursos humanos
de forma célere, pois cada grupo sabe exacta- para tal, pelo que seria necessária a contrata-
mente os procedimentos que lhe estão atribuídos. ção externa, com custos elevados. Além disso,
seria uma aposta num programa sem quaisquer
3.8. PROGRAMA INFORMÁTICO garantias de que funcionaria de forma segura e
no pleno cumprimento dos pressupostos da lei.
Foram perspectivadas três alternativas na A hipótese do desenvolvimento de um programa
escolha do programa informático que pudesse próprio foi, por isso, afastada.
suportar a criação e o funcionamento da base de Elementos do Forensic Science Service des-
dados de perfis de ADN em Portugal: o desen- locaram-se, por diversas vezes, ao INML com a
volvimento de um programa próprio por parte intenção de disponibilizar o seu programa para
do INML, a compra do programa utilizado pelo funcionamento da base de dados Portuguesa.
Forensic Science Service do Reino Unido ou a Apesar de ser um programa de grande qualidade
aceitação da disponibilização do programa CODIS e de ter dado anteriormente provas de segurança
(Combined DNA Index System) usado pelo FBI nos e bom funcionamento, não foi apresentada ao
Estados Unidos. INML a garantia de que poderia ser adaptável à
legislação nacional nem que poderia satisfazer os
requisitos necessários à partilha de dados no âm-
96  Actualmente encontra-se em vigor a tabela aprovada bito do Tratado de Prüm, ao qual Portugal tinha já
pela Portaria n.º 175/2011, de 28 de Abril. manifestado intenção de aderir. Além disso, era um
97  Actualmente o valor a pagar pela identificação ge-
programa de custos elevados. Foi também afastada
nética individual em amostra referência no âmbito da base
de dados de perfis de ADN (por pessoa) é de 2 UC, quando a hipótese de aquisição deste programa.
requerida por tribunais, e 4 UC, quando requerida por outras O programa CODIS utilizado pelo FBI tinha
entidades públicas ou privadas.
A investigação biológica de vestígios criminais incluindo já dado provas da sua segurança e bom funcio-
a identificação genética de vestígios no âmbito da base de namento. Era usado não apenas nos Estados
dados de perfis de ADN, por amostra e em função da sua
natureza: a) De complexidade muito reduzida — 3 UC; b) De Unidos mas também por diversos países euro-
complexidade reduzida — 4 UC; c) De complexidade média peus, entre as quais a vizinha Espanha, país com
— 5 UC; d) De complexidade elevada — 6 UC; e) De comple-
o qual se perspectivava a maior necessidade de
xidade muito elevada — 7 UC.
O valor da unidade de conta é actualmente de 102 euros. cooperação internacional na partilha de perfis
CAPÍTULO 6. Base de Dados de Perfis de ADN 171

de ADN. Por tal circunstância, e no âmbito do Art. 15.º da Lei 5/2008 TOTAIS

referido Tratado de Prüm, tinha sido desen- a) Voluntários 4

volvida uma plataforma que permite fazer a b1) Am. Prob. - Id. Civil 4

ligação aos países que tivessem as suas bases b2) Am. Prob. (mist.) - Id. Civil 0

de dados de perfis de ADN instaladas no CODIS, c1) Am. Ref. - Pes. Des. - Id. Civil 1

plataforma que já tinha sido testada com êxito. c2) Am. Ref. - Fam. Pes.
12
Além disso, o LPC possuía já uma base de dados Des. - Id. Civil
d1) Am. Prob. - Inv. Criminal 1778
de perfis de ADN não identificados relativos
d2) Am. Prob. (mist.) - Inv. Criminal 3
a amostras problema, inseridos numa versão
e) Condenados 2572
anterior do programa CODIS, cuja informação
f) Profissionais 105
seria útil fazer transitar para a base de dados
4479
criada pela Lei n.º 5/2008. Seria da maior re-
levância não desperdiçar todo o trabalho que
havia anteriormente sido desenvolvido pelo LPC. Pedidos de cooperação internacional:
Por último, o FBI disponibilizou-se a facultar o
programa informático gratuitamente, instalá-lo, TOTAIS

adaptá-lo à legislação nacional, dar formação N.º Pedidos: 98

aos especialistas Portugueses e dar todo o apoio N.º Perfis: 200

que viesse a ser necessário. Face a estes moti- N.º Países: 27

vos e após ter sido obtida a garantia por parte


de especialistas informáticos nacionais de que Hits registados no CODIS
(AP: amostra problema; Cond: condenado):
estaria completamente assegurada a soberania
nacional relativamente às informações presentes
Total AP-AP AP-Cond
na base de dados a criar, foi aceite esta última
155 130 25
alternativa 98 .

3.9. RESULTADOS
4 . CO O P E R AÇ ÃO I N T E R N AC I O N A L
Os quadros seguintes apresentam os resul-
tados obtidos na base de dados Portuguesa em Considerando o carácter transfronteiriço
14.07.2014: de diversos tipos de criminalidade, bem como a
inevitabilidade de cooperação policial e judiciária
em matéria penal, foi sentida a necessidade de
promover a partilha de dados entre diferentes
estados membros.
98  Acrescente-se que, passados quatro anos sobre a
Várias propostas foram discutidas no sentido
entrada em funcionamento da base de dados, mantemos a
convicção de que foi a opção mais correcta. de ser criada uma base de dados europeia, que
172 FRANCISCO CORTE-REAL

apoiasse a investigação criminal entre os seus identificação dactiloscópica, a registo de matrícula


diversos países. O Programa de Haia para o re- de veículos, além de perfis de ADN, entre estados
forço da liberdade, da segurança e da justiça, membros. Estabelece normas relativas às condi-
estabeleceu que apenas se justificariam novas ções de transmissão de dados relacionados com
bases de dados centralizadas europeias desde determinados eventos de alcance transfronteiriço,
que representassem vantagens acrescidas. bem como normas relativas ao aprofundamento
Em 27 de Maio de 2005 foi assinado o da cooperação policial transfronteiras.
Tratado de Prüm , relativo ao aprofundamento
99
A Decisão 2008/615/JAI estabelece que os
da cooperação transfronteiras, em particular no estados membros devem assegurar a disponi-
domínio da luta contra o terrorismo, a criminali- bilidade, para comparação, dos perfis de ADN
dade transfronteiras e a migração ilegal. contidos nas respectivas bases de dados. Refere
Tendo sido discutida a proposta de criação de o diploma que as bases de dados deverão conter
uma base de dados europeia em reuniões de peritos apenas “os perfis de ADN obtidos a partir da parte
de ADN no âmbito do Tratado de Prüm, defende- não codificante do ADN”. Reforça-se assim um
mos a posição de que a partilha de dados entre as aspecto de extrema relevância social e que tem
bases de dados dos diversos países permitiria as sempre merecido referência em diplomas anterio-
vantagens de uma única base de dados centraliza- res relativos às bases de dados de perfis de ADN.
da, sem os inconvenientes resultantes dos receios da Tal decisão permite, nos termos do seu artigo
perda de controlo de dados de cidadãos nacionais. 3.º, a consulta automatizada de perfis de ADN,
Ou seja, é possível a obtenção da informação útil mediante a comparação entre um perfil concreto e
relativa a coincidência de perfis de ADN oriundos os perfis constantes das diversas bases de dados.
de diferentes países, mantendo-se em cada esta- Pode haver a comparação entre um perfil de ADN
do membro os dados pessoais relativos aos seus relativo a uma amostra problema e os perfis de
cidadãos (nome, morada, condenações anteriores, amostras referência ou perfis de amostras proble-
etc.). Foi esse o sentido da Decisão 2008/615/JAI ma constantes nas bases de dados dos distintos
do Conselho da União Europeia, de 23 de Junho de países. Mas também pode haver a comparação
2008, relativa ao aprofundamento da cooperação entre um perfil de ADN relativo a uma amostra
transfronteiras, em particular no domínio da luta referência e os perfis de amostras problema que
contra o terrorismo e a criminalidade transfronteiras. estão nas diversas bases de dados. A consulta
Tal decisão, que veio alargar o âmbito do Tratado permite a constatação de coincidência ou não
de Prüm, define regras de responsabilização sobre a coincidência entre perfis de ADN, mediante a
segurança dos dados armazenados, bem como cri- transmissão de uma resposta automática.
térios de protecção dos dados pessoais. Prevê ainda A decisão permite também, de acordo com o
uma partilha, célere e eficaz, de dados relativos a seu artigo 4.º, uma comparação automatizada de
perfis de ADN. Um estado membro poderá enviar o
conjunto dos seus perfis de ADN não identificados
99  Entre a Bélgica, a Alemanha, a Espanha, a França, o
Luxemburgo, a Holanda e a Áustria. para comparação com os perfis de outros países, se
CAPÍTULO 6. Base de Dados de Perfis de ADN 173

tal for admissível na legislação do estado membro União Europeia, referente à execução da Decisão
requerente. A comparação poderá ser efectuada 2008/615/JAI, estabelecendo um conjunto de
com os perfis identificados e com os perfis não normas relativas à execução de natureza admi-
identificados do país requerido. Uma vez mais se nistrativa e de natureza técnica desta decisão.
refere que a circunstância de ser obtida uma coin- É estabelecido que as redes de comunicações uti-
cidência entre um perfil de ADN não identificado lizadas para efeitos de transmissão de dados são
de um país requerente com um perfil também não os Serviços Telemáticos Transeuropeus Seguros
identificado de um país requerido poderá ser de entre Administrações (Testa II) e as respectivas
extrema utilidade para um processo de investigação versões mais recentes. É também fixado que os
criminal, apesar de não ser possível a identificação estados membros deverão tomar as providên-
imediata da pessoa envolvida. cias necessárias para que possa ser assegurada
Estes processos ocorrem através dos pontos a possibilidade de consulta ou de comparação
de contacto nacionais para o efeito designados. automatizada de dados a qualquer hora do dia,
No que se refere aos perfis de ADN, o ponto de nos sete dias da semana. São definidos os dados
contacto nacional designado pelo Ministério da que podem ser enviados no âmbito dos pedidos
Justiça Português foi o INML. de consulta ou comparação automatizada.
Existindo uma coincidência, numa segunda Quanto aos marcadores a analisar, os perfis
fase poderão ser solicitados os correspondentes de ADN enviados ou disponibilizados para efeitos
dados pessoais específicos relativos a um cidadão de consulta ou comparação deverão incluir pelo
de um outro estado membro ou outras informa- menos 6 dos 7 marcadores previstos no European
ções relacionadas, sendo transmitido apenas o Standard Set (ESS) ou no Conjunto Normalizado
que for permitido pela legislação nacional do país de Loci da Interpol (ISSOL), entre os 24 utilizados
requerido. A Decisão 2008/615/JAI estabelece um pela Interpol. Não são admitidos perfis de mistura
conjunto de pressupostos e obrigações no que no intercâmbio de dados. As regras concretas de
se refere à transmissão de dados pessoais entre inclusão, de concordância e de notificação são
os estados membros, no sentido de salvaguardar definidas no anexo à Decisão 2008/616/JAI.
a correcta utilização e a segurança dos dados. O prazo de execução para a produção de
A decisão permite ainda que se proceda à efeitos das decisões 2008/615/JAI e 2008/616/JAI,
colheita de material biológico a uma pessoa que de 23 de Junho de 2008, foi fixado em três anos
se encontre no território de um estado membro após a sua entrada em vigor100. Apesar de Portugal
requerido e que este realize a respectiva análise ter sido um dos últimos países da União Europeia
laboratorial, obtendo e enviando o perfil de ADN a ver aprovada legislação que permitisse a criação
obtido. Esta possibilidade está dependente do de uma base de dados de perfis de ADN, foi um
estabelecido nas legislações dos estados membros dos poucos estados membros a conseguir cumprir,
requerentes e requeridos.
Também no dia 23 de Junho de 2008 foi
100  Vinte dias após a sua publicação no Jornal Oficial da
aprovada a Decisão 2008/616/JAI do Conselho da União Europeia, que ocorreu em 6 de Agosto de 2008.
174 FRANCISCO CORTE-REAL

dentro do prazo, as exigências estabelecidas nas gerais relativas à protecção de dados previstas
citadas decisões europeias. no capítulo 6 da Decisão 2008/615/JAI, estando
Após a preparação necessária e a realiza- habilitado a receber e a transmitir dados pessoais
ção dos testes indicados, o INML respondeu ao nos termos dos artigos 3.º e 4.º dessa decisão…”.
questionário sobre protecção de dados e ao ques- O Conselho de Fiscalização à data em fun-
tionário sobre intercâmbio de dados de ADN , 101
ções entendeu que o INML não poderia dar início
realizou com êxito o ensaio-piloto e solicitou , 102
à partilha de perfis de ADN sem uma “transpo-
como estabelecido na decisão, a visita de avalia- sição” ou “adequação” da Decisão 2008/615/
ção por um dos estados membros que já tivesse JAI, pelo que foram solicitadas ao Ministério da
iniciado a aplicação da decisão. A visita foi rea- Justiça orientações no sentido de ser tomada uma
lizada por um grupo de peritos alemães 103
que decisão quanto a este assunto. Defenderam essa
aprovou de imediato o funcionamento da base posição Simas Santos106 e Helena Moniz107, mem-
de dados Portuguesa e as normas de segurança bros do referido Conselho de Fiscalização; Jorge
criadas, não tendo sido necessária qualquer ou- Reis Bravo108 manifestou entendimento diferente.
tra visita de avaliação. O relatório de avaliação
salientou a qualidade das medidas de segurança 106  “Mecanismos de verificação e Fiscalização (na Base
de dados de Perfis de ADN)”, A Base de Dados de Perfis de
existentes na base de dados Portuguesa104. Nessa DNA em Portugal (Actas das Conferências CNECV em 13 de
sequência, foi aprovada a Decisão do Conselho abril de 2012 em Coimbra), Coleção Bioética, 15, Conselho
Nacional de Ética para as Ciências da Vida, Lisboa, 2012, p. 75.
de 19 de Julho de 2011 “relativa ao lançamento
107  “Condições e Limites da Utilização da Prova por ADN
do intercâmbio automatizado de dados de ADN em Processo Penal (a Lei n.º 5/2008)”, A Base de Dados de Per-
em Portugal”105. Na decisão ficou expresso que fis de DNA em Portugal (Actas das Conferências CNECV em 13
de abril de 2012 em Coimbra), Coleção Bioética, 15, Conselho
“… Portugal aplicou integralmente as disposições Nacional de Ética para as Ciências da Vida, Lisboa, 2012, p. 81.
108  “I. O aprofundamento da cooperação transnacional
em matéria de intercâmbio de prova genética
101  Nos termos do artigo 20.º da Decisão 2008/616/JAI. II. A ordem de recolha de amostras em condenados,
102  No início de 2011. para análise e inserção na Base de Dados de Perfis de
ADN. Abordagens preliminares. Encontro de trabalho.
103  Jimmy Wang, Martin Eckert e Alexander Bachmann.
Conselho de Fiscalização da Base de Dados de Perfis de
104  Conclusões do relatório: “The implementation of ADN -Procuradora-Geral da República e P. G. Distritais.
the Prüm DNA application and the related Prüm DNA infor- Aspetos Práticos e Teóricos do Funcionamento da Base de
mation flow both on a legislative level and a technical level Dados de ADN e da Obtenção da Prova por ADN em Pro-
has been concluded successfully in Portugal. Portuguese DNA cesso Penal. Coimbra, 07 de março de 2014.
labs and database have methodical and sophisticated work Art. 7.º [da Decisão 2008/615/JAI] (Recolha do material
flows showing excellent quality assurance measures. Based on genético e transmissão de perfis de ADN): nesse particular,
the evaluation team’s observations, the DAPIX group should parece resultar evidente a necessidade de adoção de algu-
recommend to the Council that for the purposes of automa- mas medidas de execução do preceito, que terá de ser ne-
ted searching of DNA data, Portugal has fully implemented cessariamente «regulamentado», nomeadamente quanto à
the general provisions of Council Decision 2008/615/JHA and determinação dos critérios de aplicação do seu regime, v.g.,
Council Decision 2008/616/JHA. Portugal is also entitled to re- a definição dos órgãos judiciários competentes — em razão
ceive and supply personal data pursuant to Article 5 of Council da hierarquia e do território — para proceder às diligências
Decision 2008/615/JHA. Wiesbaden. 23rd May 2011.” de prova requeridas, a previsão da disciplina procedimental,
105  Publicada no Jornal Oficial da União Europeia em 27 o eventual regime de recursos, definir se o perfil ficará a
de Agosto de 2011. constar na base de dados nacional, entre outros aspetos.
CAPÍTULO 6. Base de Dados de Perfis de ADN 175

Tendo sido assinado um acordo entre Portugal BIBLIOGR AFIA


e os Estados Unidos da América para reforçar a
cooperação no domínio da prevenção e do combate AA. VV., (2012). A Base de dados de Perfis de DNA em
Portugal: Actas das Conferências CNECV em 13 de abril
ao crime109, aprovado também pela Assembleia da
de 2012 em Coimbra, Coleção Bioética, 15, Conselho
República110, com vista à possibilidade de partilha
Nacional de Ética para as Ciências da Vida, Lisboa.
de perfis de ADN, entre outros dados, em moldes De Albuquerque, P.P. (2009). Comentário do Código de
similares aos estabelecidos na Decisão 2008/615/ Processo Penal à luz da Constituição da República e da
JAI do Conselho da União Europeia, de 23 de Junho Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª Ed.

de 2008, o INML tem aguardado a disponibilidade actualizada, Universidade Católica Ed.


Bravo, J.D.R. (2010). Perfis de ADN de Arguidos-Condenados
dos EUA para dar início aos testes técnicos.
(O artigo 8.º, n.º 2 e 3, da Lei n.º 5/2008, de 12-02),
Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 20(1), 97-126.
ENFSI survey on DNA databases in Europe, December 2013,
CO N S I D E R AÇÕ ES F I N A I S published 11.04.2014: http://www.enfsi.eu/sites/default/
files/documents/enfsi_survey_on_dna_databases_in_eu-

A criação da base de dados de perfis de ADN rope_december_2013_1.pdf; acedido em 05.07.2014.


ENFSI report on DNA legislation in Europe, published
constituiu um marco importante para as Ciências
18.08.2012: http://www.enfsi.eu/sites/default/files/do-
Forenses Portuguesas. Instrumento imprescindível
cuments/enfsi_report_on_dna_legislation_in_europe_0.
para a investigação criminal e a identificação civil pdf; acedido em 05.07.2014.
nos países desenvolvidos, esta ferramenta possui Fidalgo, S. (2006). Determinação do perfil genético como
potencialidades que importa valorizar. Contudo, meio de prova em processo penal. Revista Portuguesa
de Ciência Criminal, 16(1), 115-148.
a base de dados Portuguesa tem estado aquém
Moniz, H. (2002). Os problemas jurídico-criminais da cria-
das suas capacidades, sendo importante a discus-
ção de uma base de dados genética para fins criminais.
são sobre os motivos que o justificam. O desco- Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 12(2), 237-264.
nhecimento da Lei n.º 5/2008 tem sido apontado Moniz, H. (2009). A base de dados de perfis de ADN para
como a principal razão para a inexistência de um fins de identificação civil e criminal e a cooperação trans-
maior número de despachos de inserção de perfis. fronteiriça em matéria de transferência de perfis de ADN.
Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 30(120), 145-156.
Múltiplas iniciativas têm sido organizadas com vis-
Neto, L. (2006). Sobre a existência e utilização de uma base
ta a colmatar esse desconhecimento. O aumento
de dados genética em Portugal, Homenagem ao Prof.
progressivo do número de despachos de inserção Doutor André Gonçalves Pereira, Faculdade de Direito
de perfis parece corroborar essa constatação. da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora.

Portanto, em bom rigor, se bem vemos as coisas, a ne-


cessidade de mediação normativa mais relevante é exigida
por uma matéria — obtenção e transmissão de prova ge-
nética — que não deveria integrar a DECISÃO 2008/615/
JAI, mas que nela se encontra prevista.”
109  Assinado em Lisboa, em 30 de Junho de 2009.
110  Resolução da Assembleia da República n.º 128/2011,
de 31 de Agosto de 2011.
(Página deixada propositadamente em branco)
CAPÍTULO 7. Problemas Éticos do Uso da Genómica Individual na Investigação Criminal 177

Capítulo 7
PROBLEMAS ÉTICOS DO USO DA GENÓMICA
INDIVIDUAL NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

Bárbara Santa Rosa


Médica, Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P.
DOI | HTTP://DX.DOI.ORG/10.14195/978-989-26-0957-7_7
178 BÁRBARA SANTA ROSA

RESUMO ABSTRACT
Em 1985 Alec Jeffreys, utilizando a tipagem de ADN In 1985 Alec Jeffreys used DNA typing, by analysis of poly-
por análise de polimorfismos para fins de identificação morphisms, for individual identification, making Genetics
individual, afirmou a Genética como disciplina de im- a discipline of core importance in forensic investigations.
portância capital na investigação forense. Desde então Since then the belief that genetic evidence is virtually
a crença na infalibilidade da prova genética expandiu-se infallible grew in proportion to the progressive develop-
de forma proporcional ao gradual desenvolvimento das ment of DNA analysis techniques and consequent access
técnicas de análise de ADN com consequente acesso a to an increasing amount of information contained in a
uma quantidade crescente de informação a partir de uma biological sample. Concurrently there was a significant
amostra biológica. Deste facto resultou uma aparente des- depreciation of other methods used in criminal investiga-
valorização de outros métodos de investigação criminal. tion. However the use of personal genomics in the forensic
No entanto, o uso da genómica individual em contexto field is impaired by scientific gaps, meaning that other
forense tem, desde logo, lacunas científicas, o que sig- investigation methodologies available may eventually
nifica que outras metodologias de investigação podem prove more appropriate and accurate in certain cases.
eventualmente revelar-se mais adequadas e eficazes em Moreover when we address issues about Genetics we
determinados casos. Acresce que, quando abordamos cannot neglect the ethical dimension of the discussion.
temas relacionados com a Genética, não podemos negli- There were numerous disastrous moments throughout
genciar a sua dimensão ética. São inúmeros os episódios the history of this discipline, amongst which we highlight
desastrosos que marcaram a história desta disciplina, dos the nazi eugenics.
quais sobressai a eugenia nazista. Accordingly it is important to anticipate the possible
Nesta conformidade é importante antecipar as possíveis harms to fundamental rights and ethical principles (such
ofensas aos direitos fundamentais e princípios éticos gerais as freedom, privacy and autonomy) that can result from
(tais como a liberdade, a privacidade e a autonomia) de- the use of DNA typing (focused on research of personal
correntes da utilização de tipagem de ADN (com enfoque or population individualizing factors) in criminal investi-
na pesquisa de factores individualizantes pessoais e/ou gations. This chapter is subjected to this purpose. Thus
populacionais) na investigação criminal. É a este objectivo we will bring to discussion ethical issues related to the
que se submete este capítulo. Serão nele abordados alguns collection of the biological sample to obtain DNA pro-
problemas éticos relacionados com a colheita das amos- files as well as the use of such profiles to comparative
tras biológicas para obtenção do perfil genético e com a identification and possible storage in a DNA databases.
utilização desses perfis para comparação identificativa e It is also covered the possibility of using other methods
eventual armazenamento numa base de dados. É, ainda, of DNA analysis in this context such as direct and indi-
abordada a possibilidade de recurso, neste âmbito, a rect phenotyping.
outras metodologias de análise de ADN, designadamente
à fenotipagem (directa e indirecta).

PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS:
Autonomia, Ciências forenses, Ética, Investigação criminal, Autonomy, Criminal investigation, DNA typing, Ethics,
Liberdade, Privacidade, Tipagem de ADN Forensic sciences, Freedom, Privacy
CAPÍTULO 7. Problemas Éticos do Uso da Genómica Individual na Investigação Criminal 179

I N T RO D U Ç ÃO ‘esfera privada’ do indivíduo à qual se deve recor-


rer ponderadamente. Quando invocados interesses
Em 1985 Alec Jeffreys, utilizando a tipagem públicos2 no geral ou interesses mais específicos
de ADN por análise de polimorfismos para fins tais como a eficiência das investigações criminais
de identificação individual, afirmou a Genética poderá a sua utilização ser legítima. Impera que
como disciplina de importância capital na inves- se estabeleça um equilíbrio entre as liberdades
tigação forense. Mas a molécula de ADN inspira pessoais e o bem comum. Quanto maior a ameaça
sentimentos paradoxais de admiração e receio... à ordem social mais fortes serão os argumentos
abriu-se assim mais uma caixa de Pandora, da a favor da restrição de liberdades individuais, de
qual se libertaram problemas éticos e ameaças aos acordo com princípio da proporcionalidade, tão
direitos humanos! Há que relembrar os inúmeros útil à Ética como ao Direito.
episódios desastrosos na história da Genética, dos Estes conflitos de interesse entre o indivíduo,
quais sobressai a eugenia nazista. Desde logo, o sistema judicial e a comunidade, podem ser
não poderemos negligenciar as possíveis reper- avaliados através de diferentes perspectivas éticas.
cussões sociais e éticas negativas desta disciplina, De acordo com a teoria Utilitarista nenhuma ati-
preocupações que se exacerbam quando falamos tude ou acção é destituída da noção de conse-
de investigações sobre a variabilidade genética quência, o que aparentemente justifica a aplicação
humana, com enfoque em factores individualizan- do princípio de maximização do benefício para
tes pessoais e/ou populacionais. A utilização da o máximo de indivíduos. Esta premissa baseia-
Genética para fins de identificação pode colidir -se no conceito consequencialista que submete
com valores éticos incontornáveis, sendo aqui de o julgamento da justeza de uma acção à sua fi-
sublinhar a liberdade, a autonomia, a privacidade nalidade. De acordo com esta máxima poderia
e a equidade. Há ainda que contemplar nesta aná- defender-se o uso da identificação genética em
lise vários direitos fundamentais, nomeadamente qualquer circunstância, desde que o intuito seja
de autodeterminação corporal e informacional, promover o bem comum. No entanto, na sua obra
de privacidade familiar e genética, de presunção Ensaio sobre a liberdade John Stuart Mill (1859),
da inocência e não auto-incriminação bem como consagrado defensor desta perspectiva, consi-
de julgamento justo e igualdade de meios entre dera o livre desenvolvimento da individualidade
a acusação e a defesa. como elemento essencial à felicidade humana.
Os dados genéticos, na legislação portu- Encontra-se aqui implícito o princípio hedonista
guesa1, enquadram a definição de dado pessoal, que defende que essa felicidade irá consistir uni-
conceito que abrange qualquer informação de camente em experiências aprazíveis e não doloro-
qualquer natureza (...) relativa a uma pessoa sin- sas, sendo de limitar a interferência (legítima) da
gular identificada ou identificável. Estamos assim opinião colectiva na liberdade individual. Logo,
perante informação do ‘domínio reservado’, da

2  Um interesse só pode ser considerado público quando


1  Lei n.º 67/98 de 26 de Outubro é mais abrangente que um simples interesse estatal
180 BÁRBARA SANTA ROSA

apesar do Utilitarismo não privilegiar a análise do entre os direitos individuais e os direitos comu-
grau de importância correspondente aos distintos nitários. Poderíamos mesmo citar Levinas (1988)
interesses em conflito, o objectivo de maximizar que na sua obra Totalidade e Infinito afirma que
o bem-estar da maioria, poderá per se estimular justificar a liberdade não é demonstrá-la mas
esse exercício de equilíbrio. torná-la justa. Mas se o valor fundamental da
A perspectiva ética baseada nos deveres tem dignidade humana resulta intocável, estabelecer
por base a filosofia de Kant (1785) que contempla a primazia e o alcance de outros princípios tais
o conceito de dever aplicado à realidade do ser como a liberdade, a privacidade e a autonomia, de
humano como ser racional, livre e igual entre acordo com o caso em concreto, pode revestir-se
os demais. Este filósofo, na obra A metafísica de alguma dificuldade. Esta parece, no entanto,
dos costumes inspira-nos a agir apenas segundo a perspectiva que melhor se adapta à discussão
máximas que possamos ao mesmo tempo desejar sobre se as actuais e potenciais exigências que
que se tornem lei universal e de tal maneira que recaem sobre identificação genética de indivíduos
usemos a humanidade, na nossa pessoa ou na de exaltam o agir de acordo com o bem comum
qualquer outra, sempre e simultaneamente como ou se turvam em controvérsia e ambiguidade de
um fim e nunca simplesmente como um meio. direcções e motivações.
Assim de acordo com este imperativo categórico Será que, tal como no mito grego de Pandora,
as acções que coloquem em causa a dignidade impera no final a esperança? Esperança de que a
humana não são permitidas, o foco de atenção Genética Forense, disciplina enraizada na natu-
incide na conduta adoptada e não nas suas con- ral curiosidade humana, ilumine conhecimentos
sequências. Este ponto de vista exclui nomeada- novos e verdadeiros, de legítima utilização em
mente a utilização de amostras biológicas colhidas nome da Justiça?
com objectivo clínico, para fins de identificação
individual, já que o consentimento não abrange,
neste caso, propósitos de investigação forense. O P R I N C Í P I O DA P R ESU N Ç ÃO
Por outro lado, a perspectiva ética baseada DA I N O C Ê N C I A
na responsabilidade considera que certos direi-
tos individuais, tais como o direito à vida, são Consagra a Constituição da República
tão importantes que não se podem sacrificar por Portuguesa, no número 2 do seu artigo 32º,
um bem maior nem submeter-se a interferências que todo o arguido se presume inocente até ao
coercivas. Outros princípios, apesar de funda- trânsito em julgado da sentença de condenação.
mentais, vêem a avaliação da sua importância É de sublinhar que aquele sobre quem recai uma
subjugada à consideração de prioridades, devendo acusação tem o direito de exigir provas sólidas da
nomeadamente atentar-se aos direitos alheios. De sua culpabilidade, devendo as mesmas ser con-
facto, deriva desta perspectiva o corolário de que sideradas de acordo com o princípio in dubio
um direito procede do dever de respeito que ele pro reo. De facto, a premissa de Voltaire mais
próprio inspira, existindo uma interdependência vale arriscarmo-nos a salvar um culpado do que
CAPÍTULO 7. Problemas Éticos do Uso da Genómica Individual na Investigação Criminal 181

condenar um inocente, é equiparável a um princí- permitindo afastar qualquer dúvida razoável e


pio constitucional, pelo que não é defensável que justificar a condenação do arguido. Mas, de acor-
a prova genética seja considerada conclusiva ou do com as circunstâncias, o Tribunal deverá manter
infalível. O princípio da presunção da inocência algum cepticismo, designadamente no que respei-
obriga não só que a acusação seja capaz de provar ta à interpretação de amostras contendo mistura
para além de qualquer dúvida razoável a culpa de ADN de dois ou mais indivíduos 4, de amos-
do arguido mas também que a existência deste tras degradadas5 ou de amostras com diminuta
tipo de prova não predisponha per se o julgador quantidade de ADN 6. De facto algumas destas
a optar pela condenação. O perfil genético deve situações testam a ciência e a tecnologia nos seus
antes sujeitar-se a uma análise jurídica rigorosa, limites. É ainda de considerar que a possibilidade
semelhante à inspirada pelos outros tipos de pro- de obtenção de um perfil de ADN a partir de uma
va. Neste sentido, o artigo 38º da lei n.º 5/2008 fracção de nanograma desta molécula pode gerar
de 12 de Fevereiro afirma que em caso algum é interpretações erradas, no caso de contaminação
permitida uma decisão que produza efeitos na ou mesmo focar demasiada atenção em suspeitos
esfera jurídica de uma pessoa ou que a afecte cuja associação com o local do crime é meramente
de modo significativo, tomada exclusivamente circunstancial. As decisões judiciais devem ser
com base no tratamento de dados pessoais ou cautelosas já que, por exemplo, a existência de
de perfis de ADN. um álibi ou a incongruência entre a descrição de
Também o Conselho Nacional de Ética para uma testemunha e o aspecto físico do arguido
as Ciências da Vida (CNECV) se pronunciou sobre poderão ser de relevar. Sempre que oportuno o
esta problemática , considerando que o mito da
3
perito pode (e deve) prestar esclarecimentos em
não infalibilidade da identificação genética pode sede de Tribunal.
mesmo comprometer o sucesso da investigação É ainda de atentar que este tipo de prova deve
policial. O excesso de confiança no poder iden- estar igualmente disponível à defesa e à acusação.
tificador do ADN desvaloriza outros métodos de Refere a recomendação n.º R (92) 1 do Comité de
investigação criminal, eventualmente mais fiáveis
de acordo com o caso em concreto. Talvez por 4  Quando a proporção da mistura é pelo menos de 3:1,
a diferença entre os picos de intensidade das bandas permi-
essa razão haja quem conteste a prova do ADN,
te distinguir os dois perfis, excepto se um dos componentes
aconselhando o seu uso apenas como reforço do da mistura for quase inexistente. A interpretação dos perfis
quando a proporção de ADN na amostra é semelhante poderá
veredicto, devendo sempre complementar méto-
eventualmente ser possível através da ‘subtracção’ de um dos
dos policiais clássicos de identificação. perfis, se conhecido
No entanto, não devemos submeter esta 5  A título de exemplo pode não ser possível amplificar
todos os marcadores STR preconizados, designadamente por
discussão a uma regra geral. Casos há em que
drop-out alélico. O menor número de alelos disponíveis para
a prova genética é suficientemente robusta, comparação pode aumentar a probabilidade da amostra cor-
responder a um indivíduo ao acaso, da população
6  Pode ocorrer drop-out ou drop-in (aparecimento de
3  Parecer n.º 52 sobre o regime jurídico da base de dados picos artefactuais) alelico, acrescendo que a possibilidade de
de ADN corresponder a contaminação é elevada
182 BÁRBARA SANTA ROSA

Ministros do Conselho da Europa, sobre o uso de genética o consentimento pode contemplar não
análises de ADN na investigação criminal, que estas só a colheita da amostra, mas também a inclusão
devem ser também acessíveis à defesa, por decisão do perfil numa base de dados. Partilhando o pon-
de autoridade judicial ou por recurso a perícia pri- to de vista de Descartes que considera que age
vada. Quando a quantidade de material biológico com maior liberdade quem melhor compreende
passível de analisar for limitada, deve-se assegurar as alternativas em escolha, existe ainda o dever
que os direitos da defesa não são prejudicados. de informar sobre as finalidades da colheita da
Acrescenta o n.º 3 do artigo 7º da Lei de Protecção amostra e se aplicável explicar o conceito de base
de Dados Pessoais (LPDP) que deve ser permitido
7
de dados de ADN, os tipos de investigação possíveis
o tratamento de dados pessoais, designadamente e os seus potenciais riscos e benefícios, as condi-
através da análise de ADN, sempre que necessário ções e duração do armazenamento da amostra
à declaração, exercício ou defesa de um direito em biológica e do perfil, as medidas de segurança que
processo judicial e for efectuado exclusivamente garantem a confidencialidade dos dados bem como
com esta finalidade. Ou seja, o arguido em pro- a possibilidade de comunicação, às autoridades
cesso penal sempre que considere que a prova de competentes, dos resultados obtidos através do
ADN é bastante para evidenciar a sua inocência exame do material genético.
pode solicitá-la (Moniz, 2002). De acordo com o n.º 1 do artigo 6º da lei
Apesar do número limitado de condenações n.º 5/2008, a base de dados de perfis de ADN é
resultantes (apenas) de correspondências de perfis construída, de modo faseado e gradual, a partir
de ADN, não é negligenciável que a prova de ADN da recolha de amostras em voluntários, para o que
contribuiu e continuará a contribuir para a deten- devem prestar o seu consentimento livre, informa-
ção de autores de crimes de importante gravidade. do e escrito. No entanto a legislação Portuguesa,
prevê a obrigatoriedade de inserção na base de
dados criminal de todos os perfis de condena-
A AU TO N O M I A dos com penas concretas iguais ou superiores
a três anos9. Decorre ainda da Lei n.º 45/2004
Ao princípio da autonomia encontra-se subja- que regula o regime jurídico das perícias médico-
cente o conceito de consentimento (informado), o -legais o dever de sujeição a este tipo de exame10,
qual legitima condutas entendidas de outra forma
como ofensas à liberdade individual. Segundo o 9  Art. 8.º Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro (Recolha de
amostras com finalidades de investigação criminal) 2- (...) é
CNECV8 é imperiosa a obtenção de consentimento ordenada, mediante despacho do juiz de julgamento, e após
sempre que aplicável, ainda que o sujeito em causa trânsito em julgado, a recolha de amostras em condenado por
crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a
seja arguido ou condenado. No âmbito da perícia
3 anos, ainda que esta tenha sido substituída.
10  Art. 6º Lei nº 45/2004, de 19 de Agosto (Obrigatorieda-
de de sujeição a exames) 1- Ninguém pode eximir-se a ser sub-
7  Lei n.º 67/98 de 26 de Outubro metido a qualquer exame médico-legal quando este se mostrar
8  Parecer n.º 52 sobre o regime jurídico da base de dados necessário ao inquérito ou à instrução de qualquer processo e
de ADN desde que ordenado pela autoridade judiciária competente, nos
CAPÍTULO 7. Problemas Éticos do Uso da Genómica Individual na Investigação Criminal 183

devendo a perícia genética de pessoa que não de um encontrão no meio de uma multidão, não
tenha prestado consentimento, ser ordenada pelo são passíveis de rotulação criminal (Moniz, 2002).
juiz, tendo em conta o direito à integridade física Segundo as directivas do Gabinete Parla­
pessoal e à reserva da intimidade do visado11. mentar da Ciência e da Tecnologia do Reino Unido12
Mas importa aqui invocar o artigo 149º do (2006) a colheita de sangue de um suspeito só
Código Penal, o qual esclarece que para efeito de pode ser efectuada com o seu consentimento, mas
consentimento, a integridade física se considera a zaragatoa bucal, por se considerar uma colheita
livremente disponível, desde que a ofensa ao cor- não-íntima dispensa consentimento. No entanto, a
po ou à saúde não contrarie os bons costumes, realização da referida zaragatoa implica a introdu-
tomando-se em conta, nomeadamente, os motivos ção de um objecto numa cavidade corporal, sendo
e os fins do agente ou do ofendido, bem como assim de considerar este argumento frágil. É ainda
os meios empregados e a amplitude previsível da assim inegável que se presumem contemplados
ofensa. É verdade que a colheita de amostras bio- os princípios da proporcionalidade e da adequa-
lógicas, sem consentimento do titular, desde que ção. Desde logo, os bens e valores juridicamente
ofenda o corpo ou a saúde, independentemente da tutelados pelo Direito Penal justificam, em regra,
dor e sofrimento causados, cumpre a factualidade restrições à liberdade, integridade física e moral e
típica de crime de ofensa da integridade física. privacidade das pessoas envolvidas como agentes
Mas, por outro lado, não é de negligenciar que as ou vítimas de um determinado crime13. É ainda
lesões insignificantes ou diminutas, que cumprem de atentar que a obtenção da amostra biológica
o critério de adequação social, como será o caso poderá constituir o único meio de prova.
A obrigatoriedade de sujeição à análise

termos da lei. 2- Qualquer pessoa devidamente notificada ou


de ADN é entendida por alguns autores como
convocada pelo Director de Delegação do Instituto ou pelo Co- atentado ao princípio da não auto-incriminação
ordenador de Gabinete Médico-Legal para a realização de uma
(nemo tenetur se ipsum accusare), que apresen-
perícia deve comparecer, no dia, hora e local designados, sendo
a falta comunicada, para os devidos efeitos, à autoridade judi- ta como matrizes jurídicas os valores e direitos
ciária competente. 3- (...); Art. 172º Código de Processo Penal
fundamentais de dignidade humana, liberdade
(Sujeição a exame) 1- Se alguém pretender eximir-se ou obstar a
qualquer exame devido ou a facultar coisa que deva ser exami- de acção e presunção de inocência. Argui Costa
nada, pode ser compelido por decisão da autoridade judiciária Andrade que as provas obtidas em contravenção
competente 2- Os exames susceptíveis de ofender o pudor das
pessoas devem respeitar a dignidade e, na medida do possível o deste princípio, configurarão inescapavelmente
pudor de quem a eles se submeter. Ao exame só assistem quem
a ele proceder e a autoridade judiciária competente, podendo o
examinando fazer-se acompanhar de pessoa da sua confiança. 12  Parliamentary Office of Science and Technology
11  Art. 154º Código do Processo Penal (Despacho que or- (POST) The National DNA Database (2006)
dena a perícia) 1- A perícia é ordenada, oficiosamente ou a re- 13  Nos casos de incumprimento do dever de sujeição a
querimento, por despacho da autoridade judiciária (...) 2- Quan- exame o examinando será punido por crime de desobediência;
do se tratar de perícia sobre características físicas ou psíquicas Art. 348º CP (Desobediência): 1- Quem faltar à obediência de-
de pessoa que não haja prestado consentimento, o despacho vida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comuni-
previsto no número anterior é da competência do juiz, que pon- cados e emanados de autoridade ou funcionário competente,
dera a necessidade da sua realização, tendo em conta o direito é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa
à integridade física pessoal e à reserva da intimidade do visado. até 120 dias (...)
184 BÁRBARA SANTA ROSA

um atentado contra a integridade moral da pes- defensável, uma vez feita a tipagem dos marca-
soa, particularmente qualificado, na medida em dores e obtidos os perfis de ADN, a conservação
que redunda na degradação da pessoa em mero das amostras identificadas. Esta posição prende-se
objecto ou instrumento contra si própria. Mas com o perigo de potenciais abusos estatais da
em boa verdade a colheita de uma amostra bio- existência de um biobanco associado à base de
lógica para análise não constitui uma declaração dados. Refere ainda o Conselho que quando tal for
contrária à presunção da inocência já que em indispensável à investigação criminal o problema
momento algum o seu titular é obrigado a reco- poderá, em parte, solucionar-se com a conservação
nhecer que praticou determinado facto. Desde separada, por entidades diferentes, de amostras e
logo, estamos perante uma perícia de resultado perfis genéticos. De acordo com a Lei n.º 5/2008
incerto que tanto pode conduzir à condenação de 12 de Fevereiro16 as amostras de voluntários e
como à absolvição do indivíduo que a ela se pessoas condenadas em processo-crime são des-
sujeita (Fidalgo, 2006). truídas imediatamente após a obtenção do perfil de
Para além dos perfis dos condenados com ADN e as amostras problema provenientes do local
penas concretas iguais ou superiores a três anos, do crime são eliminadas quando identificadas com
podem igualmente ser utilizados para fins de in- o arguido, no termo do processo-crime ou no fim
vestigação criminal os perfis de amostras colhidas do prazo máximo de prescrição do procedimento
no local do crime ou cedidas por voluntários que criminal, previsto no Código Penal.
devem prestar o seu consentimento livre, infor-
mado e escrito. Assim, o legislador atentando
ao conflito entre os interesses do arguido e do A P R I VAC I DA D E I N D I V I D UA L
sistema judicial, assegurou que os arguidos e os
condenados cuja pena não enquadra os requisi- Segundo a legislação portuguesa qualquer
tos acima expostos, não podem ser considerados informação de qualquer natureza, relativa a uma
como voluntários, ou seja, o seu perfil, ainda que pessoa singular identificada ou identificável é
determinado no âmbito da investigação criminal, um dado pessoal, enquadrando o perfil genéti-
não pode integrar um ficheiro da base de dados co esta definição. Apesar de não ser possível a
que possibilite a sua utilização para fins de inves-
tigação criminal14.
16  Art. 34.º Lei n.º 5/2008 de 12 de Fevereiro (Destruição
Relativamente à conservação das amos- das amostras) 1- As amostras são destruídas imediatamente
tras biológicas, considera o CNECV15 que não é após a obtenção do perfil de ADN, nos casos das alíneas a) e
e) do n.º 1 do artigo 15.º 2- As amostras colhidas ao abrigo
do disposto no n.º 1 do artigo 8.º só podem ser utilizadas
14  Art. 6.º, Lei n.º5/2008 (Recolha de amostras em vo- como meio probatório no respectivo processo 3- As amostras
luntários) 3- O arguido na pendência do processo criminal referentes aos casos previstos nas alíneas b), c), d) e f) do n.º
apenas pode ser entendido como voluntário na recolha de 1 do artigo 15.º são destruídas, respectivamente, nos prazos
amostras que não impliquem a respectiva utilização para fins previstos no n.º 1 do artigo 26.º 4- O conselho de fiscalização
de investigação criminal comunica ao presidente do INML para que este ordene a des-
15  Parecer n.º 52 sobre o regime jurídico da base de da- truição imediata das amostras, quer as mesmas estejam nos
dos de ADN respectivos serviços ou em entidade protocolada.
CAPÍTULO 7. Problemas Éticos do Uso da Genómica Individual na Investigação Criminal 185

identificação directa do titular do perfil de ADN desta base de dados não contempla os conceitos
através da base de dados, existe um número de de sigilo ou anonimato no seu sentido lato, já
código que possibilita aceder aos dados de iden- que tem um objectivo a eles contrário, permitir
tificação correspondentes. Decorre igualmente a identificação dos titulares da informação nela
da legislação que o consentimento informado introduzida (eventualmente sem consentimento).
é condição sine qua non para a legitimidade do Relativamente à colheita de amostras
tratamento de dados pessoais, acrescentando a biológicas, o Tribunal Europeu dos Direitos do
Constituição da República Portuguesa o direito Homem18, considera que uma intervenção médica
dos cidadãos acederem aos dados informatizados compulsiva, mesmo que de pouca relevância,19
que lhes dizem respeito e conhecerem a finalidade deve considerar-se uma limitação ao respeito pela
a que se destinam, nos termos da lei . 17
vida privada20. No entanto as recomendações do
Assume-se, no entanto, possível que certas Conselho da Europa não proíbem o recurso à
disposições legais possam estabelecer, de alguma coacção na recolha forense de amostras, desde
maneira, excepções a tais princípios. Exemplo dis- que as circunstâncias o justifiquem21. Há ainda
so é a base de dados de perfis de ADN para fins de que atentar ao artigo 3º da Convenção Europeia
investigação criminal, que contraria não só o res- dos Direitos do Homem22 que condena o recurso à
peito pela autonomia e consentimento informado, violência, neste contexto (excepto se estritamente
mas também o direito de privacidade. A criação necessária à detenção do indivíduo). No entan-
to, as repercussões do uso da força teriam que
ser suficientemente importantes para contrariar
17  Art. 35.º
Constituição da República Portuguesa (Uti-
lização da informática) 1- Todos os cidadãos têm o direito de o princípio instituído neste artigo, facto impro-
acesso aos dados informatizados que lhes digam respeito, po- vável quando falamos na recolha de amostras
dendo exigir a sua rectificação e actualização, e o direito de
conhecer a finalidade a que se destinam, nos termos da lei
2- A lei define o conceito de dados pessoais, bem como as 18  Caso Peters v Netherlands
condições aplicáveis ao seu tratamento automatizado, cone- 19  Nomeadamente a colheita de urina para pesquisa de
xão, transmissão e utilização, e garante a sua protecção, desig- drogas ilícitas
nadamente através de entidade administrativa independente
20  Art. 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem
3- A informática não pode ser utilizada para tratamento de
estatui que cada pessoa tem direito ao respeito da sua vida pri-
dados referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação
vada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência e
partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem étni-
ainda que não pode haver ingerência da autoridade pública no
ca, salvo mediante consentimento expresso do titular, auto-
exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver pre-
rização prevista por lei com garantias de não discriminação
vista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade
ou para processamento de dados estatísticos não individual-
democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a
mente identificáveis 4- É proibido o acesso a dados pessoais
segurança pública, para o bem-estar económico do país, a de-
de terceiros, salvo em casos excepcionais previstos na lei 5- É
fesa da ordem e a prevenção criminal, a protecção da saúde ou
proibida a atribuição de um número nacional único aos cida-
da moral, ou protecção dos direitos e das liberdade de terceiros.
dãos 6- A todos é garantido livre acesso às redes informáticas
de uso público, definindo a lei o regime aplicável aos fluxos de 21  Recomendação n.º R (92) 1 do Comité de Ministros
dados transfronteiras e as formas adequadas de protecção de do Conselho da Europa, sobre o uso de análises de ADN na
dados pessoais e de outros cuja salvaguarda se justifique por investigação criminal
razões de interesse nacional 7- Os dados pessoais constantes 22  Art. 3º Convenção Europeia dos Direitos Humanos
de ficheiros manuais gozam de protecção idêntica à prevista (Proibição de tortura) Ninguém pode ser submetido a tortu-
nos números anteriores, nos termos da lei ras, nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes
186 BÁRBARA SANTA ROSA

por zaragatoa bucal. Desde logo, não devemos devem ser eliminados no fim do prazo máximo
subestimar o n.º 2 do artigo 8º da Convenção de prescrição do procedimento criminal. Como
que assume como prioridades assegurar a segu- já referido, um dos componentes do princípio de
rança nacional e a segurança pública, prevenir a privacidade é o anonimato, ou seja, o direito do
criminalidade e respeitar os direitos e liberdades indivíduo não ser sujeito a uma vigilância estatal
de terceiros. ou social excessiva. É este anonimato que permite
Outro ponto que importa discutir quando fa- às famílias e aos indivíduos não ver o seu futuro
lamos de privacidade é o período de tempo que o degradado por escolhas erradas passadas, manten-
perfil de STR, do condenado, permanece na base de do a possibilidade de ingressar em novos projectos
dados criminal. Há quem defenda que estes perfis ou novas relações. Citando Orwell (1949), na sua
deviam constar na base ad eternum, considerando obra 1984, quem controla o passado, controla o
expectável um aumento da probabilidade de obter futuro. De igual forma não deve ser vedada a opor-
correspondências com as amostras provenientes de tunidade de reabilitação e reinserção social àqueles
locais de crime. De acordo com esta perspectiva, os com um passado criminal já que em termos práticos
indivíduos com uma condenação prévia são mais a retenção dos perfis por tempo indefinido aumenta
propensos ao crime que aqueles nunca antes con- a vigilância dos seus titulares, mantendo a seu nome
denados. Poderíamos ainda justificar este ponto de (in)directamente associação ao crime cometido.
vista argumentando que os indivíduos previamente Apesar da natural controvérsia sobre a forma
condenados, em virtude dos crimes que cometeram, como deve ser regulamentada a base de dados
não são dignos dos mesmos direitos dos cidadãos criminal é inegável o seu importante papel na
cumpridores, tornando-se juridicamente defensá- promoção de interesses públicos tais como a
vel admiti-los como os suspeitos “do costume’’ dissuasão criminal, a prevenção da repetição de
(Murphy, 2010). É igualmente comum o argumento condutas ilegais e a confirmação não só da culpa
de que um ex-condenado poderá mesmo beneficiar mas também da inocência dos suspeitos.
da permanência do perfil na base de dados. No
caso de crimes de tendência repetitiva, tais como
abuso sexual, se o indivíduo se mantiver cumpridor A P R I VAC I DA D E FA M I L I A R
da lei, sempre que na sua área de residência ocorra
um crime sexual em que haja prova biológica, será Se quisermos ser mais precisos, a informa-
imediatamente ilibado sem constrangimentos de ção genética não é um simples dado pessoal, é
inquérito policial e/ou detenção temporária. antes um dado familiar, tendo como titular toda
No entanto, define a legislação portuguesa23 a família e não uma pessoa singular24 (H. Moniz,
que os perfis inseridos na base de dados criminal
do processo-crime ou no fim do prazo máximo de prescrição
23  Art. 26.º Lei n.º5/2008 de 12 de Fevereiro (Conserva- do procedimento criminal, previsto no Código Penal (…)
ção de perfis de ADN e dados pessoais) 1 - Os perfis de ADN 24  Este facto pode também colocar algumas dúvidas so-
e os correspondentes dados pessoais são: (…) d) Eliminados, bre a validade do consentimento, mesmo que se trate de um
quando a amostra for identificada com o arguido, no termo consentimento livre e esclarecido
CAPÍTULO 7. Problemas Éticos do Uso da Genómica Individual na Investigação Criminal 187

2002). Assim quando o perfil da amostra bioló- esta abordagem reveste-se de limitações não só
gica proveniente do local do crime não encontra do ponto de vista científico mas também do ponto
correspondência (em todos os alelos dos mar- de vista legal (Kayser et al., 2011).
cadores STR), quando cruzada com os perfis da Desde logo, da pesquisa resultam habitual-
base de dados é possível pesquisar a existência de mente correspondências parciais com vários perfis
correspondências parciais, que denunciem even- constantes na base de dados, ou seja, é identificado
tuais laços familiares biológicos entre o suspeito
25
um conjunto de eventuais familiares do suspeito.
e os titulares dos perfis da base (Smith et al., De facto, a probabilidade de dois indivíduos terem
2012). De facto, os familiares em primeiro grau um perfil de STR correspondente em determinado
partilham aproximadamente metade dos alelos número de loci é considerável (Smith et al., 2012).
dos marcadores STR, sendo que pais e filhos têm Pelo contrário, a força probatória de uma corres-
em comum pelo menos um dos alelos de cada pondência completa reside na improbabilidade
marcador. Familiares ligeiramente mais afastados (muitas vezes expressa por uma razão de vero-
(avós e netos, tios e sobrinhos) partilham cerca similhança de um para vários milhões ou biliões)
de um quarto dos alelos do perfil. da correspondência se dever à existência de outra
Historicamente as autoridades policiais sem- pessoa exactamente com o mesmo perfil. Acresce
pre investigaram relações familiares, sem encon- que quando se estabelece como possível uma
trar grande resistência na opinião pública. Se a relação familiar entre o suspeito e um indivíduo
descrição de uma testemunha ocular permitir cujo perfil consta na base de dados, obrigar esse
identificar um suspeito, vindo-se a comprovar que indivíduo (inocente daquele crime em concreto)
o mesmo tem um álibi passível do excluir como a ceder informações de filiação é uma limitação
autor do crime, será absurdo não colocar como importante à sua privacidade, podendo mesmo
hipótese que algum familiar, nomeadamente um ser questionável se tal conduta se enquadra no
irmão, possa apresentar igualmente traços feno- dogma de ultima ratio, característico do Direito
típicos compatíveis com os realçados no retrato Penal. A este respeito, não devemos no entan-
robot. Surge ainda como inegável que entrevistar to deixar de considerar que podem ser tomadas
possíveis familiares de um suspeito, que even- medidas para minorar intrusões desnecessárias na
tualmente se encontram na posse de informação vida privada tais como, recorrendo ao exemplo da
privilegiada, pode ser essencial à investigação. realidade Californiana, a avaliação da adequação
O recurso à base de dados, para pesquisa familiar, geográfica entre a área de residência do suposto
poderia então ser encarado como uma evolução familiar do suspeito e a zona onde foi cometido o
natural de métodos mais tradicionais. No entanto crime, bem como a estrutura e o passado criminal
da família em causa. Também o facto do suposto
25  O CODIS contém uma ferramenta intitulada Pesquisa familiar se encontrar sob custódia judicial à data da
Familiar, actualmente não utilizada em Portugal para fins de in- investigação criminal poderá, de alguma maneira,
vestigação criminal, no entanto é já utilizado noutros países, no-
tornar ‘mais’ legítima esta abordagem (Gershaw
meadamente nos Estados Unidos da América e no Reino Unido,
apresentando taxas de sucesso de 10-14% (Gershaw et al., 2011) et al., 2011).
188 BÁRBARA SANTA ROSA

Não é igualmente de negligenciar o risco um ‘acaso biológico’ ou um ‘azar de filiação’.


desta ferramenta de análise de ADN, tendo em Impera que os benefícios e incómodos da exis-
conta as suas importantes limitações, contribuir tência da base de dados criminal se diluam por
para a sobrevalorização da prova genética em toda a sociedade, sendo contrário à equidade
detrimento de outros métodos de identificação a sua concentração em determinados grupos
tradicionais, por ventura mais adequados ao populacionais.
caso em concreto. Desta sobrevalorização po- Outro ponto a considerar é a possível reve-
derá resultar visão em túnel, denunciada pela lação de relações familiares biológicas, ou da sua
incúria ou inércia na procura de elementos pro- ausência, desconhecidas ou omitidas intencio-
batórios alternativos (Murphy, 2010). E mesmo nalmente no seio familiar. A possível inserção do
em casos em que não existem alternativas viá- perfil dos condenados na base de dados sem o seu
veis para chegar à identificação do suspeito, consentimento exacerba este problema. Importa
se o mesmo não for familiar de nenhum dos assim que a informação familiar, obtida com re-
indivíduos que têm o perfil na base de dados, curso à base de dados, permaneça confidencial26.
o recurso a esta pesquisa servirá apenas para Deve igualmente assegurar-se que entidades com
diminuir artificialmente o conjunto de possíveis fins alheios à investigação criminal não têm acesso
culpados. A título de exemplo 57% dos indiví- aos perfis constantes na base, nomeadamente o
duos acusados de crime de abuso sexual, num Tribunal de Família, para a resolução de casos de
ano, nunca terão sido detidos ou condenados filiação biológica.
anteriormente (Smith, 2006). Poderíamos mes- Há a concluir que mesmo considerando
mo ir mais longe, afirmando a pesquisa de filia- que os direitos fundamentais de privacidade/
ção biológica como arbitrária e discriminatória, intimidade e autodeterminação informacional
baseando-se na premissa de que os familiares não têm carácter ilimitado, podendo ceder em
de alguém com um passado criminal têm maior nome de interesses comunitários (Moniz, 2002)
probabilidade de cometer um crime do que os e que os conflitos descritos podem ser suavi-
familiares de um qualquer cidadão cumpridor zados restringindo-se o recurso a este método
da lei. Efectivamente, há quem recorra a este de acordo com directivas legais que atentem à
argumento para defender o recurso à pesquisa
26  Art. 28.º Lei n.º 5/2008 de 12 de Fevereiro (Dever de
familiar (Bieber et al., 2006), mas tendo em
segredo) 1- A comunicação ou a revelação dos dados pesso-
conta variáveis como o tipo de conduta e as ais, bem como dos perfis de ADN, mesmo que não identifica-
circunstâncias em que ocorreu, é difícil assumir dos, registados na base de dados, só pode ser efectuada nos
termos previstos na presente lei e no estrito cumprimento das
a existência de uma tendência criminal familiar. normas constantes da Lei da Protecção de Dados Pessoais 2-
Não é portanto defensável considerar que os Os responsáveis pelo processo relativo à colheita de amostras
e à obtenção do perfil, bem como pela inserção, comunica-
familiares de alguém, cujo perfil consta na base ção, interconexão e acesso aos ficheiros que contêm os perfis
de dados, são ‘mais’ suspeitos que os fami- de ADN ou dados pessoais, ficam obrigados a sigilo profissio-
nal, mesmo após o termo das suas funções 3- Igual obrigação
liares de outro indivíduo qualquer, sendo que
recai sobre os membros do conselho de fiscalização, mesmo
estes dois grupos se distinguem apenas por após o termo do mandato
CAPÍTULO 7. Problemas Éticos do Uso da Genómica Individual na Investigação Criminal 189

opinião pública, a utilização desta ferramenta A P R I VAC I DA D E G E N É T I C A


de pesquisa deve considerar-se apenas como
último recurso, nomeadamente nos casos em Excluindo o facto do perfil de STR denunciar
que a amostra biológica é a única prova passível o género do seu titular, este não se relaciona
de permitir a identificação do suspeito 27. Mas, directamente com características fenotípicas do
ainda que o recurso a esta ferramenta cumpra indivíduo. Os loci de ADN utilizados são desig-
os critérios legais de proporcionalidade, pode nados não codificantes ou inúteis, ou seja, à luz
ainda assim ser entendida como inconstitu- dos conhecimentos actuais não lhes é atribuível
cional, contrariando os critérios jurídicos de uma função. Sublinha o CNECV 28 que caso seja
inclusão na base de dados criminal. De facto a encontrada uma associação entre um marcador
pesquisa familiar vai permitir, de forma subtil, não codificante utilizado no perfil e uma doen-
o aumento da inclusividade da base de da- ça ou um traço comportamental, esse marcador
dos, bem como tornar mais abrangente o tipo deverá ser retirado do painel e todos os dados
de informação possível de obter através dos que tenham sido obtidos anteriormente com esse
marcadores STR, escolhidos pela sua suposta marcador deverão ser eliminados.
‘inutilidade’. Mas com o gradual desenvolvimento das
Em boa verdade, se a identificação indirecta técnicas de análise de ADN é possível aceder a
de um suspeito através de perfis de indivíduos que uma quantidade crescente de informação pes-
sabemos inocentes, é percebida pela comunidade soal a partir de uma amostra biológica. Assim,
como sendo benéfica, não seria uma alternativa tendo em conta o limitado alcance da base de
óbvia e justa criar uma base de dados Nacional/ dados criminal na identificação de suspeitos, aos
Universal? problemas já discutidos soma-se a preocupação
de que, no futuro, haja pressão para expandir o
espectro das análises genéticas da amostra bioló-
27  Há ainda a contemplar outras possibilidades, nomea- gica proveniente do local do crime à fenotipagem.
damente à análise de marcadores haplótipos do cromossoma
Y. Estes marcadores são transmitido por linha paterna, à se-
melhança do sobrenome, de acordo com a realidade portu-
1. FENOTIPAGEM INDIRECTA
guesa, podendo o seu estudo ser revelador deste importante
dado individualizante. King et al. (2006) realizou um estudo,
Da hiperactividade da ciência resultou já a
no Reino Unido, e verificou que com esta metodologia é pos-
sível determinar correctamente o sobrenome do suspeito em possibilidade de inferir a ancestralidade do ti-
19% dos casos, sendo a percentagem mais elevada quando tular de uma amostra a partir do perfil de STR,
o último nome em causa é incomum. Também neste tipo de
pesquisa se levantam as questões de privacidade familiar dis- com base em estudos de frequências alélicas
cutidas, falhando a inferência sempre obviamente que o so- populacionais 29. Com a aplicação informática
brenome do indivíduo não reflicta um laço familiar biológico.
Podemos ainda evocar que exames genéticos de marcadores
do cromossoma Y podem inadvertidamente denunciar dele- 28  Parecer n.º 52 sobre o regime jurídico da base de da-
ções genéticas associadas nomeadamente a infertilidade. Este dos de ADN
facto remete-nos novamente para a discussão acerca do aces- 29  Fonseca et al (2011) Supplement for ’On using machi-
so arbitrário a informação médica individual. ne learning to predict the affiliation of an individual to a major
190 BÁRBARA SANTA ROSA

PopAffiliator230, é possível traduzir o número de populacional devemos assumir que ele partilha
repetições de cada alelo nos loci dos 17 marcado- as suas características fenotípicas. Este tipo de
res STR autossómicos, habitualmente analisados inferência reveste-se de muita fragilidade, já que
na perícia Genética em Portugal, por probabili- os vínculos existentes entre o genótipo e o fe-
dades de pertença, do titular da amostra, a cinco nótipo são ardilosos. De facto, o conhecimento
grandes grupos populacionais . Esta análise de
31
da ancestralidade nem sempre providencia uma
inferência biogeográfica permite ter uma noção, inferência fiável da aparência do indivíduo e nem
ainda que muito vaga, da provável aparência do sempre o fenótipo permite determinar de forma
titular da amostra, enquadrando o conceito de consistente a ancestralidade. Parra et al. (2003)
fenotipagem indirecta. Mas considerando a ubi- estudaram uma amostra de indivíduos de naciona-
quidade alélica populacional (mesmo quando lidade Brasileira, constatando que dos indivíduos
falamos de polimorfismos STR), o valor preditivo classificados como “definitivamente caucasóides”
deste tipo de análise não é, para já, satisfatório (por análise visual de dois peritos), cerca de um
(Shriver et al., 2005 e Kayser et al., 2011). quarto apresentava uma proporção de ancestra-
No entanto, alguns polimorfismos de nucleó- lidade genética Africana ou Ameríndia superior a
tido único (SNP), pertencentes a loci codificantes 50%. Da mesma forma, indivíduos classificados
da molécula de ADN, apresentam frequências como “inequivocamento negróides” apresenta-
significativamente diferentes em grupos popu- vam preponderância genética Europeia. Decorre
lacionais distintos, sendo denominados de mar- do exposto que o recurso a este tipo de dados
cadores informativos da ancestralidade (MIA). deve ser cauteloso, podendo mesmo funcionar
É de referir, a título de exemplo, que determinados como factor de distracção na investigação crimi-
alelos associados a doenças raras existem apenas nal, criando expectativas ilusórias relativamente
num determinado grupo populacional ou familiar, ao fenótipo do agente do crime. Sublinha-se no
podendo ser utilizados para fins de identificação entanto que a crítica recai mais uma vez sobre a
forense 32
(Bobadilla et al., 2002; Loader et al., fenotipagem indirecta, não obstante poder ser
1996). Mas também aqui recorremos à fenoti- útil o conhecimento da procedência biogeográfica
pagem indirecta, considerando que se o titular do suspeito à investigação em curso.
da amostra pertence a um determinado grupo De facto, com a natural diminuição dos custos
e das barreiras tecnológicas, se a implementação
population group based on a forensic based set of autosomal deste tipo de testes aparentemente aumentar a
STR’ disponível para consulta em http://cracs.fc.up.pt/~nf/po- eficácia da investigação criminal as pressões para
paffiliator2/
o seu uso rotineiro serão enormes. Uma hipótese
30  http://cracs.fc.up.pt/~nf/popaffiliator2/
seria invocar aqui o princípio da proporcionalida-
31  Ásia, Eurásia, África sub-Saariana, Norte de África,
Médio Oriente de, afirmando que de acordo com a gravidade da
32  Foram já identificados cerca de 1000 alelos do Gene conduta e os bens jurídicos ofendidos se poderia
Regulador da Condução Transmembrana da Fibrose Quística
justificar uma análise ‘mais completa’ da amostra
(CFTR), a maioria deles existindo numa única família ou num
pequeno grupo de indivíduos biológica proveniente do local do crime, desde que
CAPÍTULO 7. Problemas Éticos do Uso da Genómica Individual na Investigação Criminal 191

tais dados pudessem apenas servir a investigação Mas o conceito de raça alimenta-se não só de
criminal que tornou legítima a sua obtenção. Mas factores biológicos, mas também sócio-culturais,
há que observar cum grano salis esta possibilidade, pelo que é complexo e mutável, não definível pelo
já que o estudo genético da ancestralidade com estudo de marcadores genéticos (Pilar, 2006). Na
aplicação forense se reveste não só de proble- realidade, a espécie humana é demasiado recente
mas práticos, mas também conceptuais. De fac- para acumular diferenças genéticas substanciais.
to, um debate multidisciplinar entre historiadores, Não obstante o facto de que grupos populacio-
antropólogos, biólogos e eticistas tomou conta nais próximos geograficamente apresentem mais
da problemática do recurso a informações sobre semelhanças genéticas entre si do que quando
ancestralidade genética na investigação criminal. comparados com populações longínquas. Jorde
Duster (2006) invoca a possibilidade do con- et al. (2004) afirmam que a variabilidade gené-
ceito de ancestralidade genética poder reforçar tica surge de forma contínua e sobreponível nas
ou recriar o estereótipo de que as minorias são várias populações. Assim, com o intuito de evitar
perigosas e moralmente inferiores. Ossorio (2006) a confusão entre o conceito de ancestralidade e
vê com alguma ansiedade a associação entre afi- o conceito racial, os investigadores aconselham
nidade populacional, genes e crime, sublinhando que os resultados da fenotipagem indirecta sejam
que o carácter probabilístico/orientador da infe- apenas geográficos (Kayser et al., 2011).
rência biogeográfica possa ser mal interpretado, Também não devemos descurar o facto dos
legitimando que as minorias comunitárias sejam dados genealógicos disponíveis às famílias serem,
o principal alvo da justiça. Esta problemática tem na grande maioria dos casos, escassos e superfi-
pouco de original, ao longo do século XIX muitos ciais, com possibilidade de recuar apenas algumas
foram os investigadores (Cartmill, 1998) que procu- gerações. Um teste genético de ancestralidade
raram padrões de diferenças entre indivíduos com pode revelar informações que o individuo desco-
distintas afinidades populacionais. Esta taxonomia nhece sobre si mesmo ou que ocultou intencio-
racial devia considerar características tais como nalmente, configurando eventualmente uma expe-
o comprimento dos membros, a cor da pele e a riência desconcertante ou mesmo estigmatizante.
textura capilar. Já no século XX tornou-se evidente
a impossibilidade de chegar a um consenso sobre a 2. FENOTIPAGEM DIRECTA
existência de raças humanas, dado que as fronteiras
antropométricas bem definidas entre populações, Mas cientificamente ainda não esgotá-
apanágio de tal conceito, se esbateram à medida mos todas as alternativas33, restam os SNPs que
que o número de indivíduos, características e locais
geográficos estudados se acumulou. A constatação 33  Pode-se ainda recorrer ao ADN mitocondrial, que é
apenas transmitido pela mãe (não recombinante). O perfil de
da possibilidade de utilização do genoma huma- ADN mitocondrial pode ser rastreado por várias gerações atra-
no para fins de identificação individual, parece vés dos familiares maternos, já que apesar de mutações pontu-
ais que ocorrem ao longo de período de tempo considerável,
erradamente ter animado expectativas de que a
a sequência permanece muito semelhante. Não permite no
‘tal’ essência racial residisse na molécula de ADN. entanto fazer pesquisas familiares já que indivíduos não rela-
192 BÁRBARA SANTA ROSA

codificam características físicas de forma directa ser especialmente específico ou exacto para se
e permitem uma fenotipagem igualmente directa. considerar satisfatório e pode eventualmente
O estudo de associação global do genoma34 é providenciar um meio útil e idóneo de avaliar a
um procedimento validado para identificar loci fiabilidade das descrições de testemunhas ocula-
responsáveis pela variação de características po- res ou outros tipos de profiling, nomeadamente
ligénicas correlacionando o genótipo de milhares psicológico.
de SNP com fenótipos de interesse tais como Actualmente o desenvolvimento de carac-
pigmentação do cabelo, olhos e pele. De todos terísticas psicológicas e de psicopatologia não
os traços físicos estudados até agora a cor dos é bem compreendido (Jacob et al., 2005; Hariri
olhos é o mais fiável, existindo já um kit para uso et al., 2002; Kandel et al., 2001). Pensa-se que
forense, denominado IrisPlex®, que possibilita a genética, neste campo, exerce uma influência
perceber qual a proporção probabilística do ti- de cerca de 50%, sendo os factores ambientais
tular da amostra apresentar íris de cor verde ou responsáveis pelo resto. Este facto não impede
castanha (Walsh et al., 2011). que existam já profecias sobre o possível uso da
Mas também este tipo de análise não passa amostra encontrada no local do crime para obter
de uma previsão já que a precisão da inferência de perfis psicológicos, tomando em conta a associa-
uma característica fenotípica através do genótipo ção existente entre psicopatologia e comporta-
depende do número de SNP que contribuem de mento criminal (Smith, 2006).
forma independente para essa característica e Tornam-se assim evidentes diversos proble-
de influências ambientais (Kayser et al., 2011). mas de cariz ético, quando falamos do uso de ADN
Conclui-se então que mesmo no auge do seu para fins de identificação, não por comparação
potencial a genética forense nunca produzirá uma de perfis mas por análise directa dos seus loci
imagem do titular da amostra estudada compa- codificantes. De relance a informação genética
rável com uma fotografia. De facto, as descri- sobre o fenótipo do indivíduo pode não parecer
ções geneticamente baseadas não identificam tão sensível como a informação médica. Podemos
um suspeito em particular mas uma população de mesmo argumentar que este tipo de informação
suspeitos. Ainda assim, tendo em conta a notória pessoal é visível ou de fácil acesso. Mas não nos
falta de exactidão de outros métodos de iden- precipitemos! O estudo dos SNP pode revelar vá-
tificação alternativos, este método não precisa rias informações pessoais em simultâneo. Ou seja,
um alelo associado à cor da pele pode também

cionados familiarmente podem partilhar o mesmo ADN mito-


denunciar predisposição genética para determi-
condrial desde que partilhem um ascendente feminino muito nada doença, isto porque os genes podem par-
tempo atrás. Por outro lado, a uniformidade geracional do ADN
ticipar activamente em diversas vias metabólicas.
mitocondrial permite assim que este seja usado para determinar
a ancestralidade de uma forma muito fiável, podendo-se che- Acresce que muitos MIA se associam directamente
gar ao país de origem geográfica do suspeito. Este tipo de exa- à propensão ou manifestação patológica.
me de ADN foi já considerado como prova em julgamentos nos
EUA e é usado pelo FBI para obtenção de perfis (Smith, 2006). Para além de questões relacionadas com a
34  GWAS; Genome-wide asociation studies privacidade e a autodeterminação informacional,
CAPÍTULO 7. Problemas Éticos do Uso da Genómica Individual na Investigação Criminal 193

já que grosso modo quanto mais individualizante, encontre aqui uma resposta definitiva. Por outro
íntima e pessoal for a informação obtida através lado, se assumirmos a existência de uma taxa de
da perícia genética, maior a sua utilidade, pode- crime desproporcionadamente elevada nos grupos
remos ainda invocar a problemática da discrimi- populacionais minoritários seria plausível assumir
nação35. Harris et al. (1999) identificaram algum que a fenotipagem, aumentando o número de
enviesamento no tratamento de minorias popu- detenções, logo a segurança, poderia beneficiar
lacionais pelas forças de segurança pública. Após tais comunidades. Mas será que os benefícios
consulta dos registos policiais relativos ao controlo hipotéticos superam os possíveis danos?
do trânsito, verificou-se que os indivíduos ‘latinos’ De acordo com a Recomendação n.º R(97) 5
e ‘negróides’ tinham uma probabilidade oito vezes do Comité de Ministros do Conselho da Europa,
maior de serem parados em operações stop do sobre a protecção de dados clínicos, a perícia ge-
que os ‘caucasóides’. Há quem defenda que a nética deve apenas ser usada para fazer prova, no
aplicação destes testes genéticos poderia contri- contexto de uma ofensa criminal. Em nenhum caso
buir para a igualdade de tratamento das minorias deve ser usada para determinar outras característi-
populacionais, substituindo-se o preconceito pelos cas de cariz genético. Consta ainda na Resolução
dados decorrentes da análise científica . Por ou-36
do Conselho Europeu de 25 Junho de 2001, relativa
tro lado, sempre que o teste genético apontasse à partilha de resultados de análises de ADN que
o suspeito como membro de uma minoria esse os Estados-Membro devem limitar o intercâmbio
facto seria mais facilmente percebido como justo às zonas do cromossoma sem expressão genética.
pela comunidade em questão. Neste sentido, apesar de grande parte dos
No entanto, se a análise genética revelar países Europeus, designadamente Portugal, não
que o seu titular pertence ao grupo populacional possuir legislação específica sobre a fenotipagem,
dominante essa informação será, obviamente, de na prática a genética forense analisa apenas loci
menor utilidade do que se, pelo contrário, estabe- de ADN não codificantes. A lei Belga assume que
lecer uma relação com uma minoria. Será portanto o único propósito da perícia genética no âmbito
pouco provável que o problema da discriminação da investigação criminal é a comparação de perfis
de ADN para, directa ou indirectamente identificar
35  Refere o artigo 14° da Convenção Europeia dos Direitos o perpetrador ou a vítima. O uso do ADN para
do Homem (sobre proibição de discriminação) que o gozo dos
direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção deve outro tipo de análise genéticas encontra-se tipi-
ser assegurado sem quaisquer distinções, tais como as funda- ficado como crime. A Holanda surge como único
das no sexo, raça, cor, língua, religião, opiniões políticas ou
outras, a origem nacional ou social, a pertença a uma minoria
país Europeu que tem uma lei específica sobre
nacional, a riqueza, o nascimento ou qualquer outra situação. fenotipagem, tendo acrescentado ao seu Código
36  M’Charek (2008) descreve um caso em que uma de Processo Penal, em 2003, a possibilidade de
criança de 16 anos foi assassinada numa cidade Holandesa,
tendo o estudo genético da ancestralidade revelado a origem determinar características físicas visíveis desde o
ocidental/europeia do culpado. A população enfurecidamente nascimento, a partir de uma amostra biológica
convicta de que o crime tinha sido cometido por um dos indi-
encontrada no local do crime e pertencente a
víduos provenientes do norte de áfrica ou do médio oriente re-
sidentes na hospedaria local, viu assim o seu ânimo acalmado. um suspeito desconhecido (Koops et al., 2008).
194 BÁRBARA SANTA ROSA

Apesar de todos os problemas apontados é que considerou de importância capital na biopo-


de admitir a fenotipagem como uma alternativa lítica, termo que decorre da atenção dada pelo
importante quando não existem outras formas governo à vida humana, no seu sentido biológico.
de se identificar o suspeito. No futuro a análise Existe assim importante relação entre a biossocia-
de ADN vai tornar-se mais fiável e detalhada, lidade e o biopoder (a administração da vida) que
alargando-se o espectro de características iden- apesar de simbiótica não deixa de suscitar alguma
tificáveis. Tão pouco é possível excluir, com toda controvérsia, nomeadamente no que diz respeito
a certeza, que marcadores genéticos até ago- aos usos sociais da genética. Mais recentemente
ra considerados inúteis possam indirectamente Lynch e McNally (2008) surgem como autores do
influenciar ou programar a expressão genética. conceito biolegalidade, representativo da rela-
Há assim que regular o uso destas ferramentas, ção de cooperação entre a lei e a biotecnologia,
considerando sempre que a ciência pode eminen- sendo perceptível neste contexto um processo
temente mudar de paradigma. Seria importante contínuo de redefinição dos direitos e do estatuto
regular o recurso à fenotipagem, atentando à do corpo do suspeito e da credibilidade da prova
opinião pública e legislações já implementadas, criminal. De facto, o armazenamento de perfis
nomeadamente a Holandesa. Consta da recente de ADN numa base de dados é um poderoso
revisão Australiana do crimes act (1914) que as instrumento de biovigilância. É importante intro-
legislações não devem encarar de forma proibi- duzir na discussão o princípio da equidade, sen-
tiva o recurso às tecnologias de análise de ADN, do nomeadamente de assegurar que os critérios
devendo no entanto ser aplicadas após escrutínio de inclusão (de cariz mutável) na base de dados
público. Uma abordagem proactiva desta temática criminal, não possibilitem uma distribuição desi-
pela lei penal poderia, por um lado, prevenir a gual de grupos comunitários em si representados,
absolvição de culpados por inadmissibilidade de evitando assimetrias populacionais de vigilância
provas-chave em Tribunal e por outro evitar viola- governamental. Orwell no ensaio ‘A Política e a
ções desnecessárias da privacidade dos suspeitos. língua inglesa’ (1946) enquadra a equidade numa
lista de palavras às quais são atribuíveis diferentes
significados, muitos deles esquivos. De facto o
BA SE D E DA D OS U N I V E R SA L , autor tinha já sublinhado na sua obra ‘Triunfo do
U TO P I A O U D I S TO P I A? Porcos’ (1945) que ‘os animais são todos iguais,
mas uns são mais iguais que outros’.
As bases de dados de ADN representam um A este propósito Alec Jeffreys referiu na
exemplo de associação entre novas e eficazes Conferência Anual da Sociedade Britânica de
formas de controlo social a estratégias político- Genética Humana, no ano de 2001, que a criação
-governamentais de controlo do crime. Rabinow de uma base de dados universal é a forma mais
(1996), epígono de Foucault, no seu ensaio sobre ética de armazenar os perfis, anulando muitas
a antropologia da razão, chamou à sobreposição das questões relacionadas com a discriminação
entre os conceitos social e vital biossocialidade, e com a privacidade. Desde logo eliminava-se
CAPÍTULO 7. Problemas Éticos do Uso da Genómica Individual na Investigação Criminal 195

a possibilidade da base representar despropor- violação de importantes princípios constitucio-


cionalmente diferentes grupos populacionais. nais, passando-se a considerar todos os indiví-
Acresce que a expansão da base permitiria que duos como possíveis perpetradores de crimes.
os perfis de STR fossem suficientes para identificar De facto, haverá uma obrigatoriedade de toda
os titulares das amostras encontradas nos locais a população se sujeitar a análise genética, in-
dos crimes, inutilizando o recurso à fenotipagem dependentemente de suspeita criminosa. Mas
em contexto forense (Williams et al. 2004). não pode deixar de ser referido que a nossa
Mas o conceito de base de dados universal legislação prevê esta possibilidade, nomeada-
pode pôr em causa o princípio jurídico da pro- mente no Código da Estrada 39 que prescreve
porcionalidade, já que da importante restrição de que o condutor ou a pessoa que se propôs a
liberdade e autonomia individual resultará um pá- iniciar a condução, apesar de não ser arguido
lido aumento da segurança pública. Há ainda que ou suspeito num processo-crime, tem que se
atentar a questões de injustiça distributiva, pois submeter a exames de determinação da taxa de
o investimento humano e económico necessário alcoolemia. É de relembrar que nos casos em que
para criar uma base de dados universal é despro- seja impossível proceder a pesquisa de álcool no
porcionado relativamente aos ganhos expectáveis 37
ar expirado verifica-se a obrigatoriedade de su-
sendo de considerar que na ausência de meios jeição a punção venosa para colheita de sangue.
para garantir boas condições de vida ao conjunto Mas, independentemente dos prós e dos
da população, não é defensável tal investimento. contras despertados pela base de dados univer-
Também não deve ser negligenciada a pos- sal, a tendência é que os critérios de inclusão,
sibilidade de que, nomeadamente, disputas po- excepção a excepção, se vão tornando mais abran-
líticas propiciem a utilização desadequada desta gentes. Em boa verdade, o Reino Unido dispõe
informação. Sublinha o CNECV que a informação
38
já de uma base de dados nacional. Justifica-se
contida na base de dados pode ser usada para aqui citar José Saramago: de que adianta falar
estudos forenses e mesmo para estudos epide- de motivos, às vezes basta um só, às vezes nem
miológicos desde que se assegure o anonimato juntando todos 40 .
irreversível dos dados, não sendo, no entanto,
aceitável o uso de amostras associadas à obtenção 39  Art. 152º 1-Devem submeter-se às provas estabeleci-
das para a detecção dos estados de influenciado pelo álcool
de perfis para investigação biomédica. ou por substâncias psicotrópicas a) os condutores; b) os peões,
Há ainda quem sublinhe que a criação sempre que sejam intervenientes em acidentes de trânsito; c)
as pessoas que se propuserem a iniciar a condução 2-(...) 3- as
de uma base de dados universal expressa uma pessoas referidas nas alíneas a) e b) do nº 1 que recusem sub-
meter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado
de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas
37  Alguns autores propõem como solução que a tipa- são punidas por crime de desobediência 4-(...) 5- O médico
gem fosse realizada ao nascimento. É igualmente de admitir ou paramédico que, sem justa causa, se recusar a proceder
uma gradual diminuição do custo analítico por indivíduo inclu- às diligências previstas na lei para diagnosticar o estado de
ído na base de dados, ao longo do tempo. influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas é
38  Parecer n.º 52 sobre o regime jurídico da base de da- punido por crime de desobediência
dos de ADN 40  Em Jangada de Pedra (1986)
196 BÁRBARA SANTA ROSA

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(Página deixada propositadamente em branco)
AG R A D EC I M E N TOS

Agradecemos a todos os especialistas e téc-


nicos de Genética Forense do Instituto Nacional de
Medicina Legal e Ciências Forenses que ao longo
de muitos anos deram o seu melhor para que
esta área das ciências forenses tenha atingido a
qualidade e a segurança que lhe são reconhecidas.
(Página deixada propositadamente em branco)
Francisco Corte-Real
Licenciado, Mestre e Doutorado em Medicina (Medicina Legal), pela
Universidade de Coimbra. Especialista e assistente graduado em Medicina
Legal. Presidente do Colégio da Especialidade de Medicina Legal da
Ordem dos Médicos. Professor Associado com Agregação e Sub-director
da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Desempenhou
funções de Director da Delegação do Centro e Vice-Presidente do Conselho
Directivo do Instituto Nacional de Medicina Legal, bem como membro do
Conselho Médico-Legal. Foi Presidente da Sociedade Portuguesa de Genética
Humana, co-Presidente do 21st International Congress da International
Society for Forensic Genetics, Coordenador da Comissão que elaborou
o projecto de Lei sobre a Base de Dados de Perfis de ADN. Representou
Portugal na EDNAP (European DNA Profiling Group) e no Prum Treaty
DNA Technical Working Group. Foi Presidente da Associação Portuguesa
de Avaliação do Dano Corporal, Deputy do European Council of Legal
Medicine, Sócio-Fundador do Centro de Estudos de Pós-Graduação em
Medicina Legal e membro da Direcção do Centro de Ciências Forenses.

Duarte Nuno Vieira


Professor catedrático da Universidade de Coimbra. Presidente do Conselho
Europeu de Medicina Legal, do Conselho de Consultores Científicos do
Procurador do Tribunal Penal Internacional, da Associação Portuguesa de
Avaliação do Dano Corporal e Vice-Presidente da Confederação Europeia
de Especialistas em Avaliação e Reparação do Dano Corporal. Presidiu à
Academia Internacional de Medicina Legal, Associação Internacional de
Ciências Forenses, Associação Mundial de Médicos de Polícia, Academia
Mediterrânea de Ciências Forenses e Associação Latino-Americana de Direito
Médico. Tem exercido funções como Consultor Forense Temporário no âmbito
do Alto Comissariado dos Direitos Humanos das Nações Unidas, Consultor
Forense do Comité Internacional de Cruz Vermelha e perito forense do
Conselho Internacional de Reabilitação de Vítimas de Tortura. Foi Diretor do
Instituto de Medicina Legal de Coimbra e Presidente do Instituto Nacional
de Medicina Legal e Ciências Forenses e do Conselho Médico-Legal.
OBRA PUBLICADA
COM O APOIO

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